Os caminhos de Bolonha
por Rui Namorado Rosa
Desde Maastricht (Fevereiro de 1992) que a Educação e a
Formação Vocacional figuram como objectivos no Tratado da
União Europeia. Progressivamente, a Educação e a
Formação foram adquirindo acrescido protagonismo na
política e na legislação europeia.
Até que agora, a proposta Constituição Europeia inclui a
Educação entre as áreas em que à União
é permitido tomar, por maioria, decisões sobre
acções de apoio, sem que os estados membros possam exercer
direito de veto.
Significará isso que, a valer o texto da Constituição, em
futuras negociações no âmbito do Acordo Geral sobre
Comércio de Serviços (GATS), a liberalização de
serviços públicos sobre toda a União
ficará à mercê da decisão da maioria dos estados
membros. Sabendo que a maioria foi já favorável a
concessões nos domínios da educação, saúde,
segurança social e audiovisuais em anteriores negociações,
devemos tomar muito a sério os riscos que impendem sobre o ensino
público, ou seja sobre o efectivo e livre acesso à
Educação.
Nestes doze anos que medeiam desde 1992 (Tratado de Maastricht) sabemos qual
foi o sentido de evolução do ensino superior na Europa em geral,
em Portugal concretamente. A Declaração e o processo de Bolonha
não surgiu nem evolui num vácuo, mas sim num contexto e numa
evolução política de nítido contorno neoliberal.
A história não acabou e os erros podem ser rectificados. Mas
é urgente reconhecê-los e querer influir nesse curso. Muitos de
nós ainda não tomámos partido. Os caminhos de Bolonha
são aqueles que quisermos caminhar.
O PROCESSO DE BOLONHA
A heterogeneidade do sistema de ensino superior europeu é considerada
como sendo um obstáculo à integração europeia.
Evitando, por ora, questionar os objectivos da integração
europeia, aceitemos como bom o objectivo de construção de uma
Espaço Europeu do Ensino Superior, fixado pela Declaração
de Bolonha (Junho de 1999). Este espaço beneficiará certamente da
diversidade em aspectos culturais, linguísticos, metodológicos e
especialização; a cooperação entre diversos
não só foi profícua no passado como pode ser incrementada
como um bom caminho para atingir um melhor futuro.
Porém, o processo de Bolonha, sendo dirigido para a convergência
de sistemas nacionais diversos, é um processo ambivalente. Actualmente
observam-se tendências para afastamento do modelo universitário
tradicional e para especialização em muitas universidades. Estas
tendências surgem como ameaça à investigação
interdisciplinar e à missão cultural das universidades.
A Declaração de Bolonha não é um tratado
internacional, é uma declaração de intenção
política vaga e aberta. Não fixa nenhum padrão de graus
rígido (por exemplo 3-5-8, que apenas figurava no relatório do
ministro da Educação de França para a reforma do sistema
francês, à época em que foi firmada a
Declaração da Sorbonne) embora fixe o objectivo da sua
comparabilidade. Neste respeito, o seu impacto far-se-á sentir no
sentido de favorecer períodos de formação inicial mais
curtos (sobretudo no caso de planos de estudo inicial longos sem saídas
formais antes de 5, 6 ou 7 anos de estudos) e na introdução de um
primeiro grau onde ele não existia. Outra consequência será
favorecer a integração num único sistema o
universitário e outros sistemas não universitários de
ensino superior.
A agenda para a construção do Espaço Europeu do Ensino
Superior é ambivalente: apela à competição
inter-institucional, por um lado, e à cooperação, por
outro. Nem sempre os dois apelos serão conciliáveis nem o
prosseguimento simultâneo das duas agendas será possível; e
será ingénuo presumir que a agenda social é
prioritária.
