Acerca do peso do Estado em Portugal
por Daniel Vaz de Carvalho
1. A ladainha neoliberal reza assim: "O peso do Estado em Portugal
é excessivo, a carga fiscal excessiva. O Estado asfixia a economia
privada consumindo demasiados recursos. Por isso o país não pode
crescer nem desenvolver-se". O peso do Estado em percentagem do PIB seria,
pois, demasiado elevado para o nosso país. Dado este mote, os
comentadores do costume fazem na praça pública o
"responsório".
Por consequência, há que
reduzir o "peso do Estado". Verdadeiro? Falso? Nem uma coisa nem
outra:
é um primarismo.
É como querer tratar de um membro ferido procedendo á sua
amputação, como era comum ainda no século XIX.
Vejamos porquê na tabela seguinte:
[1]
Países
|
Despesa Publica % PIB
|
Crescimento entre 2001 e 2010
|
Défice Público % PIB
|
Despesa pública por habitante ()
|
Dinamarca
|
59,5
|
5,9
|
0
|
30.148,75
|
França
|
56,0
|
9,9
|
-5,1
|
15.788,60
|
Finlândia [*]
|
56,0
|
17,6
|
0,2
|
17.962,73
|
Suécia
|
54,9
|
21,0
|
1,4
|
20.713,42
|
Bélgica
|
54,2
|
13,8
|
-2,8
|
16.552,40
|
Grécia
|
53,2
|
18,5
|
-8,23
|
8.360,03
|
Áustria
|
52,3
|
15,6
|
-3,7
|
16.772,07
|
Itália
|
51,9
|
2,1
|
-3,8
|
12.160,13
|
Reino Unido [*]
|
51,6
|
14,1
|
-8,17
|
12.734,02
|
Holanda [*]
|
51,4
|
12,4
|
-2,9
|
17.213,76
|
Irlanda
|
48,9
|
20,9
|
30,21
|
14.582,83
|
Portugal
|
47,9
|
4,8
|
-8,81
|
6.673,53
|
Alemanha [*]
|
47,5
|
8,1
|
-2,23
|
14.481,86
|
Espanha
|
45,8
|
18,4
|
-7
|
9.353,81
|
[*] Países com a classificação AAA mantida recentemente
pela S & P
Podemos verificar:
- Portugal é dos países cujo peso do Estado é dos mais
baixos neste grupo da UE.
- A despesa pública por habitante em Portugal é de longe a mais
baixa
- Portugal é o segundo país com menor crescimento ao longo da
década
- Países com elevada despesa pública tiveram melhor ou muito
melhor desempenho económico.
-Países como a Alemanha não têm uma despesa pública
em termos de percentagem do PIB muito diferente da de Portugal.
- Não se verifica uma relação entre o volume de despesa
pública e o respectivo défice e, como se vê, os
"mercados" não se preocupam muito isso.
O que podemos concluir? Na realidade, apenas que as afirmações
que suportam as políticas de direita não têm qualquer
sentido. A questão pode resumir-se a isto:
não é o volume da despesa pública que conta é a
qualidade da mesma.
As alegações, contra o "peso do Estado" que comandam as
políticas de direita caiem, pois, no domínio da
superstição.
Uma superstição consiste em atribuir a certas práticas
uma espécie de poder mágico, uma eficácia sem
razão. Superstição é uma crença sem
fundamento em efeitos mágicos de determinadas acções ou
rituais. Assim a crença no poder regulador do mercado livre ou a
crença nos efeitos negativos do peso do Estado na economia, não
passam de superstições. Porém, como diz quem sabe, a
superstição tem a particularidade de não ser anulada pela
experiência
Note-se que o grande capital financeiro e monopolista, não tem como
objectivo enfraquecer o Estado como instrumento de intervenção,
mas sim de
o colocar cada vez mais e por completo ao seu serviço,
como, por exemplo, fazer uma distribuição fiscal activa
retirando aos pobres e classes médias para financiar as prendas fiscais
dadas à banca e aos grandes grupos económicos.
