por Miguel Urbano Rodrigues
A crise que a humanidade enfrenta é mais complexa, profunda e perigosa
do que qualquer das ocorridas ao longo da história.
O capitalismo atravessa no seu baluarte principal ,os EUA, uma crise
estrutural. Como a acumulação, imprescindível ao seu
funcionamento, não se processa como antes, o Estado imperial optou
por una estratégia agressiva de guerras «preventivas» e de
saque dos recursos naturais de outros povos.
Duas Conferências internacionais em Havana iluminaram bem nas
últimas semanas a gravidade dessa crise: o Encontro Anti-ALCA e o dos
Economistas sobre a Globalização Neoliberal.
A grande maioria da humanidade rejeita o monstruoso projecto de sociedade que
pretendem impor-lhe. Os Fóruns Sociais de Porto Alegre e de Mumbai e os
fóruns sociais continentais e nacionais confirmam que o sistema
inspira uma repulsa crescente. Mas transparece também desses grandiosos
protestos que não existe consenso quanto às formas de luta
contra o sistema imperial, aos objectivos das forças que o condenam e
à questão das alternativas.
O tema é tão amplo que me proponho tratar aqui somente dois
pontos fundamentais: o do polo principal da luta e o das alternativas.
Em eventos realizados na América Latina, dirigentes políticos e
cientistas sociais têm localizado no Hemisfério esse
pólo.
Não compartilho a opinião.
A frente de batalha principal no confronto com o imperialismo é aquela
onde o inimigo no caso o sistema de poder planetário dos EUA
concentrando grandes forças, actua com maior agressividade e
investe mais recursos humanos e materiais a frente em que os desafios
enfrentados e os golpes recebidos lhe causam mais problemas, pondo em causa o
mito da sua invencibilidade, afectando a sua imagem e prestígio.
Essa frente, situa-se presentemente no Médio Oriente e na Ásia
Central, no triângulo Iraque-Afeganistão-Palestina.
É hoje transparente que a estratégia dos EUA na Região
fracassou. Uma esmagadora superioridade militar permitiu às suas
Forças Armadas ocupar em poucas semanas o Afeganistão e o Iraque.
O presidente Bush em discursos triunfalistas anunciou ao mundo o fim dessas
guerras. E em ambos os casos os EUA estão a perdê-las. A
resistência das populações impediu a execução
dos planos chamados de reconstrução, na realidade de
recolonizaçao. Quando esperava recolher os frutos da vitoria e
desenvolver projectos que lhe assegurariam o controlo de reservas de
petróleo suficientes para garantir o consumo do país até
meados do século, a Administração Militar estadunidense
nomeada para o Iraque enfrentou situações não previstas
para as quais não encontra solução e que tendem a agravar
perigosamente a crise do sistema capitalista como totalidade.
O balanço da Resistência alarma o Pentágono. Não
tanto pelos mais de 550 soldados mortos (e milhares de feridos ) somente no
Iraque. O pior é a desmoralização resultante dos ataques
diários, a incapacidade de prever as acções de uma
Resistência cada vez mais organizada e eficaz. O desprestígio do
Conselho de Governo fantoche é inocultável, bem com o desprezo
da população por quantos colaboram com os invasores como
demonstram os devastadores ataques aos quartéis da Policia. O desgaste
psicológico das forças de ocupação é
tamanho que ate ao final de maio está prevista a
substituição integral dos 110 mil soldados que
constituíam o exercito inicial que permaneceu no território
depois que o presidente Bush proclamou o fim da guerra. Tal como aconteceu no
Vietnam, a Resistência destruiu o moral desse exército. Cada
soldado, ao tomar conhecimento da morte diária de companheiros, pensa
que o próximo a ser abatido pode ser ele. Mais de um milhar de
soldados e oficiais receberam já tratamento psiquiátrico. O
numero de suicídios confirmados é de 27. Vinte militares
desmobilizados assassinaram as mulheres e filhos ao regressarem aos EUA.
