O IMI comporta regras iníquas que perduram há nove anos

por João Martins [*]

A actualidade e premência do imposto municipal imobiliário (IMI) trazida pela reavaliação geral das matrizes urbanas em curso e pelo anunciado brutal aumento do imposto sobre o património imobiliário, levaram-me a dar alguma atenção ao código do IMI, o chamado CIMI.

O CIMI foi proposto em 2003 pela dra. Manuela Ferreira Leite, ministra das Finanças do governo de Durão Barroso. Proclamou-se então que “a enorme valorização nominal dos imóveis, em especial dos prédios urbanos habitacionais, comerciais e terrenos para construção, por efeito de sucessivos processos inflacionistas e da aceleração do crescimento económico do País nos últimos 30 anos, minaram a estrutura e a coerência do actual sistema de tributação” [1] , ou seja a bolha imobiliária alimentada pelo crédito à habitação tinha elevado o preço da propriedade imobiliária e minado o regime fiscal legal vigente desde 1989, na opinião da ministra Ferreira Leite.

“A combinação destes factores conduziu a distorções e iniquidades, incompatíveis com um sistema fiscal justo e moderno e, sobretudo, a uma situação de sobretributação dos prédios novos ao lado de uma desajustada subtributação dos prédios antigos” [2] . Proclamava-se justiça e equidade na tributação do património imobiliário.

O CIMI foi aprovado pelo Decreto-Lei nº 287/2003 e começou a ser aplicado em Dezembro desse ano. Desde então foi objecto de pequenas alterações pelos governos socialistas ou social-democratas, que passaram por S. Bento.

Gostava de partilhar convosco duas observações a este código que contradizem o argumentário apresentado há nove anos e se mantiveram intactos no decurso deste período.

O valor do património tributário é calculado no CIMI através de uma fórmula matemática que multiplica o valor base dos prédios edificados pela sua área, corrigido da afectação (uso), localização, qualidade e conforto e vetustez (antiguidade).

De acordo com o artigo 39º do CIMI, “o valor base dos prédios edificados (Vc) corresponde ao valor médio de construção, por metro quadrado, adicionado do valor do metro quadrado do terreno de implantação fixado em 25% daquele valor ”, sendo que o valor médio de construção é fixado por Portaria anual que estabelece um valor para todo o território nacional.

Em termos práticos Vc = Vmc x 1,25.

Em 2012, a Portaria nº 307/2011 mandada publicar pelo ministro Vitor Gaspar fixou o valor médio de construção em 482,40 euros/m2 de onde resulta que o valor do terreno é fixado em 120,60 euros/m2 de modo a perfazer o valor base dos prédios edificados (Vc) em 603,00 euros/m2.

Em 2006, o governo Sócrates certamente preocupado em aliviar a fiscalidade da propriedade unifamiliar (vivendas) resultante da multiplicação do valor base dos prédios edificados (Vc) pela área havia introduzido algumas alterações ao CIMI a vigorar desde meados 2007. Delas destaco a introdução de um coeficiente de ajustamento de áreas (redução da área a considerar na fórmula de cálculo), beneficiando, crescentemente, os proprietários de vivendas com terreno privativo em função dos escalões de área.

Gostava de chamar a vossa atenção para uma particularidade deste CIMI, quando aplicado à propriedade horizontal.

Como é lógico, um prédio em condomínio está normalmente implantado num terreno com a área coberta do edifício. Esse terreno é propriedade comum de todos os condóminos. Porém para o CIMI da dra Manuela Ferreira Leite não é assim. Se o leitor possui um andar num condomínio convido-o a comprovar o que de seguida vou explicar, nos números da notificação de avaliação que deve ter recebido recentemente da Autoridade Tributária.

