O neoliberalismo no sector dos transportes
"Na
AML
são os interesses alemães que dominam os transportes
coletivos"
por José Manuel Oliveira
[*]
entrevistado por Ana Goular
Do encerramento de serviços às privatizações, os
transportes coletivos também têm sido alvo das políticas
neoliberais. Porquê?
Porque faz parte do projeto neoliberal a que assistimos há muitos anos.
Podemos mesmo dizer que, por exemplo, o ataque às
nacionalizações começou no momento em que foram feitas e
com o processo contrarrevolucionário iniciado em 1975, surgiu um
conjunto de medidas de ataque à componente pública do setor,
transformando também este num negócio dos grandes grupos
económicos e financeiros. A primeira experiência foi a
privatização da Rodoviária Nacional, a grande empresa
pública que chegava a praticamente todos os cantos do País e que
prestava um serviço às populações em
função das suas necessidades. A sua pulverização
num conjunto de mais de cem empresas levou a que em muitos sítios (e em
praticamente todo o interior do País) o transporte de passageiros
passasse a ser feito em função do lucro. Se dá lucro
faz-se, se dá prejuízo não se faz, a não ser que o
erário público pague.
O setor dos transportes tornou-se apenas negócio. É isso?
Deixou de ser entendido como peça fundamental para o desenvolvimento do
País e nele impera apenas a área do negócio, para os
grandes grupos económicos. Aliás, se olharmos para o que se passa
com o transporte rodoviário comprova-se. Apesar de existirem mais de uma
centena de empresas, estas, no essencial, estão concentradas em
três grupos económicos. Ou dois grupos e meio. O grupo
Barraqueiro/Arriva (um terço do capital social do grupo Barraqueiro
pertence à empresa pública alemã Deustch Bahn) que na
Área Metropolitana de Lisboa detém o transporte
rodoviário, o ferroviário (Fertagus) e o Metro Sul do Tejo; o
grupo Arriva (detentor dos Transportes a Sul do Tejo) e o grupo Transdev que
opera sobretudo no centro e norte do País. Dizer que também nos
transportes a empresa Arriva serve para estender os interesses alemães
ao setor. Dizer ainda que o Estado paga mais a estas empresas do que aquilo que
paga às empresas públicas.
O que é que escapou à fúria privatizadora
neoliberal na área dos transportes?
Não sendo a correlação de forças favorável,
os governos não avançaram para processos de
privatização pura e dura, mas foram desenvolvendo um conjunto de
medidas que mais tarde ou mais cedo a isso conduzissem ou à
privatização de partes das empresas públicas. Isso foi
mais visível na CP e na TAP que foram sujeitas a processos de
divisão, transformando uma empresa pública em diversas empresas
que, embora de capitais públicos, são autónomas. A CP
dividiu-se na EMEF, na CP Carga e estas foram privatizadas. Desmembra-se para
vender. A ofensiva maior sucedeu nos quatro anos de Governo PSD/CDS que
lançou o que ao longo de mais de 30 anos não tinham conseguido,
ou seja, desencadear o processo de todas as empresas, com duas vertentes; as
que são lucrativas ou são negócios rentáveis foram
vendidas, as que têm que viver à conta de subsídios foram
concessionadas.
Privatizar a TAP e a CP não é perder soberania?
Na nossa opinião é. Aliás, vê-se que a TAP deixou de
funcionar de acordo com os interesses estratégicos do País e
passou a funcionar com a estratégia do David Neeleman e pelo que vai
sendo conhecido a TAP tem servido para salvar os seus negócios que
estavam abaixo da linha de água. Nos comboios temos este problema da CP
Carga; na nossa opinião Portugal deixa de ter um instrumento importante
para desenvolver políticas de transporte de mercadorias que respondam a
um conjunto de compromissos, como a redução das taxas de
emissão de CO2, o que só se faz se retirarmos as mercadorias dos
transportes rodoviários.
E fala-se muito da necessidade de aumentar as exportações.
E retira-se a capacidade de uma empresa pública, ao serviço do
desenvolvimento da economia e do País, o fazer.
Que avaliação faz das políticas de transportes?
Nunca tivemos e não temos política de transportes. O movimento
sindical defende que deve haver um Plano Nacional de Transporte que defina o
que cada modo de transporte deve fazer e como se podem complementar entre si e
não a lógica que impera de concorrerem entre si.
A Área Metropolitana de Lisboa é um exemplo concreto da
ausência de política de transportes.
O movimento sindical defende que tem de haver uma autoridade metropolitana de
transportes com capacidade de intervir e de definir políticas,
preços, horários, para que não aconteça o que
acontece em que pessoas que vivem a 30 quilómetros de Lisboa demoram
duas ou três horas para chegar à capital.
Não é preciso viver a essa distância
Porque as empresas funcionam em função de si próprias, dos
seus lucros. É por isso que entendemos que estas empresas têm de
ser públicas, caso contrário nunca actuarão em
função das necessidades das populações.