As entrevistas a jornais e televisões estadunidenses de elementos
dessa tropa traumatizada coincidem na aspiração comum: voltar
para casa urgentemente. Quase todos condenam a guerra absurda que não
entendem.
Em Washington existe consciência desse estado de espirito. O
exército de substituição que está a chegar
apodrecerá tão rapidamente como o que tratam de desmobilizar se
não for encontrada uma saída para a situação criada
pela agressão estadunidense.
Mas qual?
Os dirigentes da maioria chiita exigem eleições directas antes
de 30 de Junho. Mas não pode haver eleições livres num
pais ocupado.
A soldadesca invasora continua alias a cometer crimes abjectos
denunciados por organizações internacionais. A tortura de
prisioneiros é rotineira, bem com o as violações de
mulheres e o assassínios de crianças.
Quanto às anunciadas eleições indirectas, promovidas sob a
fiscalização dos fuzis americanos e britânicos, seriam
uma farsa .
O procônsul Paul Bremer, esclarece, agora, que não haverá
eleições sem especificar de que tipo antes de Maio
de 2005. Depois das estadunidenses, claro.
Kofi Annan, que tem desempenhado um papel mais do que ambíguo, bem se
esforça por envolver a ONU nos planos de Washington não obstante
as humilhações infligidas à Organização por
George Bush e seus conselheiros. Mas a tarefa instrumental que eles
esperam das Nações Unidas transcende a capacidade
decisória do seu submisso secretario-geral.
Na falta de uma solução política a curto prazo que
ninguém vislumbra, os generais do Pentágono, esquecendo as
lições do Vietnam, repetem que «a
pacificação» é possível. Por outras palavras,
apostam na carta da guerra. Na equipa do Presidente não falta quem
acredite em contos de fadas militares. Na prática isso significaria
substituir dezenas de milhares de soldados estadunidenses por tropas da
«coligação» ampliada. O presidente Bush, cujo
nível de inteligência não supera o da incultura, sente-se
reconfortado quando lhe estimulam a fome de reeleição,
acenando-lhe com o regresso maciço dos
boys,
vindos do Iraque.
Não lhe recordam que a coligação é fantasma.
Eventualmente, Washington poderá convencer alguns governos
latino-americanos e da Europa do Leste a aumentar os seus contingentes na
caldeirão iraquiano. Mas o desembarque de mais polacos,
húngaros, búlgaros, romenos e checos na Mesopotamia não
alterará minimamente o quadro da guerra. Aznar e Berlusconi
terão alguma dificuldade em mandar mais espanhóis e italianos
para a Região. Quanto aos centro-americanos e dominicanos exportados
como carne de canhão com a tarefa de se baterem ali na ridícula
Brigada Ibero-americana sob comando de oficiais espanhóis constituem
uma força de opereta. Esses pobres rapazes queixam-se aliás
do abandono a que os votaram; alguns pelotões não
dispõem sequer de alojamentos decentes, de transportes, nem de armas
modernas.
A esperança do Pentágono de atrair ao Iraque, como
cúmplices, unidades dos três exércitos europeus, o
francês, o alemão e o russo, que lhes inspiram respeitam e
admiração pelo seu profissionalismo e capacidade, essa
não passa de um sonho irrealizável.
Chirac, Schroeder e Putin ofereceram nos últimos meses provas de
oportunismo e duplicidade que desaconselham quaisquer previsões no
tocante ao seu relacionamento com Washington. Em Fevereiro e Março
opuseram-se à guerra, impedindo que o Conselho de Segurança
cedesse às pressões e à chantagem de Washington. Mas,
ocupada Bagdad, mudaram de atitude e, numa guinada brusca, capituladora,
aprovaram a Resolução que permitiu à ONU instalar-se no
Iraque, legitimando indirectamente a agressão. Corriam em busca de
migalhas nos contratos para a «reconstrução» imperial
de um pais destruído pelos EUA.
