Gaza: "Uma enorme derrota para Israel"
por Jean Bricmont
Entrevistado por Leila Lallali
[*]
Qual é sua opinião sobre a situação atual na Faixa
de Gaza?
Penso que é importante constatar que, além dos horrores cometidos
e dos sofrimentos suportados, trata-se de uma enorme derrota para Israel.
Não podemos avaliar quem ganha ou quem perde se não levarmos em
conta as relações de força aí envolvidas. É
quando Moscou ou Leningrado resistem aos alemães que estes perdem, bem
antes de Stalingrado. Ora, no caso de Gaza, as relações de
força são ainda mais desequilibradas do que no Líbano em
2006, e, entretanto, Israel não ganha, então sua derrota é
ainda maior. Com efeito, é preciso compreender o que seria para Israel
ganhar (o que se passou mais ou menos em 1967): soldados que se rendem ou
fogem, dirigentes do Hamas presos e levados a Israel para serem julgados como
"terroristas". Ora, nada disso se passa em Gaza. Ademais, é
preciso ter em conta o efeito ideológico ligado à monstruosidade
dos crimes, à revolta que eles inspiram, não somente no mundo
árabe, mas em todo o "terceiro mundo", e também, em
parte, na Europa. É preciso reconhecer o valor da emissora de
televisão Al Jazeerah, e também da Internet, que permitiram que
as pessoas realmente se informassem.
O senhor pensa que a agressão israelense a Gaza foi causada pelos
foguetes do Hamas, ou existem outros objetivos?
Israel não me mantém informado de seus planos secretos, e,
enquanto cientista, não gosto de especular muito. Então,
não sei nada sobre isso. Há talvez objetivos eleitorais. O que
é evidente é que os tiros de foguete, situados em um contexto
global, não podem justificar a agressão. É evidente que
teria sido necessário abandonar o bloqueio e negociar com o Hamas.
Também evidente, e inquietante, é o fato de que nós mal
podemos ver que objetivo os israelenses perseguem e podem racionalmente esperar
atingir. Qualquer observador objetivo se dá conta de que este ataque
não pode senão reforçar o Hamas, assim como a hostilidade
com relação a Israel. Há qualquer coisa de profundamente
irracional nesta atitude israelense, e, de certo modo, é isso o que
há de mais inquietante.
Israel desafia o mundo e a Organização das Nações
Unidas não é capaz de impedir que isso ocorra; como fazer face a
este Estado?
Primeiramente, é preciso compreender que a impotência das
Nações Unidas deve-se inteiramente ao bloqueio dos Estados
Unidos. A Assembléia Geral e mesmo o Conselho de Segurança podem
ter boas posições (mas é preciso lembrar que há o
direito de veto). Logicamente, visto a força militar de Israel,
não é evidente que se pudesse agir neste plano. Entretanto,
podemos utilizar a arma
BDS Boicote, desinvestimento, sanções
. As
sanções dependem de estados e é pouco provável que
a Europa e os Estados Unidos as adotem. Por outro lado, podemos admirar a
atitude da Bolívia e da Venezuela que, embora situadas longe do
conflito, adotam posições de princípio notáveis, e
das quais poderíamos esperar que inspirem estados que são
geográfica e culturalmente mais próximos da Palestina.
O boicote é uma arma cidadã, que se desenvolve muito fortemente
na Grã-Bretanha. Ela foi utilizada com sucesso contra a África do
Sul e eu não vejo por que, por fim, ela não poderia ser eficaz
contra Israel.
Como se situa a Europa quanto ao que se passa na Faixa de Gaza?
De que Europa falamos? A senhora sabe, assim como eu, que a Europa não
está unida (não mais que a Liga Árabe aliás) e que
os governos não refletem suas opiniões públicas. Ademais,
é preciso dar-se conta de que o problema central reside nos Estados
Unidos, particularmente no Congresso e no Senado. A Europa tem muita
dificuldade em tomar uma posição independente dos Estados Unidos
e, mesmo se ela o fizesse, isso não mudaria grande coisa enquanto os
Estados Unidos apoiam cegamente Israel. O que não quer dizer que a
Europa não devesse fazer nada se ela se distanciasse dos Estados
Unidos quanto a esta questão, isso reforçaria aqueles que, nos
Estados Unidos, pensam que o apoio a Israel custa caro demais para algo que
não lhe diz respeito tanto assim.
Qual é o interesse da Europa em sustentar a agressão israelense a
Gaza?
Quem lhe disse que ela age por interesse? Penso que, se refletirmos bem, ela
não tem interesse algum a longo prazo em sustentar Israel (e em se
alienar de tantas pessoas no mundo). Mas quem, entre os homens ou mulheres
políticos europeus, ou homens ou mulheres de negócios, vai fazer
esta análise? E quem, a supor que ele ou ela o faça, vai ousar
dizê-lo? Não se pode compreender nada do que se passa na Europa e
nos Estados Unidos enquanto não se leva em conta o fator do medo
medo das organizações sionistas, de suas campanhas de
difamação e intimidação. É por isso que eu
penso que as organizações de solidariedade deveriam antes de tudo
combater este sentimento de medo, sustentando todos aqueles que dão
passos, mesmo pequenos e mesmo imperfeitos, na boa direção, isto
é, de mais independência com relação a Israel.
O senhor pensa que Barack Obama vai mudar a política americana, ou ele
vai seguir os rastros de Bush?
Novamente, não gosto de fazer previsões nós
veremos; mas todos os sinais que Obama deu durante sua campanha mostram um
apoio sem falha a Israel. Mesmo se nós supomos que era uma tática
(pois ele sabia que não seria eleito se fosse abertamente
contrário às organizações sionistas), é
preciso não esquecer que um presidente não é um ditador e
que ele deverá levar em conta essas mesmas relações de
força às quais se submeteu completamente durante sua campanha.
Além disso, o Congresso e o Senado acabam de votar uma
resolução totalmente pró-israelense sobre o conflito em
curso; se Obama tinha a menor intenção de mudar alguma coisa, ele
está avisado de que tem duas câmaras contra si.
Como o senhor vê o futuro das relações internacionais sob a
administração Obama?
Haverá sem dúvida mais "diplomacia", mas, como observa
Chomsky, Condoleeza Rice falava também de diplomacia. Sobretudo a
primeira administração Bush foi todo o tempo partidária da
guerra, mesmo se sozinha contra o resto do mundo. Posteriormente, o discurso
mudou, e mudará ainda mais com Obama. Mas, no fundo, o que realmente
ocorrerá? Meu temor é de que o entusiasmo, em parte
legítimo, provocado pela eleição de um negro faça
calar os críticos da política americana ou, pior, que as vozes
críticas sejam acusadas de racismo. O problema é que Obama
terá muito mais "legitimidade" que Bush, ao menos se tomarmos
este no fim de seu governo. Ora, o que limita a nocividade dos Estados Unidos
não são as intenções de seus dirigentes, mas
sobretudo a oposição popular à sua política, o que
será muito mais difícil com Obama do que com Bush.
Para o povo palestino, a única esperança é de que a crise
econômica leve a uma tomada de consciência, nos Estados Unidos, de
que muitas coisas não vão bem em sua política e, na
verdade, lhes causam danos; e uma das mais importantes destas é o apoio
cego a Israel.
[*]
Jornalista, argelina.
O original encontra-se em
Ech-chourouk,
edição de 21/janeiro/2009.
A versão em francês encontra-se em
http://www.legrandsoir.info/spip.php?article7934
Tradução: Fernanda Correia de Oliveira
Esta entrevista encontra-se em
http://resistir.info/
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