Os espanhóis e os portugueses
Surpreende a actualidade deste texto de 1841. List foi um dos economistas mais
importantes do século XIX. Depois de Marx, foi um dos mais traduzidos.
Depois ficou quase esquecido, pois a escola anglo-saxónica veio a
predominar na chamada ciência económica. List opôs-se a
Smith, o "papa" do liberalismo. Ele mostra, muito lucidamente, que o
famoso exemplo do comércio do vinho do porto português pelos
têxteis ingleses, apresentado em
A riqueza das nações,
constituía antes um
programa
do que a teoria de uma divisão internacional do trabalho que constituiria
a situação óptima para todas as partes. Um
programa, claro está, muito favorável à burguesia da
Revolução Industrial britânica, ansiosa por escoar suas
exportações. O tipo de análise de List tem raízes
históricas, com os pés bem assentes no chão da realidade.
Tal análise opõe-se às (interessadas)
abstracções dedutivas dos economistas britânicos de
então. Ele chega a cometer a heresia (para os economistas neoliberais
de hoje) de defender o proteccionismo. Também merece
menção a justíssima homenagem de List ao Conde da
Ericeira, um dos representantes lúcidos da classe dominante
portuguesa daquela época.
Vale a pena, portanto, reler este texto antigo, em boa hora publicado pela
Fundação Calouste Gulbenkian. Ele analisa (e bem) a obra-prima
da diplomacia comercial britânica: o Tratado de Methuen, ruinoso para o
desenvolvimento de Portugal (o que também, contemporaneamente, foi
demonstrado por Sandro Sideri em
Comércio e poder
[Cosmos, Lisboa, 1970] ).
JF
Enquanto os ingleses se esforçavam, durante séculos, por erguer o
edifício do seu bem-estar nacional sobre bases sólidas, os
espanhóis e os portugueses, através das suas descobertas,
conseguiram uma sorte rápida, atingindo grande riqueza em pouco tempo.
Mas era a riqueza de um esbanjador que ganhou a sorte grande, enquanto a dos
ingleses se parece com a de um pai de família trabalhador e poupado. O
primeiro pode, por uns tempos, parecer mais invejável pelo seu esplendor
e luxo do que o segundo; mas a riqueza, para ele, é apenas um meio para
o gasto e o prazer imediato, enquanto o segundo a considera principalmente um
meio de constituir o bem-estar mental e material da sua posteridade mais tardia.
Os espanhóis possuíram refinados rebanhos tão cedo que,
nos séculos X e XI, conseguiam satisfazer a maior parte das necessidades
das fábricas de lã italianas e Henrique I de Inglaterra (1172) se
viu obrigado a proibir a importação da lã espanhola.
Duzentos anos antes, os habitantes do Golfo da Biscaia tinham-se distinguido na
fabricação em ferro, na navegação e na pesca; foram
os primeiros a praticar a caça à baleia, e ainda no ano de 1615
eram nisso tão superiores aos ingleses, que tinham de lhes enviar
pescadores para os ensinar neste ramo da pesca
[1]
.
