O que faremos nós?
A destruição da identidade ocupacional na 'Economia baseada no
conhecimento'
por Ursula Huws
Confrontados com a dificuldade de 'situar' um estranho, a primeira coisa que
costumamos fazer é perguntar, 'o que é que o senhor faz?'.
À excepção talvez de algumas tribos de
caçadores-recolectores, a ocupação de uma pessoa é
uma das mais importantes etiquetas de identificação social. Isso
reflecte-se nos nomes de família de muitas culturas europeias. Por
exemplo, os antepassados dos Schmidt, Smith, Herrero ou Lefebvre, eram
ferreiros. Os Wainwrights e Wagners descendem de fabricantes de
carroças, e da mesma forma os Mullers (moleiros), Boulangers (padeiros),
Guerreros (soldados), e todos os milhares de Potters (oleiros), Butchers
(açougueiros), Carters (carroceiros), Coopers (tanoeiros), Carpenters
(carpinteiros), Fishers (pescadores), Shepherds (pastores) e Cooks
(cozinheiros), cujos nomes se encontram em todas as listas telefónicas
norte-americanas.
Este fenómeno não é exclusivo das culturas de origem
europeia. No sul da Ásia, a divisão do trabalho evoluiu
até ficar tão entranhada nas outras estruturas sociais que
já se nascia com uma identidade ocupacional. Nas palavras de Sudheer
Birodkar, 'a especialização ocupacional era a essência da
sub-divisão das duas Varnas (castas) mais baixas dos Vaishyas e Shudras
nos diversos Jatis (sub-castas ocupacionais)... Infringir as regras de castas
da profissão podia levar à expulsão; por isso um Chamar
(sapateiro) tinha que ser Sapateiro toda a vida. Se tentasse ser Kumar (oleiro)
ou Darji (alfaiate), corria o perigo de ser expulso da casta Chamar e, claro,
de acordo com as regras de castas, não seria admitido em mais nenhuma
casta apesar de ter conhecimentos de outra profissão qualquer'.
[1]
Estas identidades ocupacionais individuais baseadas na profissão
começaram a desaparecer sob o impacto da automação e da
introdução do sistema fabril. Segundo a teoria marxista, a
tendência geral para reduzir os trabalhadores a uma massa indiferenciada,
que possa ser substituída facilmente uma classe trabalhadora ou
proletariado é inerente às relações
capitalistas de produção. Há uma relação
directa entre o grau de aptidões exigidas para desempenhar uma dada
tarefa, e a escassez dessa aptidão, com a capacidade dos trabalhadores
que as possuem para negociar salários mais altos e
condições de trabalho decentes com os seus empregadores (ou, no
caso dos trabalhadores por conta própria, com os seus clientes).
É portanto de interesse para o capital ter uma classe de trabalhadores
cujas aptidões sejam genéricas e, tanto quanto possível,
substituíveis. Os trabalhadores que têm apenas aptidões
genéricas são mais baratos de contratar e podem ser dispensados
se arranjarem problemas porque é fácil encontrar substitutos.
Para os socialistas, a identidade ocupacional (construída, como é
habitual, em torno de aptidões, conhecimentos ou experiência
especiais próprias) constitui assim um quebra-cabeças. Por um
lado, forma um bloco básico da construção organizacional;
por outro lado, é uma barreira para o desenvolvimento duma maior
consciência de classe. Tradicionalmente, a maioria (embora nem todas) das
organizações de trabalhadores desenvolveram-se a partir de
identidades ocupacionais específicas, em grupos que ao mesmo tempo
são inclusivos, no sentido de que se apoiam, para a sua eficácia,
em sólidas fronteiras e restrições para se entrar nesse
grupo.
Podem detectar-se alguns dos mecanismos para limitar a entrada, tais como os
aprendizados, em formas pré-capitalistas de organização,
tais como as guildas, cujos membros eram frequentemente obrigados a fazer
juramento de preservar os segredos do comércio em elaborados rituais de
iniciação e a envolver-se noutras práticas que
consolidavam os laços entre os seus membros mas excluíam os
estranhos. Muitos dos grupos com base em ocupações mais recentes
apresentam ainda frequentemente uma forte homogeneidade social na sua
irmandade, com um carácter sexista e étnico em
relação a quem é admitido e a quem é
excluído. Isto dá-lhes um carácter divisionista em
relação ao povo trabalhador enquanto classe mais lata.
No entanto, dada a sua forte organização e capacidade de resistir
às pressões dos empregadores, estes grupos podem desempenhar um
papel activo para conseguir salários mais altos ou melhoria de
condições para alguns segmentos da força de trabalho ou,
de forma mais geral, podem liderar campanhas para legislação
protectora ou disposições sociais que beneficiam a
população em geral. Foi o que aconteceu em países como a
Alemanha, onde os partidos políticos sociais-democratas assumiram a
liderança no desenvolvimento da contratação colectiva
baseada em sectores, em vez de baseada em ocupações.
