Desenvolver o mercado dos fundos de pensões privados com receitas da
Segurança Social pública
O ministro Bagão Félix apresentou no inicio da 2ª quinzena
do mês de Junho de 2004, aquilo a que chamou
Regulamentação do Sistema Complementar de Segurança
Social ou, para empregar palavras mais facilmente compreensíveis,
os princípios que deverão servir de base à
elaboração do decreto regulamentar que pretende publicar visando
o desenvolvimento do mercado dos fundos de pensões privados em Portugal
à custa do desvio de receitas da Segurança Social e da
destruição do principio de solidariedade em que assenta todo o
sistema público da Segurança Social. Esses princípios
foram amplamente divulgado pelos órgãos de
comunicação social.
No entanto, como essa regulamentação contém
aspectos técnicos importantes de difícil compreensão para
quem não domine a problemática dos fundos de pensões e
como a generalidade dos órgãos de comunicação
social não os explicaram (a maioria limitou-se a transmitir
acriticamente as posições do ministro), embora eles sejam
fundamentais para se compreender as suas consequências quer para a
Segurança Social pública quer para os trabalhadores, vai-se
procurar explicar neste pequeno estudo esses aspectos, procurando
torná-los facilmente compreensíveis.
PERDA DE RECEITA DURANTE 30 ANOS SEM QUALQUER REDUÇÃO DE DESPESAS
Contrariamente àquilo que o documento apresentado pelo ministro
Bagão Félix pretende fazer crer, e também contrariamente
àquilo que muitos órgãos de comunicação
divulgaram, a receita que a Segurança Social perderia não
é pequena, por um lado, e, por outro lado, só ao fim de 30 anos
é que se verificaria uma eventual redução de despesas com
o pagamento de pensões.
Efectivamente, de acordo com o projecto de Bagão Félix, em
relação a todos os trabalhadores com remunerações
mensais superiores a 6 salários mínimos (2.190 euros), uma parte
dos seus descontos (dois terços do valor dos seus descontos referente
à parcela da sua remuneração que ultrapassasse os 6
salários mínimos) poderia ser aplicado em fundos de
pensões privados (em relação aos trabalhadores com
remuneração superior a 10 salários mínimos, a
totalidade dos descontos da parcela que ultrapassasse os 3.650 euros deixaria
de entrar na Segurança Social).
Estes limites de contribuições (plafonamentos) aplicar-se-iam aos
trabalhadores que iniciem a carreira contributiva após a entrada
em vigor do regime, ou seja, aos novos inscritos na Segurança
Social que são na sua maioria jovens trabalhadores que estão
muito longe da idade da reforma, assim como àqueles trabalhadores
que, à data da entrada em vigor do diploma, tenham idade igual ou
inferior a 35 anos, e carreira contributiva não superior a 10
anos, ou seja, àqueles cuja maioria só se reformariam daqui
a 30 anos, isto é, quando completassem a idade de 65 anos.
A conjugação de tudo isto determinaria, como é
fácil de concluir, que se o plafonamento defendido por
Bagão Félix fosse aplicado, a Segurança Social
pública começaria a perder imediatamente receitas, cujo valor
aumentaria todos os anos, só se verificando uma eventual
redução das despesas com pensões quando os trabalhadores
afectados pelo plafonamento se reformassem, ou seja, daqui a 30 ou
mais anos.
Em resumo, a regulamentação defendida por Bagão
Félix para a Segurança Social pública pode-se traduzir da
seguinte forma: perda imediata, continua e crescente de receitas em
beneficio dos fundos de pensões privados, criando assim para estes o
mercado seguro que há muito tempo os grandes grupos económicos
que os controlam reivindicam, em troca de uma eventual redução
nas despesas da Segurança Social com pensões só daqui a 30
ou mais anos. É evidente que uma solução desta natureza
só criaria dificuldades financeiras acrescidas à Segurança
Social pondo em perigo a sua sustentabilidade financeira futura.
