O pico do universo

por Jim Kunstler

Houston. Em Houston, na semana passada, realizou-se a grande conferência anual sobre o Pico Petrolífero – mas antes de entrarmos nesse tema, algumas palavras sobre o local onde nos encontrámos. É difícil imaginar um aglomerado urbano mais horroroso do que esta anti-cidade nos pântanos cheios de malária da costa do Golfo do México. E é difícil conceber uma região urbana mais desolada e deprimente, mesmo em comparação com uma anti-cidade como esta, do que a zona totalmente desértica em torno do centro de convenções de Houston.

Felizmente, não tivemos que entrar no centro de convenções do outro lado da rua – uma mega-estrutura sinistra com o tamanho de três porta-aviões, enfeitada com tubagens maciças de condicionamento de ar para combater o clima sufocante de Houston. E quando nos referimos a "rua", devem perceber que nos estamos a referir a avenidas de quatro a seis faixas, sem zonas de estacionamento, que são a norma nesta cidade. O que acontece é que cada rua funciona como uma extensão da auto-estrada em detrimento dos peões – mas de qualquer modo os peões têm vindo a ser eliminados porque em noventa por cento do chamado centro de Houston, com torres de vidro, não há lojas nem restaurantes a nível térreo, apenas paredes em branco, grelhas de ventilação, rampas para estacionamentos e fantasias paisagísticas. Fomos informados que em certas partes do centro da cidade existe uma rede de corredores subterrâneos com ar condicionado e centros comerciais, mas que tudo fechava às 19 horas quando os últimos trabalhadores administrativos regressam a casa. De qualquer modo, nada disso ocupa tanto espaço como o centro de convenções. O resto da área é dedicado ao estacionamento de superfície.

Tem sido afirmado frequentemente que o padrão fantasmagórico do desenvolvimento de Houston é produto da falta de legislação urbanística do poder local. Mas tudo o que realmente se prova é que, quando não há leis urbanísticas, também é possível obter os mesmos resultados miseráveis das idiotas leis urbanísticas tipicamente americanas – enquanto se não ligar nada a como as pessoas se sentem nos seus ambientes quotidianos.

Quanto ao centro de convenções, esse ainda demonstra algo mais do que esse desprezo. A sua enormidade faraónica é uma metáfora para a grandiosidade fatal no coração da vida contemporânea da América de hoje, o maior desrespeito pela escala de actividade humana consistente com o que o planeta tem para oferecer dentro dos seus limites ecológicos – e, evidentemente, a questão do petróleo estava no centro desta história.

Oh, só mais uma coisa sobre a vida de Houston propriamente dita. A avaliar pelas notícias locais nos jornais diários, a chamada cidade preza-se de ter um nível de problemas que fazem com que Bagdad pareça uma festa de jardim em Sussex. Exemplos de manchetes: "10 acusados por farra de assaltos", "Pit Bull morto a tiro depois de atacar pónei", "Júri dá perpétua a homem por roubo de carro com morte", "Dois mortos em invasão de domicílio". Uma história especialmente louca noticiava que um homem alvejou a tiro e esfaqueou um amigo que o fora visitar, por este ter "faltado ao respeito" ao seu cão. Não vimos nenhuma destas coisas em volta do Hilton Americas do centro de convenções, onde se realizou de facto a conferência da ASPO-USA [1] , mas estas notícias não eram convidativas para aventurarmo-nos longe da recepção do hotel. Também, era impossível comprar uma pastilha elástica num raio de um quilómetro a pé do local, e só a ideia de palmilhar todos aqueles lotes de parques de estacionamento com uma temperatura de 33º C era como um convite a voltar a encenar a Marcha da Morte Bataan. [2]

Foi uma coincidência esplêndida do destino e da história que, durante a conferência da ASPO, o preço do barril de petróleo tenha ultrapassado a alta barreira dos oitenta dólares e por breves instantes atingido os 90 dólares na sexta-feira (mesmo quando a bolsa estava a perder mais de 360 pontos). Também foi interessante que, enquanto se desenrolava toda esta acção, o canal MSNBC transmitia uma entrevista com o senador Larry Craig (Idaho), que posteriormente foi acusado de propostas sexuais a um polícia nos lavabos de um aeroporto. Aparentemente o que a nação quer mesmo saber é o que é essa "posição falhada", segundo os termos do próprio, na técnica da casa de banho. Às tantas, quando Craig acabar por ser corrido do seu lugar no Senado, possa arranjar um emprego como "treinador de pessoal de lavabos", e tornar-se o pioneiro de toda uma nova área desta ciência do auto-aperfeiçoamento, ensinando aos demais como assumir a masculina "posição falhada" e tornar-se um verdadeiro líder.

