Pico petrolífero e saúde pública

por Howard Frumkin, MD, DrPH;
Jeremy Hess, MD, MPH;
Stephen Vindigni, MPH [*]

Um Pico de Hubbert global é inevitável, mas o seu calendário tem sido assunto de debate. Hubbert previu que o pico ocorreria entre 1996 e 2006 [1]. A maior parte das estimativas actuais colocam o pico antes de 2030 (muitos colocam-no antes de 2010), e algumas autoridades acreditam que está a verificar-se agora. [2] A diversidade de estimativa reflecte a incerteza científica na medição das reservas de petróleo, a falta de protocolos padrão para o seu relato, e incentivos de governos e firmas privadas no sentido de não relatar as suas reservas com precisão. [3-4] Avanços nas tecnologias de extracção de petróleo, tais como extracção por vapor a alta pressão, e técnicas que permitem a produção a partir de fontes não convencionais como areias betuminosas e xistos oleosos, aumentaram as reservas recuperáveis, adiando um pouco o pico. No entanto, o pico não está muito longe.

Uma extensa literatura que vai desde o apocalíptico até o reconfortante explorou vários cenários e apresentou um vasto leque de soluções. [5-8] Contudo, pouco desta literatura trata das implicações do pico petrolífero na saúde.

Petróleo, saúde pública e cuidados de saúde

A escassez de petróleo afectará o sistema de saúde de pelo menos quatro modos: através dos efeitos sobre os produtos e equipamentos médicos, do transporte, da produção de energia e da produção de alimentos.

Produtos e equipamentos médicos

Muitos produtos farmacêuticos, desde a aspirina até os antibióticos e anti-neoplásicos, são fabricados a partir de derivados de petróleo. Entretanto, a maior parte pode ser sintetizada por meio de reacções químicas alternativas. Isto pode aumentar os custos de produção, mas como estes são uma pequena parte do preço de mercado para a maior parte dos medicamentos, os preços finais provavelmente serão pouco afectados. Contudo, mudanças nas reacções químicas exigem a aprovação do Food and Drug Administration, o que poderia consumir tempo.

Muitos produtos médicos contêm plásticos derivados do petróleo, tais como ataduras e dispositivos protéticos, seringas e tubagens, máscaras de oxigénio e espéculos, corantes radiológicos e estetoscópios. [9} Consequentemente, a escassez de petróleo resultará em aumentos de preços e, no caso de interrupções abruptas de oferta, em possíveis carências de alguns produtos.

Transportes

O transporte é intrínseco a alguns cuidados de saúde, tais como ambulâncias, helicópteros de evacuação médica, e aviões que transportam órgãos para transplantes. Pessoal de saúde pública, tais como inspectores de restaurantes, equipes de controle de roedores e enfermeiras visitantes, viajam nas suas comunidades e estão igualmente dependentes do petróleo. Os automóveis conduzem a maior parte dos trabalhadores da saúde para o trabalho e a maior parte dos pacientes às consultas marcadas. As instalações de saúde dependem do transporte de pessoas e bens de muitos outros modos.

Produção de energia e aquecimento

A energia eléctrica nos Estados Unidos é produzida predominantemente a partir do carvão (50%), de reactores nucleares (19%), gás natural (19%), e hidroeléctricas (6,5%); o petróleo representa apenas 3% da produção de energia eléctrica [13]. Portanto, a escassez de petróleo não deveria colocar em risco directo a produção de electricidade. Contudo, aumentos associados à combustão do carvão – para abastecer veículos eléctricos, por exemplo – poderiam aumentar as emissões de dióxido de carbono, partículas sólidas, hidrocarbonetos e óxidos de enxofre e nitrogénio, o que por sua vez ameaçaria a saúde pública.

Aos hospitais é exigido que mantenham grupos de emergência para obviar as falhas de electricidade, [14] tipicamente geradores a gás natural ou gasóleo. Carências de petróleo poderiam por em risco estes equipamentos de apoio. Além disso, os hospitais poderiam enfrentar aumentos dramáticos no custo do óleo para aquecimento no caso da escassez de petróleo, como se verificou com o choque petrolífero de 1979. [15]

Agricultura

Graças à Revolução Verde, a produção alimentar global aumentou dramaticamente desde 1959 [16] – uma combinação de mecanização, irrigação, agroquímicos e esforços inovadores com plantas, todos os quais (excepto as inovações em plantas) exigem petróleo.