No século X, sob o governo de Abdulrahman III (de 912 a 950), os mouros
tinham, nas zonas férteis de Valência, grandes
plantações de algodão, açúcar e arroz e
cultivavam o bicho-da-seda. Córdova, Sevilha e Granada mantinham, no
tempo dos mouros, importantes manufacturas de algodão e seda
[2]
. Herencia, Segóvia, Toledo e muitas outras cidades castelhanas
distinguiam-se na manufactura de lã. Só Sevilha contava, nos
primeiros tempos, com 16 000 teares, e as manufacturas de lã de
Segóvia empregavam, ainda no ano 1552, 13 000 trabalhadores. Na mesma
proporção se desenvolveram todos os outros ramos industriais,
nomeadamente o fabrico de armas e de papel. Ainda no tempo de Colbert, os
franceses abasteciam-se com finos panos espanhóis
[3]
. Nos portos
marítimos de Espanha, praticava-se abundante comércio e
significativa pesca marítima, e até aos tempos de Filipe II o
reino possuía a marinha mais poderosa. Numa palavra: a Espanha estava na
posse de todos os elementos de grandeza e riqueza, quando o fanatismo, em
conjunto com o despotismo, começou a asfixiar o elevado espírito
da nação. Esta obra das trevas foi iniciada com a expulsão
dos judeus e concluída com a expulsão dos mouros, com o que foram
banidos de Espanha dois milhões dos mais empreendedores e ricos
habitantes com os respectivos capitais. Enquanto a Inquisição se
aplicava, deste modo, a exilar a indústria interna, impedia
simultaneamente, com muita eficácia, o estabelecimento no país de
manufactores estrangeiros. O descobrimento da América e da Rota do Cabo
só aparente e temporariamente aumentava a riqueza de ambos os
países, A partir daí, a sua indústria nacional e o seu
poder receberam o golpe mortal. Porque, em vez de, como mais tarde os
holandeses e os ingleses, trocar os seus próprios produtos
manufacturados por produtos das Índias Orientais e Ocidentais, compravam
as mercadorias às nações estrangeiras com o ouro e a prata
que tinham extorquido nas colónias
[4]
; transformavam os seus úteis e empreendedores cidadãos em
exploradores de escravos e opressores das colónias; alimentavam a
indústria, o comércio e o poder marítimo dos holandeses e
ingleses, educavam-nos como rivais, que cedo se tornariam suficientemente
fortes para destruir as suas frotas e para saquear as fontes de riqueza do seu
reino. Em vão os reis de Espanha publicavam leis contra a
exportação de dinheiro e importação de manufacturas
estrangeiras; espírito empreendedor, zelo profissional e comércio
só germinam em solo de liberdade política e religiosa; ouro e
prata só ficam onde a indústria os sabe atrair e empregar.
Portugal, todavia, com um ministro sábio e forte, fazia uma tentativa de
estabelecer uma indústria de manufactura, cujo sucesso inicial nos
espanta. Tal como a Espanha, este país possuía, desde tempos
imemoriais, requintados rebanhos. Já Estrabão relata que
aí se teriam importado da Ásia finas ovelhas, cada uma ao
preço de um
talento.
Quando o conde da Ericeira chegou ao governo, em 1681, elaborou um plano de
instalação no país de manufacturas têxteis,
trabalhando assim a sua própria matéria-prima, para servir a
terra-mãe e as colónias com fabricantes próprios. Com este
fim, mandou vir fabricantes de tecidos de Inglaterra e, rapidamente, em
consequência de apoios proporcionados, floresceram as manufacturas
têxteis no país, de tal modo que logo três anos mais tarde
(1684) era possível proibir a importação de tecidos
estrangeiros. A partir desta época, Portugal abastecia-se a si e
às suas colónias com produtos próprios de
matérias-primas internas, sendo com isto, segundo o testemunho dos
escritores ingleses, bem sucedidos durante dezanove anos
[5]
. É verdade que os ingleses já na altura deram provas da
habilidade que mais tarde souberam levar a tão grande
perfeição. Para contornar as restrições comerciais
portuguesas, fabricavam tecidos de lã que eram algo diferente do pano,
mas que prestavam o mesmo serviço, e importavam estes em Portugal sob o
nome de
woollenserges
[6]
, woollendroguets.
Estes tecidos foram proibidos quando a manha foi descoberta, tornando-a assim
inofensiva
[7]
. O sucesso destas medidas é tanto mais estranho, quanto o país,
pouco antes, tinha perdido uma grande quantidade de capital para o estrangeiro
através da expulsão dos judeus e, em geral, sofria de todos os
malefícios do fanatismo, de um mau governo e de uma aristocracia feudal
que oprimia a liberdade do povo e da agricultura
[8]
.
