Actores da censura no regime democrático
por César Príncipe
Os actores e os actos da Censura no Regime Democrático revelam
uma adaptação funcional e estilística ao novo contexto,
reflectindo também uma disputa por audiências e receitas
publicitárias. Estamos a falar de Portugal, com um Governo alistado no
eixo do bem
e noutras cruzadas da GlobAmericanização e da EuroPatronal. A
quadratura do Poder (económico, político, social e cultural)
não negligenciou as regras do Novo Livro de Estilo da Censura,
instituindo quatro conceitos normalizadores: o Global e o Superficial, a
Agressividade e a Instantaneidade. O Jornalismo de Massas copia as
prescrições do Império e inclui algumas miméticas
gráficas e algumas notas etnográficas. Ao jornalismo da
aldeia global
junta-se algum jornalismo de proximidade. Os órgãos de
comunicação de massas subordinam-se a lógicas
trans(nacionais) e subordinam os telespectadores, radiouvintes e leitores aos
desígnios do lucro empresarial e da estabilização
sistémica. Na realidade, assistimos ao diário encerramento de
empresas do ramo têxtil ou do calçado, do ramo metalúrgico
ou agro-alimentar, mas não assistimos a tal vertigem de fecho de portas
em qualquer estação televisiva ou diário de
referência ou até de médio significado. Qual o
remédio da longevidade, apesar de alguns actores apresentarem regulares
ou episódicos prejuízos de milhões e milhões de
euros? É que os prejuízos contabilísticos (para
além das engenharias que os transferem e absorvem por
holdings
e
off-shores
) são compensados pelos rendimentos propagandísticos e pelo
dever-haver sócio-disciplinador. A teoria das
correias de transmissão
, imputada ao activismo sindical, encontra nos
mass media
um espelho fiel dos interesses vigentes e convergentes. Ideologia e tecnologia
servem tal estratégia, escolarizada ou pragmática, mas que
contribui como um dos dispositivos de administração dos
públicos pelo publicado.
Deste pressuposto se deduz a prova dos nove: não há
informação isenta, independente ou qualquer categoria
congénere, mau grado os afadigamentos, ora patéticos ora
seráficos, para vender títulos, credibilizar campanhas, simular
profissionalismos e pluralismos. Quanto mais um fabricante e
franchisado
da Informação mascara e maquilha as faces da dependência
com ares de independência, quanto mais formata estratégias
privadas
in nomine
público, quanto mais invoca a fidedignidade das notícias
encobrindo a volúpia comercial, quanto mais institui o expresso como
embuste da Expressão, em regra, o que mais consegue é
aproximar-se da perfeição das aparências, da despistagem
censória. Há diferenças de competência e de
concorrência, de sectarismo e de coexistência, mas inseridas na
elasticidade das virgens de alterne da Comunicação Social.
Quais as diferenças formais e factuais entre a Censura do Estado
Novo e a Censura do Novo Estado? Muitas há e não seria
historicamente correcto nem intelectualmente honesto
meter as duas no mesmo saco
ou no mesmo Index. As vicissitudes e os desenganos deste ciclo
democrático não justificam qualquer equiparação ou
nostalgia, como também não impõem qualquer dever de
cegueira relativamente às malhas e às manhas da Nova Censura.
Convirá não adormecer no colo ou no consolo das conquistas
democráticas, formalmente
irreversíveis
. Comecemos pelas alterações gerais do regime censório. No
plano orgânico ou estrutural, verificou-se uma mudança de
domicílio ou uma deslocalização. Na verdade, no
período do Estado Novo, a Censura passou da fase castrense à fase
paisana (não deixando, todavia, nos seus 48 anos, de incorporar
militares na Guerra Civil da Informação e da
Contra-Informação), sediando os serviços Centrais no
Palácio Foz (Lisboa) e em delegações distritais, com
especial zelo no Porto, onde se editavam e editam três centenários
matutinos. Com o advento do regime de Liberdade de Imprensa, após o 25
de Abril de 1974, transcorridos os meses de agudos conflitos de rua e de
quartel, com a Comunicação Social alinhada com as
correlações de forças no tablado, o modelo capitalista
recompôs-se e reorganizou-se pelos padrões da rede imperial da
Informação e do
Show-Business
Mediático, escudando-se nas suas balizas e cábulas
doutrinárias, diligente e prestamente difundidas pelos estabelecimentos
de Ensino Superior e por outras tribunas catequéticas (beatas ou laicas).
