Desemprego, recessão económica e guerra

por Eugénio Rosa [*]

Pouco depois de termos elaborado e enviado o estudo sobre “O Modelo de Desenvolvimento Português”, o Instituto Nacional de Estatística (INE) publicou os dados sobre o desemprego relativamente ao último trimestre de 2002. Por isso, iremos começar por aproveitar precisamente esses dados oficiais para fazer uma análise mais aprofundada das consequências económicas do desemprego.

MEIO MILHÃO DE PORTUGUESES NO DESEMPREGO

Observem-se os dados do quadro seguinte, que são dados oficiais publicados pelo INE, os quais mostram a dimensão e o ritmo de crescimento do desemprego no nosso País.

QUADRO I – AUMENTO DO DESEMPREGO NO ÚLTIMO TRIMESTRE DE 2002

CATEGORIAS 3º trim. 2001 3º trim. 2002 4º trim. 2002
1- ACTIVOS 5.319.100 5.407.700 5.389.000
2- Nº OFICIAL DE DESEMPREGADOS 213.200 276.100 331.800
3- TAXA DESEMPREGO OFICIAL (2:1) 4,0% 5,1% 6,1%
4- Inactivos disponíveis 71.200 83.200 88.300
5- Inactivos desencorajados 19.600 24.800 22.400
6- Subemprego invisível 38.400 42.300 51.300
7- DESEMPREGO EFECTIVO (2+4+5+6) 342.400 426.400 493.800
8- TAXA DESEMPREGO REAL E EFECTIVO (7:1) 6% 8% 9,2%
Fonte: Estatísticas do Emprego – INE – 3º e 4ºTrimestres de 2002

Em primeiro lugar, interessa referir que o ritmo de crescimento desemprego em Portugal está a aumentar de uma forma intolerável. Como mostram os dados do quadro I, entre o 3º trimestre de 2001 e o 3º trimestre de 2002, portanto num ano, o número oficial de desempregados aumentou em 62.900, pois passou de 213.200 para 276.100, enquanto no último trimestre, portanto num trimestre apenas (3ºtrimestre de 2002/4ºtrimestre de 2002), o número oficial de desempregados cresceu em 55.700, pois passou de 276.100 para 331.800 desempregados.

Por outro lado, o número efectivo de desempregados, que inclui o número oficial de desempregados mais os inactivos disponíveis (desempregados mas que não procuraram trabalho no período em que foi feito o inquérito), mais os inactivos desencorajados (aqueles que estão desempregados mas desistiram de procurar emprego), mais os que se encontram na situação de subemprego invisível (aqueles que fazem algumas horas por não encontrarem emprego); somando estes valores obtém-se um valor próximo dos quinhentos mil – mais precisamente 493.800 - sendo de prever no entanto que, com ritmo de crescimento que se tem verificado, neste momento (Fevereiro/2003) já ultrapasse certamente o meio milhão de desempregados.

Se não existissem outras razões, o aumento vertiginoso do desemprego que se está a verificar seria certamente um facto que mostra as consequências graves para os portugueses da politica económica-financeira que está a ser seguida pelo governo.

QUANTO CUSTA O DESEMPREGO AO PAÍS

De acordo com as previsões do governo constantes do relatório do Orçamento do Estado para 2003 (pag.61), o Produto Interno Bruto (PIB), ou seja riqueza criada no País anualmente, deverá atingir em 2003 os 134.510,7 milhões de euros (26.966,9 milhões de contos).

Por outro lado, e de acordo com o INE, a população empregada no 4º Trimestre de 2002 era 5.057.200.

Se dividirmos o valor previsto para o PIB em 2003 – 134.510,7 milhões de euros – pela população empregada (5.057.200), obtém-se 26.598 euros (5.332 contos) por empregado.

Se multiplicarmos o número efectivo de desempregados no 4º trimestre – 493.800 – pelo valor de riqueza que cada desempregado criaria se estivesse a trabalhar – 26.598 euros – obtém-se 13.134 milhões de euros (2.633 milhões de contos), tal é o valor da riqueza perdida devido ao facto de cerca de meio milhão de portugueses estarem no desemprego.

Para se poder ficar com uma ideia ainda mais clara do que significa esta perda riqueza, basta dizer que se os desempregados estivessem a trabalhar o Produto Interno Bruto (PIB) português aumentaria em cerca de 9,7%, portanto um valor 7 vezes superior ao crescimento previsto do PIB pelo governo em 2003, que é apenas de 1,3% .

QUAL É O VALOR DOS SALÁRIOS PERDIDOS
E QUANTO CUSTA O DESEMPREGO À SEGURANÇA SOCIAL


De acordo com o Relatório do Banco de Portugal de 2001, que é o último publicado, 40% do PIB é aplicado no pagamento de “remunerações do trabalho (Pág. 100).

