Com que armas são feitas as guerras e para quê
por Rui Namorado Rosa
PORQUE TODAS AS ARMAS SÃO MÁS E PIOR AINDA É DESENVOLVER OUTRAS
Os armamentos compreendem projécteis, explosivos (químicos ou
nucleares), agentes químicos e agentes biológicos, mas
também propulsores e transportadores e outros dispositivos para o seu
lançamento ou instilação. Podemos incluir também
equipamentos de vigilância, comando e controlo, e mesmo os
próprios meios de protecção contra a acção
de tais armamentos.
Armamentos podem ser tomados em sentido estrito ou em sentido lato; é em
sentido lato que eles geralmente existem e necessariamente actuam. Quando
tratamos de ameaças militares possivelmente como antítese
de convívio pacífico convirá ver o todo, avaliar a
sua integralidade e não ignorar as suas partes.
Existem muitas substâncias e muitos dispositivos perigosos por toda a
parte. O perigo traduzir-se-á em desastre ou em agressão quando
for involuntariamente ou pelo contrário deliberadamente accionado. Um
mesmo acontecimento pode resultar de erro humano de concepção ou
de actuação, de incúria, de procedimento criminoso ou de
explícita intervenção militar. São exemplos de tais
circunstâncias a contaminação de água de
abastecimento, a interrupção maciça do abastecimento de
energia eléctrica, a rotura de uma barragem, o rebentamento de um paiol.
Podem ser ou vir a ser discretas alterações climatológicas
ou ataques biológicos que afectem as condições de
aprovisionamento ou de saúde pública de populações
alvo.
A agressão militar pode pois assumir muitas formas e envolver muitas
partes é o propósito ou objectivo que inequivocamente
permite determinar a sua natureza militar.
Neste contexto devemos ter presente a diversidade de meios que têm sido
desenvolvidos com potencialidade ou deliberada intenção militar.
Só pensando no passado recente, fizeram a sua entrada no campo de
batalha ou nos arsenais ou nas super-estruturas militares numerosos armamentos
e sistemas, nomeadamente:
-
mini-nukes
(projecteis ou bombas com pequenas cargas nucleares, com elevado
poder destrutivo e tóxicas)
-
MOAB (bombas convencionais super-pesadas, com elevado poder destruidor)
-
bombas de ar-fuel (FAE) ou termobáricas (com grande poder destrutivo e
letal à superfície do terreno)
-
bombas de fragmentação e sua variante
cluster bombs
(todas elas com grande poder letal)
-
bombas de grafite (que incapacitam o transporte e a
distribuição de energia eléctrica e sequentemente de
água e de telecomunicações)
-
armas electro-magnéticas (irradiação
electromagnética produzindo à distância efeitos de rotura
nas telecomunicações e no transporte e distribuição
de energia eléctrica e no estado meteorológico; o sistema HAARP
utiliza esse princípio)
-
armas de energia dirigida (feixes de microondas ou outra
radiação electromagnética, com fins destrutivos ou de
incapacitação funcional de equipamentos)
-
armas cinéticas (projécteis cujo poder destrutivo é
fornecido pelo propulsor e não por um explosivo)
-
projecteis (balas, granadas, mísseis) com ogivas em urânio
empobrecido (são armas cinéticas com elevado poder perfurante e
tóxico)
-
satélites militares (plataformas remotas de
telecomunicações, observação e/ou comando e
controlo de acções militares)
-
sistemas globais de espionagem electrónica (política, militar e
económica, capaz de produzir informação de valor em
conflitos de poder ou influência de toda a natureza) como é o caso
notório do Echelon
-
armas não letais (especializadas na incapacitação sem
necessariamente serem letais)
-
etc.
Observemos a evolução dos armamentos. Após o
esforço colocado pelas grandes potências, nas décadas de 40
a 60, no desenvolvimento de explosivos cada vez mais poderosos (bombas A e H),
a evolução posterior deu-se no sentido de seja incrementar a
precisão quanto aos alvos seja diversificar e especializar os tipos de
alvos e de acções destrutivas a atingir.
Do ponto de vista de estratégia militar, o frequentemente invocado
progresso tecnológico posto ao serviço de alegada precisão
e especialização de intervenções ditas
cirúrgicas com armas inteligentes tem-se
revelado consistentemente um falso argumento.
Desde a Segunda Guerra Mundial a estratégia militar não tem
mudado nesse respeito; em 1945 foram lançadas bombas atómicas
sobre cidades japonesas (alvos civis); na Guerra do Vietname foram utilizados
intensamente agentes de guerra química e bombas de ar-fuel pela primeira
vez; na Primeira Guerra do Golfo foram utilizadas munições com
urânio empobrecido em larga escala pela primeira vez; na Guerra dos
Balcãs foram estreadas as bombas de grafite; na Segunda Guerra do Golfo
(no Afeganistão e no Iraque) terão sido estreados novos
mísseis e bombas perfurantes, as bombas MOAB e armas de microondas.