Não cabe aqui analisar as complexas contradições que
condicionam as metamorfoses dos governantes dos três países,
dois dos quais são membros permanentes do CS com direito de veto.
Entretanto, o agravamento constante da situação militar e
política no Iraque e a incapacidade demonstrada pelo alto comando
estadunidense para enfrentar a Resistência, explicam a recusa
categórica dos referidos dirigentes de enviar tropas para aquele
país em resposta aos repetidos apelos de Washington. Mostram-se,
também atentos ao subir da vaga de sentimentos anti-americanos no
Irão, na Síria, no Paquistão e na Turquia.
No Afeganistão o caos alastra. As tropas da OTAN apenas ali controlam
Kabul, Kandahar e poucas cidades mais. A Constituição aprovada
por uma
Loya Jirgah
(grande assembleia ) montada pelos EUA é um papel sem valor, uma
palhaçada institucional. A solidariedade das populações
com a resistência cresce. Algumas das tribos pachtunes da fronteira
com o Paquistão que lutam contra as tropas especiais dos EUA, são
hoje comandadas não por talibãs, mas por antigos dirigentes do
Partido Democrático do Povo, a organização política
marxista que dirigiu a Revolução Afegã. São
portanto fantasiosas as notícias que atribuem sistematicamente à
Al Qaeda e ao Mullah Omar os ataques às forças de
ocupação .
É neste contexto que a guerra no Iraque e no Afeganistão pesa
decisivamente nas próximas eleições dos EUA, assim como
os acontecimentos da Palestina, onde o povo se bate contra o fascismo sionista
instrumento do imperialismo na Região.
O funcionamento da engrenagem política estadunidense obedece a regras
tão peculiares que a valorização das grandes
questões ligadas à guerra do Iraque é condicionada pelo
calendário eleitoral. Durante meses, o facto de Bush ter invocado como
motivo primeiro da invasão a suposta posse de armas de
extermínio maciço pelos iraquianos não foi tema de
grande controvérsia. Sabia-se que o presidente mentira deliberadamente
porque as armas não foram encontradas. Mas o assunto mereceu escassa
atenção. Entretanto, a proximidade da eleição fez
dessa mentira a arma principal da campanha dos aspirantes à candidatura
pelo Partido Democrata, causando grandes dificuldades a Bush. Os crimes
cometidos contra o povo do Iraque não são matéria de
interesse para eles nem para os mass media. As acusações de
conduta não ética ao Presidente limitam-se à tardia e
oportuna redescoberta de que, afinal, mentiu ao povo.
O episódio reflecte o farisaísmo do mundo político
estadunidense.
O PÓLO LATINOAMERICANO
Companheiras e companheiros:
Quando um poder imperial, incapaz de atingir os objectivos fixados no
âmbito de uma estratégia ambiciosa, é forçado pelo
desenvolvimento da história a reformular a sua táctica e a
adaptar a própria estratégia à realidade que enfrenta
o cenário onde acumula fracassos emerge também para as
forças que o combatem como a frente principal nas acções
de solidariedade internacionalista.
E esse cenário insisto localiza-se hoje na Ásia
muçulmana. A opinião é polémica. Mas o
próprio Colina Powell foi muito claro ao declarar em meados de
Fevereiro que no momento a América Latina não é uma
prioridade na política externa dos EUA. Significativamente, houve um
corte de 11% nas verbas do Orçamento Federal propostas para iniciativas
na Região.
Seria, entretanto, imprudente extrair dessa atitude qualquer conclusão
que subestime a importância da frente latino-americana na grande batalha
mundial das forças democráticas e progressistas contra o
imperialismo. O facto de na perspectiva militar e política o
pólo principal se situar em zonas da Ásia onde o imperialismo se
encontra atolado em guerras desgastantes com efeitos desmoralizadores entre a
população estadunidense tal evidencia não deve
implicar, antes pelo contrário, uma subestimaçao do polo
latino-americano. Washington continua a desenvolver uma política muito
agressiva na Região. O triângulo Colômbia-Venezuela-Cuba
concentra a atenção da Casa Branca e do Pentágono. Ambos
identificam no seu aliado Álvaro Uribe um fascista que não pode
assumir-se publicamente como tal, uma edição latino-americana do
israelense Sharom. O Plano Colômbia está em
execução e apesar de não se encontrarem reunidas
condições para uma intervenção directa
inviável no momento os EUA não desistem da ideia da
criação de uma força interamericana que actuaria contra
as guerrilhas das FARC e do ELN, acusadas de serem organizações
terroristas. A prisão no Equador do comandante Simón Trinidad
veio confirmar a existência de cumplicidades profundas dos
serviços de inteligência.