Mas no ano de 1703, depois da morte do conde da Ericeira, o famoso ministro
inglês Methuen conseguiu convencer o governo português de que
Portugal ganharia incomensuravelmente se a Inglaterra permitisse a
importação de vinhos portugueses mediante um imposto, que seria
por um terço inferior ao imposto para os vinhos de outras
nações, e que, em contrapartida, Portugal permitiria a
importação de tecidos ingleses mediante um imposto de
importação, como o que tinha existido antes de 1684 (23 por
cento). Parece que a esperança, por parte do rei, de aumento dos seus
rendimentos alfandegários e, por parte da aristocracia, de aumento das
rendas das suas propriedades foi o motivo fundamental para concluir o contrato
comercial, na sequência do qual o rei de Inglaterra chama o rei de
Portugal o seu mais velho
"amigo e aliado",
muito no mesmo sentido com que antigamente o senado romano costumava atribuir
estes atributos aos soberanos que tinham a infelicidade de entrar em contacto
mais próximo com ele.
Imediatamente após a consumação deste contrato comercial,
Portugal foi inundado de manufacturas inglesas. E a primeira consequência
desta inundação foi a repentina e completa ruína das
fábricas portuguesas um sucesso muito do género do mais
tardio chamado acordo Eden com França e parecido com o levantamento do
sistema continental na Alemanha.
Segundo o testemunho de Anderson, os ingleses já nessa altura tinham
experiência na arte de declarar os seus artigos abaixo do respectivo
valor,
que efectivamente pagavam não mais do que a metade do imposto
estabelecido pela tarifa
[9]
.
"Depois de ter sido levantada a proibição", diz o
British Merchant,
"retirámos tanto da sua prata, que lhes sobrava muito pouco para
seu próprio uso
(very little for their necessary occasions).
Em seguida vamos atacar-lhes o ouro."
[10]
Levaram este negócio por diante até tempos mais recentes;
exportavam de Portugal todos os metais preciosos que os portugueses obtinham
nas suas colónias, reencaminhando uma grande parte deles para as
Índias Orientais e a China, onde, como mostrámos ao tratar da
Inglaterra, eram trocados por artigos que vendiam no continente europeu contra
matéria-prima. As importações anuais de Inglaterra em
Portugal ultrapassavam as exportações de Portugal em um
milhão de libras esterlinas. Este conveniente saldo comercial baixava o
câmbio a desfavor de Portugal em 15 por cento. "Nós ganhamos
um saldo comercial mais considerável de Portugal do que de qualquer
outro país", diz o autor de
British Merchant
na sua dedicatória a Sir Paul Methuen, filho do célebre ministro,
"nós aumentámos a nossa saída de divisas de lá
para um milhão e meio de libras esterlinas, enquanto antes só
montavam a 300 000 libras"
[11]
.
Este contrato tem sido sempre louvado por todos os comerciantes, economistas e
estadistas de Inglaterra, como a obra-prima da política comercial
inglesa. Anderson, que vê com bastante clareza o que diz respeito aos
assuntos da política comercial inglesa e que, no seu género, fala
com grande sinceridade, chama-lhe "contrato altamente barato e
vantajoso" e não consegue evitar a ingénua
exclamação: "que se mantenha para todo o sempre!"
[12]
Só a Adam Smith estava reservado contradizer esta visão geral ao
afirmar: o Tratado de Methuen não foi de todo particularmente
favorável para o comércio inglês. De facto, se alguma coisa
prova a veneração cega com que a opinião pública
tem aceitado os pontos de vista, em parte muito paradoxais, deste homem
célebre, então é o facto de esta ter ficado até
hoje por desmentir.