EM 30 ANOS A SEGURANÇA SOCIAL PERDERIA MAIS DE 3.200 MILHÕES DE
CONTOS DE RECEITA A PREÇOS CORRENTES
É possível fazer uma estimativa da receita que a Segurança
Social perderia. Para isso, vai-se utilizar os próprios dados que o
governo divulgou até para não sermos acusados de parcialidade. E
como rapidamente se conclui o valor da receita perdida pela Segurança
Social seria gigantesco, contrariamente àquilo que o governo pretende
fazer crer e ao que muitos órgãos de comunicação
social fizeram crer.
Assim, supondo que o governo conseguiria impor o plafonamento a
todos os trabalhadores com remunerações superiores a 6
salários mínimos nacionais, que actualmente já atingem
quase 1% dos beneficiários do sistema público segundo
o
Expresso
de 19/06/2004, e utilizando as projecções do próprio
governo, rapidamente conclui-se que a Segurança Social pública
perderia receitas superiores a 16.000 milhões de euros (mais de 3.200
milhões de contos) no período em que não se verificaria
qualquer diminuição de despesas com pensões.
Em contrapartida o mercado dos fundos de pensões privados controlados na
sua quase totalidade pelos bancos e companhias de seguros aumentaria em igual
montante. Para que se possa ficar com uma ideia mais clara dos
benefícios que isso representaria para os grandes grupos
económicos basta dizer que, de acordo com dados divulgados pelo
Instituto de Seguros de Portugal em 2004, os valores geridos pelas sociedades
gestoras de fundos de pensões atingiam no fim do ano de 2003 cerca de
16.200 milhões de euros, portanto um valor a preços correntes
quase igual àquele que seria desviado da Segurança Social.
A Segurança Social pública seria assim descapitalizada de um
gigantesco valor em beneficio dos fundos de pensões privados controlados
pelos grandes grupos económicos.
FUNDOS PRIVADOS DE CONTRIBUIÇÃO DEFINIDA
Fundos de contribuição definida é um
chavão técnico mas é muito importante que os
trabalhadores saibam o que isto significa, pois tem consequências graves
no valor das pensões que receberiam dos fundos de pensões
privados.
Existem dois tipos de Planos e de Fundos de Pensões
Benefícios Definidos e Contribuições Definidas
não dando este último qualquer segurança a quem se
inscreve nele como se mostrará.
Um
Plano e um Fundo de Pensões de Benefícios Definidos
é aquele em que se define à partida o que se pretende que cada
beneficiário receba quando se reformar (ex., o correspondente a 80% do
seu salário na idade de reforma), e depois calcula-se o que cada
associado (empresa) ou participante (trabalhador) deverá pagar, para
quando o trabalhador se reformar receber o beneficio (reforma) que previamente
foi estabelecida.
Num
Plano num Fundo de Pensões de Contribuições Definidas
o que se define à partida é contribuição de cada
associado ou participante (por exemplo, 20.000$00 por mês), não
estando definido o que cada beneficiário receberá à data
de reforma, já que este valor dependerá não só das
importâncias recebidas pela entidade gestora, mas também da
rentabilidade que a entidade gestora alcançar com as
aplicações das quantias recebidas.
Os fundos de pensões privados que o ministro Bagão Félix
pretende impor aos trabalhadores abrangidos pela Segurança Social
são fundos de pensões de contribuições definidas
(os segundos analisados anteriormente) como consta do documento que apresentou,
isto é, o trabalhador sabe quanto paga mas não sabe quanto
receberá quando se reformar.
E isto porque à semelhança do que sucede com um PPR, as
sociedades gestoras de fundos de pensões retirariam do que recebessem
logo à cabeça a sua comissão (esta está sempre
garantida), e depois o resto é que seria investido em
acções, obrigações, etc, e seria o valor destas no
momento em que o trabalhador se reformasse que determinaria o que ele
receberia, que poderia até ser muito inferior ao capital que investiu
nestes fundos. Assim, o valor que o trabalhador receberia dependeria da
especulação bolsista, já que as sociedades gestoras
transferem, neste tipo de fundos, a totalidades dos riscos para o trabalhador.