Desestabilizar a Venezuela, sabotar a sua economia e incentivar ali todas as
manobras golpistas é outra linha de ataque na Região. A firmeza
de Hugo Chavez, e sobretudo a participação maciça do
povo na resistência à escalada contra revolucionaria, foram
factores decisivos na derrota do
lock out
petrolífero e das tentativas da oligarquia, apoiada pelo
imperialismo, para derrubar o Presidente e destruir a
revolução bolivariana.
Cuba é o terceiro vértice do triângulo latino-americano que
preocupa os estrategos estadunidenses. Cuba não se submete. Na
perspectiva de Washington, a sobrevivência da sua revolução
após mais de quatro décadas do mais longo e cruel bloqueio da
historia oferece um exemplo perigoso para a América Latina. Cuba
não abdica do seu direito de construir e defender o Socialismo.
Demonstra que é possível resistir ao imperialismo. É o
único país do Hemisfério onde o direito à vida, o
direito á educação e à saúde são
pilares de um conceito revolucionário dos direitos humanos.
A nível continental a luta contra a ALCA é um objectivo
prioritário. Os EUA estão a desenvolver grandes esforços
para que o Acordo por eles concebido seja implantado no inicio de 2005.
Perante as resistências encontradas, o projecto anexionista mudou de
forma e procedimentos mas mantém a sua essência, como afirmou em
Havana Osvaldo Martinez.
A ambiguidade da posição brasileira suscita apreensões. A
nova política de alianças do governo Lula, ao fortalecer a
tendência neoliberal, não contribuiu para reforçar as
esperanças de que o país se recuse a assinar o Acordo na sua
versão
light,
arrastando a Argentina. As tensões no Partido dos Trabalhadores e no
próprio governo aumentam. Uma política económica e
financeira neoliberal é imposta pelo ministro da Fazenda, Palocci, e um
banqueiro norte-americano mascarado de brasileiro, Meirelles, preside a um
Banco Central para o qual o governo reivindica mais autonomia do que a
concedida ao Banco Central dos EUA.
João Pedro Stedile, dirigente do Movimento dos Sem Terra, lembra uma
evidencia ao afirmar que «o governo Lula não vai dar certo se o
povo brasileiro não se mobilizar», exigindo mudanças que lhe
foram prometidas. Lula continua sendo muito popular, mas o discurso
demagógico sobre a fome e a pobreza impressiona cada vez menos os
milhões de brasileiros que votaram num projecto de sociedade do qual
o seu governo se distanciou.
A traição do equatoriano Lucio Gutierrez, hoje totalmente
submisso a Washington, coloca as forças progressistas do continente
perante uma realidade. Na América Latina a conquista da
Presidência por políticos com programas antineoliberais,
eleitos com o apoio das massas populares, não é garantia do
cumprimento dos compromissos assumidos. É preocupante outro
exemplo que no Paraguai, o presidente Duarte que entrou no
palácio com um discurso antimperialista, tenha, logo após uma
visita a Bush, decidido enviar tropas do seu país para o Iraque.
O oportunismo e capitulação de dirigentes populistas que
suscitaram grandes esperanças não justifica, entretanto,
atitudes pessimistas.
Do Rio Bravo à Patagonia os povos da América Latina, com poucas
excepções, deixam transparecer uma maior disponibilidade para a
luta.