A CENSURA MORA AO LADO
Numa dinâmica de empresariato neoliberal, de
privatizações galopantes e de compressão de custos e
direitos laborais, a Censura (constitucionalmente banida), desocupou os
edifícios estatais e estigmatizados e alojou-se, camuflada, nas empresas
de Comunicação, sob batuta, já não dos
coronéis
, mas dos
bacharéis
. Isto é, o regime censório democrático, compelido a
esconder as vergonhas do fascismo, acabaria por resolver as suas necessidades
com alguma subtileza e apreciável poupança: passou a exercer o
Exame Prévio dentro da esfera empresarial e redactorial, dando lugar a
uma nova figura executiva. Essa nova figura reconhecer-se-á no
director-censor ou no censor-editor e demais hierarquizadores de
evidências e pertinências, realçadas, mutiladas ou rasuradas
das programações segundo as incumbências dos aparelhos e as
conveniências dos aparelhados. Assim o capitalismo neoliberal
disfarçou a existência de Censura, colando as duas peles
(jornalista e censor) numa só pele, numa só pena e num só
salário. Os censores acobertam-se, agora, sob a capa da Carteira
Profissional de Jornalista ou mesmo do
crachat
de filiado do Sindicato dos Jornalistas. O capitalismo procedeu a uma
vingança a frio, com requintes sadomasoquistas: transferiu para o seio
das classes-mensageiras as tensões e o odioso da máquina
censória. Assim também evitou investimentos em aposentos
distintos e distantes artérias, aliviando os pesadelos
orçamentais do Ministério das Finanças. Assim se processou
a ascensão e se consagrou a promoção do Censor
New: Leve dois e pague um
. A chamada classe jornalística e os apelidados sectores intelectuais e
quadros técnicos têm de encarar-se autocriticamente, sem tabus
corporativos e (igualmente) sem obsessões suicidárias ou
justiceiras. Espécie de vestais das liberdades constitucionais e das
honorabilidades profissionais têm de procurar e delinear uma fronteira
entre tais os requisitos de modeladores de sociedades e mentalidades e de
assalariados da preCaridade laboral e selectiva.
Porque o resultado está patente: foi-se implantando uma nova
orgânica em que poder económico assumiu o encargo político
de triar as elites da comunicação, da governação e
da oposição, de controlar a psicologia social e as
movimentações de protesto, arcando com programas de
reeducação popular, defendendo o mínimo de pão e o
máximo de circo. Nesta perspectiva, a do pão, fez-se moda a
telecaridade, o socorro em directo, com estações, principalmente
as televisivas, a mobilizar a Nação para algumas desditas
(pessoais, familiares, locais, sociais), mas não abordando as suas
causas sistémicas, abstendo-se de equacionar a cronicidade e a
recorrência dos casos, e muito menos apontando as câmaras, os
microfones e as lapiseiras aos indiciados dos crimes da miséria e da
ignorância, das guerras e das pestes. Alguns escandaletes não
ultrapassam a barreira do som do capitalismo estruturante e mandante. As
balanças da Imprensa e da Justiça estão, no terreno do
concreto, impedidas de levantar certas questões ou de assediar certos
personagens. As narrativas e as caras das
novelas
dos telejornais, das bancas dos jornais e dos bancos dos réus
não perturbam os verdadeiros senhores do Poder. Até este preciso
momento, nenhum verdadeiramente poderoso
sentou o rabo no mocho
. Nem no período mais
quente
do 25 de Abril tais fantasmáticas criaturas enfrentaram a
Justiça: de Américo Tomás a Marcelo Caetano, dos mais
enérgicos
capitães da indústria
aos mais ilustrosos
barões da alta finança
. Alguma cândida alma estará persuadida de que a fina-flor do
Poder finalmente está a contas com os escrutínios da Imprensa e
os roliços tomos penais? Pelo contrário, as omnipresentes
novelas judiciárias
servem para entretenimento dos cidadãos de sofá, para desviar os
ímpetos reactivos às políticas em curso e para vender uma
imagem de que o Estado de Direito Democrático funciona. Claro que
funciona: falta saber quando e com quem, porquê, para quem e para
quê.
