Desmonetização e taxas de empréstimos bancárias
"Desmonetização" é agora a palavra de ordem nos
altos círculos do capital financeiro. A defesa da sociedade sem cash
é feita com o argumento de que travaria a economia subterrânea ou
actividades terroristas. Estas alegações são mentirosas
trata-se de camuflagens.
Na verdade, o que o capital financeiro pretende é o
controle total sobre a sociedade e os seus cidadãos. A defesa das
transacções electrónicas nada tem a ver com actividades
ilícitas ou terroristas tem, sim, tudo a ver com
controle.
Eles querem cidadãos indefesos diante do capital financeiro a fim de
poderem, a todo momento, devassar as suas vidas e apresar as suas
poupanças através de
bail-ins.
Isto já é
possível nos países da zona euro através da
Directiva BRRD, aprovada à socapa e transposta para o direito português
em 26/Março/2015 (
Lei 23A/2015
).
O processo já está a caminho, de muitos modos. A brutal
operação indiana de desmonetização de notas de
pequeno valor, analisada por Patnaik, é o exemplo mais recente. Antes
disso houve, com a bênção da União Europeia, o
confisco de poupanças de depositantes bancários em Chipre, assim
como o impedimento na Grécia e em Chipre de a população
efectuar retiradas de cash para além de uma pequena quantia
diária. Em países nórdicos da Europa já há leis que impedem o
pagamento de compras através de cash só podem ser feitas
com cartões de débito ou de crédito. Nos EUA, o famoso
economista Larry Summers faz campanha pela supressão dos bilhetes de 100
dólares e o seu colega Ken Rogoff, mais radical, quer a eliminação total do
papel-moeda.
No momento em que as taxas de juro para os depositantes são nulas ou
mesmo negativas, há pouco incentivo para
depósitos bancários. Assim, capital financeiro & governos
tramam medidas para impor através de medidas administrativas o controle
dos cidadãos e a manutenção de depósitos
bancários elevados.
resistir.info
|
Porta-vozes do partido governante tratam actualmente de propalar mais uma
falsidade, nomeadamente que os bancos, devido à
desmonetização que
trouxe enormes montantes de cash aos seus cofres, estariam tão
ansiosos por emprestar que as taxas de empréstimo estão em queda
e que a referida queda actuará como um estímulo para a economia.
Isto é totalmente errado e as taxas de empréstimo dos bancos
nunca poderão cair por esta razão.
Elas podem certamente cair se a política monetária anunciada
pelo Banco de Reserva da Índia for alterada de modo a provocar uma
queda. Mas isso poderia acontecer de qualquer forma; nada tem a ver com a
desmonetização e a ligação ilógica das duas
coisas é apenas propaganda falsa.
SITUAÇÃO DOS FUNDOS DA BANCA
Vamos examinar o que está a acontecer à situação
dos fundos da banca. Os não-bancos "públicos" sempre
mantiveram seu dinheiro parcialmente na forma de cash, isto é, divisas,
e parcialmente como depósitos bancários. A
proporção média na qual ambos são mantidos é
chamada rácio divisas-depósitos do "público". O
que tem acontecido actualmente é que o rácio
divisas-depósitos do "público" (uma expressão
abrangente que cobre todo o sector privado não bancário incluindo
firmas e famílias tanto na economia "branca" como na
"negra") foi drasticamente reduzido, de um modo autoritário
através do
diktat
do governo. Mas uma vez que as velhas notas foram completamente retiradas e as
novas notas impressas em quantidades adequadas para assegurar que não
há escassez de novas notas e nem limites sobre retiradas de cash dos
bancos (quando isto acontecer), o rácio divisas-depósitos do
"público" recuperará para o nível que o
"público"
escolher,
ao invés daquele que o governo ditar.
Entretanto, antes de examinar o impacto disto devemos considerar outro factor.
Supõe-se que uma parte do cash que a "economia negra"
mantém ficará "desactivada" com a
desmonetização, devido à incapacidade dos operadores da
"economia negra" em converterem-no na nova moeda de curso legal. Isto
significaria muito cash simplesmente destruído.