Nesta situação, o valor do terreno é aplicado a cada condómino, resultando daqui um cúmulo fiscal ilegítimo. Tomemos um exemplo simplificado para melhor compreensão da situação que pretendo denunciar: um prédio com 100 m2 de área coberta edificado com 10 andares de habitação. Cada condómino tem 10% do condomínio sendo a sua área bruta privativa 100 m2. O CIMI avalia esse andar em 2012 multiplicando 603 euros pelos 100 m2 resultando daí uma valorização de 60.300 euros caso os restantes coeficiente sejam iguais a 1 (para simplificar). Este valor pode ser desagregado pelo valor do terreno e da construção da seguinte forma:

Valor da construção 48.240 euros
Valor do terreno 12.060 euros
Valor patrimonial tributário 60.300 euros

Cada um dos co-proprietários de cada andar do mesmo condomínio verá o seu andar valorizado de forma igual. Daqui resulta que o terreno (100 m2) irá ser considerado como valendo 120.600 euros (10 x 12.060 euros) em vez de 12.060 euros aplicando o valor médio do terreno por m2 à área efectiva do mesmo! Ao aplicar o IMI sobre o valor patrimonial tributário, o Estado arrecada indevidamente imposto sobre uma área de 900 m2 que simplesmente não existem!

Outro aspecto do CIMI que choca a quem se defronta com a sua aplicação é o da forma como a qualidade da habitação é tratada na valorização patrimonial. Considerem as seguintes situações:

  • uma casa de paredes não rebocadas, chão de terra batida e cobertura de folha de flandres usada como habitação;
  • Uma vivenda de luxo, com paredes duplas e revestimentos luxuosos de elevado valor;

Como trata o CIMI estas duas situações no caso ambas disporem de cozinha, esgotos ligados à rede de saneamento, abastecimento de água e electricidade, embora em condições tão contrastantes?

Vejamos. São ambas moradias unifamiliares, logo em ambas o coeficiente de qualidade e conforto é acrescido de até 0,2. Pelo estado deficiente de conservação (ausência de reboco nas paredes) a primeira casa poderia ser beneficiada com a redução de até 0,05 no seu coeficiente de qualidade e conforto. Isto resulta da aplicação da tabela I do artigo 43º do CIMI.

Feitas as contas e em cúmulo,

  • a primeira casa poderia ver o seu valor calculado com um coeficiente de qualidade e conforto a variar teoricamente entre 0,95 e 1,2, e 1,15 como mais provável, i.e., com um valor médio de valorização entre 723,60 euros/m2 (0,2 para habitação unifamiliar e 0,0 para estado de conservação) e 572,85 euros/m2 (0,0 para habitação unifamiliar e 0,05 para estado de conservação), com valor mais provável de 693,45 euros/m2 (1,2 para habitação unifamiliar e 0,05 para estado de conservação).
  • a segunda casa seria valorizada com o coeficiente de qualidade e conforto fixado em 1,2, i.e., com um valor médio de valorização de 723,60 euros.

Cada um pode tirar por si as conclusões.

Para quem anunciou um sistema fiscal justo e moderno liberto de iniquidades não está nada mal. Já não nos enganam com o discurso político estes governos que têm aplicado políticas de direita e quando nos prometem correcção de desigualdades fiscais, aplicam-nos isso sim legislação com regras que conduzem precisamente ao contrário.

Veja-se, finalmente, a evolução do valor médio de construção que tem vindo a ser publicado nos últimos anos pelos ministros das Finanças:

2009 487,20 euros/m2
2010 482,40 euros/m2
2011 482,40 euros/m2
2012 482,40 euros/m2

A crise em que nos mergulhou esta política não fez baixar os preços do imobiliário? Para o ministro das Finanças, seja Teixeira dos Santos, seja Vitor Gaspar, não. Os preços do imobiliário estão congelados! Não admira que muita gente se queixe que lhe valorizaram a propriedade imobiliária em sede de IMI a preços virtuais muito acima dos que se praticam no mercado português actual.

14/Outubro/2012

[1] Do preâmbulo do DL nº 287/2003, de 12 de Novembro
[2] Ibidem

[*] Economista

Este artigo encontra-se em http://resistir.info/ .
16/Out/12