Isso está a ocorrer na Argentina, no Peru, no Equador, no Chile, no
Uruguai, na Bolívia, no Paraguai, em diferentes países da
América Central e do Caribe.
Mobilizar para acções concretas esse formidável capital de
combatividade é o grande desafio que se coloca às
organizações e partidos revolucionários do Continente e
aos movimentos sociais progressistas que rejeitam o discurso dos reformadores
do capitalismo.
O Plano de Acção aprovado em Havana no III Encontro Anti-Alca
representa um avanço importante no terreno da organização
,ao sintetizar objectivos, definir prioridades e sublinhar a
importância das mobilizações continentais.
AS LUTAS SOCIAIS NA EUROPA
O pólo europeu na luta global contra o sistema de poder que
ameaça a humanidade tende a assumir também importância
crescente.
Os estados da União Europeia tal como o Japão, e a
Austrália estão integrados no sistema capitalista. Os
seus governos e classes dominantes participam activamente na
exploração imperialista. São parte integrante de uma
engrenagem. Como beneficiários da globalização
neoliberal tornaram-se participantes de agressões contra outros
povos (Golfo, Somália, Bosnia, Jugoslavia, Afeganistão, Iraque,
etc)
Isso não impede que contradições não
subestimáveis oponham permanentemente no âmbito da Tríada
interesses dos Estados e das transnacionais europeias aos do sistema de poder
estadunidense. Essas contradições, que se manifestam em
conflitos comerciais frequentes e em divergências na ONU são
inseparáveis da estratégia de dominação
planetária conduzida pela extrema direita estadunidense e pela crise
profunda do capitalismo.
Em Seminários Internacionais realizados em Santiago do Chile e no Brasil
chamei a atenção para o caracter estrutural dessa crise nos EUA
e as consequências de uma estratégia irracional em que o poder
das finanças na grande republica passou a ser sustentado por uma
política de terrorismo de Estado.
Sendo hoje uma nação parasitaria que consome muito mais do que
produz, com uma baixíssima taxa de poupança, os EUA praticam uma
política de saque, bombeando do resto do mundo tantos recursos quanto
possível. O prof. francês Remy Herrera formulou há
semanas na Conferência da Globalização de Havana uma
pergunta oportuna: poderão os EUA redinamizar a
acumulação de capital no centro do sistema mundial mediante a
guerra imperialista quase permanente? A sua resposta é negativa porque
as destruiçoes de capital são «insuficientes para a
acumulação capitalista».
A desvalorização do dólar relativamente ao euro
apesar de a Europa estar em recessão não é uma mera
manobra monetária. Desta vez reflecte a gravidade e a complexidade da
crise estadunidense. Os gigantescos défices do Orçamento, do
comercial e do de conta corrente alarmam os aliados europeus e asiáticos
dos EUA. Por si só, a divida externa somada à divida publica
interna equivale já a mais de 60% do PIB do país. O gigante tem
pés de barro e os cúmplices estão conscientes da sua
fragilidade.
É natural que as lutas sociais na Europa Ocidental estejam em
ascensão num momento em que o alargamento da União Europeia
para 25 países traz a certeza de um aumento de tensões entre os
grandes e os pequenos. A cimeira franco-germano-britanica de Berlim veio
confirmar tendências para o reforço de políticas anti-
democráticas cuja factura será paga pelos trabalhadores. O
ingresso na União de países como a Polónia, a Hungria e as
republicas bálticas, cujos governos se comportam como uma autentica
quinta coluna dos EUA, será uma fonte de problemas.
O projecto do futuro exército europeu, defendido com especial interesse
pela França e pela Alemanha, continuará a suscitar polemica e a
esbarrar com a firme oposiçao do Pentágono.
As forças progressistas não somente se opõem à
militarização do Continente, seja qual for o seu figurino, como
à promulgaçao de uma Constituição europeia que na
prática institucionalizaria o capitalismo, reduzindo as soberanias
nacionais a mera fachada.
