As micro, pequenas e médias empresas e o 25 de abril

por Daniel Vaz de Carvalho

1 - MPME E MONOPÓLIOS

A diferença entre MPME e grandes empresas não é apenas de dimensão. Há diferenças económicas estruturais e de ordem política. O sector monopolista (os oligopólios são formas apenas mitigadas de monopólio) constitui-se como oligarquia e os seus interesses tornam-se política de Estado, assumem o seu controlo. É o que ocorre atualmente em Portugal e que a tutela da UE promove.

As grandes empresas dominam os sectores estratégicos e de maior taxa de lucro nos combustíveis, petroquímica, química pesada, eletricidade, determinados bens de equipamento, farmacêutico, cimentos, papel, grande distribuição, etc. Graças às privatizações capturaram monopólios naturais e prestação de serviços públicos. Tudo isto representa encargos acrescidos para os consumidores, nos quais se incluem as MPME.

A defesa da “iniciativa privada” reclamada pela direita e pela CIP foi sempre a forma encapotada de misturar os interesses do grande capital, a oligarquia, com os das MPME. Enquanto o crescimento médio anual dos lucros líquidos nos três anos da troika foi superior a 7,5% [1] as falências e dificuldades das MPME agravaram-se dramaticamente. Entre 2010 e 2012, segundo dados INE sobre indicadores das empresas, o número de MPME reduziu-se de cerca de 6 000 unidades. Quanto às empresas que são constituídas, levadas em grande parte pela miragem do “empreendedorismo”, têm em média uma vida útil de dois anos. [2]

Estas dificuldades são o resultado direto das políticas de austeridade pro-monopolistas. Nos últimos três anos, em valores acumulados o PIB reduziu-se 6%, a procura interna 14% e a FBCF 30%. Os dados mostram uma evidente correlação entre a redução do nível de salários e rendimentos dos trabalhadores e as dificuldades das MPME, que expressa as contradições entre os interesses destas e os da especulação financeira e dos monopólios.

Efetivamente, 90% das MPME dependem do mercado interno. A melhoria da situação das MPME não se faz pela redução geral dos salários, visto que estes representam em média apenas 16,6% do volume de faturação, valor que tenderá a decrescer na medida do seu desenvolvimento, investimento, melhoria da produtividade e, claro, plena da carteira de encomendas. O VAB das MPME é em média cerca de 25% do volume de negócios, o que mostra a grande dependência destas empresas de fatores que lhes são externos, designadamente do crédito, dado que os capitais alheios constituíam 72% dos fundos utilizados para financiamento das suas atividades. [3]

O sector monopolista, deixa os riscos de mercado para as MPME. A "competitividade" entre os oligopólios da distribuição, faz-se à custa da redução de salários e direitos dos seus trabalhadores e contratos leoninos sobre as MPME fornecedoras, absorvendo lucros fabulosos. Na realidade, o sector monopolista e financeiro, explora e enfraquece os restantes sectores económicos.

Uma economia dominada por monopólios é uma economia altamente ineficiente. “A fim de reduzir as imperfeições da concorrência deve uma nação lutar perpetuamente e manter uma vigilância incessante", sobre os monopólios. [4]

2 – O APOIO ÀS MPME NO 25 DE ABRIL

Apesar de ser recorrentemente acusada de estar contra a “iniciativa privada” e o “mercado”, até contra a propriedade privada, a esquerda consequente, os sectores progressistas, sempre apoiaram as MPME. O 25 de Abril tinha um programa antimonopolista, não anti MPME. Desde o início da Revolução o auxílio e defesa das MPME constituiu uma preocupação primordial e esteve definido como orientação política.

