Homenagem aos caídos em combate
Levantamento do cerco de Lisboa
por César Príncipe
Do séc. XII ao
séc. XVIII, o ensino era de matriz eclesiástica e
monástica, confinado a servidores da aparelhagem religiosa e alguns
membros da Fidalguia e da Corte. Fora deste circuito, a formação
era ministrada nas oficinas. Mestres de humanidades, geógrafos,
cartógrafos, matemáticos, astrónomos, riscadores,
pintores, tabeliães, médicos eram tidos e tratados como
auxiliares dos formalismos do Poder (letrados) ou peças de
substituição das máquinas da Igreja e do Estado e das suas
emblemáticas (ofícios práticos e mecânicos),
implicados na difusão da Fé, na consolidação da
Realeza ou da Aristocracia, na glorificação dos Vultos da
Nacionalidade ou da Ocupação, no enaltecimento das
Instituições e Empresas do Reino. Apenas alguns poetas,
dramaturgos e cronistas, cientistas e artistas lograram certo grau de
autonomia. Quanto ao grosso da Nobreza, era ignorante como a plebe. Por herdada
convicção e ociosa vocação, entendia não
precisar de aprender a granjear o sustento: dispensava saber ler e escrever
como evitava conspurcar-se ou vulgarizar-se a trabalhar. Bastava-lhe saber
recontar as rendas e as pernadas ou bater-se, sob auspiciosos pendões,
para dividir saques e servos. Desde a Fundação, não
faltaram reis de fero e fraco trono e bispos da cruz ou das coisas
aprazíveis, traidores de estirpe, heróis de estátua e
descobridores de além-mar com um traço comum:
orgulhosamente acompanhados e manifestamente analfabetos.
Terramoto anti-jesuítico
No séc. XVIII, o Marquês de Pombal terminou com o monopólio
dos Jesuítas no ensino que, embora limitado em discípulos e
matérias, adestrava quadros religiosos, políticos,
administrativos e diplomáticos. Apeado o Marquês, o revanchismo
conservador liquidou a base iluminista (laica e burguesa), esboçada na
Escola dos Nobres.
O remanescente e incipiente parque escolar foi confiado a uma
Direcção-Geral de Estudos.
Impôs-se, então, o Verdadeiro Método de Não
Estudar. No séc. XIX (1870), foi criado o
Ministério dos Negócios da Instrução Pública.
Duraram um ano os
negócios
da pasta. Ficou tudo mais ou menos como no tempo da Junta Directiva. Segue-se
o
Ministério da Instrução Pública,
cujo nome vigorou do séc. XIX ao séc. XX, atravessando a
Monarquia, a República e o Fascismo.
Escolaridade Precária e Intermitente
No último terço da Monarquia, registou-se uma expansão
(modesta) de equipamentos e do portfólio curricular, coincidindo com o
surto desenvolvimentista-fontista. Com a República, esboça-se uma
primeira cobertura territorial e social do ensino (1910-1926). Implantada a
ditadura militar-salazarista (1926), foram encerradas centenas de escolas de
vários graus e foi arrumada e caluniada uma legião de
professores. Em 1936, ano de nacionalismos exacerbados, a tutela passou a
denominar-se
Ministério da Educação Nacional.
O regime, para uns, corporativo e autoritário, para outros, fascista e
reaccionário, foi ampliando a rede e segmentando e formatando os
conteúdos conforme as exigências do condicionamento industrial e
da administração luso-imperial. Dentro deste objectivo, jamais
descurou o controlo (principalmente das populações rurais,
operárias, coloniais), dificultando-lhes a frequência
pós-primária ou primária por carência de
instalações, transportes e meios pecuniários. Igualmente
cuidou de concentrar os estudos superiores em cidadelas universitárias,
ao mesmo tempo que censurava os conteúdos das classes
médias-altas.
Depois do
Livro Único
Com a Revolução de 1974, a tutela poupou pompas e palavras. A
sede burocrática e programática dos vários ciclos de
aprendizagem adoptou o
simplex: Ministério da Educação.
Durante o primeiro período do novo regime, acatando a legitimidade
revolucionária e as reivindicações nacionais, regionais e
locais, processou-se a maior transformação democrática da
História do Ensino em Portugal (primário, básico,
secundário, politécnico, superior). Todo o país beneficiou
de redes de ensino diversificado e de proximidade. Massificou-se o acesso e
especializaram-se as competências, sendo constituído, para
regulação de rotinas e choques de interesses, uma quadratura
interactiva ou célula residencial de professores, alunos,
funcionários, encarregados de educação. Este paradigma
organizacional e paritário tem vindo a ser subvertido e desautorizado.