Embora os estados providência
(welfare states),
que se desenvolveram durante o período pós Segunda Guerra
Mundial nos países de capitalismo avançado, assumissem formas
diversas, todos eles sem dúvida devem muitas das suas
realizações aos esforços das organizações de
trabalhadores que foram suficientemente fortes para obrigar os empregadores a
partilhar parte dos ganhos de produtividade da produção em massa.
Em consequência, os empregadores e os estados acordaram um compromisso em
que moderavam o seu antagonismo para com as organizações de
trabalhadores e a força de trabalho permitia aos empregadores gerir os
postos de trabalho sem a ameaça constante de interrupção.
[2]
As organizações de trabalhadores eram muito diferentes de
país para país; eram explicitamente de base ocupacional, como nos
sindicatos de base profissional predominantes no Reino Unido, ou baseados em
sindicatos mais gerais dirigidos por elites profissionais com fortes
identidades ocupacionais.
[3]
De notar, porém, que este mesmo período foi caracterizado
também por mercados de trabalho que eram fortemente segmentados por sexo
e etnia, assim como apresentavam fracturas em muitas outras vertentes.
A especialização não tem um carácter de duas faces
apenas no que respeita ao trabalho, tem também um significado igualmente
ambíguo para o capital. O processo de inovação que forma o
necessário motor de mudança para o desenvolvimento capitalista
é profundamente contraditório na sua necessidade de
especializações. Antes de uma tarefa poder ser automatizada,
é necessário confiar na aptidão e na experiência de
alguém que saiba exactamente como executar essa tarefa para dissecar
cada passo do procedimento e conceber como é que ela pode ser
normalizada e como é que uma máquina pode ser programada para
repetir todos esses passos. Depois de expropriados o conhecimento e a
experiência (ou 'arte') desses trabalhadores, eles podem ser dispensados
e substituídos por trabalhadores menos aptos e mais baratos, para
trabalharem com as novas máquinas.
Mas a necessidade de especializações não termina aqui. O
conhecimento humano, o engenho e a criatividade são absolutamente
essenciais para inventar e desenhar novos produtos e procedimentos,
personalizá-los para novos fins, comunicar e criar a necessidade de uma
grande gama de produtos e serviços que mantenham as rodas do capitalismo
a funcionar, e para cuidar, educar, informar, distrair e entreter a
população. Algumas destas funções estão elas
próprias sujeitas a procedimentos pelos quais o conhecimento dos
trabalhadores é expropriado e incorporado em programas de computador ou
bases de dados, a fim de que as tarefas possam ser executadas por menos
trabalhadores ou por trabalhadores menos especializados. Aqui, por exemplo,
podíamos incluir o conhecimento dos especialistas que trabalham em
postos de atendimento de apoio técnico, que são encorajados a
pôr as respostas às perguntas mais frequentes em bases de dados as
quais podem ser consultadas por pessoal menos graduado, ou o conhecimento dos
professores universitários que são convidados a converter as suas
aulas em conteúdos para cursos de 'aprendizagem eletrónica'. Mas
quando uma tarefa passa a estar rotinada e sem necessidade de
especializações, exige-se uma nova legião de
'trabalhadores especializados', para esta nova fase do processo de manufactura.
[4]
Assim, está fora de questão a discussão sobre se o
desenvolvimento de um capitalismo, ainda mais complexo tecnologicamente,
resulta numa indiferenciação ou numa
especialização. A natureza da inovação é tal
que ambos os processos acontecem simultaneamente: cada desenvolvimento novo na
divisão tecnológica do trabalho exige uma nova
separação entre 'cabeça' e 'mãos'. Para rotinar as
funções dum grupo de trabalhadores, é necessário
outro grupo de trabalhadores, normalmente mais pequeno, com uma certa
visão geral do processo. Conforme os trabalhadores resistem ou se
adaptam à mudança e se organizam para proteger os seus
interesses, formam-se permanentemente novas ocupações e
reformam-se outras. Tal como se pode dizer que as identidades ocupacionais
são exclusivas e inclusivas, também se pode dizer que elas sofrem
um permanente processo de construção e
desconstrução. Os empregadores têm que equilibrar os seus
interesses para embaratecer o valor da mão-de-obra com a necessidade de
garantir que haja um fornecimento renovável de trabalhadores
instruídos e criativos com ideias novas. Em certas
situações, também pretendem manter o controlo da
propriedade das técnicas e dos conhecimentos que lhes confere uma
posição competitiva superior à das companhias rivais.