Quer dizer que a inovação tecnológica realizada,
não negando o incremento da capacidade e precisão de
localização e atingimento de alvos, por outro lado diversificou
as formas de destruição e os impactos humanos e ambientais
consequentes e, bem assim, de todo não reduziu nem a
indiscriminação na selecção de alvos e consequente
aniquilamento indiscriminado de civis nem a produção de impactos
duradouros sobre o meio ambiente e as populações residentes.
A estratégia militar ofensiva continua a ter como objectivo derrotar o
inimigo. Ora a guerra não é um fenómeno meramente militar;
é um confronto político eventualmente com outras dimensões
também; tem por objectivo submeter pela força a outra parte. Por
conseguinte, quanto mais determinada e/ou engenhosa for a resposta da parte
agredida maior será a brutalidade do agressor. As perdas civis e
patrimoniais e as condições de habitabilidade dos
territórios (no imediato e a prazo) são as consequências
cada vez mais gravosas de passadas e de futuras guerras, em consequência
da evolução armamentista.
O oposto da Guerra é a Paz, é a convivência, a
prevenção e a resolução pacífica de
diferenças e conflitos. Todas as armas devem ser banidas por serem
inúteis à estratégia da Cooperação e da Paz.
Esse banimento começa pela renúncia ao desenvolvimento
armamentista, para além da renúncia à
acumulação de arsenais militares. Esse deve ser o primeiro passo,
renunciar ao desenvolvimento de novas armas.
São enormes os gastos militares e são penosos pelo que significam
em privação de recursos para fins civis pacíficos e
até vitais. Mas desses gastos os mais sinistros são os destinados
à investigação e desenvolvimento de novos armamentos.
Mas sendo realistas, nós sabemos que o sistema capitalista se alimenta e
cresce através da inovação permanente, insensata que seja,
da falsa obsolescência, do consumismo, da própria
destruição de bens para fabricar de novo. E, como sabemos
também, se realiza e impõe quer pela violência quotidiana
da exploração do trabalho quer pela violência despudorada
da agressão militar.
Por isso dizemos: todas as armas são más e piores ainda
são as que estarão por inventar.
COMO A INDÚSTRIA ARMAMENTISTA EXAURE RECURSOS EM PREJUIZO DOS POVOS PARA
PROVEITO DO CAPITAL
A globalização capitalista, comporta a integração
progressiva de empresas nacionais e transnacionais por grandes sectores de
actividade, a ponto de se constituírem reduzidos núcleos
fortemente centralizados e amplamente ramificados, alimentados por uma
multidão de pequenas empresas muito especializadas, subcontratadas ou de
outra forma subsidiárias, a par de comparável
integração progressiva dos mercados financeiros, crescentemente
interdependentes, alimentados por produtos financeiros em
diversificação e abrangendo públicos cada vez mais amplos.
O capital financeiro circula incessantemente procurando multiplicar-se
exponencialmente, repercutindo-se e condicionando a actividade e o investimento
do capital industrial. O complexo militar industrial é um sector
importantíssimo do capital industrial e de importância vital para
o imperialismo.
Este processo de globalização é apoiado pela
acção política dos Estados e por consabidas
organizações internacionais e intergovernamentais (FMI, OMC,
OCDE, etc). A constituição de blocos
político-económicos (como a UE e a NAFTA) reflecte já um
determinado nível de integração e serve o propósito
da aceleração desse processo.
Mas existem outros mecanismos mais subtis inseridos no sistema. A recolha de
informação confidencial espionagem encontrou
maneira de se inserir no processo de desenvolvimento tecnológico e de
inovação de produtos. A In-Q-Tel é uma empresa criada em
1999 como entidade financiadora de capital de risco; na realidade, é um
apêndice da CIA, cujo objectivo não é realizar lucros mas
sim navegar na crista do progresso das tecnologias da informação
e deles colher os melhores frutos para que a CIA cumpra eficazmente a sua
missão de recolha secreta de informação. Dirigida por um
ex-presidente da Netscape Communications, um ex-presidente da Lockheed Martin e
um ex-secretário da Defesa, em apenas quatro anos investiu US$ 150
milhões em 59 novas empresas, das quais 39 bem sucedidas, e o resultado
foram 22 novas tecnologias inseridas em 40 programas governamentais dos EUA.
Ao serviço da segurança e dos interesses
vitais, portanto da espoliação económica, o controlo
político e a intervenção militar quando necessária,
em estados inimigos.