No início de 1975 foram promovidas reuniões em Lisboa e no Porto com centenas de pequenos empresários, no sentido de discutirem os seus problemas, definirem os seus objetivos e serem encontradas formas de organização e defesa dos seus interesses. Iniciativas idênticas foram levadas a cabo junto de pequenos e médios agricultores e rendeiros. Estas iniciativas foram desde logo sabotadas pelo “esquerdismo”. [5]

Em maio de 1975, nos objetivos de Reestruturação do Sistema Bancário definia-se um “crescente apoio às PME. No mesmo sentido, foi criado o Crédito Agrícola de Emergência para apoiar pequenas e médias explorações agrícolas, cooperativas, unidades coletivas de produção”. [6]

Ao Banco de Portugal, competia enquadrar o apoio financeiro às PME para cobrir necessidades de tesouraria. Uma Comissão de Crédito auxiliava as empresas na procura de soluções e canais adequados para resolver os seus problemas mais difíceis. [6] Estas medidas permitiram manter a atividade do país e o emprego, aumentar o nível de vida dos trabalhadores e reduzir o défice da Balança Comercial, apesar da crise económica que se fazia sentir nos países capitalistas no período de 1973 a 1976.

Neste contexto, foi também criado o “Grupo de Intervenção e Estudo do Sector Têxtil” para garantir os necessários apoios à laboração e créditos à exportação. (DL 660/74) [6] e posteriormente o IAPMEI (Instituto de Apoio às PME Industriais).

Com a política de direita posta em prática a seguir a novembro de 1975, os apoios às PME vão ser anulados. As taxas preferenciais às PME são banidas, o DL de apoio à indústria têxtil é revogado no início de 1976. Em 1980, no prosseguimento de uma política de favorecimento dos monopólios e da finança, as políticas de apoio às PME estão já profundamente alteradas: as taxas de juro mínimas são agora aplicadas às grandes empresas capitalistas e as máximas às PME e consumidores. [6]

As medidas de apoio às MPME não eram nem são conjunturais ou de oportunismo político. Faziam e fazem parte de uma estratégia de desenvolvimento económico e progresso do país assente numa economia mista, com um sector empresarial do Estado, um sector privado, constituído por empresas de variada dimensão e por um sector cooperativo e social.

No “Rumo à Vitória”, em 1964, Álvaro Cunhal referia-se a uma situação que a política de direita torna completamente atuais: as PME “resistem desesperadamente à ação aniquiladora do grande capital" [7] “A liquidação do poder dos monopólios terá de ser acompanhada de uma política de rápido desenvolvimento industrial onde a direção superior do Estado não só não exclua como anime a iniciativa das empresas privadas, pela proteção aos pequenos e médios industriais e camponeses.” [7]

Ao contrário das campanhas contra o 25 de Abril e o seu espírito antimonopolista as forças progressistas, em particular o PCP, sempre defenderam o apoio ao sector privado de acordo com a Constituição e o direito de as MPME e suas organizações representativas participarem na definição e execução das grandes linhas do desenvolvimento económico e a adoção de medidas eficazes ao seu progresso. A intransigente defesa da produção nacional e substituição de importações é disto um exemplo concreto.

Em A Revolução Portuguesa, o Passado e o Futuro, [5] é mencionada a necessidade de aligeiramento da carga fiscal, apoio à venda no mercado externo e uma política de crédito favorável às MPME. Pelo contrário, a banca, privatizada, privilegiava o crédito aos grandes capitalistas e à especulação privando o sector empresarial do Estado, as cooperativas e as MPME.

3 – CONTRADIÇÕES DE UM SECTOR NÃO MONOPOLISTA

As MPME são um sector objetivamente anti-monopolista, mas que subjetivamente tem dificuldade em assumir essa posição. Os MPME têm a dupla condição de trabalhadores e detentores do capital, por muito pequeno que possa ser. Estão nesta dupla condição também sujeitos à exploração monopolista que absorve grande parte – a maior parte – da mais-valia criada nas suas empresas, quer como clientes quer como fornecedores de bens e serviços. Ao grande capital interessa, pois, que as MPME se mantenham como entidades manipuláveis e submetidas aos seus interesses.

A dificuldade das MPME em proporcionar salários mais elevados aos seus trabalhadores vai no interesse das grandes empresas. Com muito maior produtividade, aproveitam o nivelamento por baixo dos salários que lhes permite aumentar os lucros, que constituem neste caso uma renda em detrimento do resto da economia. Os salários e prémios dos seus gestores, centenas de vezes superiores aos salários médios ou ao rendimento dos MPME, comprovam-no.