Pode argumentar-se que a teoria marxista tradicional subavalia a
importância da especialização na modelação
das formas em que funcionam os mercados da mão-de-obra. A realidade que
evoluiu é muito mais complexa do que a imagem tradicional duma
polarização da sociedade entre uma burguesia que
detém os meios de produção, controla a
circulação de bens e de capital e dita o funcionamento do estado
e uma massa proletária ainda mais homogénea, cujos membros
podem ser mantidos na linha por saberem que qualquer trabalhador demasiado
exigente pode ser substituído por outro qualquer do 'exército de
reserva' dos desempregados que podem fazer o mesmo trabalho de forma mais
barata ou mais submissa. Pelo contrário, a evolução da
divisão do trabalho cada vez mais complexa tecnologicamente, criou a
procura, em constante mudança, duma série de
especializações extremamente diversas, muitas das quais
são específicas de determinadas fases do desenvolvimento
industrial, de sectores particulares, de procedimentos de propriedade, de
produtos, ou mesmo de empresas específicas.
No entanto, apesar desta multiplicação de tarefas numa
divisão do trabalho que cada vez está mais disperso contratual e
geograficamente, o conceito de exército de reserva ainda é
relevante para nos ajudar a perceber muitos dos recentes desenvolvimentos dos
mercados de mão-de-obra, nesta época em que o compromisso
trabalho-empregador-estado (por vezes descrito como 'contrato Ford') entrou em
queda ou se encontra em grande conflito. Mas para dissecar melhor este
entendimento, precisamos duma ideia mais diferenciada sobre o papel
desempenhado pelas identidades e especializações ocupacionais no
funcionamento dos mercados de trabalho. Também precisamos de olhar mais
de perto para o papel desempenhado pelo estado no fornecimento de
aptidões genéricas à força de trabalho
necessária para preencher nichos numa economia cada vez mais complexa e
turbulenta e o papel que estas aptidões desempenham na erosão das
fronteiras ocupacionais e no enfraquecimento do poder da força de
trabalho organizada.
Um ponto de partida para esta análise é o conceito do
próprio mercado de trabalho. Há, evidentemente, muitos aspectos
em que é questionável o próprio conceito de um mercado
para a força de trabalho. Há uma enorme assimetria entre as
características do trabalho e as do capital que fazem com que o mercado
para o trabalho seja muito diferente do comércio de bens e
serviços. O corpo humano, a unidade básica que é oferecida
num mercado de força de trabalho, tem limites finitos quanto à
sua força, resistência e agilidade, assim como quanto ao
número de horas que consegue funcionar, limites que são
diferentes na sua essência dos recursos capital e matérias-primas
que as empresas empregadoras podem esticar até ao limite. A
força de trabalho não é fisicamente móvel da forma
que o é o capital e, nesta era de mercado livre em que o capital
atravessa livremente as fronteiras nacionais, a força de trabalho
está fortemente constrangida quanto à sua possibilidade de
aproveitar as oportunidades noutros países. É por vezes mais
fácil o nosso corpo atravessar uma fronteira nacional depois de morto,
do que uma pessoa viva entrar num país legalmente à procura de
trabalho.
Os mercados de trabalho também são distorcidos por muitos outros
factores, como os monopólios e os monopsónios (um único
comprador de força de trabalho), os cartéis, diversas formas de
aliança entre negócios ou força de trabalho, a
intervenção estatal, e outros constrangimentos sobre a
disponibilidade de tempo ou mobilidade (tal como a necessidade de levar a cabo
trabalho reprodutivo não pago) que reforçam divisões
sexistas e racistas na mão de obra mundial. Um mercado em que certos
trabalhos estão reservados só para os homens, ou só para
os brancos, ou só para pessoas duma determinada religião,
não pode ser classificado de forma alguma como um mercado 'livre'. No
entanto, o mais importante factor, quanto ao impedimento do acesso ao trabalho
e à competição 'pura' no mercado, pode ser a necessidade
do empregador de trabalhadores com aptidões específicas, numa
divisão técnica e cada vez mais global do trabalho.
Uma das tentativas mais importantes para teorizar de novo os mercados de
trabalho foi o livro revolucionário de Peter Doeringer e Michael Piore,
Internal Labor Markets and Manpower Analysis
(Lexington Books, 1971), no qual se desenvolve a ideia de mercados de trabalho
duais.