Fica assim claro porque razão os grandes grupos económicos
estão interessados neles, pois não assumem qualquer risco. Fica
assim também claro porque razão o ministro Bagão
Félix, um ex-alto funcionário do grupo BCP que possui uma das
principais sociedades gestoras de fundos de pensões a
Pensõesgere, SA
os pretende impor aos trabalhadores. Fica
igualmente claro porque razão Bagão Félix tem reduzido os
direitos dos trabalhadores a nível do abono de família, do
subsidio de doença e, agora, pretendo fazer o mesmo em
relação ao subsidio de desemprego para assim poder libertar
poupanças para os fundos de pensões privados.
Para além disso, não está claro no documento do ministro
Bagão Felix que as empresas acima dos seis salários
mínimos continuarão a descontar a totalidade do que actualmente
descontam para a Segurança Social. Se isso não acontecer (e a CIP
tem reivindicado a diminuição da contribuição das
empresas para a Segurança Social); repetindo, se as empresas deixarem de
descontar uma parcela da sua contribuição acima dos 6
salários mínimos, como reivindica a CIP, então os
trabalhadores abrangidos pelo plafonamento seriam duplamente
prejudicados: (1) Porque uma parcela da sua reforma ficaria dependente
da especulação bolsista, e poderia acontecer que acabassem por
receber mesmo muito menos do que descontaram; (2) Porque a
contribuição mesmo para um fundo de pensões diminuiria
devido à redução da contribuição da empresa,
e contribuindo as empresas com menos, mais baixa seria a pensão recebida
pelo trabalhador quando se reformasse.
É NECESSÁRIO LUTAR CONTRA A DESCAPITALIZAÇÃO DA
SEGURANÇA SOCIAL E CONTRA A DIMINUIÇÃO DAS PENSÕES
DE REFORMA
De acordo com a própria Lei de Bases da Segurança Social de
Bagão Félix, ou melhor, segundo o nº 4 do artº 46 da
Lei nº 32/2002 os trabalhadores com remunerações entre os 6
salários mínimos (2.193 euros) e 10 salários
mínimos (3.656 euros) a lei a publicar pode prever
. a livre
opção dos beneficiários entre o sistema público de
segurança social e o sistema complementar.
Assim, embora o projecto de regulamentação apresentado por
Bagão Félix pareça permitir a livre opção,
é necessário que os trabalhadores estejam esclarecidos, atentos e
mobilizados para exigir que a livre opção prevista na lei e
prometida várias vezes publicamente pelo 1º ministro e pelo
ministro Bagão Félix seja efectivamente respeitada, e que cada
trabalhador possa continuar a descontar para a Segurança Social como
até aqui vinha fazendo. Para que isso aconteça é
indispensável que não sejam permitidos fundos de pensões
obrigatórios (legais ou contratuais).
A introdução do plafonamento, ou seja, de limites
contributivos para a Segurança Social, destrói o principio de
solidariedade em que assenta todo o sistema público de Segurança
Social, cria problemas financeiros à Segurança Social pondo em
perigo a sua sustentabilidade financeira a médio prazo como ficou claro
neste estudo, e torna aleatório (não certo) uma parcela das
pensões recebidas pelos trabalhadores, já que ficam dependentes
da especulação bolsista.
É necessário explicar aos trabalhadores as consequências do
plafonamento, do projecto de Bagão Félix, e lutar
contra a sua implementação, pois o que está em perigo
é um direito de cidadania de todos os portugueses, ou seja, o direito a
ter uma vida com um mínimo de dignidade quando se reformarem, isto
é, quando não tiverem forças para obter o rendimento
necessário para viver com base no trabalho.
20/Jun/04
[*]
Economista
NOTA: Este artigo faz parte de um estudo mais extenso sobre Fundos de
Pensões que será enviado gratuitamente a quem o pedir para o
endereço
edr@mail.telepac.pt
. Autoriza-se desde já a divulgação deste estudo por
qualquer meio tendo-se apenas de indicar a origem.
Este artigo encontra-se em
http://resistir.info
.
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