Assim, enquanto o preço do petróleo ia subindo hora após hora, os membros da conferência da ASPO escutaram uma série impressionante de especialistas que têm vindo a orientar a conversa pública sobre o Pico Petrolífero – sem qualquer ajuda dos meios de comunicação predominantes nem do sector político. Entre eles estiveram Robert Hirsch, co-autor do hoje famoso Relatório Hirsch 2005, encomendado pelo Departamento de Energia dos EUA, que, para grande consternação do seu patrono, foi o primeiro a dizer à nação em termos precisos que ela estava a caminhar para um conjunto catastrófico de roturas na vida americana "normal", se continuássemos a tratar despreocupadamente a questão da energia. Hirsch foi agora um pouco mais longe, passados que são dois anos, do que no seu famoso relatório, prevendo um futuro de "retenção da exportação de petróleo", mercados em pânico, e perturbações na distribuição que farão com que o embargo da OPEP de 1973 pareça uma idade de ouro.

Matt Simmons, o principal banqueiro de investimentos na indústria do petróleo, que se tem mostrado incansável em despertar a consciência pública para o Pico Petrolífero, também levantou o espectro das roturas, dizendo à audiência que os problemas de partilha do mercado num futuro próximo induzirão certamente um "comportamento de manada" no público que debilitará a economia, levará ao racionamento obrigatório, e abalará a nação. Simmons comparou a actual atitude do público em relação às questões energéticas como um "nevoeiro de guerra". Também repetiu a sua afirmação tantas vezes feita de que os equipamentos de perfuração e outros utilizados em todo o mundo para extrair petróleo do solo estão tão velhos e decrépitos que levantam problemas tão terríveis como o próprio pico Petrolífero. No entanto, afirmou, para contrabalançar a subida dos preços, os países desenvolvidos têm vindo a mergulhar tão profundamente nas suas reservas acumuladas de bruto e de "produto refinado" que alguns países podem entrar em rotura com o que se chama os "níveis mínimos de operação". E disse-me, em particular: "Estamos demasiado preocupados a tentar descobrir a data exacta do pico. Enquanto isso, esvaziaremos as reservas da gasolina e nunca mais a voltaremos a encher".

Outra contribuição muito significativa veio do geólogo texano Jeffrey Brown, que apresentou uma versão explosiva da sua teoria de que as taxas de exportação mundial dos países que vendem petróleo são capazes de descer tão mais fortemente do que as taxas de declínio da produção actual, que o mundo será lançado numa crise de exportação de petróleo dentro dos próximos cinco anos – e que esta crise de exportação seria a prova da situação definidora da história do Pico Petrolífero.

Houve muito mais contribuições proveitosas sobre temas que foram desde o futuro da indústria da aviação até ao reviver do serviço ferroviário de passageiros, e à questão da energia nuclear. E houve uma apresentação deveras sucateira feita por um apaniguado da empresa Toyota, destinada a lançar areia para os olhos da audiência sobre o futuro das alegres viagens de automóvel (os produtos da Toyota iriam salvá-la do Pico Petrolífero).

Para saber mais pormenores, visitem TheOilDrum.com , o melhor sítio web do país para discussões sobre energia.

Se estiveram presentes neste evento repórteres dos meios de comunicação ditos "de referência", não encontrei nenhum. Aparentemente estão desinteressados do destino das economias industriais, pelo menos enquanto o senador Larry Craig andar por aí junto aos lavabos a treinar a ciência das novas posições, e Britney Spears continuar a brigar com K-Fed, e Diddy andar a espancar pessoas nos clubes nocturnos, e as pessoas andarem a assassinar os amigos por faltarem ao respeito aos seus cães.

22/Outubro/2007

[N.T. 1] ASPO-USA – Association for the Study of Peak Oil and Gas – USA
[N.T. 2] A Marcha da Morte de Bataan foi um crime de guerra que envolveu a transferência forçada de prisioneiros de guerra pelas forças japonesas nas Filipinas em 1942, em que morreram 10 mil dos 75 mil prisioneiros.


O original encontra-se em jameshowardkunstler.typepad.com/clusterfuck_nation/2007/10/peak-universe.html.
Tradução de Margarida Ferreira.


Este artigo encontra-se em http://resistir.info/ .
25/Out/07