Restará também concluir se tais agentes da
República ou da coisa pública não tenderão a
deslizar para uma postura de impostura, quando não para uma
condição de serviço/servilismo (não obstante alguns
lampejos críticos e alguns lances utópicos). Fria e
sistematicamente prospectados e confrontados com os seus códigos de
barras, muitos correm o risco, como arrivistas do sistema ou operadores
mecânicos, de se caninizarem ou, no classificativo de Halimi, redundarem
em
chiens de garde
.
[1]
NEO-REALISMO CAPITALISTA
Portanto, há que conferir super-relevo a pequenas
tragédias e a médias delinquências do quotidiano,
emprestando às instituições democráticas e aos
industriais de consciências e construtores e destruidores de projectos
sociais um álibi de imparcialidade e de humanismo, preocupando-se com
meia dúzia de micro-sujeitos, não desprezíveis num
planeamento editorial de choque. O capitalismo neoliberal e mediático,
à boa maneira das Igrejas, concede umas fracções de antena
a algumas vítimas e a alguns caídos nas valetas da
penúria, nas sarjetas da carne e nos alçapões da Casa da
Moeda. Às vítimas da imprudência e da impudência
trata de as confessar antes do último suspiro. Igualmente à boa
maneira das rainhas santas e dos fidalgos boémios se mistura algum nobre
sangue com as mínguas das ralés e os gonococos das rameiras.
Desvarios referendários: é o renovar do
milagre das rosas
e dos
banhos de multidão
. Pontifica e grassa, entre os políticos e os gestores de espadas e
balanças, bem como entre
pivots
empoleirados nas antenas da Pátria, repórteres em cima, por
baixo, à frente e ao lado do acontecimento e da notícia e
comentadores de estúdio, de estádio e de Estado, uma
espécie de Neo-Realismo Capitalista, uma corrente de retórica
social e
hard-core,
com interesses inconfessos e fidelidades descartáveis.
A componente de circo abocanha, pelos gotejamentos lacrimais e pela
boçalidade exibicionista e
voyeurista
, mais ondas hertzianas e toneladas de celulose: uma grande fatia da
programação prende-se com diversões propriamente ditas ou
com sensacionalismos para toxicodependentes de electrodomésticos. O
sistema propicia, por exemplo, corda livre ao Sexo, instalando-o como assunto
residente nas Agendas, porque possui dons atractivos, do paródico ao
mórbido, que o recomenda como cabaretização do
espaço público e como salvação das grelhas e das
paginações. O capitalismo neoliberal ordenou aos seus
boys
e às suas
girls:
incitem o povo a mostrar o sexo e a esconder a cabeça. Escancarem, se
for estimulante, a própria quinquilharia genital. O sexo é uma
coisa barata e à mão. Todos têm uma maquineta de
procriação e de recreação. E Portugal é um
Grande Zoo de machos erectos e proclinados e de fêmeas alevantadas e
acocoradas. O sistema fica assim cristã e romanamente partilhado: a
economia para as classes favorecidas, o sexo para as classes desfavorecidas.