Presentemente, a nível mundial, mais de meio milhão de cientistas
e tecnólogos estão envolvidos em investigação e
desenvolvimento (I&D) militar. Cerca de 30% das despesas mundiais em I&D
são destinadas a fins militares, o que é cinco vezes superior ao
que é destinado a I&D em ciências da saúde e dez vezes
superior ao que é destinado a I&D em agronomia. Esses recursos
são públicos e na larga maioria atribuídos generosamente
pelos governos a empresas privadas do complexo militar-industrial, fora do
escrutínio de outros órgãos do Estado e sobretudo longe do
conhecimento ou mera percepção da opinião pública.
Ao passo que a larga maioria da I&D universitária passa laboriosos
filtros de avaliação, sujeita a auditoria e
responsabilização
(accountability)
pelo uso de financiamentos públicos.
As despesas em investigação científica e desenvolvimento
tecnológico para fins militares declinou na década de 1990 em
ambos os lados do Atlântico Norte, aparentemente reflectindo o fim da
guerra-fria e a recessão económica mundial. Assim, de
1991 a 2000, a parte da despesa governamental em I&D afectada a fins militares
na UE decresceu de 21 para 15%, enquanto nos EUA decresceu de 60 para 52%.
Todavia, em termos absolutos o volume da despesa governamental em I&D para fins
militares era nos EUA cinco vezes superior ao que é na EU (em 2000).
Porém, reflectindo a nova estratégia de domínio militar
assumida pelos EUA sob a designação de guerra ao
terrorismo apoiada no conceito de guerra preventiva, a
referida tendência foi invertida após 2002 e, segundo o
plano de defesa aprovado em 2003, o orçamento respectivo
será incrementado em US$ 80 mil milhões no período 2004-9,
para renovação de presentes sistemas e para desenvolvimento de
conceitos futuristas. Aparentemente a UE não acompanha para
já esse incremento, mas a adopção de alguma
estratégia de autonomia militar poderá também
vir a inverter essa recente tendência na UE. Actualmente, quatro Estados
membros só por si asseguram 97% da despesa em I&D militar na UE: Reino
Unido, França, Alemanha e Espanha, por ordem decrescente; no Reino Unido
e na Espanha, a parte da despesa governamental em I&D que é destinada
para fins militares é superior a 30%.
O caso singular da Espanha merece algumas observações mais. Esse
país afecta apenas quase 1% do PIB a I&D (este indicador está por
cerca de metade da média na UE); todavia atribui perto de 30% desse
montante a fins militares (a segunda maior fracção de I&D
governamental atribuída a fins militares na UE, logo após o Reino
Unido); durante a década de 1991-2000, foi na UE o único
país em que essa fracção cresceu (e substancialmente). Os
destinatários desses recursos são um selecto grupo de empresas
cujos mais notórios projectos são: um avião de combate
(EFA-2000), um avião militar de transporte (C-295), uma fragata (F-100)
e um carro de combate (Leopard). Enquanto isto, o financiamento governamental
para I&D militar é, em Espanha, três vezes superior ao
financiamento da investigação básica em ciências
exactas, naturais e sociais tomadas conjuntamente, e onze vezes superior ao
atribuído para as ciências da saúde. Devemos neste ponto
registar o sentimento pacifista manifestado pela larga maioria do povo
espanhol, substanciado na sua maciça adesão às
manifestações contra a guerra no Golfo e em diversas iniciativas
de organizações de base popular e também académica.
Perguntamos pois: que quadro geoestratégico global é esse que
atribui à indústria armamentista espanhola tal
função na divisão internacional do trabalho e ao Estado
espanhol tal empenho no seu financiamento?
Porque é patente que a indústria armamentista, mesmo antes do
desenvolvimento concreto de novos armamentos, e muito antes da sua eventual
utilização perversa, já deles retira grossos proveitos, em
prejuízo das necessidades mais fundamentais dos povos e contra os seus
sentimentos pacifistas.
7 de Março de 2004.
Ligações úteis
http://fas.org/nuke/
http://www.nrdc.org/nuclear/nudb/datainx.asp
http://resistir.info/rui/adm_bagdad.html
http://www.heise.de/tp/english/inhalt/te/6929/1.html
http://archive.aclu.org/echelonwatch/resources.html
http://resistir.info/ambiente/nuclear_baracca_port.html
http://www.rand.org/publications/MR/MR1537/MR1537.ch1.pdf
http://www.deso.mod.uk/dsei_mindp100903.htm
http://km.ittoolbox.com/news/dispnews.asp?i=110774
http://europa.eu.int/comm/research/press/2003/pdf/indicators2003/
http://www.prouinvestigaciomilitar.org/documents/informes/
http://www.fundacioperlapau.org/angles/Activitats/Campanyes/
Este artigo encontra-se em
http://resistir.info
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