O processo de Bolonha não é neutro, implica investimentos
iniciais e custos correntes adicionais; se os financiamentos não forem
acrescidos, outras vertentes do trabalho e funções institucionais
serão prejudicadas. Ora tal incremento não está fixado na
agenda política e, pelo contrário, os financiamentos
públicos estão e assumidamente continuarão em
retracção prolongada.
A mobilidade dos estudantes é um ponto forte do discurso e a linha de
acção mais visível neste processo. Pelo contrário,
é surpreendente a falta de atenção que tem merecido a
mobilidade de docentes, particularmente o recrutamento pan-europeu de
professores; existem obstáculos à mobilidade com salvaguarda de
direitos e de segurança social; corpos docentes constituídos na
base de quase uma só nacionalidade continuam sendo a norma; é um
domínio em que a internacionalização está muito
atrasada.
O que o processo de Bolonha deveria ser mas não é: a
participação dos docentes e das associações e
sociedades profissionais na sua concepção e
aplicação; a atribuição de recursos para as
inovações curriculares e metodológicas propostas; a
garantia de acessibilidade ao ensino superior e à
orientação vocacional no seio do sistema; um regime de acesso
flexível e de mobilidade inter e intra institucional para os estudantes;
a acrescida autonomia institucional e a suficiência de recursos para a
exercer, visando realizar os objectivos generosos que se vislumbram no
enunciado da Declaração de Bolonha.
O processo de Bolonha mergulha as instituições de ensino na
autocrítica e na reforma, porém, o estrangulamento financeiro do
sistema, a precarização do estatuto de docentes e investigadores
e a liberalização dos serviços públicos
prosseguem a sua marcha. É a condução de uma
política da União Europeia afirmadamente de
projecção mundial, porém descartando os próprios
agentes dessa mudança e sem que sejam dotados os recursos para a
alcançar. Ou é absurdo ou é táctico.
Tal como está, o processo de Bolonha funciona como motivo de
distracção e de adiamento da apreciação concreta de
problemas e da busca de soluções inovadoras, para vir a
justificar mais tarde a imposição de figurinos e normas de
opção anti-democrática.
O processo de Bolonha não se passa apenas no interior do sistema de
ensino, por vontade e na acção dos estudantes, professores e
órgãos institucionais, num vácuo de acção a
pressão política exterior. O processo decorre ao mesmo tempo e
confronta-se com as consequências aparentemente invisíveis das
negociações recorrentes no âmbito da OMC (GATS); bem como
com os dispositivos legais adoptados pela Comissão Europeia; e,
finalmente, com as graves disposições da presente
Constituição Europeia.
O resultado será ou a polarização drástica entre
uma centena de universidades europeias de sucesso que acolherão a
formação de elites, por um lado, e alguns milhares de
instituições de segundo plano, por outro lado, que
proverão o ensino à larga maioria da população. Ou,
em alternativa ou em simultâneo, a privatização em larga
escala da oferta de ensino a expensas da redução drástica
do ensino público.
O SISTEMA DE ENSINO SUPERIOR
O acesso ao ensino superior das camadas jovens, com bagagens económica e
cultural muito desiguais, e também, cada vez mais, de diferenciados
grupos de trabalhadores no activo ou desempregados, por um lado, e, por outro,
a diversificação e especialização de
domínios de conhecimento e de perfis profissionais, colocam às
instituições de ensino exigências de permanente
inovação e reavaliação das suas actividades. O
alargamento da base de acesso ao ensino superior coloca, com acrescida
acuidade, a preparação prévia ou vestibular e a
orientação e integração escolar dos jovens
estudantes; a taxa de insucesso escolar é preocupante, não tanto
pela sua novidade, mas pela diversidade dos problemas que evidencia, em
contraste com a notória escassez de recursos disponibilizados para os
poder ultrapassar.