Amostragem de
overdose:
só o caso Casa Pia (abusos sexuais) preencheu, em Fevereiro de 2003,
716 pontos da Agenda das três televisões de bandeira nacional num
total de 968 blocos temáticos; em Maio, o gráfico da febre Sexo &
Crime nos
écrans
já ia nas 794 peças; em Outubro, o
massacre dos inocentes
já somava 900 agendamentos.
[2]
Aos espectáculos de sexo adicionam-se os delírios do futebol, os
milagres da fé e os concursos milionários, para quem quiser
pertencer ao Clube dos Crentes e ao Clube dos Ricos, embora ninguém seja
obrigado a ser devoto ou milionário. A liberdade de não ser
milionário é, de resto, uma das nossas Liberdades Fundamentais.
Assim os novos
vistos
da Censura tudo fazem para não serem vistos, para se tornarem
invisíveis, quer na sua face acerada quer na sua face aveludada,
devolvidos aos consumidores como naturalíssimas e neutralíssimas
opções editoriais, como sincera vocação pelas
ingerências humanitárias, pelas graças divinas e gracejos
humanos, enfim, pelo bem-estar das finas gentes e dos indigentes,
fármacos sem contra-indicações para o sistema. Nestas
artes misericordiosas e circenses estimula-se a
overdose
, um dos
pratos fortes
da sociedade da abundância e da celeridade comunicacional. Mata-se o
burro com fardos de palha e sopas de vinho e enfeitam-se os córneos
gados nas chegas e arenas. Os apetrechos audiovisuais, tal como a
press
desdobrável e
on-line
, são uma constante e complacente montra de gurus e gabirus do
situaciOportunismo e do situaCinismo. É a Novo Programa da Junta de
Salvação Nacional: lixeiras a céu aberto como Sopa dos
Pobres de Espírito e de Bens e
parfum
do
jet-set
de silicone para um Portugal-
fashion
e
must
. Já em áreas adversas e com referentes
não-recomendáveis para o sistema, os directores-censores ou os
editores-censores e demais hierarquizadores cortam total ou parcialmente,
desvirtuam impactes, arrumam factos e declarações em
sítios e
sites
de reduzida frequência, suspendem a aguardar o parecer dos accionistas,
de satélites circum-navegantes e redes ópticas. O corpo de delito
encheria todas as horas numerosos terminais de mercadorias, tal é o
volume e a gravidade da gestão danosa da opinião pública.
Apenas uma amostra desta gerência na Casa do Big-Brother, na Black House
da InformagloBalização:
Ao ler a manchete do «Observer», de Londres, no último
domingo, imaginei que os jornais americanos já teriam
repercussões da revelação sobre a escuta telefónica
pedida por Washington, nas missões de países com assento no
Conselho de Segurança da ONU. Afinal, os jornais londrinos apareceram na
Internet várias horas antes do fecho das edições
americanas. Não consegui encontrar nenhuma referência de destaque.
Quem precisa de governo repressivo se a informação pode ser
suprimida de forma voluntária?
(Guimarães)
[3]
LÁPIS AZUL MODERNISTA
O regime censório democrático criou, por
consequência, um dilema e uma má consciência à
chamada classe jornalística e a outros estratos intelectuais (que, na
generalidade, denunciaram os métodos e os cerceamentos da ditadura): os
empresários da Comunicação, os
castratori
, elegem, para cada estrutura e para cada conjuntura, os seus escriBajulantes e
os seus megafo
Nets
, bem como as trupes de meninos/meninas de coro, os
castrati
, predispostos a carreiras de sucesso nos ofícios dos templos e dos
serralhos. E eles e elas passam a exercitar, com prontidão de
homo habilis
, o
lápis azul
, um lápis modernista, acoplado num computador. Tais agentes do
situaciOportunismo gentílico e do situaCinismo gentil, alguns
manipulados e manipuladores, desde logo, exibem e prescrevem pulseiras
electrónicas mediáticas; desde logo, seleccionam os actores e as
actrizes dos palcos económicos, políticos, sociais e culturais,
fazendo uso das suas armas e dos seus redondéis nas lides, nos
leads
e nas lideranças. O instrumento legitimador e desculpabilizante
é a Agenda, elaborada conforme os refrões do Poder
indígena; segundo os ditames e os motes da Ordem Global; de acordo com
as guarnições mentais dos agendistas.