No sexto livro do seu quarto capítulo, Smith diz: o Tratado de Methuen,
ao permitir a importação dos vinhos portugueses a um imposto um
terço menor do que dos vinhos de outras nações, concedeu
aos portugueses um privilégio, enquanto os ingleses estavam obrigados a
pagar os seus tecidos em Portugal com direito aduaneiros tão altos como
qualquer outra nação; consequentemente, os ingleses não
beneficiaram de nenhum privilégio em troca do que tinham concedido aos
portugueses. Mas os portugueses, antes, não iam buscar grande parte das
mercadorias estrangeiras de que necessitavam à França, Holanda,
Alemanha e Bélgica? E os ingleses não adquiriam doravante mercado
exclusivo para um produto manufacturado, cuja matéria-prima eles
próprios detinham? Não inventaram eles um modo de reduzir o
imposto português à metade? O câmbio não favorecia o
consumo
de vinhos portugueses em Inglaterra em 15 por cento? Não acabava quase
totalmente o consumo de vinhos franceses e alemães na Inglaterra? O ouro
e a prata portugueses não asseguravam o meio de retirar das
Índias Orientais quantidades de produtos para com eles inundar o
continente europeu? Não foram as fábricas têxteis
portuguesas totalmente arruinadas em proveito das inglesas? Não se
tornaram assim todas as colónias portuguesas, especialmente o rico
Brasil, efectivas colónias inglesas? Aliás, este acordo garantia
aos portugueses um
privilégio,
mas só em
palavras;
aos ingleses, em contrapartida, dava um
privilégio na prática.
A mesma tendência está na base de todos os posteriores acordos
comerciais dos ingleses. Nas suas palavras, eram sempre cosmopolitas e
filantropos, nas suas ambições sempre monopolistas.
Conforme o segundo argumento de Adam Smith, o acordo não dava uma
particular vantagem aos ingleses, porque tinham sido obrigados a reenviar
grande parte do dinheiro, que teriam recebido dos portugueses pelo seu tecido,
para outros países, de modo a com ele comprar artigos, quando teria sido
muito mais vantajoso que tivessem trocado os seus tecidos directamente pelos
produtos que necessitavam, pois, desse modo, teriam conseguido numa
única troca aquilo que, através do comércio dos
portugueses, só alcançavam em duas transacções. Na
realidade, não fosse a grande consideração que conservamos
do carácter e da perspicácia deste famoso escritor,
teríamos, perante este argumento, de duvidar ou da sua sinceridade ou do
seu conhecimento. Como salvação, não nos resta mais do que
denunciar a fraqueza da natureza humana, à qual também Adam
Smith, entre outros, paga abundante tributo, com estes argumentos paradoxais e
quase ridículos aparentemente ofuscado com o esforço, em
si nobre, de justificar a liberdade absoluta do comércio.
Neste raciocínio, não há mais lógica e
saudável senso comum do que na argumentação que afirmasse
que um padeiro, por vender o pão aos seus clientes a troco de dinheiro e
com esse dinheiro adquirir farinha ao moleiro, não faz um negócio
vantajoso porque, se recebesse pelo pão directamente a farinha, o seu
objectivo seria atingido por meio de uma troca e não de duas. Não
é necessária grande sagacidade para contrapor a um tal argumento
que talvez o moleiro não precisasse de tanto pão quanto o padeiro
lhe poderia fornecer, que o moleiro talvez soubesse cozer o pão e o
fizesse ele próprio e que, consequentemente, o negócio do padeiro
nem sequer conseguisse subsistir sem essas duas transacções.
Assim estavam, na realidade, as relações comerciais entre
Portugal e Inglaterra na época do Tratado. Portugal recebia ouro e prata
da América do Sul por artigos manufacturados que para lá enviava,
mas demasiado preguiçoso ou insensato para fabricar esses produtos ele
próprio, comprava-os de Inglaterra a troco de metais preciosos. Os
ingleses usavam os metais preciosos, desde que não precisassem deles na
sua própria circulação, para exportação para
as Índias Orientais ou para a China, onde adquiriam artigos que voltavam
a vender no continente europeu, dos quais importava produtos agrícolas,
matérias-primas ou outra vez metais preciosos.