A consciência social dos MPME tem sido condicionada por fatores subjetivos ligados à propriedade que erradamente consideram ameaçada em termos de uma política de esquerda de conteúdo anti-monopolista, vendo o Estado como predador dos seus recursos, sem o relacionar com as políticas a favor do grande capital. Estas situações são fomentadas pela propaganda política da direita. Pelo contrário, a intervenção do Estado democrático em benefício de toda a sociedade beneficiaria as MPME.

O falso radicalismo esquerdista, fez no pós 25 de Abril o jogo da direita exigindo ridículas expropriações de MPME e proprietários rurais, quando a reforma agrária apenas dizia respeito ao latifúndio e terras abandonadas. Criavam a instabilidade em muitas MPME, atacavam os quadros técnicos e as camadas médias como intrinsecamente reacionárias. Estas camadas sociais voltaram-se em muitos casos para a direita por razões políticas, mas contra os seus interesses objetivos.

O apoio e defesa das MPME baseia-se nos princípios teóricos do marxismo. Em A ideologia Alemã, Marx e Engels escrevem que as PME se assemelham à distinção entre a grande e a pequena propriedade, “o poder do proprietário sobre os que não o são pode consistir numa espécie de comunidade (neste caso) está a pequena indústria.” [8]

“Na pequena indústria a propriedade é consequência dos instrumentos de produção existentes, apenas na grande indústria a contradição entre os instrumentos de produção e a propriedade privada é um produto da indústria (…) portanto só com ela surge a possibilidade de abolição da propriedade privada”. [8]

Quando Marx e Engels se referem à “ burguesia ” trata-se de “a classe dos capitalistas modernos” [9] distinguem claramente a condição do pequeno proprietário: “a indústria moderna que transformou a pequena oficina do mestre na grande fábrica do capitalista industrial (…) tornando os operários escravos da classe burguesa [9] .

A compreensão da situação das MPME é evidente em O Capital, “os capitais mais pequenos ocorrem por isso apenas àquelas esferas de produção das quais a grande indústria se apoderou apenas esporádica ou incompletamente” “A luta concorrencial transforma-se num enorme mecanismo de centralização de capitais” [10] Era justamente contra os desmandos e os perigos dos monopólios, que Marx aqui alertava.

O esquerdismo foi sempre uma deformação do marxismo, frequentemente manipulado por obscuras forças da direita. Vale a pena recordar a contundente crítica de Marx a este falso radicalismo na sua Crítica ao Programa de Gotha, onde se dizia que: “perante a classe operária todas as outras classes formam uma massa reacionária”. Eis a rigorosa contestação de Marx: “O que os Estatutos da Internacional dizem é que a emancipação dos trabalhadores será obra dos próprios trabalhadores”. “É um absurdo fazer das classes médias, juntamente com a burguesia uma “mesma massa reacionária.” “Trata-se de uma impertinência (…) uma dessas garotices baratas” [11]

Isto aplica-se muito justamente aos grupelhos esquerdistas do pós 25 de Abril cuja ação teve como objetivo afastar parte importante da população como os MPM empresários, quadros técnicos, etc., das transformações democráticas e antimonopolistas em curso. A partir do momento em que os governos se orientaram para políticas favoráveis ao grande capital e finança auto dissolveram-se e muitos dos seus protagonistas passaram a defender abertamente as políticas do PSD, do CDS e agora da troika.

4 – DIFERENTES ESTRATÉGIAS PARA AS MPME

Numa intervenção perante investidores estrangeiros no final de janeiro passado, o representante do FMI em Portugal traçava um quadro negro da situação portuguesa, em total contraste com as fantasiosas dissertações e manipulações de ministros e propagandistas. Segundo aquele responsável: a situação das PME portuguesas é insustentável, encontram-se endividadas, tendo de haver uma limpeza. Não investem, em vez de produzirem, sobrevivem, e muitos dos lucros vão para quem está à frente das empresas.

É de gente que pensa desta forma que a direita diz que nos estão a ajudar…

As políticas de direita quanto a apoios às MPME têm consistido em “incentivos”. No final de agosto de 2013 o atual governo criou os “Fundos Revitalizar” no valor se 200 milhões de euros e recentemente o ministro Pires de Lima anunciou apoios às MPME no valor de 2 000 milhões de euros…em 10 anos.