Assim se gradualizam os critérios de empolamento e esbatimento,
o que implica aparelhos de pressão, internos e externos e uma cultura de
agressividade tablóide. Aos internos já nos reportámos.
Quanto aos externos, destacaremos, no campo luso, os Gabinetes de Imprensa e
Relações Públicas (de governos, autarquias, partidos,
fundações, empresas, organismos multivários), que,
variando de perfil estratégico e de tácticas de intimidade e de
intimidação, de sedução e
retribuição, conseguem interferir e intervir, por vezes
ipsis verbis
, no agendamento; no campo mais lato, os órgãos de
comunicação acham-se reféns, assumidos ou inocentemente
úteis, das orquestrações mundiais. Bastará
relancear a Imprensa Internacional de Grande Tiragem ou saltitar de Canal em
Canal para surpreender um jornalismo
made in
, que frequentemente chega a vazar, sem um angélico rubor ou um
despertante pestanejo, os produtos das Centrais, propagando, sem máscara
nem luvas, as pneumonias típicas e atípicas da
Informação. Uma percentagem avassaladora de temas e blocos
programáticos reproduz sugestões exteriores. As ementas dos
média são insistentemente cozinhadas fora de casa. As
Redacções foram formatadas como microondas do
fast-food
, reaquecendo os enlatados dos Gabinetes, das Agências, da CNN, das
conferências dos Novos Doutores da Lei e dos
briefings
dos Generais da Velha Ordem. Essa invasão, por exemplo na vertente
musical, roça o impudor segregacionista: cerca de 70% da música
emitida nas estações da Pátria é de filhos da pauta
anglo-saxónica. Temos as antenas censuradas e colonizadas.
A actividade dos directores-censores, dos censores-editores e demais
hierarquizadores pauta-se, pois, pela inteligência sistémica, mais
ou menos cônscia da sua missão nos contenciosos entre ordens,
ordenanças e ordenados, propriedades, oportunidades e liberdades. Eles
têm a presumida ou a instintiva convicção de que a entidade
que dá o pau é a entidade que dá a cenoura. Eles
aprenderam e aprendem a reconverter jurados códigos procedimentais e
rapidamente se arvoraram e arvoram em mestres e maestros da Escola Universal do
Reino do Silêncio e do Ruído. Estão encarregados de velar
pelos gráficos de receptividade e a vigiar os subversivos. Estão
autorizados a veicular e a vincular informação e
deformação, a organizar serões da Nova FNAT e sondagens de
enquadramento censitário. Estão merCenarizados pelo
infocapitalismo, disponíveis para cruzadas no Ocidente e no Oriente,
segundo as persuasões do dólar e do euro, da libra ou do iene.
