Defesa da agricultura exige ruptura com a UE
por Miguel Viegas
"A Política Agrícola Comum que está a ser
implementada enfraqueceu de forma substancial as formas de
intervenção pública nos mercados agrícolas, e os
resultados desse processo podem agora ser observados. O fim das quotas
leiteiras, em 1 de Abril de 2015, levou a uma queda significativa dos
preços do leite aos agricultores. A Comissão Europeia e o
Conselho devem adoptar medidas urgentes e específicas para ajudar os
produtores de leite e de carne da UE, assim como os produtores de frutas e
vegetais que enfrentam uma quebra de preços e uma quebra da
procura".
Estas informações foram retiradas de uma declaração
lancinante do actual presidente da Comissão de Agricultura e do
Desenvolvimento Rural do Parlamento Europeu, o polaco Czeslaw Siekierski,
democrata-cristão e personalidade insuspeita relativamente a eventuais
simpatias comunistas ou sequer de esquerda.
[1]
E de facto, a situação é muito grave, como
testemunham os múltiplos protestos que se sucedem um pouco por toda a
Europa e também em Portugal, onde vemos agricultores desesperados
perante a quebra dos preços que não cobrem sequer os custos de
produção e muito menos a criação de uma
remuneração mínima que lhes permita viver com dignidade.
De acordo com estudos da Comissão Europeia, dez por cento das
explorações agrícolas europeias estão à
beira da falência, numa estimativa provavelmente muito abaixo da
realidade que conhecemos dos contactos que temos a partir da realidade do
terreno.
O que não podemos deixar de condenar, são as lágrimas de
crocodilo daqueles que aprovaram as sucessivas revisões da
Política Agrícola Comum (PAC), vindo agora esbracejar, exigindo
medidas para resolver problemas que eles próprios ajudaram a criar. Com
efeito, o mesmo personagem que vem agora clamar por ajudas aos produtores de
leite, aprovou o fim das quotas leiteiras há cerca de três meses.
Ainda sobre o fim das quotas leiteiras, também é bom lembrar as
responsabilidades do governo PS, que selou a decisão tomada primeiro em
1999 e posteriormente confirmada em 2003, desta vez por um governo do PSD. Mas
as responsabilidades do PS, PSD e CDS estendem-se muito para lá do
sector leiteiro, na medida em que estes três partidos, que se alternam no
poder há quatro décadas, aprovaram as sucessivas revisões
da PAC, com particular destaque para a última revisão de 2013.
Esta revisão, claramente orientada para o mercado e para a completa
liberalização dos mercados, previa assim acabar progressivamente
com todo o tipo de intervenção pública e diminuir por esta
via o peso da PAC no orçamento comunitário. Sobre o plafonamento
das ajudas, evitando que a maioria das ajudas recaia sobre uma minoria de
grandes agricultores, não foi possível chegar a acordo, como era
de esperar
Assim, a não ser que se alterem profundamente as políticas da
União Europeia, depois do leite virá o fim das quotas na
produção de açúcar e o fim dos direitos de plantio
na vinha. Se juntarmos a este quadro os diversos acordos de livre
comércio com o Canadá (em fase de ratificação) e
com os Estados Unidos (em fase de negociação), não
é necessário ser grande especialista para antecipar as enormes
dificuldades que enfrentam e continuarão a enfrentar os nossos
agricultores, com especial destaque para os pequenos e médios produtores
e a agricultura familiar. Neste sentido, a agricultura não é
excepção. Portugal tem enormes recursos neste domínio. Mas
para que estes recursos possam de facto traduzir-se em mais
produção, é necessária uma ruptura com estas
políticas e com estas regras da União Europeia que entravam
qualquer possibilidade de desenvolvimento autónomo e soberano. Só
uma política patriótica e de esquerda permitirá a Portugal
voltar a produzir e reconquistar a sua independência e soberania
alimentar.
06/Agosto/2015
[1]
www.europarl.ie/...
O original encontra-se no
Avante!
, Nº 2175
Este artigo encontra-se em
http://resistir.info/
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