A mobilidade internacional de estudantes é um importante ingrediente do
processo de Bolonha e um dos seus mais remotos percursores. O programa Erasmus
foi lançado em 1987 e, desde então até 2003, apoiou a
mobilidade de um milhão de estudantes. Mas, embora o apoio à
mobilidade tenha crescido, o progresso foi lento; mesmo actualmente, apenas 2%
dos 15 milhões de estudantes europeus beneficiam dele; e como o apoio
é insuficiente, não existe igualdade de oportunidade de acesso
à mobilidade para jovens de meios desfavorecidos. Por outro lado, a
mobilidade é manifestamente assimétrica; em quase todos os
países os fluxos apresentam saldo nitidamente ou positivo ou negativo; a
Irlanda, o Reino Unido, a França, a Holanda, a Dinamarca e a
Suécia são decididamente importadores líquidos de
estudantes Erasmus.
A atracção por vias profissionais real ou ilusoriamente mais
acessíveis ou compensadoras, em contraste com a falta de perspectiva de
carreira e condições de trabalho na investigação e
na tecnologia bem como no ensino superior, afastam jovens do prosseguimento de
estudos em ciências e tecnologias. O reduzido fluxo de jovens graduados
nestes domínios, repercute-se na qualificação média
dos professores que vão ensinar a níveis básico e
secundário, e consequentemente no interesse e no percurso ulterior dos
seus alunos, deste modo contribuindo para a redução dos
estudantes que ingressam no ensino superior nesses mesmos domínios. Este
é um, entre outros, ciclo vicioso que envolve todos os níveis de
ensino e que cria um défice de jovens qualificados para a I&D sobre toda
a Europa. Este é um grave problema, percepcionado sobretudo nos
países dotados de sistemas produtivos mais desenvolvidos, mas não
só nestes, e que conduz a políticas activas de recrutamento no
estrangeiro da força de trabalho qualificada em falta.
O processo de Bolonha é supervisionado por um grupo de acompanhamento
composto por representantes dos estados aderentes, a Comissão Europeia e
membros consultivos, presidido pela presidência da União Europeia;
e por um executivo permanente mais restrito de oito membros, assistido, como
consultores, pelo Conselho da Europa, as duas associações
europeias de instituições de ensino superior - EUA e EURASHE - e
a federação europeia de associações de estudantes -
ESIB. Surpreendentemente, os professores e os investigadores, organizados nas
suas associações e sociedades, têm sido ignorados e
marginalizados como parceiros (stakeholders) naturalmente
fundamentais para o aperfeiçoamento do sistema de ensino superior
europeu. Este facto não será certamente fortuito, antes
estará ligado aos graves problemas de precarização da
prestação de trabalho, aos obstáculos ao recrutamento,
rejuvenescimento e estabilidade de carreiras nas instituições de
ensino superior em vários países. Todavia, sem a vontade da sua
força de trabalho as anunciadas (serão pretendidas?) reformas,
que o processo de Bolonha anuncia, não poderão ser executadas e
ainda menos atingir êxito.
A autonomia das instituições de ensino superior, sobretudo nas
suas vertentes científica e pedagógica, é difícil
de ser contestada, por isso foi conquistada e exercida ao longo dos anos e
incorporada no discurso oficial; mas a dependência face ao financiamento
público (e maior seria sendo privado) socava e esvazia o
exercício dessa autonomia. A Comissão Europeia promove no ensino
superior, como nos restantes domínios de serviços
públicos, a ideia que todos eles devem ser geridos eficientemente,
significando como eficiente o que é análogo ao estilo
empresarial. Há aqui uma esquematização intencional do que
é a capacidade de gestão, intenção indiferente
à missão e ao conteúdo da actividade das
instituições de ensino superior, do mesmo passo elegendo como
paradigma único o da gestão privada na perspectiva de, se
não de maximizar lucros, equivalentemente de minimizar custos.
Naturalmente que esta distorção de problemas, ao ponto de
inverter o sentido das conclusões sensatas, é inaceitável.