Enfim, também na Europa Ocidental a conjuntura anuncia grandes lutas
no futuro imediato. Lutas de significado e conteúdo antimperialista
que são improváveis na Rússia e na China, por motivos que
não cabe aqui expor.
Pode-se argumentar, e com fundamento, que no Velho Mundo, tal como na
América Latina, o nível de organização e a
capacidade das forças que rejeitam a globalização
neoliberal é muito insuficiente, não correspondendo às
exigências do momento histórico.
O balanço dos Fóruns Sociais, de Porto Alegre a Mumbai constitui
um valioso tema de reflexão.
Neste mesmo Seminário do Partido do Trabalho tentei transmitir no ano
passado minha posição no tocante à problemática
da intervenção dos movimentos sociais desde Seattle e ao
significado muito positivo dessa torrencial contestação ao
projecto de sociedade imposto pelo neoliberalismo. Mas alertei também
para os limites do espontaneismo movimentista quando a sua
acção não tem como complemento imprescindível a
intervenção na luta de partidos e organizações
revolucionários.
Não voltarei ao assunto, recordando somente que ao longo dos
últimos meses tendências que apresentam matizes neoanarquistas
favoreceram na prática os objectivos de personalidades e forças
que acreditam na possibilidade da reforma e humanização do
capitalismo. Penso nomeadamente nos seguidores do escocês John Holoway
e do italiano Toni Negri, cujas teses sobre a temática do Poder
são desmobilizadoras.
Retomar como Negri a apologia da não violência no momento em que a
resistência iraquiana, afegã e palestina, acusada de terrorista,
se bate corajosamente contra o terrorismo de estado dos EUA é, na
pratica, semear a confusão, dificultando a formação de uma
grande frente antimperialista.
Cito apenas um exemplo, mas importante, porque milhares de jovens, sobretudo
nos meios universitários, são receptivos a esse tipo de
doutrinação. A confusão que ela provoca não
favorece tambem um debate sereno sobre a questão, de fundamental
importância, das alternativas.
ALTERNATIVAS E PRIORIDADES
A questão das alternativas surge-me como intimamente ligada à
da frente de batalha principal.
Fidel Castro, no encerramento do Encontro anti-ALCA, interveio no debate para
afirmar que nao haverá uma alternativa, mas muitas consoante a
Região, o povo, as condições objectivas e subjectivas.
Não se referia obviamente a alternativas ao projecto anexionista da
ALCA. Para ele, em termos hemisféricos, nesse caso só pode
haver uma alternativa: a integração económica
latino-americana, concretizada numa perspectiva bolivariana.
Fidel na sua referência a múltiplas alternativas, aludia às
políticas sociais impostas à América Latina pelo
Consenso de Washington, com os trágicos resultados conhecidos.
O Brasil precisa de um projecto nacional (o actual governo abandonou o
esboçado no Programa do PT) que terá de ser diferente do
argentino, do uruguaio, do paraguaio. O das forças progressistas do
Chile apresentará um perfil próprio, tal como o do Peru, o da
Bolívia, o do Equador. O da Venezuela bolivariana define-se a cada dia
na defesa da revolução. A longa e heróica luta da
insurgencia colombiana pesará nas soluções institucionais
democráticas que o povo de Nariño reivindica. Em cada caso, no
México, na America Central, no Caribe o projecto nacional, para obter o
apoio das massas, terá de partir da especificidade nacional.
A opinião emitida por Fidel Castro foi oportuna como elemento
clarificador num debate em curso no qual a frequente falta de rigor no
próprio emprego da palavra alternativa é fonte de
interpretações diferentes.
Creio útil chamar a atenção para uma evidencia. Dos
Fóruns Sociais não pode sair qualquer tipo de alternativa global
ao neoliberalismo. Isso porque não existe a menor possibilidade no
mundo actual de se apresentar uma alternativa consensual de contornos bem
definidos, estruturada, ao sistema capitalista que ameaça destruir o
planeta.