Entre 2008 e 2011 foram atribuídos 8 288 milhões de euros em apoios de crédito bonificado às PME (Programas INVESTE). Quais os resultados? As dificuldades das MPME e do país foram sempre em crescendo.

São táticas sem estratégia, centradas na “economia do lado da oferta”, uma noção tornada dogma, ignorando que a oferta se baseia na existência de procura solvente, isto é, quem possa pagar…Portanto sem soluções para uma economia dizimada pela falta de trabalho, redução dos níveis de vida e desregulação financeira. Os resultados não podiam ser outros.

Note-se que, de acordo com as orientações da UE (Comunicação da Comissão 2004/C 244/02) as MPME consideradas “não viáveis” não são elegíveis. Ora o critério para avaliação de empresas viáveis na economia vigente reside na capacidade de gerar lucros e pagar dívidas. Trata-se, assim, no dizer de Mark Twain acerca da banca de “emprestar um guarda-chuva quando faz sol e tira-lo quando começa a chover”…

A viabilidade das empresas depende das políticas macroeconómicas seguidas. Em termos de uma economia mista uma empresa será viável desde que responda a necessidades sociais e às prioridades definidas no plano económico, tendo em vista a promoção e a defesa da produção nacional.

As MPME dependem na sua grande maioria (90%) do consumo interno. A redução de salários, pensões e direitos dos trabalhadores e pensionistas, exigidos pela troika não traz qualquer vantagem para os MPME, muito pelo contrário. Além disto, se cerca de 75% dos custos das MPME lhe são exteriores, a empresa funciona praticamente com custos fixos sendo estes determinados em função da maximização dos lucros dos monopólios.

Os interesses das MPME estão assim mais próximos dos interesses dos trabalhadores do que do grande capital. Necessitam não de “menos Estado”, mas de “mais Estado” com capacidade de lhes prestar apoio em termos de crédito, tecnologia e gestão e promover a procura e a produção interna.

Numa política de progresso económico e social, a ligação das MPME ao planeamento e coordenação económica, tal como previsto na Constituição, far-se-á de forma gradual e voluntária com o reconhecimento dos benefícios a que o processo conduz. É neste sentido que se pode falar em planeamento democrático, com o direito das MPME e suas organizações representativas participarem na definição e execução das grandes linhas da política económica.

Um governo voltado para a defesa dos interesses nacionais acima de quaisquer outros, com uma política antimonopolista de acordo com o espírito do 25 de Abril, não apenas garantirá a existência de MPME como apoiará o seu desenvolvimento, reconhecendo que o progresso económico e social depende da adequada coordenação e colaboração entre os diversos sectores: empresas do Estado, privadas e cooperativas.

Notas
1- A quem serve a austeridade: retrato económico e social do Portugal de hoje e os impactos da integração capitalista europeia, Pedro Carvalho, www.odiario.info/?p=3188
2- Morte e Vida das Empresas, Confederação Portuguesa da PME (CPPME)
3- Estudos sobre características Estruturais das Empresas, O perfil exportador das PME em Portugal – 2007/2009, INE, 30.junho.2011
4- Uma introdução à Economia, vol. II, Ed. Gulbenkian, p 196. Sobre este tema ver Reindustrializar… dizem eles (ponto 2) resistir.info/v_carvalho/reindustrializar_jan14.html
5- A Revolução Portuguesa, o Passado e o Futuro, Álvaro Cunhal, Ed. Avante, p.350, 360, 307.
6- A Nacionalização da Banca em Portugal, Carlos Gomes, Ed. UNICEP, p.76, 58, 60 e 107. In resistir.info/livros/livros.html
7- Rumo à Vitória, Ed. Avante, p. 21 e 37
8- A ideologia Alemã, Obras Escogidas de Marx e Engels, Ed. Progresso, 1973, p.49 e 50
9- Idem, Manifesto, p.111 e 117
10- Capital, Livro I Tomo 3, Ed. Avante, p.712
11- Crítica do Programa de Gotha, Ed. Portucalense, p.23


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23/Mar/14