Mas é certo que as normas administrativas e financeiras
aplicáveis à gestão universitária podem e devem ser
simplificadas e adequadas à missão destas
instituições; tal como os mecanismos de financiamentos, sendo
rigorosos e justos, devem ser baseados em critérios e procedimentos
profissionais e não em juízos políticos ou
burocráticos.
As universidades terão de continuar a ser governadas pelos seus corpos
de professores, investigadores e estudantes, e demais corpos profissionais que
comportam, designadamente gestores aos vários níveis de
responsabilidade. Não obstante a tentativa de desacreditar a
competência das instituições de ensino superior em
exercerem a sua autonomia e a auto-governarem-se, sujeitas ao escrutínio
público de quem lá trabalha e estuda bem como de
órgãos de avaliação e auditoria do estado, o
prestígio da larga maioria dessas instituições prevalece e
é o principal obstáculo à marcha para a
privatização do ensino superior e para as converter em
instituições, essas sim, com suas juntas administrativas e
administradores delegados, que como é notório são
sempre eficientes e só respondem à porta
fechada perante os seus instituidores e accionistas.
O ENSINO SUPERIOR E O CORPO SOCIAL EM QUE SE MOVE
A mensagem predominante no discurso da estratégia de Lisboa, depois
também incorporada no discurso do processo de Bolonha, é a
competitividade das empresas europeias. Em conformidade, também o foco
da política científica europeia incide sobre certas
ciências exactas e naturais e as tecnologias, que podem mais directamente
repercutir-se em vantagens da esfera económica. Mas este conceito de
ciência dominante é distorcido, e tem incidência
muito negativa no seio das instituições de ensino superior.
Para a Comissão Europeia a transferência de conhecimento das
universidades para as empresas dá-se sobretudo e seria aferível
por venda de propriedade intelectual e criação de empresas
inovadoras (spin-off e start-up). Se a
investigação se focalizasse na produção de
patentes, o conhecimento tornar-se-ia secretivo e contrário ao seu fluxo
rápido e livre. Aliás as universidades não foram
concebidas nem nunca funcionaram em função da economia.
A criação do conhecimento desenvolve-se na fronteira de
domínios especializados e na interface entre esses domínios;
investigação fundamental e aplicada tanto se diferenciam como se
sobrepõem e podem traduzir-se rapidamente em invenções e
tecnologias. Esta integralidade dos processos criativos quando coexistentes
geram sinergias e acrescido potencial tecnológico. As universidades que
mantêm uma forte presença de investigação
fundamental estão em condições de ser mais produtivas
também na sua relação com o contexto empresarial e
não só.
O papel das universidades deve pois ser considerado na sua totalidade e
não limitar-se a aspectos de relevância imediata,
inovação e competitividade em função da sua
utilidade para as empresas e negócios privados. Deve contemplar
necessariamente também todos os aspectos da vida social e cultural, as
condições de vida a as potencialidades dos cidadãos.
Na realidade, a principal via através da qual a transferência de
conhecimento se realiza (para as empresas e para a sociedade em geral) é
a via difusiva, através do trabalho qualificado e quotidiano dos
graduados, em todos os sectores de actividade, e das publicações
científicas e técnicas de acesso universal, de que beneficiam
outros investigadores e tecnólogos em todos os cantos do mundo.
A empregabilidade e a adequação das qualificações
ou formações adquiridas às necessidades sociais surgem
como argumentos recorrentes no discurso da CE para justificar
opções políticas. A ideia da empregabilidade conquistou
também o discurso da larga maioria dos representantes dos
estabelecimentos de ensino superior, embora a participação de
associações e sociedades profissionais e empresariais na
formulação dos objectivos e dos planos de estudo seja ainda
bastante escassa.