Neste modelo, o tipo de trabalho divide-se, grosso modo, em duas categorias:
a dos mercados de trabalho 'primário' ou 'interno' e a dos mercados de
trabalho 'secundário' ou 'externo'. Os mercados de trabalho interno,
argumentam, estão separados das forças do mercado externo por
sistemas de regras internas. Os empregadores que necessitam de
qualificações especiais, viradas para as suas próprias
práticas de trabalho específicas, estão preparados para
oferecer incentivos a fim de manterem trabalhadores leais, incentivos esses que
incluem salários mais altos, pensões, férias, e uma gama
de outros benefícios marginais. Os mercados internos, prosseguem,
são tipicamente estruturados de forma sólida e hierarquizados,
com carreiras internas, apoiando-se fortemente em conhecimentos firmes e
específicos. Nestes mercados internos, os empregadores estão
preparados para investir substancialmente na formação no interior
da empresa, a fim de atingir altos níveis de produtividade. Por outras
palavras, os níveis dos salários e as condições
são diferentes dos de um 'puro' mercado externo. Entrar neste mercado de
trabalho interno não é fácil, mas uma vez lá
dentro, os trabalhadores gozam duma série de benefícios. Nos
mercados de trabalho secundários ou externos, o contrato tácito
entre o capital e o trabalho é muito diferente: os empregadores
não tomam um compromisso a longo prazo com a força de trabalho,
mas estão preparados para aceitar níveis mais baixos de
empenhamento e de produtividade dos trabalhadores que tem a liberdade de poder
dispensar quando quiser. Os trabalhadores típicos nos mercados de
trabalho interno no final dos anos 60, quando Doeringer e Piore escreveram o
seu livro, seriam os funcionários públicos, ou os empregados de
grandes companhias como a IBM ou a General Motors; os trabalhadores
típicos dos mercados de trabalho externo seriam os porteiros ou
empregados de mesa, ou gente por conta própria que punha as suas
qualificações ao dispor duma série de clientes diversos.
Cedo se tornou evidente que este modelo dual era simples demais para explicar a
complexidade dos diferenciais de salários no conjunto de economias
diversas. As teorias de Doeringer e Piore foram elaboradas por outros
analistas, que desenvolveram modelos de mercados de trabalho múltiplos
ou
segmentados.
[6]
O conceito de mercados segmentados de trabalho reconhece que pode haver muitos
mercados de trabalho diferentes, nos quais os salários e as
condições são modelados por uma interacção
de factores que incluem os sistemas de educação nacional, as
estruturas industriais, as tradições culturais, a
legislação de protecção ao trabalho e as formas de
organização dos trabalhadores.
Retrospectivamente, podemos ver que os mercados de trabalho interno descritos
por Doeringer e Piore e seus seguidores não eram características
absolutas e imutáveis da paisagem económica. Pelo
contrário, podemos considerá-los como específicos duma
certa fase do capitalismo, nomeadamente, do compromisso do período
pós-guerra. Embora se anuncie muitas vezes o fim deste período,
não podemos ter a certeza de que alguns dos seus elementos não
continuem a ser úteis ou mesmo necessários para o capitalismo no
futuro. No entanto, é razoável concluir que já passou a
sua época. Para compreender como e porque é que ele chegou ao
fim, talvez seja útil analisar com mais pormenor como é que ele
funcionava na sua época dourada.
Primeiro, é preciso realçar que o acordo especial consentido pelo
capital com os seus trabalhadores do 'núcleo' essencial no interior das
grandes organizações, só funcionou precisamente porque
não
abrangia todos os trabalhadores. Embora tenha havido momentos
históricos em que as aristocracias trabalhadoras utilizaram o seu poder
para conquistar maiores ganhos para porções muito mais alargadas
da classe trabalhadora, os felizardos que estavam no seu interior tinham
consciência da sua situação de privilégio e, no seu
conjunto, mantinham-se na linha sabendo que a vida lá fora no mercado de
trabalho secundário seria muito difícil. Os padrões de
inclusão e exclusão também eram reforçados
frequentemente pelas diferenças de etnia e de sexo. Em segundo lugar,
é importante recordar que o modelo pós-guerra não foi
universal, mas tomou formas diferentes em diversos países, formas essas
modeladas pelas suas estruturas industriais próprias e pela sua
história, incluindo as formas específicas como evoluíram
as organizações dos trabalhadores. Na Alemanha, por exemplo, um
forte movimento social-democrata empurrou para acordos colectivos a
nível de sector, o que significava que o 'acordo interno' era alargado a
todos os trabalhadores de um determinado sector, em vez de apenas a
determinados grupos ocupacionais (como era o caso quando os sindicatos baseados
na profissão tinham força, por exemplo, na Grã-Bretanha)
ou a certas empresas (como era o caso quando predominava a
negociação a nível da empresa). David Coates
proporciona-nos uma análise extensiva das implicações
à escala económica de tais diferenças, que produziram
tipos distintos de sistemas sociais, padrões de investimento, graus e
tipos de intervenção governamental, e sistemas de
formação e qualificação que por sua vez se
reflectem nas formas com que são definidas as ocupações.