A dualidade antagónica Socialismo ou Barbárie, enunciada por Rosa
Luxemburgo noutro contexto e retomada pelo húngaro István
Mészaros e pelo egípcio Samir Amin, coloca-nos perante uma
realidade. Ou o capitalismo, senil mas cada dia mais agressivo, destrói
a civilização (não estando excluída a possibilidade
de destruir a própria vida na Terra) ou o capitalismo desaparece do
planeta.
Seria, entretanto, entrar no terreno da pura especulação
esboçar sequer os contornos do socialismo do futuro.
A analise e o estudo do terramoto que levou à implosão da URSS
mal principiaram. Sabemos que o chamado socialismo real não
correspondeu minimamente ao projecto de Lenine, desfigurando-o
grosseiramente. Mas seria uma atitude utópica, especulativa,
esboçar o perfil do socialismo de amanhã. Até porque
podem surgir e afirmar-se, convivendo harmoniosamente, sociedades socialistas
muito diferenciadas.
A controvérsia assume um caracter prático complexo porque
intelectuais de esquerda sérios, respeitados, sustentam que a
elaboração de uma alternativa teórica ao neoliberalismo
deve preceder a organização da luta frontal, organizada, contra
o imperialismo.
Creio que essa posição identificável em dezenas de
comunicações apresentadas nos Fóruns Sociais
desmobiliza em vez de mobilizar.
A tarefa prioritária ,inadiável, consiste em somar o
máximo de forças no combate contra o inimigo. Na impossibilidade
de se elaborar um plano mundial de luta, as forças progressistas, em
cada Continente, quando possível, em cada Região, cada
país, golpearão tanto mais o sistema de poder ai dominante
quanto maior for a sua capacidade para organizar acções
concretas, de âmbito nacional ou internacional, que contribuam para
inviabilizar a sua estratégia.
É nesse contexto que a definição da frente de batalha
principal e das frentes complementares adquire uma grande importância,
condicionando a natureza, a dimensão e os fins de iniciativas a
promover.
Se admitirmos que se situa actualmente na Ásia a frente considerada
prioritária pelo imperialismo estadunidense, aquela onde o fracasso
da sua estratégia de dominação planetária mais
contribui para o aprofundamento da crise interna, impõe-se uma
conclusão:
dinamizar a luta contra a guerra tornou-se a tarefa principal das
forças progressistas em todo o mundo.
É uma luta da qual podem participar milhões de pessoas com
mundividências muitíssimo diferentes.
A maré da contestação atingiu proporções
gigantescas em Fevereiro e Março de 2003, quando 30 milhões de
pessoas saíram às ruas em dezenas de grandes cidades para
condenar a guerra. Depois o protesto baixou. É preciso trabalhar
organizadamente para que se mantenha em nível alto quando voltar a
subir. Esse objectivo exige em primeiro lugar um esforço permanente
para ampliar a solidariedade com os povos em luta na Asia sobretudo o
iraquiano através da divulgação dos crimes
cometidos ali pelas Forças de ocupação dos EUA (e da
Grã Bretanha e pequenos satélites como a Itália, a
Espanha e a Polónia) e da desmontagem da propaganda que apresenta como
terroristas os patriotas que resistem com heroísmo à
ocupação, lutando pela liberdade e pela independência.
A jornada mundial de protesto contra a guerra e a ocupação do
Iraque, no próximo dia 20, será um importante teste. Faltam
escassos dias para esse grande acontecimento. Do seu êxito depende em
parte o desenvolvimento da luta à escala mundial e na maioria dos
nossos países. O clamor do 20 de Março, expressando o sentir da
humanidade, estimulará, aliás, no interior dos EUA a
difícil resistência dos sectores mais lúcidos do seu
povo ao sistema de poder que ali apresenta já matizes neofascistas.
Repito: se a jornada do 20 de Março atingir os seus objectivos, o
combate ao imperialismo sob múltiplas formas intensificar-se-á
em todos os Continentes, adquirindo um dinamismo criador.
Na América Latina grandes lutas se esboçam no horizonte.