Perguntamos, então, em nome do senso comum: quem teria comprado aos
ingleses todos os seus tecidos, que mandavam para Portugal, caso os portugueses
tivessem preferido fabricá-los eles próprios ou comprá-los
a outros países? Em Portugal não os teriam vendido e para outras
nações já vendiam tudo o que podiam. Os ingleses teriam,
portanto, fabricado tanto menos tecido quanto o que vendiam para Portugal;
teriam exportado tanto menos metais preciosos para as Índias Orientais
quanto os que recebiam de Portugal; teriam trazido para a Europa e vendido no
continente tanto menos artigos das Índias Orientais e consequentemente
receberiam daí muito menos matéria-prima.
Não é mais plausível o terceiro argumento de Adam Smith,
de que os ingleses, caso o dinheiro dos portugueses não tivesse
fluído ao seu encontro, teriam satisfeito as suas necessidades por
outras vias: de qualquer modo, Portugal teria de enviar o excesso de metais
preciosos para o estrangeiro e, então, teria fluído para
Inglaterra por outro caminho. Supondo agora a hipótese de que os
portugueses fabricariam o seu próprio tecido, exportariam eles
próprios o excesso de metais preciosos para a China e Índias
Orientais e venderiam eles próprios os carregamentos de retorno para
outros países, permitimo-nos a pergunta: os ingleses, neste caso, teriam
visto algum do dinheiro dos portugueses? Seria o mesmo se Portugal tivesse
firmado um Tratado de Methuen com a Holanda ou a França: com certeza que
algum dinheiro teria ido parar à Inglaterra, mas apenas quanto poderia
ter recebido pela venda da sua lã crua. Resumindo, as manufacturas, o
comércio e a navegação dos ingleses nunca poderiam, sem o
Tratado de Methuen, ter tido o desenvolvimento que tiveram.
Como quer que se analise o efeito do Tratado de Methuen em
relação à Inglaterra, uma coisa parece certa: em
relação a Portugal, as negociações não foram
de modo a que outras nações se vissem tentadas, em proveito da
exportação dos seus produtos agrícolas, a renunciar ao seu
mercado de manufacturas interno em prol da concorrência inglesa. A
agricultura e a indústria, o comércio e a navegação
em Portugal, em vez de aumentarem com o intercâmbio com Inglaterra,
afundavam-se mais e mais. Em vão Pombal tentava desenvolvê-las,
porque a concorrência inglesa aniquilava todos os seus esforços.
É verdade que não se pode esquecer que, num país como
Portugal, em que toda a situação social apresenta um
obstáculo à evolução da agricultura, da
indústria e do comércio, a política mercantil por si
só de pouco serve. Mas o pouco que Pombal conseguiu prova o quanto um
governo, preocupado com indústria, pode fazer por ela, uma vez afastados
os impedimentos encontrados na sociedade.
A mesma experiência fez-se em Espanha, sob o governo de Filipe V e dos
seus dois sucessores. Por muito insuficiente que fosse a defesa que, sob o
poder dos Bourbons, se dispensou à indústria interna, e por mais
que faltasse em energia para pôr em prática as leis
alfandegárias, foi evidente, em todos os ramos da indústria e em
todas as regiões do país, um significativo desenvolvimento
[13]
em virtude da política comercial de Colbert transplantada de
França para Espanha. Quando se lê Uztariz e Ulloa
[14]
, estes sucessos surpreendem, tendo em conta as condições
dominantes. Por todo o lado caminhos miseráveis apenas
transitáveis por cavalos, em lado nenhum estalagens decentes, nem pontes
nem canais, navegação fluvial, cada província separada do
resto da Espanha por linhas alfandegárias, perante cada porta de cidade
um imposto real, roubo nas estradas e mendicidade como ofício,
contrabando em grande florescimento, o mais opressivo sistema de impostos:
é tudo isto e causas semelhantes o que estes escritores apresentam como
origem da decadência da indústria e da agricultura. Mas não
se atrevem a denunciar as razões destes males, o fanatismo, a avareza e
os vícios do clero, os privilégios da aristocracia, o despotismo
do governo, a falta de informação e liberdade do povo.