Diversos tipos de 'acordo interno' são também complementados com
tipos específicos de 'acordo exterior', e isto por sua vez significa que
o colapso do compromisso pós-guerra toma uma forma própria em
cada país.
Com o objectivo de representar num modelo algumas destas diferenças,
utilizei um diagrama adaptado de Rosemary Crompton, para integrar a teoria do
mercado de trabalho dual com a teoria do género e da classe.
[7]
Considerei que este diagrama seria útil para analisar as
diferenças entre mercados de trabalho em diferentes países e, em
especial, para examinar como eles mudam em épocas de rápida
mudança estrutural e tecnológica, tal como aquela em que vivemos
neste momento. Este diagrama considera os mercados de trabalho interno e
externo em dois extremos, aqui mostrados à direita e à esquerda
do diagrama (permitindo a possibilidade de existirem outros tipos
intermédios de segmentos de mercado de trabalho colocados algures entre
esses extremos).
Acrescenta então outra dimensão, a das
qualificações, em cima e em baixo no diagrama. Em
princípio devia ser possível arranjar algum tipo de trabalho pago
algures em relação a estes dois eixos. Por exemplo, um executivo
bem pago duma grande empresa ou um funcionário público superior
deveria estar algures perto do canto direito superior, assinalado por B. Mas um
contabilista por conta própria, bem pago, que trabalhe para diversos
clientes, embora se mantenha perto do topo quanto ao nível de
qualificações, estaria no canto esquerdo A. Em baixo, do lado
direito, junto ao canto D, estaria um recém-recrutado ou um aprendiz no
princípio da escada ocupacional numa grande instituição
estável (por ex., um classificador de correspondência com
formação). Em baixo, à esquerda, junto do canto C, estaria
um apanhador de fruta sazonal ou um vendedor de hamburgers temporário.
Obviamente, há muitas posições intermediárias,
quanto às qualificações.
Num país como a Alemanha, com a sua política corporativista,
mercados de trabalho internos historicamente fortes, um considerável
investimento dos empregadores em formação e
demarcações ocupacionais muito bem definidas, e um sistema de
segurança social estreitamente ligado aos planos dos empregadores,
será de esperar que uma grande percentagem da população
esteja agrupada do lado direito deste diagrama. Uma trajectória de
carreira típica será começar no canto D e abrir caminho em
direcção ao canto B, aproveitando os cursos de
formação proporcionados pelo empregador e seguindo as regras
internas da companhia.
Num mercado de trabalho mais 'liberal', como o dos Estados Unidos ou do Reino
Unido, o padrão característico colocará uma percentagem
muito maior da população trabalhadora do lado esquerdo do
diagrama trabalhando acidentalmente como indivíduos por conta
própria, ou trabalhadores temporários ou em tempo parcial, com
pouca segurança de trabalho a longo prazo, e poucas possibilidades de
promoção dentro da firma ou de formação para
além da exigida pelas necessidades imediatas da função.
Tipicamente, as qualificações que os trabalhadores têm,
para além do certificado de escolaridade obrigatória, foram
adquiridas à sua custa ou à custa dos seus pais. Estes mercados
de trabalho exibem certamente uma maior polarização, com
diferenças fundamentais nos padrões de vida, entre uma grande
massa indiferenciada de trabalhadores precários junto do canto C e os
poucos privilegiados junto de A ou B, e uma enorme variação no
meio.
Estes não são, obviamente, os únicos dois modelos
possíveis. Podemos imaginar que os países escandinavos com os
seus fortes sistemas de segurança social mais ligados a um estatuto de
cidadania do que ao emprego e com um maior empenhamento na
educação e na formação públicas, tenham
populações trabalhadoras com qualificações altas,
muito mais agrupadas a meio da parte superior do diagrama, com pouca gente quer
no canto C quer no D. Em contrapartida, há muitos países
desenvolvidos que provavelmente têm um sector formal muito pequeno, o
que significa que a grande massa da população está mais
para o lado esquerdo do diagrama, em A ou C.
Apesar das regras de igualdade em todos estes tipos de mercado de trabalho, na
prática as oportunidades não estão ao alcance de toda a
população de igual forma. Os homens residentes de longa data (e
brancos) dominam geralmente o quadrante B do diagrama, e os imigrantes, os
negros e as mulheres encontram-se mais provavelmente em baixo, no quadrante C.