Aplicando essa percentagem ao valor da riqueza que os desempregados criariam se estivessem a trabalhar – 13.134 milhões de euros – obtém-se 5.253 milhões de euros (1.053 milhões de contos) que é precisamente o valor dos salários não recebidos precisamente devido ao facto de cerca de meio milhão de portugueses estarem no desemprego .

Este facto tem também graves consequências económicas, já que por não receberem salários, este meio milhão de portugueses vê o seu poder de compra reduzir-se significativamente, o que determina dificuldades acrescidas para as empresas que vendem para o mercado interno, já que não conseguem escoar uma parte crescente do que produzem, o que provoca, por sua vez, mais desemprego, agravando assim o ciclo infernal de: desemprego => redução ou fecho de empresas => mais desemprego.

Mas o crescimento vertiginoso do desemprego que se está a verificar em Portugal não tem consequências apenas na redução do volume de salários pagos, mas também nas receitas da segurança social, já que as contribuições pagas a esta, quer das empresas quer dos trabalhadores que se chamam quotizações, são calculadas com base na massa salarial paga. Reduzindo-se esta baixam aquelas.

Assim, devido ao desemprego que atinge actualmente cerca de meio milhão de portugueses, a Segurança Social perderá, só em 2003, em contribuições das empresas cerca de 1.247,8 milhões de euros (250,2 milhões de contos), e de descontos dos trabalhadores 577,8 milhões de euros (115,8 milhões de contos), ou seja , um total de receitas avaliada em cerca de 1.825,6 milhões de euros (366 milhões de contos). E isto é uma estimativa por baixo, porque o desemprego continuará a aumentar em 2003 e, consequentemente, crescerá ainda mais a perda de receitas que a Segurança Social.

Mas com o desemprego a Segurança Social não perde apenas receitas. Embora menos de 20% dos desempregados é que estejam a receber subsidio de desemprego, como provamos no trabalho anterior com base em dados publicados pelo Instituto Nacional de Estatística, mesmo assim as despesas com subsídios de desemprego, que são pagas pela Segurança Social, estão a crescer vertiginosamente.

De acordo com o Relatório do Orçamento do Estado para 2003 (pág. 67), em 2002 gastou-se com o pagamento de subsídios de desemprego 980 milhões de euros (196,4 milhões de contos ) e para 2003 estão previstos já 1232,8 milhões de euros (247,1 milhões de contos). E devido ao facto do desemprego ter explodido no último trimestre é de prever que mesmo este valor não seja suficiente e mesmo continuando a pagar-se subsidio de desemprego a menos de 20% dos desempregados.
Em resumo, a Segurança Social, com o desemprego, e num único ano (2003), perderá cerca 3058,4 milhões de euros (613,1 milhões de contos), sendo 1.825,6 milhões de euros referente a receitas que não recebe e 1232,8 milhões de euros a subsídios de desemprego que tem de pagar.

SURPRESA REAL OU LÁGRIMAS DE CROCODILO?

Qualquer economista sabe que a politica económica e financeira que o actual governo está a levar a cabo só pode levar o País a mais desemprego, a redução de actividade ou mesmo ao fecho de mais empresas, à recessão económica.

Efectivamente, o crescimento económico de qualquer país depende do crescimento do mercado, que inclui o mercado interno e mercado externo (exportações), ou seja, da existência de pessoas ou entidades com capacidade de compra e que estejam interessadas em adquirir serviços e bens .produzidos no nosso País. E isto porque as empresas produzem para vender, e se não encontram quem adquira a sua produção reduzem a sua actividade ou mesmo fecham.

Como se sabe os países que são compradores tradicionais de produtos e serviços portugueses – Alemanha, França, Espanha, etc. – também enfrentam quebras na sua actividade económica e estão mais interessadas em exportar do que importar. Por isso, é previsível que não se possa contar muito com os mercados desses países para animar a actividade económica portuguesa, sendo já bom que mantivessem um nível de compras semelhante à dos anos anteriores.

Portanto, a base para a sustentação da actividade económica, e mesmo para o seu crescimento, em momentos de redução ou mesmo de recessão económica internacional, como é aquele que presentemente se vive, devia ser precisamente a animação do mercado interno. E essa animação faz-se pelo investimento e pelo aumento do poder de compra da população, este tendo fundamentalmente como base o aumento de salários e das pensões, pois são as fontes de rendimento da esmagadora maioria da população.

E o que é que está a acontecer?

O governo para cumprir os ditames do chamado Pacto de Estabilidade está a reduzir drasticamente o investimento público que, por sua vez, arrasta a redução do investimento privado. E não havendo investimento não existe criação de emprego. São exemplos disso, os cortes no investimento público e as restrições drásticas ao endividamento das autarquias mesmo para investimento. Como consequência o governo prevê que o investimento cresça em 2003 apenas 0,1%, ou seja, que praticamente não aumente, pondo assim em perigo não só o crescimento económico actual mas também o futuro do País.