Os programadores governamentais têm, de ano para ano, acentuado a
desactivação de estruturas, o esvaziamento de
órgãos internos, a desmotivação da docência,
o desemprego massivo e selectivo. Desde o séc. XIX que, por regra, o
rompimento com o sistema e a mudança de padrão têm ocorrido
ao compasso das viragens e clivagens de regime. Pelos indicadores ao alcance de
qualquer investigador, nunca a perversão e inversão de
protótipo foi, como hoje, tão rupturante, excludente e
desfigurante dentro do mesmo quadro institucional e figurino constitucional. O
ensino deixou de ser a solução. Passou a ser o problema. Exaltado
como
paixão
em
spots
eleitorais e nos apertos sindicais, depressa é enjeitado. Fechar ou
desorçamentar escolas recomendáveis, deixar abrir
faculdades-fantasma, homologar cursos sem saída, subfinanciar
actividades e serviços, aumentar propinas, precarizar
colocações e comprimir remunerações, desesperar
docentes, não dar esperança aos discentes eis o Apocalipse do
Magistério: o estudo como área de negócio, a
instrução como assunto privado, a educação como
ornamentação classista. A Nova
Política do Espírito
em acção.
Yes, Mister Director
A angústia existencial de muitos professores (os que ainda conservam o
posto de trabalho) radica na situação de desencanto relativamente
à política ou polícia educativa: por um lado, há
quem tente manter a sua missão em parâmetros
científico-didácticos e de dignidade socioprofissional,
defendendo a quadratura de diálogo; por outro lado, alguns agentes do
Poder Central, da confiança do Poder e pelo Poder incentivados e
resguardados, foram e vão usurpando espaço de
representação e consenso. Assim, retomam as rédeas e os
tiques de antigos reitores ou directores,
marcando
os que não se amoldem à Nova Ordem Escolar ou do
Senhor Director,
que desprovido de Autoridade Pedagógica e de Escrutínio da
Comunidade se refugia e escuda em argumentos e procedimentos de Autoridade
Policial. Já se apontam casos de montagem de câmaras de
vigilância nas horas activas, por certo mais tecnologicamente
avançadas e fiáveis do que os bufos.
Cântico
de Régio
Perante o estado de sítio imposto nalgumas escolas, tornadas lugares de
humilhação e confronto, decepção e
desconfiança, intriga e incerteza, factores
educativos,
a que se somam a sobrecarga de tarefas e o caos legislativo e regulamentar,
assumir o regiano
sei que não vou por aí
redunda num preço de carreira e em danos de personalidade. Mas um
não consciente e animoso supera um sim inconsciente e temeroso.
Compreender-se-á, em sede lectiva, o cunho galhardo e camoniano da
sentença. É que, efectuado um balanço (crítico e
cívico) de séculos de esforço para ilustrar a Grei, eis o
momento para uma petição on-line, a enviar ao n.º 107 da
Avenida 5 de Outubro, Lisboa.
MINISTÉRIO DOS NEGÓCIOS DA EDUCAÇÃO
A partir da recepção desta carta, sufragada por mais de 100 mil
professores e milhões de portugueses, queira Esse Ministério, que
tem em marcha acelerada um Plano Anti-Escola Pública (economicista,
elitista, dirigista e centralista), mudar o nome da instituição,
de forma a harmonizar a cara com a careta, aclarando, com objectividade e
frontalidade, o ponto a que chegou o estado da Educação e a
educação do Estado. Para tal, fomos buscar
inspiração ao ano de 1870, data do Primeiro Ministério e
marco desalentador da
Geração de 70
ou dos
Vencidos da Vida.
Não divisamos nome mais ajustado e avisado do que o acima proposto.
Nova
Geração de 70
No arranque do Novo Ano Lectivo e em defesa da Comunidade Escolar (submetida a
pressões e a depressões) e realmente
A Bem da Nação
(ainda não vencida, mas enfraquecida), o Grupo dos 11, de novo, se
reuniu, num estabelecimento da capital, desta vez, para mais do que jantar e
fazer a digestão, verdadeiramente indignado com os rumos da
Pátria e os roubos dos apátridas, francamente desiludido com o
Rey e o Seu Governo, decididamente apostado em repor os Ideais da
Geração de 70 do Séc. XX ou da Revolução de
25 de Abril, tomando por exemplo a
Revolução de Avis.
Aqui e deste modo se firma e reafirma a vontade de contribuir para a
Reposição da Democracia da Inteligência e da
Decência, no dia em que também quisemos assinalar o levantamento
do Cerco de Lisboa pelos castelhanos, vencidos pela tenacidade dos sitiados e
convencidos pela peste negra. Como se lembrará, corria e decorria o
três de Setembro de mil e trezentos e oitenta e quatro, conforme as
Crónicas de Fernão. Entretanto, soubemos de várias fontes
que os castelhanos também mudaram de nome, agora se intitulando de
troikanos, mas o assédio é idêntico, vendo-se até,
entre as hostes do inimigo, como na antiga luta pela independência e pela
soberania, quem deveria acautelar as muralhas. Todos nos levantamos do
chão sepulcral, a fim de ajudar a repelir o cerco dos homens da pasta
negra. Então, o Mestre apunhalou o conde Andeiro e o povo defenestrou o
bispo Martinho. Para que se divulgue nas Portas de Cidade e conste no seio da
arraia-miúda:
António Cândido
Carlos Lobo de Ávila
Carlos Mayer
Conde de Arnoso
Conde de Ficalho
Conde de Sabugosa
Eça de Queirós
Guerra Junqueiro
Marquês de Soveral
Oliveira Martins
Ramalho Ortigão
Hotel Braganza, 03/09/2012.
Este artigo encontra-se em
http://resistir.info/
.
|