Este diagrama não é apenas útil como forma de comparar os
mercados de trabalho estático. Também ajuda a compreender as
diferentes formas dinâmicas com que a restruturação
organizacional afecta os trabalhadores em diferentes contextos nacionais. Os
incentivos dos empregadores para reduzir o custo da mão de obra podem
ser os mesmos qualquer que seja a sua base mas, num mercado de trabalho
'corporativista', onde os empregados estão protegidos por fortes acordos
sindicais, as fronteiras do mercado de trabalho interno estão firmemente
definidas: ou se está dentro ou se está fora. Tal como a forma
mais habitual de estar dentro são os procedimentos formais de
admissão, também a forma de estar fora é provavelmente um
processo formalizado de redundância. Os trabalhadores que estão
dentro do mercado de trabalho interno têm muito a perder, visto que a
maior parte dos seus benefícios sociais está ligada ao seu
estatuto de emprego, e portanto resistem ferozmente à expulsão e
aceitam mais facilmente uma restruturação radical do seu trabalho
(por ex., aceitando a redução das demarcações
tradicionais da sua função, a chamada 'polivalência'), do
que sujeitarem-se a deixarem de estar lá dentro. Quando desempregados,
torna-se difícil arranjar outro emprego, em parte porque as suas
qualificações podem ser muito específicas da
indústria ou específicas do empregador e em parte porque os
empregadores têm relutância em criar novos lugares para pessoas com
quem terão de fazer um contrato a longo prazo. A saída dum
trabalho certo e bem pago pode seguir portanto a direcção da seta
designada por 'desemprego' no diagrama.
Num mercado de trabalho menos regulamentado, como o dos Estados Unidos ou do
Reino Unido, os mercados de trabalho interno estão muito menos bem
protegidos, e os benefícios por estar dentro deles são
relativamente muito menores. Aqui, os empregadores estão muito mais
dispostos a reagir a circunstâncias em mudança, oferecendo
trabalho ocasional. Cada vez se admite um maior número de trabalhadores
temporários para substituir ou complementar o trabalho de empregados a
tempo inteiro; o pessoal com qualificações ainda
necessárias mas já de forma não regular, é
encorajado a trabalhar em tempo parcial, ou por conta própria; e cada
vez é maior o recurso à contratação de trabalho
exterior
(outsourcing).
A saída do mercado de trabalho interno segue portanto mais
provavelmente a direcção da seta designada por 'trabalho
ocasional' no diagrama. Embora também exista desemprego nestes
países (tal como existe trabalho ocasional em países como a
França, Alemanha, Áustria e Bélgica), provavelmente
não é absoluto nem de longa duração. Pelo
contrário, assiste-se a um agravamento das condições de
trabalho e a uma insegurança crescente, quando a precariedade alastra no
mercado de trabalho como a ferrugem que corroía a velha maquinaria Ford.
Que importância têm estas diferenças? Os leitores da
imprensa de negócios apressar-se-ão sem dúvida a apontar
os artigos que atribuem a culpa dos cinco milhões de desempregados na
Alemanha às políticas 'esclerosadas' ou 'rígidas' do
mercado de trabalho europeu, assim como os leitores dos jornais europeus mais
liberais estão familiarizados com as histórias dos trabalhadores
sobrecarregados dos países 'anglo-saxónicos' que abriram
mão dos seus direitos num acto colectivo de
auto-exploração. Estas visões não contribuem para
estimular um sentimento de unidade entre os trabalhadores. Mas os marxistas
tradicionais podem argumentar que, de qualquer modo, a grande massa dos
desempregados e a grande massa de trabalhadores ocasionais têm mais ou
menos a mesma função: são o exército de reserva
cuja existência actua como um travão sobre os movimentos dos
trabalhadores que pretendem melhorar o pagamento e as condições
em segmentos mais organizados do mercado de trabalho.
Só que há um problema com esta abordagem. As economias modernas
produzem hoje uma variedade tão grande de bens e serviços,
englobando uma gama tão larga de inputs diferentes em
configurações tão complexas que, para muitas tarefas
(embora nem todas), o simples poder do músculo já não
é suficiente. Por outras palavras, a divisão técnica do
trabalho evoluiu a um ponto em que a maioria das funções exige de
facto qualificações específicas e um exército de
reserva não serve para nada, a não ser que as possua. No entanto,
na maior parte dos casos, as especializações são
diferentes das que eram exigidas na geração anterior
aquelas especializações em torno das quais evoluíram as
identidades ocupacionais da segunda metade do século vinte. As
funções do torneiro mecânico, do linotipista, do desenhador
gráfico, do editor de filmes, do revisor de texto, do
mecanógrafo, do audiotipista, do operador de quadros eléctricos,
tiveram todas o mesmo destino do tecelão manual ou do escriba, ou
sofreram transformações que as tornaram irreconhecíveis. A
tecnologia da informação desempenhou um papel fundamental nesta
transformação. A utilização de computadores
não fez desaparecer as muitas diferenças que se mantêm
entre diferentes procedimentos de produção, indústrias e
empresas. Mas introduziu uma gama de procedimentos standard para organizar e
manipular a informação que lhes é própria.