Em relação ao poder de compra da população as medidas tomadas pelo governo visam claramente reduzi-lo de uma forma significativa. Assim, o governo pretende impor diminuições nos salários reais dos trabalhadores e mesmo pensionistas.

Em relação aos trabalhadores da função pública o governo pretende que os salários e pensões superiores a 1000 euros (200 contos) não tenham qualquer aumento em valor, o que significa uma importante redução em termos reais, e que os inferiores a esse valor tenham uma subida de apenas 1,5% que é inferior a metade da taxa de aumento de preços (em 2002, os preços aumentaram cerca de 4% e , em 2003, nesta altura o governo já prevê que subam 2,5%). A maioria esmagadora das pensões de reforma dos trabalhadores do Regime Geral foram aumentadas apenas em 2% e o salário mínimo nacional subiu em 2003 somente em 2,47%, portanto, tudo aumentos inferiores à subida registada nos preços, o que determina a redução do poder de compra da maioria esmagadora da população portuguesa.

Esta politica determina que o próprio governo preveja que o consumo público se reduza em 0,5% e que o privado tenha um aumento de 0,2%, ou seja, que praticamente estagne. E estas previsões são optimistas, pois as previsões iniciais do governo já foram revistas mais de uma vez e sempre no sentido de baixa, e é previsível que sofram novas diminuições. Tudo isto é agravada pelo endividamento excessivo em que se encontra a população que é obrigada a aplicar mais de 20% do que recebe no pagamentos do chamado serviço da divida (juros e amortizações de empréstimos contraídos no passado).

Em resumo, a redução do investimento associação à redução do poder de compra da maioria da população, que o governo está a impor, determina necessariamente redução do mercado interno, o que provoca por sua vez dificuldades crescentes à venda dos bens e serviços das empresas, o que leva à redução da sua actividade e mesmo ao fecho de empresas, o que provoca, por sua vez, mais desemprego.

Portanto, o aumento vertiginoso do desemprego que se está a verificar não deverá surpreender ninguém. Ele é a consequência inevitável da politica económica e financeira que o governo está seguir. E nem serve a desculpa da difícil conjuntura internacional, a qual deveria exigir uma politica que contrariasse as consequências dessa conjuntura, e não uma politica que ainda agrava mais as consequências negativas da situação económica internacional, como se verifica presentemente.

Em futuro estudo, porque este já vai longo, iremos analisar com profundidade as medidas tomadas recentemente pelo governo para “combater” o aumento vertiginoso do desemprego, as quais, apesar de muito propagandeados, terão reduzidos efeitos práticos como iremos mostrar.

GOVERNO ENTRA EM CONFLITO COM OS NOSSOS PRINCIPAIS PARCEIROS ECONÓMICOS PARA AGRADAR OS ESTADOS UNIDOS

Esquecendo a situação económica difícil que o nosso País enfrenta e ignorando os interesses económicos portugueses, o actual governo, para agradar a administração americana, entrou em conflito com os nossos principais parceiros económicos, que são a Alemanha, a Bélgica e França, assinando uma declaração de apoio à guerra americana contra o Iraque.

Mas observem-se os dados do quadro II, que a seguir se apresentam, que mostram a irresponsabilidade de tal posição.

QUADRO II – EXPORTAÇÕES PORTUGUESAS
De Janeiro de 2002 a Setembro de 2002

DESIGNAÇÃO 2002 (milhões de euros) % do total das exportações
TOTAL DAS EXPORTAÇÕES 20189 100%
Para a Alemanha 3718 18,4%
Para a Bélgica 937 4,6%
Para a França 2606 12,9%
Para os EUA 1165 5,8%
Fonte: Boletim Mensal de Estatística – Novembro de 2002 – INE

Face à redução do mercado interno, determinado pela diminuição do poder de compra da maioria da população e pela redução do investimento, o mercado externo, ou seja, as exportações, tornam-se fundamentais para que o nosso País não entre numa profunda recessão económica.

No entanto, o governo português esquecendo os interesses económicos nacionais decidiu entrar em confronto com a Alemanha, Bélgica e França que garantem o escoamento de cerca de 36% das exportações portuguesas, enquanto o Estados Unidos adquirem apenas 5,8% das exportações nacionais.

Para além disso, é preciso também não esquecer que a Alemanha e a França são os principais contribuintes líquidos do orçamento da União Europeia de que Portugal é beneficiário.

No entanto, o actual governo leva tanto a peito a defesa dos interesses americanos, que o ministro da Defesa na conferência de segurança realizada recentemente em Munique “invectivou o ministro alemão dos Negócios Estrangeiros como costuma fazer no Parlamento, nos mercados e nas feiras sobre a alternativa a uma guerra no Iraque” e “pôs assim em causa o prestígio de Portugal” (general Loureiro dos Santos, Expresso, 15 de Fevereiro de 2003).

Loures, 16/Fev/2003


[*] Economista.

Este artigo encontra-se em http://resistir.info .
19/Fev/03