[2]
A designação "peso do Estado" já de si é
manipuladora e preconceituosa.
Não se fala no peso da finança especuladora, nem no peso de
monopólios e oligopólios na economia
e das rendas que obtêm do Estado,
nem no peso da saída de capitais e rendimentos do país.
Nem a "insustentável leveza" com que os grandes grupos
económicos, monopólios e oligopólios, deixam o país
transferindo as suas sedes para o exterior pagando não aqui os impostos
devidos embora a sua riqueza seja cá criada! Só o Estado é
que é pesado! Temos de defender os interesses dos nossos accionistas
dizem ou seja, deles próprios! Quanto aos interesses do
país, que importa isso?
Nestas circunstâncias as criticas que os comentadores de serviço
por vezes fazem ao governo ou à UE por não haver medidas que
promovam o crescimento, vindas de quem sempre defendeu as políticas
neoliberais que nos são impostas e passa o tempo atacar o "peso do
Estado", tornam-se no mínimo votos piedosos, para não dizer
ridículos ou hipócritas.
2. Uma das características dos agressores mais cruéis é
fazerem com que as próprias vítimas se sintam culpadas. Este
papel cabe, em relação aos povos da UE, em primeiro lugar ao BCE
através das suas políticas iníquas de ataque ao "peso
do Estado". Os governos da submissão funcionam como executores
dóceis. A finança especuladora esquece porém uma regra
fundamental da biologia: é que com a morte do hospedeiro morre o
parasita, morre o vírus. É isto que está a acontecer na UE
e muito em particular na eurozona.
Vejamos como este vírus pró-finança e anti-Estado
democrático, se insinua.
A seguinte expressão (ou equivalente) é ensinada e divulgada:
PIB = Consumo+ Investimento + Despesas do Estado + Saldo da Balança de
Transacções
Assim, quanto maior for a Despesa do Estado, menor Investimento, menor Consumo.
Uma outra expressão, relaciona o investimento a poupança e o
défice do Estado
Investimento = Poupança Défice do Estado Saldo da
Balança de Transacções
Portanto quanto maior for a Despesa do Estado menor rendimento
disponível dos privados e menor Investimento.
O Estado é assim transformado em inimigo público número
um: quanto
menor o "peso do Estado" melhor. Certo? Não, errado.
A expressão é falaciosa e destina-se a mostrar que o Estado deve
retirar-se das actividades económicas produtivas para estas serem
geridas de forma privada que gera Lucro e portanto Consumo e Investimento.
Porém:
Na Despesa Pública há Investimento e Consumo. O modelo
considera apenas investimento privado. Na realidade a Despesa do Estado,
seguindo adequadas políticas de desenvolvimento e controlo da economia,
corresponde a:
Despesas do Estado = despesas públicas + prestações
sociais.
Portanto: Despesas do Estado = Consumo Público + Investimento
público + Prestações sociais
A Poupança privada contém uma parte apreciável de
transferência de rendimentos para o estrangeiro que não
está considerada, descapitalizando o país de recursos para
Consumo e Investimento.
O próprio Consumo Público, proporciona a
dinamização económica se houver uma política
orientada nesse sentido diríamos de "Portugal a
Produzir".
O Lucro privado, além da componente de saída de capitais e
rendimentos do país particularmente no sector mono e oligopolista,
embora gerando Consumo não é difícil admitir este tem uma
maior componente importada que o Consumo resultante da generalidade dos
salários.
- Considerando que o rendimento disponível para a sociedade é Rd
= R Im (sendo Im os impostos) e que este Rd se distribui por consumo C e
investimento I (ou mais propriamente consumo e poupança) teremos em
termos de taxas em relação a R: rd = 1 t (t será a
taxa de impostos sobre R). Isto é, quanto maior for a taxa de impostos
sobre o rendimento menos consumo, menos poupança e menos investimento
haverá.