A escassez de petróleo resultará em alimentos mais caros e talvez mais escassos. Isto problema pode ser intensificado por tendências concorrentes, incluindo alterações climáticas, procura do mercado por biocombustíveis o que inflacionará preços de alguns alimentos, e degradação da terra agrícola. Isto pode ameaçar a saúde de pessoas pobres e outras com acesso inseguro a alimentos.

Outros efeitos sobre a saúde

Outros efeitos do pico petrolífero sobre a saúde são mais especulativos, mas a experiência e a evidência sugerem várias preocupações. Primeiro, preços mais elevados do petróleo poderiam disparar um período de baixa económica permanente, o qual poderia aumentar as fileiras do que não têm seguros. Segundo, a ruptura social e as mudanças de estilo de vida que acompanham o pico petrolífero podem criar um fardo pesado de ansiedade, depressão e outros males psicológicos. [20] Terceiro, a escassez de recursos, incluindo a escassez de petróleo, pode desencadear conflitos armados, [21] os quais apresentam múltiplos riscos para a saúde pública.

A resposta da saúde pública

O sistema de saúde por breves momentos empreendeu planos energéticos de contingência após as crises petrolíferas de 1973 e 1979, [22] mas estes esforços tiveram vida curta. Com a aproximação do pico petrolífero, tal planeamento deveria agora ser reconhecido como parte do estado de prontidão da saúde pública. A preparação para o pico petrolífero poderia ser construída sobre sistemas existentes tais como o Comprehensive Emergency Management Planning e o Continuity of Operations Planning. Existem exemplo em Portland, Oregon, [23] e Marion Country, Indiana. [24]

Os passos iniciais incluem a previsão e construção de cenários. Pelo menos duas espécies de cenários precisam ser desenvolvidos, correspondendo a carências agudas e crónicas. Breves interrupções de combustível podem perdurar de dias a semanas, e a experiência do princípio da década de 1980 pode servir como ponto de partida para o planeamento. A escassez de petróleo a longo prazo, em contraste, desdobrar-se-á ao longo de anos e décadas, e é sem precedentes.

As soluções de emergência apresentarão vários temas comuns. Um é a importância da eficiência – reduzir viagens desnecessárias, conservar energia, reciclar e reduzir desperdício. Estas estratégias ajudarão a minorar os efeitos do pico petrolífero, mas elas também proporcionarão benefícios incluindo maior actividade física, mitigação da alteração climáticas, poupanças de custo e poluição ambiental reduzida. [25] A redundância, especialmente em sistema vulneráveis e cadeias de oferta, ajudarão a impedir falhas de sistemas críticas e carências. A localização – identificação de fontes locais de produtos e serviços para controlar preços e evitar interrupções da oferta – emerge como uma estratégia importante. A equidade é uma consideração essencial porque os impactos da escassez de petróleo provavelmente afectarão as populações desprovidas de meios de forma desproporcionada.

Conclusão

Dentro em breve, em algum momento do século XXI, provavelmente bem antes da metade do século, a produção de petróleo atingirá o pico e começará a declinar. Isto aumentará os preços do petróleo e de muitos bens e serviços que exigem petróleo para a sua produção e transporte. Esta transição terá efeitos de extremo alcance por toda a sociedade. Dentro do sector da saúde, serão sentidos efeitos directos e indirectos nos produtos e equipamentos médicos, transportes, energia e alimentos. Os profissionais da saúde precisam prever, preparar-se, reduzir e adaptar-se à escassez de petróleo a fim de proteger a saúde pública nas próximas décadas.

[*] Do National Center for Environmental Health and Agency for Toxic Substances and Disease Registry, US Centers for Disease Control and Prevention, Atlanta, Georgia (Drs Frumkin e Hess e Mr Vindigni); e do Department of Emergency Medicine, Emory Medical School, Atlanta, Georgia (Dr Hess). Mr Vindigni está agora na Emory Medical School.

Publicado em 09/Outubro/2007 pelo Journal of the American Medical Association (JAMA). O texto integral encontra-se, infelizmente, por trás de uma "parede de pagamento" (paywall). Os trechos acima publicados são excertos do artigo.


Transcrito de http://www.energybulletin.net/35580.html

Este artigo encontra-se em http://resistir.info/ .
11/Out/07