A proporção da força de trabalho que utiliza realmente um
computador no decurso do seu trabalho diário varia de país para
país, mas é grande e está a aumentar. E os empregadores
não querem ter que negociar com um pequeno grupo elitista de
trabalhadores que percebem como é que esses computadores funcionam e
sabem trabalhar com eles (como alguns tiveram que fazer nos anos 60, quando a
programação informática era um reduto exclusivo e
mistificado de algumas tecnologias privilegiadas). Nem querem ter que
investir fortemente para os treinar. O que eles precisam é de uma fonte
abundante de trabalhadores literatos de computadores que possam ser contratados
quando necessário e mandados embora quando já não
são precisos, sem medo de ficar descalços sem as
qualificações necessárias quando seja necessário ir
buscá-los de novo. Mas como é que podem garantir essa fonte?
Há um paralelo interessante aqui com o que aconteceu no século
XIX, quando a organização da indústria e das economias
nacionais e imperiais começou a ficar suficientemente complexa para
exigir uma força de trabalho que soubesse ler e contar. Não
só foi necessário um exército de escriturários para
emitir as facturas e os recibos para todas as transacções ligadas
ao comércio internacional, como também aumentou a necessidade de
se manterem registos do próprio trabalho, para anotar quem tinha
trabalhado quantas horas e calcular o seu pagamento. Os trabalhadores manuais
também precisavam de saber ler, escrever e fazer as
operações aritméticas, a fim de poderem seguir as
instruções, controlar as existências, etc. Se houvesse
apenas algumas pessoas com estas qualificações, isso dava-lhes um
poder de negociação que impossibilitaria o poder de manobra do
empregador. Também era necessário, evidentemente, assegurar que
os novos admitidos chegassem ao seu posto de trabalho já impregnados dos
valores da pontualidade, trabalho árduo e respeito pela propriedade dos
outros. As pessoas também precisavam de saber ler e contar enquanto
consumidores para poderem lidar com dinheiro numa economia que dependia
cada vez mais da moeda, para lerem os sinais públicos, e para
identificarem quais os artigos a comprar. Qual era a solução?
Educação escolar básica universal, ensinando o
'bê-a-bá' num ambiente em que se exigia o respeito pela
autoridade, se encorajava uma forte ética do trabalho, e as garotices ou
faltas de pontualidade eram severamente punidas. Quando estas
qualificações se tornassem universais, ninguém poderia
exercer pressão sobre o mercado só pelo simples facto de as
possuir.
Hoje em dia, a retórica e as qualificações são um
pouco diferentes. Os empregadores querem pessoas que sejam 'literatas
digitalmente', 'auto-motivadas', e 'boas jogadoras em equipa' e que possuam
'qualificações genéricas', 'empregabilidade' e
'espírito empreendedor'. Também exigem pessoas que estejam
preparadas para continuar a aprender novas técnicas como a tecnologia e
as mudanças de mercado, por vezes descritas como 'um compromisso de
aprendizagem por toda a vida'. E precisam de pessoas que estejam familiarizadas
ou dominem uma gama de pacotes específicos de software e que possam
comunicar com clientes distantes num mercado global. Escusado será
dizer, estas 'qualificações', 'competências',
'aptidões' e 'know-how', quaisquer que sejam as suas
combinações, não contribuem em nada para identidades
ocupacionais estáveis. Com efeito, pressupõem um mundo em que
não há limites, no sentido de 'isto é o que eu
faço; mas isto não faço porque não faz parte da
minha função', onde cada descrição de
funções é infinitamente elástica e nunca chega a
altura em que um trabalhador se pode recostar na sua cadeira e pensar
'Finalmente, acabou o treino. Tenho uma ocupação reconhecida.
Agora posso descontrair-me e dedicar-me ao meu trabalho'. Mas há provas
evidentes de que acabamos de entrar numa fase de capitalismo global onde, tal
como a necessidade de literacia no século XIX, há hoje uma
necessidade universal de novas atitudes e capacidades genéricas. E, tal
como no século XIX, as organizações estatais apressam-se a
ajudar os empregadores a obtê-las. Só que, desta vez, não
é dentro das fronteiras nacionais ou dos impérios rivais, mas a
uma escala global.
Nunca é fácil separar a necessidade da expansão do
capitalismo no sentido de encontrar novos mercados, da sua necessidade de
descobrir novas fontes de mão-de-obra. Com efeito, as duas estão
intimamente interligadas. No entanto é difícil negar que as
actuais políticas educacionais de organizações
supra-nacionais, como o Banco Mundial ou a União Europeia, assim como as
das nações individuais que recebem a sua ajuda, têm, embora
sem ser esse o seu objectivo explícito, o efeito de criar um
exército de reserva global de 'trabalhadores cultos'. Neste processo,
aqueles que anteriormente tinham um acesso mais ou menos exclusivo a esses
conhecimentos vêem destruídas quaisquer vantagens que tivessem no
mercado.