Num considerável paralelismo com o Tratado de Methuen português, o
acordo de Assiento espanhol (1713) concedeu aos ingleses
autorização para introduzirem anualmente na América
espanhola um determinado número de negros africanos e para que, uma vez
por ano, um navio seu pudesse visitar o porto de Portobello, através do
qual tinham oportunidade de fazer entrar ilegalmente grande número de
produtos manufacturados nesses países.
Apercebemo-nos, assim, em todos os contratos comerciais dos ingleses, da
tendência para alargar a sua indústria de manufactura nos
países com que negoceiam, oferecendo-lhes aparentes vantagens no que
respeita aos seus produtos agrícolas e matérias-primas. Por toda
a parte, o seu objectivo é arruinar a força de manufactura
interna desses países através de artigos baratos e
concessão de créditos. No caso de não conseguirem tarifas
alfandegárias baixas ou a organizar magistralmente o contrabando. O
primeiro, como vimos, conseguiram em Portugal, o segundo, em Espanha. O cobrar
dos impostos de importação segundo o valor dos artigos foi-lhes,
para isso, muito útil, razão pela qual também mais
recentemente se esforçam tanto por apresentar como contraproducente o
imposto consoante o peso, como foi implantado pela Prússia.
Notas
[1] Anderson, voI. 1, p. 127; voI. 2, p. 350.
[2] M. G. Simon,
Recueil d'observations sur Mémoires et considérations sur le
commerce et d'Espagne,
Ustariz,
Théorie et pratique du commerce.
[3]
De l'industrie française.
VoI. II, p. 245.
[4] A principal exportação dos portugueses da América
Central e do Sul consistia em metais preciosos. De 1748 até 1753 eram
exportados anualmente 18 milhões de piaster. Ver Humboldt:
Essai politique sur le royaume de la nouvelle Espagne,
VoI. 2, p. 652. O comércio de mercadorias só se tornou
significativo, tanto com estas zonas como com as Índias Ocidentais, com
a entrada das plantações de açúcar, café e
algodão.
[5]
British Merchant,
Vol. III, p. 69.
[6]
Tecido durável, tipo sarja (nota do tradutor).
[7]
Ibid.,
p. 71.
[8]
Ibid.,
p. 76.
[9]
Anderson,
Vol. III, p. 67.
[10]
British Merchant.
Vol. III, p. 267.
[11]
British Merchant.
VoI. III, p. 15, 20, 33, 38,110,253,254.
[12] Anderson, 1703.
[13] Macpherson,
Annals of Commerce,
no ano de 1771 e 1774. O agravamento da importação de produtos
estrangeiros teve um efeito especialmente vantajoso para o desenvolvimento das
fábricas espanholas. Antes, Espanha recebia 19, 20% do seu consumo em
produtos de Inglaterra. Brougham,
Inquiry into the colonial policy of the European powers.
T. L S. 421.
[14] Ustariz,
Théorie du commerce.
Ulloa,
Rétablissement des manufactures d'Espagne.
[*]
Economista (1789-1846). Foi um dos principais mentores da
unificação alemã, da criação da rede de
caminhos de ferros da Alemanha e da industrialização.
Opôs-se à Escola Clássica defendendo a
substituição do método dedutivo-abstracto daquela Escola
pelo método histórico-realista. A sua obra principal é
O Sistema nacional da economia política
(Lisboa,
Fundação Calouste Gulbenkian, 2006, 671 pgs., ISBN
972-31-1140-3). O presente texto é o capítulo 5 dessa obra.
Este texto encontra-se em
http://resistir.info/
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