Mas sabemos que a economia de mercado não é planificada; estudos
de prospectiva caíram em desfavor e foram substituídos por
projecções e cenários (que nada têm de
científico) que servem de ilustração a
opções políticas subjacentes. A escala de tempo
implícita na consolidação de um domínio
científico numa universidade, na montagem de uma licenciatura e na
formação dos seus graduados, não é
comensurável com as flutuações das bolsas de valores e
mesmo as do mercado de trabalho. A qualificação
universitária deve ser ampla e deve desenvolver a curiosidade
intelectual e a capacidade analítica da pesquisa; o graduado
estará habilitado a actualizar e a alargar as suas competências, e
a adaptar-se e a exercer as suas competências em âmbitos diversos e
mutáveis.
Comparabilidade, mobilidade e empregabilidade são palavras-chaves para a
força de trabalho qualificada. Ao fim e ao cabo, a comparabilidade de
qualificações, suportada na mobilidade de estudantes e de
trabalhadores, servirá sobretudo como filtro e como estímulo
à captação de força de trabalho qualificada pelas
economias nacionais mais dinâmicas no espaço económico
europeu.
QUEM FINANCIA O ENSINO SUPERIOR?
O desequilíbrio entre a taxa de crescimento da população
escolar e a taxa de crescimento do financiamento do sistema de ensino tem sido
e continua a ser um factor chave para o curso e o desfecho dos acontecimentos.
Todavia, é surpreendente que o processo de Bolonha não cometa
qualquer responsabilidade concreta aos estados membros no financiamento das
reformas que enuncia, antes perigosamente invoque a persistente tendência
de declínio do financiamento público como um dos factores que
justifica a necessidade de reformas. Surpreendente, também,
que a União Europeia destine meros 1% do próprio orçamento
à rubrica Educação. Tomando estes factos pelo seu valor
facial, conclui-se que não será através do processo de
Bolonha e da construção do Espaço Europeu do Ensino
Superior que a União atingirá o anunciado objectivo de se tornar
na mais dinâmica economia mundial, baseada no conhecimento, como afirma
na estratégia de Lisboa (Março 2000). A menos que
exista, como existe, outros factor em jogo: o interesse do capital privado em
adquirir o negócio do ensino.
O acesso às universidades, e a cooperação e o fluxo de
conhecimentos entre estas sempre tiveram dimensão internacional. Mas a
mercantilização do ensino e da investigação
é algo completamente diferente. Significa a venda de bens e
serviços que anteriormente estavam livremente disponíveis no
domínio público. O sub-financiamento público é um
factor que tende a forçar as universidades a mercantilizarem as suas
actividades, como recurso último para superar as suas dificuldades
financeiras. Simultaneamente, essa tendência abre a porta à subtil
legitimação da entrada em cena de empresas privadas
com fins lucrativos que vendem serviços de ensino e de
formação.
A mercantilização surge como um processo de
privatização movido por factores financeiros. Inúmeras
empresas europeias e extra-europeias promovem activamente os seus produtos
educativos em solo europeu, frequentemente em
associação com entidades já estabelecidas, confundindo
colaboração ou cooperação com
subcontratação ou franchising.
O recurso ao financiamento por propinas de estudantes põe em causa a
democraticidade do acesso à educação a nível
superior, tão enaltecida quanto ignorada, até porque tal recurso
ignora os custos já incorridos pelos próprios estudantes ou suas
famílias. As propinas actuam de facto como uma via de cobrança de
recursos sociais em paralelo com o levantamento de impostos, mas neste caso
funcionando não como mecanismo de redistribuição justa e
no interesse social; porque o argumento que justifica as propinas é
falacioso, a sua cobrança é acompanhada em regra pela
redução do financiamento público, e o balanço final
dos dois mecanismos de financiamento das instituições de ensino
tem sido a progressiva redução de recursos disponíveis por
estudante e por professor.
Quanto ao financiamento da actividade científica, deveremos ter presente
que a meta dos 3% do PIB para I&D, fixada pela União Europeia no
Conselho de Barcelona (Março 2002), deveria ser atingido (não
só) mas sobretudo por contribuição das empresas privadas.