Agora, um simples exemplo numérico esclarecerá as
questões. Suponha-se que o total de cash na economia seja de Rs 400, do
qual Rs 150 é mantido pelos bancos (como reservas de cash), Rs 150 na
"economia branca" e Rs 100 na "economia negra". Se Rs 50 na
"economia negra" forem "desactivados"; se, quando a
"normalidade" retornar, a dimensão da "economia
negra" retornar ao que era antes (porque a sua lucratividade permanece
alta); se a "economia branca" tão pouco testemunhar uma
contracção; e se a dimensão dos haveres monetários
com o "público" em relação ao nível do
rendimento total, e o rácio divisas-depósitos, tornar-se o que
eram no início, então o cash com os bancos,
ao invés de aumentar devido à desmonetização
terá de contrair-se dos Rs 150 na situação inicial para Rs
100 na situação final.
Por outras palavras, se o cash com o "público" deve
permanecer inalterado apesar da "desactivação" de Rs
50, então os haveres de cash dos bancos terão de cair num
montante exactamente equivalente. Isto naturalmente não
acontecerá: os bancos restringirão empréstimos se os seus
haveres em cash contraírem-se e o nível de actividade na economia
branca terá de se contrair.
Mas um tal desfecho não chegará a ocorrer se os bancos obtiverem
cash adicional do BRI à taxa de juro em vigor para compensar o que foi
"desactivado" na "economia negra".
Contudo, isso significa basicamente que a taxa de juro não
subirá em sim que permanecerá inalterada.
Dito de modo diferente, se x é montante de cash desactivado pela
desmonetização na "economia negra" e y o montante de
redução voluntária de cash mantido na "economia
branca",
mesmo se o antigo nível de actividade continuasse,
então, uma vez que é improvável que a "economia
negra" se contraia, os haveres em cash dos bancos ascenderão se y
exceder x e se x exceder y. De facto a mudança será igual (y-x).
Portanto, muito embora os bancos tenham cash mais elevado
no momento,
se terão cash mais elevado à sua disposição quando
a "normalidade" retornar, isto é, quando a
restrição ao rácio divisas-depósitos com o
"público" tiver sido levantada e for permitido aos
depositantes retirar tanto dinheiro das suas contas quanto quiserem, permanece
uma questão aberta.
Vamos no entanto assumir o cenário mais favorável à
propaganda do BJP [o partido no governo], nomeadamente que os bancos
ficam
com maiores montantes de cash quando retornar a "normalidade", isto
é, no exemplo acima quando y exceder x. Ou, dizendo mais explicitamente,
o montante de cash desactivado na "economia negra" é pequena
em comparação ao montante de cash depositado nos bancos, mesmo
quando a actividade em ambas as economias, a "branca" e a
"negra", tiver retornado ao "normal", devido a uma
mudança voluntária nos hábitos do
"público" para a redução do seu rácio
divisas-depósitos.
Mesmo neste caso, ainda assim, não haverá queda na taxa de juro.
Por outras palavras, a taxa de juro não cairá quando x > y e
também não cairá quando y > x. Ela não
cairá em qualquer das circunstâncias. A sua queda simplesmente
nada tem a ver com o facto terem mais ou menos cash. Vamos examinar porque a
taxa de juro não cairá mesmo quando a banca tem cash excessivo.
SUPOSIÇÃO ERRADA
Os porta-vozes do BJP assumem que quando os bancos têm muito cash eles
nada podem fazer senão emprestá-lo e, ao assim fazer, têm
de reduzir a taxa de juro. Isto é simplesmente errado: eles podem sempre
retornar o cash ao Banco de Reserva e comprar títulos do governo a
partir dos quais obtêm um rendimento, através de
operações "
Reverse Repo
" destes últimos. De facto, quando a Índia estava a obter um
bocado de influxos financeiros para dentro da economia no princípio
deste século, e o BRI, num esforço para impedir a
apreciação da rupia (a qual teria provocado
"desindustrialização" interna), apoderou-se das divisas
externas que entravam e imprimiu em contrapartida um montante equivalente de
rupias, as quais acabaram nos cofres dos bancos, foi exactamente isto que os
bancos fizeram. Eles compraram títulos do governo ao BRI ao que é
chamada a "Taxa Reverse Repo" até um ponto em que o
próprio BRI foi virtualmente drenado dos referidos títulos.
