Expor o coração apodrecido do império

entrevista de John Pilger
a Socialist Worker [*]

Clique a imagem para encomendá-lo. No seu livro mais recente, o magnífico Freedom Next Time, o jornalista e realizador John Pilger apresenta "um antídoto para versões autorizadas da história contemporânea que censuram por omissão e impõem duplos padrões".

O primeiro capítulo expõe as acções do governo britânico nas décadas de 1960 e 1970 quando expulsou a população das Ilhas Chagos, no Oceano Índico, e entregou a ilha de Diego Garcia aos EUA.

As pessoas, que são cidadãos britânicos, foram descarregadas nas Seychelles e nas ilhas Maurícias, onde ainda vivem na pobreza.

Sofrendo o destino de tantas vítimas do imperialismo, os 2000 habitantes de Diego Garcia tornaram-se um "não-povo".

"A expulsão do povo das Ilhas Chagos pelo governo britânico é um exemplo vivo do modo como o império reduz os seres humanos", afirmou John.

"O que me impressiona nos arquivos oficiais do encobrimento — principalmente documentos do Foreign Office — era o desprezo com que os responsáveis tratavam os ilhéus. Eles referiam-se a eles como 'Tarzans' ou como se não existissem.

"Um documento, intitulado 'Mantendo a ficção', é um guia sobre como os responsáveis britânicos deveriam mentir publicamente acerca do despovoamento forçado de pessoas que tinham vivido nas Chagos desde o fim do século XVIII.

"O responsável encarregado da expulsão exigiu que os cães dos ilhéus fossem exterminados mas que os cavalos, os quais pertenciam à companhia agrícola, deveriam viajar sobre o convés. Mulheres e crianças foram confinadas abaixo, sobre um carregamento de guano.

"O mesmo número de cidadãos britânicos vivia nas Falklands (Malvinas), e em 1982 Margaret Thatcher enviou a Royal Navy para resgatá-los dos argentinos. A diferença estava em que eram brancos.

"Naturalmente tem havido muito mudanças, mas as atitudes não mudaram no essencial. No império americano, outras pessoas além daquelas favorecidas pela elite, mal são consideradas humanas.

"Os americanos matavam vietnamitas como se fossem vermes – recordamos o massacre de My Lai, mas na mesma província, Quang Ngai, descobri que pelo menos 50 mil vietnamitas haviam sido massacrados.

"Os vietnamitas eram simplesmente 'gooks' e 'dinks' [1] . O mesmo racismo letal está vivo e pujante no Iraque. Temos agora a mais rigorosamente testada estimativa de mortes iraquianas e é de 655 mil.

CARNIFICINA

"Nem tudo isto pode ser atribuído a americanos e britânicos, mas a violência que eles desencadearam é totalmente responsável. Um coronel americano na primeira carnificina do Golfo disse: "Nós contamos cada chave de parafusos, mas não contamos mortos civis".

Perguntei a John a diferença entre o modo como os líderes ocidentais são tratados no media e aqueles que lhes resistem.

"Você precisa apenas assistir ou ouvir as notícias do Afeganistão (e do Iraque) para ficar com a sensação de que 'nós' tanto somos as vítimas eternas como estamos a fazer o nosso melhor em nobreza, tendo em vista as circunstâncias", considerou John.

"O oposto é invariavelmente verdadeiro, de acordo com a minha experiência. O noticiário dirá que '40 talibans' ou '200 insurgentes' foram mortos. Não haverá explicação de quem eram realmente estas pessoas.

"É OK matar talibans no seu próprio país, assim como era OK matar comunistas onde quer que estivessem. O factor verme mais uma vez. Agora e então, os 'insurgentes' revelam-se serem famílias de 20 ou 30 pessoas, muitos deles crianças.

"Isto será reconhecido no Independent e no Guardian, mas não por muito tempo. O Afeganistão é considerado a 'guerra certa' a ser combatida — o que é propaganda. Trata-se de uma fraude, tal como na 'guerra' do Iraque.

"Os mujahideen, que compreendem os 'maus' talibans e os 'bons senhores da guerra financiados pela CIA, foram transformados em jihadistas pela obsessão americana e britânica em destruir a União Soviética.

"Isto foi 'principiado' pelo presidente Carter dos EUA, que começou a armá-los e treiná-los secretamente. Foi o 'liberal' presidente Clinton que encorajou secretamente os talibans a tomarem o poder.

"A noção de que os soldadinhos britânicos estão a defender a democracia no Afeganistão é absurda. O 'presidente' Karzai não ousa deixar o seu bunker sem um esquadrão de guardas das Forças Especiais americanas.

"O feito dos talibans no poder foi banir o negócio do ópio. Mas, lavados com o dinheiro da CIA, os 'nossos' senhores da guerra restauraram-no após o afastamento dos talibans. John Reid esqueceu de mencionar isto quando acompanhava o exército britânico para deitar abaixo os 'barões da droga'."

Aqueles que expõem as realidades do imperialismo podem esperar uma resposta feroz, como descobriu John quando fez o documentário "A Palestina ainda é a questão" ( Palestine Is Still The Issue).

"Eu sabia que o trabalho mais difícil seria tratar da resposta sionista. O filme foi seguido por uma rajada de reclamações, a maior parte delas orquestrada por uma organização de Nova York chamada 'Honest Reporting'.

"O modo como isto funciona é que estes sionistas americanos escrevem uma reclamação genérica e remetem-na por email e pessoas de todo o mundo enviam-na para a ITV mesmo não tendo visto o filme.

"Na Grã-Bretanha, recebi ameaças de morte com elegantes pronúncias do norte de Londres. A Independent Television Commission (ITC) decidiu investigar e sujeitou o filme a uma investigação exaustiva, o que exigiu do meu produtor Chris Martin e de mim que escrevêssemos o equivalente a uma tese de doutoramento para defender o filme.

"Toda declaração, todo plano do filme tinha de ser comprovado.

INTEGRIDADE

"A campanha sionista fracassou. A ITC louvou a 'integridade jornalística' do meu filme e a 'abrangência e autoridade' das suas fontes históricas e factuais. Suponho que isto provou a velha máxima: resista sempre aos bandidos".

Não há um perigo, pergunto, de que o capítulo do livro sobre a experiência sul africana de continuidade e mesmo pioramento da pobreza após o fim do apartheid possa fazer com que as pessoas se perguntem se a luta valeu a pena?

"O capítulo da África do Sul descreve apenas aquilo que a maior parte dos próprios sul africanos acreditam", disse John. "O governo Mbeki engoliu o neoliberalismo todo.

"Eles traíram a Freedom Charter e as memórias daqueles que combateram o apartheid. O resultado é o aumento da pobreza — e uma rica, frequentemente corrupta, elite negra fez as pases com o capital branco.

"Naturalmente, a luta valeu a pena!

"Hoje, há uma vibrante resistência na África do Sul, e meu palpite é de que estão por vir importantes mudanças na aliança do ANC. Afinal de contas, foi Nelson Mandela que advertiu: 'Se o ANC não proporciona os bens, as pessoas devem fazer o que fizeram ao regime do apartheid'."

[1] Designações pejorativas para asiáticos.

Este livro é uma arma poderosa para todos os que combatem o império: 'Freedom Next Time', de John Pilger . Encomende-o através deste link.

O original encontra-se em http://www.socialistworker.co.uk/article.php?article_id=9989


Este artigo encontra-se em http://resistir.info/ .
30/Out/06