Será má fé pretender que as instituições de
ensino superior se financiem, e em particular as suas actividades
científicas, através da prestação de
serviços e da colaboração universidade-empresa, como se
fosse cometida às universidades a responsabilidade de cobrar um imposto
de que o sector empresarial é devedor à sociedade em geral.
Incentivos fiscais cobrados a empresas e a mecenas deveriam reforçar o
fluxo privado a favor da I&D. E as grandes empresas que não financiam
I&D, intra ou extra-muros, deveriam ser expressamente tributadas porque
utilizam parasitariamente conhecimentos no domínio público sem
que para ele contribuam. Mas isso cabe ao estado.
A POLÍTICA DA POLÍTICA EDUCATIVA
À parte o jogo das forças económicas, o processo de
Bolonha poderá e deverá comportar o aperfeiçoamento de
cada sistema de ensino superior por si. Com abordagens nacionais diferenciadas,
a ritmo constrangido pelas escalas de tempo intrínsecas aos processos em
presença que não permitem acelerar a realidade, e com a
participação organizada de estudantes e professores, a reforma do
ensino superior é possível e é necessária, e para
é ela útil a experiências nos diversos países e
necessária a cooperação com eles.
O processo de Bolonha é apresentado como um quadro conceptual, mas tem
funcionado sobretudo como quadro justificativo duma multiplicidade de
instrumentos de política que teoricamente servem para a
convergência na Europa mas que tal qual servem para o aprofundamento das
assimetrias. Aliás, ele é um processo que surge à
posteriori e como envolvente de diversos instrumentos que já estavam a
operar antes no terreno: a mobilidade, o reconhecimento de
qualificações, a harmonização da
avaliação, etc.
O processo de Bolonha, assim como os Espaços Europeus do Ensino Superior
e da Investigação, com que se confunde e para que vai
contribuindo directamente, ao criar ou facilitar vias para percursos
transeuropeus, porém vias assimétricas onde há alguns
poucos centros de atracção e um vasto território de
recrutamento, não está a contribuir para a convergência do
desempenho dos estados membros e para a sua coesão social. Neste duplo
espaço europeu, onde tanto o ensino como a saúde, a
segurança social e as infra-estruturas de serviço público
são sub-financiados para serem alienados à propriedade privada,
beneficiam mais que todos as grandes corporações tecnologicamente
mais avançadas e bem assim o capital privado a que a
prestação de serviços tecnicamente mais exigentes foi ou
vier a ser entregue. E perdem, em termos comparativos, os países com
economias e políticas sociais menos dinâmicas. A União
Europeia não tem sido e não será um mecanismo de
convergência efectiva. A Comissão Europeia, como grande executivo
da União, sabe que assim é e quer que assim seja. E por isso
mesmo anuncia também medidas para estancar a fuga de cérebros da
Europa para os EUA e para captar cérebros da Ásia, da
América Latina e da África; para bem desses cérebros ou
dos cérebros europeus? não, é obviamente a
questão da força de trabalho.
O capital, através das instituições de ensino privadas (e
suas associações) tem activamente pressionado o curso do processo
de Bolonha a nível nacional; e promovido os seus interesses junto dos
órgãos de decisão da União Europeia. Naturalmente
é contra a participação dos estudantes no processo (sem
falar dos professores que já foram marginalizados); é contra a
harmonização na base da avaliação de qualidade,
porque prefere o ranking das instituições e a
elitização da educação em vez da sua acessibilidade
democrática; diz apoiar o reforço do orçamento
comunitário para a educação, mas para que possa captar os
seus favores. O capital é parte interessada na
liberalização do mercado da educação,
no âmbito das negociações da Comissão Europeia com a
OMC, e procura agora assegurar o mesmo objectivo, por via da
Constituição Europeia, redigida a seu jeito.
12 de Maio de 2004.
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