Aqui o protesto contra a guerra, este mês, engloba a luta contra o Plano
Colômbia e o Plano Puebla-Panamá, bem como a exigência do
encerramento das bases militares dos EUA no Hemisferio, incluindo Guantanamo.
Essa exigência deve adquirir caracter permanente, no momento em que o
Pentágono projecta reforçar a implantação militar
estadunidense na área Amazónica e na América Central.
A jornada continental de luta contra a ALCA, quando se iniciarem no Brasil as
negociações ministeriais sobre o projecto, será
indirectamente, pelo seu caracter antimperialista, um gesto de solidariedade
aos povos que na Ásia se batem contra ele.
O mesmo se pode dizer da Acção Continental de Solidariedade com
aqueles que nos EUA, no dia 29 de Agosto, vão manifestar-se durante a
Convenção Republicana, contra a reeleição de George
Bush.
Algumas iniciativas, pela sua natureza, terão caracter
planetário. É o caso das mobilizações previstas
para 24 de Abril contra o FMI, o Banco Mundial e a Divida Externa, na passagem
do 60º aniversario dos Acordos de Bretton Woods.
Companheiras e companheiros:
Vou terminar.
A alternativa Socialismo ou Barbárie é, por si só,
definidora de uma época simultaneamente trágica e bela. Se
conseguirmos travar a marcha para o abismo, o homem poderá finalmente
caminhar pelas grandes alamedas de acesso a um mundo que responda a
aspirações eternas da sua condição.
O desfecho é, por ora, uma incógnita. Ele dependerá das
actuais gerações.
Derrotar o monstruoso sistema de dominação imperial de contornos
neofascistas tornou-se para a humanidade uma questão de
sobrevivência.
Somando esforços, agindo com lucidez e consciência do perigo
mortal, isso está ao nosso alcance.
Nessa luta planetária o papel das organizações e partidos
revolucionários assumirá uma enorme importância.
A vitória é possível? Sou optimista, acredito no desfecho
positivo. Para isso, na grande e complexa batalha em curso pela Paz e contra a
Guerra temos de agir com muita serenidade e paciencia. O caminho, como ensinou
Antonio Machado, faz-se caminhando.
A tarefa de criar condições, através da
mobilização dos povos, para o aprofundamento da crise do
sistema de poder imperial exige a clarificação do problema
fundamental da(s) alternativa(s).
A insistência na elaboração de uma alternativa
teórica ao neoliberalismo de âmbito mundial somente conduz a
debates estéreis. Persegue um fim que nesta fase histórica se
apresenta como inatingível, utópico.
O consenso em torno de um projecto de sociedade futura de povos e
forças políticas e sociais distanciados por ideologias e
vivências culturais muito diferentes quando não
antagónicas é insisto uma vez mais uma
impossibilidade.
Mas a mobilização mundial para acções de luta
a mobilização de milhões de pessoas com
múltiplas ideologias e formações culturais dispares
essa mobilização contra a guerra e o sistema de
terrorismo de Estado que a promove já mostrou, no ensaio geral do 15
de Fevereiro de 2003, ser possível .
Levar mais longe essas acções, ampliar os objectivos durante a
luta, inserí-los numa plataforma comum, radicalizar o combate e
imprimir-lhe caracter orgânico e permanente eis, companheiros, o
desafio maior que, na minha opinião, enfrentam hoje os
revolucionários de todas as nacionalidades.
Faço votos ,aqui, no México, para que a jornada do 20 de
Março seja futuramente recordada como marco histórico no
desenvolvimento da batalha contra a ameaça neofascista representada
pelo sistema de poder imperial dos EUA.
Muito obrigado por me ouvirem.
______
[*]
Comunicação apresentada no VIII Seminário «Los
Partidos y una Nueva Sociedad», promovido pelo
Partido do Trabalho do México
. Cidade do Mexico, 5, 6 e 7 de Março de 2004.
Esta comunicação encontra-se em
http://resistir.info
.