Não só os bancos
podem
fazer isto na situação actual, como também
necessariamente o farão.
A razão é a seguinte.
Dizem que os bancos atingem um equilíbrio nos seus balanços
quando qualquer mudança neles, ou ampliando através da
contracção e concessão de empréstimos, ou comutando
um dado montante de recursos marginais de uns para outros, não vale a
pena, isto é, não lhes dá qualquer lucro líquido
extra deste risco. Agora, suponha-se que podem emprestar ao BRI (isto é,
comprar títulos do governo ao mesmo) à taxa r. Por um lado eles
podem emprestar a tomadores comerciais à taxa m, mas uma vez que isto
é mais arriscado eles precisariam ser compensados num montante que
é n. Eles alcançariam um equilíbrio quando r igualar (m-n).
A partir de um equilíbrio, qualquer empréstimo comercial extra
por parte deles implicará uma queda em (m-n), uma vez que isto
significaria ou empréstimo para iniciativa ligeiramente mais arriscadas
(as quais elevam n) ou empréstimo a uma taxa ligeiramente mais baixa, os
quais reduzem m e que é o que os porta-vozes do BJP afirmam que
acontecerá. Mas r está fixado pela política
monetária. A menos que haja alterações na política
monetária, r permanece fixado. Portanto, se os bancos obtêm mais
fundos, então na margem eles antes comprarão títulos do
governo junto ao BRI a um r fixado do que emprestarão ao
"público", o que, uma vez que isto implicaria um
declínio em (m-n), tornaria (m-n) menor do que r. Segue-se portanto que
os bancos nunca reduziriam sua taxa de juro para emprestar mais, não
importa quão plenos de fundos eles possam estar. Eles, ao invés,
parquearão os fundos no BRI em troca de títulos do governo, a
menos que o próprio BRI mude a sua política monetária para
reduzir as taxas Repo e Reverse Repo.
Mas se o BRI reduzir estas taxas, então torna-se irrelevante se os
bancos estão inundados com fundos. Eles de qualquer modo tomarão
fundos do BRI para emprestar a tomadores comerciais a taxas de juro que
são inferiores às de antes. Por outras palavras, se r for
reduzido, então eles alcançarão um novo equilíbrio
(onde a igualdade r = m-n é satisfeita outra vez) a um m mais baixo (e n
mais alto). E ao assim fazer eles teriam concedido mais empréstimos a
tomadores comerciais tomando mais do BRI. Eles não precisam estar
inundados com fundos. A questão de concederem mais empréstimos
por estarem inundados com fundos simplesmente não se coloca.
É significativo que o BRI tenha elevado o rácio de reserva de
cash dos bancos (RCC), isto é, o rácio das reservas de cash que
possuem em relação ao total dos seus depósitos, para 10
por cento, a fim de imobilizar uma parte do cash que lhes chegou devido
à desmonetização. O cash que é mantido como
reservas não rende nada para os bancos; mas, apesar disto, o RCC foi
elevado. Por outras palavras, a mudança na política
monetária é no sentido de
impedir os bancos de utilizarem o cash que acumularam consigo de ser emprestado
a tomadores comerciais.
É num sentido precisamente oposto ao daquele que os porta-vozes do BJP
têm apregoado.
Certamente o Banco de Reserva da Índia pode mudar a sua política
monetária amanhã a fim de fazer com que os bancos emprestem a
taxas mais
baratas, mas isso, por razões que já discutimos, estaria
totalmente não relacionado com a desmonetização. Para um
partido governante, enganar o povo deliberadamente, ao invés de lhe
dizer a verdade, é um acto fundamentalmente anti-democrático. Mas
o que se pode esperar do BJP?
11/Dezembro/2016
Ver também:
A desmonetização de notas de dinheiro
, Prabhat Patnaik, 19/Nov/2016
A punção das contas bancárias já foi legalizada
, Philippe Herlin, 07/Nov/2015
[*]
Economista, indiano, ver
Wikipedia
O original encontra-se em
peoplesdemocracy.in/2016/1211_pd/demonetisation-and-banks'-lending-rates
. Tradução de JF.
Este artigo encontra-se em
http://resistir.info/
.
|