Gravidez & Aborto
Histórias da Santa Madre

O desmancho episcopal

por César Príncipe [*]

'Aborto', quadro de Gloria Arenas Agis. A Igreja está, de novo, na rua a pronunciar-se sobre a interrupção voluntária da gravidez nesta parcela do planeta mergulhada na clandestinidade abortiva e na calamidade fecundativa. Tem toda a legitimidade democrática para se pronunciar como todos terão legitimidade para a contestar. Mas a Igreja Católica Portuguesa, apesar de já forçada a cedências legais e a complacências sociais, continua descompassada de outras Igrejas da Europa, coincidindo, também nesta arritmia, com o fosso que separa o país dos padrões mais modernos da pastoral e do pensamento teológico.

Direito à vida? Dos que ainda não foram paridos ou dos que são transformados em párias? E que dirão cardeais, bispos, padres, católicos e católicas anti-interrupção, falangistas do Não e também fumadores, dos riscos do fumo? Estarão a condenar o aborto por via uterina e a favorecer o aborto por via respiratória? Declara a ciência: O tabaco aumenta o risco de abortamento espontâneo, de morte do feto ainda na barriga da mãe e morte precoce logo após o nascimento. A Conferência Episcopal, na sua próxima nota aos pios e aos gentios, deverá exortar todos os seus membros a abster-se de fumar, a começar pelo cardeal-patriarca?

Quer-nos parecer que o aborto será uma das bandeiras que a Igreja deixará cair, como, ao longo dos séculos, abandonou múltiplas sanhas apostólicas. Já em 1998, numa liberalidade discreta, o Vaticano franqueou os arquivos da Santa Inquisição, violação de segredo até agora passível de excomunhão e que, durante séculos, levou cardeais, bispos, padres e outros devassadores às masmorras e à exclusão eclesial.

Entretanto, há que aprender com a Igreja a fazer amor sem preservativo nem desmancho. Evitando, claro, os pecados de pedofilia, assaz atractivos e crónicos no seio da Santa Madre.


[*] Escritor, jornalista

Este artigo encontra-se em http://resistir.info/ .
03Fev/07