Em resultado das políticas neoliberais, hoje há
populações isoladas e trabalhadores desempregados
E aumento da precariedade. Esse é um problema sério que temos
hoje. Consideramos positivo que do atual Governo tivesse havido alguma vontade
política para reverter o processo de concessão do Metro de Lisboa
e da Carris, tivesse parado qualquer processo de privatização da
Soflusa e da Transtejo, que fosse aprovado o fim da Transportes de Lisboa que
visava apenas reduzir trabalhadores nas áreas administrativas e
técnicas, enquanto se aumentaram os quadros superiores, nalguns casos em
mais de dois mil euros. (Diga-se que os trabalhadores de um modo geral
estão sem aumentos salariais desde 2007). Mas é preciso mais. Se
não se der resposta a problemas sérios nestas empresas, como a
falta de investimento na manutenção e reparação do
material circulante, poderemos amanhã voltar a ter em cima da mesa a
ideia de que não se concessionou nem se privatizou, porém
não se consegue melhorar.
Mas também há falta de trabalhadores?
Essa é outra questão séria. Ao longo dos últimos
anos, houve uma redução cega de trabalhadores em todas as
áreas operacionais. No conjunto das empresas Metropolitana de Lisboa,
Carris, Soflusa, Transtejo, CP (na região de Lisboa) centenas de
serviços são suprimidos diariamente por falta de trabalhadores.
Ao impedir as empresas públicas de contratar novos trabalhadores, o
anterior Governo não só é responsável pela
supressão desses serviços e carreiras, como abriu portas à
precarização.
Ou seja?
Por exemplo nas oficinas da CP são admitidos trabalhadores com
vínculo precário, através de empresas de trabalho
temporário. Ou seja, é proibido admitir um trabalhador para uma
empresa pública porque isso aumenta os custos. No entanto, admitem-se
empresas de trabalho temporário, inclusive com custos superiores aos de
contratar trabalhadores, mas como são custos de aquisição
de serviços e não de pessoal, é possível. E paga-se
mais para alimentar situações de precariedade. Neste momento,
assiste-se à degradação do serviço público
que é prestado aos cidadãos. Falta saber se isto não
é uma estratégia para vir a justificar as
privatizações ou outras medidas, com o argumento de que o Estado
não tem capacidade de resposta.
A ideia de que o movimento sindical de classe, nomeadamente a Fectrans, quer
que os transportes coletivos sejam todos públicos corresponde à
verdade?
Não. Entendemos que Portugal precisa de ter um plano nacional de
transportes, em que o caminho-de-ferro seja a espinha dorsal, articulando os
diversos meios de transportes e para tal são necessárias empresas
públicas fortes, sem que isso inviabilize a existência de empresas
privadas. No entanto, o que é determinante, que é
estratégico e que necessita de funcionar de forma articulada e
corretamente se houver empresas públicas fortes. E o mesmo é
essencial no combate às assimetrias regionais e aos
desequilíbrios. Com empresas públicas, e tomando como exemplo a
Área Metropolitana de Lisboa, deixaríamos de ter
situações como as que temos em que os privados provaram que
quando estão em causa os seus interesses não se inibem de
chantagear o Estado. Recorde-se o que sucedeu há dois, três anos,
com o passe social, em que a chantagem serviu para os privados sacarem mais
dinheiro ao Estado. O País (e o seu desenvolvimento) não pode
estar sujeito a este tipo de coisas. Por isso também falamos em sistema
de transportes o que temos hoje é um conjunto de empresas que
não funciona em sistema o que não deixa de fora o
transporte privado.
Recentemente foi possível evitar a caducidade dos contratos coletivos de
trabalho no Metropolitano de Lisboa, Carris, Soflusa e Transtejo. Qual a
importância desta medida?
Nos últimos dias do anterior governo, a administração
destas empresas enviou uma nova proposta aos sindicatos que desencadeava a
caducidade dos atuais acordos da empresa. Esta passou a ser uma linha
prioritária da nossa intervenção, por entendermos que isso
não resolvia os problemas que precisam ser resolvidos relativamente ao
serviço público de transportes e acrescentava outro tipo de
conflitos. Por isso colocámos a questão ao atual governo da
revogação dessa medida de caducidade e que se iniciasse um
processo de negociação normal. Depois de muito tempo, a
administração das empresas anunciou que a proposta tinha sido
revogada e, neste momento, decorre a negociação do contrato
coletivo.
Que avaliação faz a Fectrans das medidas tomadas pelo Governo PS
em matéria de transportes?
Valorizamos algumas, porém consideramos que agora não se pode
fazer a sua inversão. Se não houver medidas rápidas para
solucionar dois ou três problemas centrais, como o da
manutenção do material circulante, da falta de trabalhadores e do
combate à precariedade, corre-se o risco de, a breve prazo, as
populações sentirem uma redução significativa da
oferta que é feita em matéria de transportes coletivos.
Ver também:
STRUP denuncia situação do Metro
[*]
Coordenador da Federação dos Sindicatos de Transportes e
Comunicações (
Fectrans
)
O original encontra-se no jornal
A Voz do Operário,
nº 3035, julho/2016
Este artigo encontra-se em
http://resistir.info/
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