Sedutoramente lógico, não é verdade? Certamente, pois
todos gostariam de pagar menos impostos. Porém, é mais uma vez
falacioso. A justificação para isentar de impostos as
transferências financeiras e praticamente o grande capital, tem aqui a
sua base. Os impostos são assim orientados para o consumo e para o
princípio do "utilizador pagador". Desta forma ilude-se:
A função produtiva dos impostos, se devidamente orientados
Que a redução das prestações sociais (menor
"peso do Estado) é uma forma de aumentar os impostos sobre as
camadas de menores rendimentos e médias.
Que os impostos constituem uma forma de melhorar a
redistribuição do rendimento; uma das bases do regime
democrático
Que os impostos têm ou podem ter, com outras
políticas um efeito multiplicador na economia não
só pelo investimento directo, mas pela melhoria do acesso à
saúde e educação.
Vemos assim como o carpir dos partidos da troika pelo dinheiro dos
contribuintes quando estão na oposição é
completamente negado na prática logo que ocupam o poder.
Com as diatribes do menos Estado, do Estado gordo ou do "peso do
Estado", as suas funções são privatizadas
(constituindo-se monopólios privados) ou passadas para instâncias
internacionais de burocracias não sujeitas a qualquer espécie de
escrutínio democrático que assumem a defesa do grande capital
especulador e das transnacionais. No essencial, a função
atribuída ao Estado neoliberal resumir-se-ia ao controlo da
opinião pública e massas trabalhadoras, isto é,
repressão e propaganda, salpicada de uma certa caridade
demagógica. Um neofascismo.
Então e o défice do Estado, não conta?
perguntar-se-á. Certamente que sim.
O défice do Estado é motivado sempre por má gestão
incompetência e corrupção - e inadequada
política fiscal, sobrepondo interesses privados aos interesses
colectivos.
Ao considerar-se a expressão: Despesas do Estado = Impostos +
Financiamento do Défice, falseia-se a realidade omitindo que o Estado
pode e deve ter rendimentos provenientes de atividades económicas
designadamente nos sectores básicos e estratégicos, subtraindo-os
à esfera monopolista. O aumento da dívida pública foi
originada, não por despesas de carácter social mas por:
- Políticas absurdas e suicidárias da UE e do BCE.
"Estúpidas", disse um ex-comissário europeu.
- Salvamento de bancos e favores ao grande capital e finança
- Privatização de sectores estratégicos e empresas
lucrativas
- Políticas fiscais erradas, contraproducentes
- Corrupção e má gestão.
Acrescente-se a tudo isto a adopção de políticas ditas de
austeridade (para quem?) que conduzem à estagnação e
recessão económica (próciclicas).
Mesmo não recuando a Marx ou a outros economistas clássicos,
desde os anos 20 do século passado que com Keynes ficou mais que provado
qual o resultado negativo das políticas de "austeridade" para
a resolução de crises económicas e que só
políticas activas do Estado e a criação de "procura
solvente" poderiam constituir uma saída.
A política de direita e extrema-direita em curso está a fazer
algo aparentemente insólito: talvez a maior saída/fuga de
capitais e rendimentos de que há memória. A estreiteza
política do governo e a sua submissão aos ditames externos,
impede-o de mudar de rumo.
Notas
[1] Fonte:
Ameco
, para 2010. O crescimento indicado refere-se ao PIB a preços
constantes entre 2001 e 2010.
Não incluímos os países do leste da Europa dado que a
análise do seu desempenho económico e social necessitaria de uma
abordagem específica, que porém não alteraria no essencial
o que dizemos.
[2]; São exemplos: as PPP, os fundos de pensões transferidos
para o Estado, os 12 mil milhões de "ajuda"para entregar
à banca a serem pagos com a "austeridade" e "rigor",
as isenções e benefícios fiscais, etc, etc.
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