Estão ginasticados para as tecnologias de ponta, generosos a prendar os
respeitáveis públicos
com aquilo que tais públicos (supostamente) reclamam:
inteligência fecal, lixo estereocromático, palha celulósica
e hertziana:
CENSOR: alguém cuja função é separar a palha do
grão, a fim de ser publicada a palha
. (Vilhena)
[4]
A
FAMIGLIA
E O NOVO LATIM
Como se frisou, as tendências críticas não gratas
ao sistema são menorizadas, alvo de distorções e
descontextualizações, quando não completamente abafadas. A
partir de certo tempo aceitou-se como percalço acidental e
dano colateral
a existência de
publicidade enganosa
e até pretensamente se legislou para a desincentivar e a sancionar. Mas
quem sanciona a informação enganosa? Dir-se-á (em
última instância) os consumidores, os destinatários. Mas
não é fácil ao viciado livrar-se do traficante, não
é fácil reunir e reservar imunidades individuais num
território infectado, numa atmosfera de encapotadas
capitulações e de festivos embrutecimentos. E como dispor de
corpos de mediação comunicacional num quadro de economia
multinacional e de empresas piramidais, que exigem meios interactivos e
vultuosos? Atente-se nos negócios da
famiglia
italiana, na berlusconização da Liberdade de Imprensa:
O que é a liberdade de palavra? Em Itália, é-se
teoricamente livre de dizer o que se pensa. O problema é onde
. (Tabucchi)
[5]
No período ditatorial, algumas publicações
resistiram à Censura, na clandestinidade e no exílio, no
permanente sobressalto e salto; no regime censório democrático, a
Imprensa não afecta ao sistema defronta-se com expedientes
pré-condicionantes: desde logo, provida de parcos fundos e de
incapacidade de se constituir como
lobby
político-financeiro, não alcança a detenção
e a orientação dos Grandes Meios de Comunicação
(TV, Rádio, Jornais, Revistas). Também não obteria
créditos da Banca nem poderia depositar esperança no
bolo publicitário
. A Imprensa alternativa subsiste por militância dos redactores e dos
leitores. É um toque de alarme (cívico e cultural) cercado por
contínuos bombardeamentos das artilharias pesadas, mediáticas e
imediatas, nacionais e imperiais. A Informação alternativa
mantém-se acantonada. O Jornalismo Único prolifera, para
gáudio dos corsários da ética e dos funâmbulos de
ocasião.
Para glorificar sobremaneira este panorama de Liberdade de Imprensa,
estamos perante uma canhestra ofensiva contra a Língua Portuguesa. Para
lá do já exposto no que toca à radiodifusão
musical, com os
Camones
o usurpar o verbo de Camões, de Vieira, de Eça, de Camilo, de
Pessoa, de Aquilino, de Eugénio de Andrade, de Saramago, assistimos a um
Serviço Público e Privado em insanável litígio com
os dicionários e outros repositórios. A Censura ao idioma
matricial da Lusofonia pratica-se e reveste-se, aqui, de três formas: com
pontapés na Gramática, com socos na Sintaxe e de pernas abertas
à importação de armas de
distracção/disTraição maciça. Quero crer que
a Língua, tão mal tratada, tão barbaramente espancada por
canais e jornais, é o derradeiro órgão de soberania que
nos compete e nos resta acautelar. Tratemos bem das nossas vogais e das nossas
consoantes, dos nossos prefixos e dos nossos sufixos, das nossas
concordâncias e pronúncias, populares e eruditas. Talvez tais
unidades verbais e regras vocabulares venham a incutir-nos um suplemento de
ânimo para nos
levantarmos do chão
, para se lograr conter o americanês, o latim do Novo Império;
para que nos prefiguremos como uma República das Letras, uma
República com uma palavra a dizer nos 25
partidos
da Europa e nas
sete partidas
do Mundo.
Tenho dito e escrito. E tenho sorte: já não me levam
preso.
Mas seremos homens livres só porque já não nos
prendem?
________
NOTAS
1.
Halimi, Serge,
Nouveaux Chiens de garde
, Liber-Raisons d'agir, Paris, 1997
2.
Estudo Mediamonitor/Marktest,
in
JN, 24/11/2003.
3.
Guimarães, Lúcia,
in
DN, 09/03/2003.
4.
Vilhena, José,
Proibido Pensar?
, FNAC/Dia Mundial da Liberdade de Imprensa, 2003.
5.
Tabucchi, Antonio,
in
Visão, 23/10/2003.
Este artigo encontra-se em
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