A nível nacional, estas tentativas assumem formas diferentes em
diferentes países desenvolvidos. Por exemplo, na Áustria, ao
manter o modelo corporativista, o governo instituiu o
arbeitsstiftungen
, fundamento do trabalho, que proporciona formação a gente
desempregada, em estreita cooperação com os empregadores locais.
Num estudo de Hans Georg Zilian, no distrito de Leoben, concluiu-se que 38 por
cento dos formandos acabavam com a sua triste sorte de desempregados voltando
para os seus antigos empregadores. Zilian chegou à conclusão de
que este procedimento funciona como um tanque de reserva para os empregadores,
em que os trabalhadores podem ser treinados à custa dos contribuintes
até serem precisos de novo.
[8]
Voltando ao nosso diagrama, esta actividade pode ser encarada como situando-se
junto ao canto D, com o estado colaborando com os empregadores para, em
conjunto, regularem a entrada para o que se pode considerar um mercado de
trabalho interno, embora bastante desgastado. Em economias menos
regulamentadas, a formação provavelmente será levada a
efeito à custa e por iniciativa do indivíduo, e pode ser
conceptualizada colocando-se do lado esquerdo do diagrama, entre os
trabalhadores ocasionais que formam o eixo A-C. Nalguns casos, o
subsídio do estado ao empregador pode ser menos directo do que um
simples pagamento para formação. Independentemente do papel
concreto do estado, há em geral cada vez mais ênfase nos
anúncios de empregos e dos cursos de formação quanto
à necessidade de 'qualificações electrónicas' e
'literacia digital'. Em toda a União Europeia, a Carta Europeia de
Condução em Informática (European Computer Driving License
- ECDL) certifica que o seu possuidor adquiriu qualificações
básicas de computador.
A nível internacional, o apoio à educação a
países em desenvolvimento é cada vez mais explicitamente
relacionada com o desenvolvimento duma 'economia baseada no conhecimento'. O
Banco Mundial, por exemplo, liga intimamente a sua ajuda ao que chama o K4D
'conhecimento para o desenvolvimento', em programas que ligam a reforma
educativa com o alargamento das redes de comunicação,
encorajando o espírito de iniciativa e 'um sistema de
inovação eficaz das empresas, centros de
investigação, universidades (e) consultores'.
[9]
Os programas de ajuda da União Europeia têm objectivos
semelhantes: por exemplo, a declaração da política da UE
de 2001,
Estreitando a Cooperação com os Terceiros Países
[10]
afirma que o objectivo da sua política educativa é 'melhorar a
gestão dos recursos humanos e fazer da UE um actor poderoso na
educação, formação e investigação
numa economia mundial competitiva'.
[11]
Estes programas frequentemente exigem um desmantelamento dos sistemas de
qualificação nacionais e estão ligados a cursos e
currículos internacionais, incluindo a obrigatoriedade de cursos dados
por universidades e colégios dos países financiadores, o ensino
obrigatório do inglês nas escolas primárias e, por vezes,
duma segunda língua europeia nas escolas secundárias, assim como
o já familiar ênfase nas 'qualificações
electrónicas', 'literacia digital', 'empregabilidade' e 'espírito
de iniciativa'. As companhias multinacionais também são activas
em estabelecer padrões de qualificações globais, por
exemplo, proporcionando cursos de certificação na
utilização de software próprio, como a Microsoft ou a SAP,
ou oferecendo equipamento informático ou de
telecomunicações a escolas e colégios para familiarizar os
estudantes com os seus produtos.
Na UE, sob uma série de 'Planos de Acção e-Europa', foram
instituídas diversas metas para atingir níveis gerais de alcance
da ciência de computadores, juntamente com outros indicadores da
'sociedade do conhecimento', tais como níveis de acesso à
Internet e de utilização de e-comércio, para os dez novos
estados membros que aderiram à UE em 2005, assim como para a
Roménia, Bulgária e Turquia, que ainda estão à
espera de entrar. Os novos estados membros na Europa central e de leste, que
incluem a Hungria, a República Checa, a Polónia, a
Eslovénia, a Eslováquia, a Lituânia, a Letónia e a
Estónia, já estão a assumir o papel de escritório
barato para o resto da UE.
[12]
Os 'terceiros países' referidos neste documento de política
constituem um anel exterior de países para além daqueles:
Albânia, Bósnia e Herzegovina, Croácia, República
Federal da Jugoslávia, a antiga república jugoslava da
Macedónia, Arménia, Azerbeijão, Bielorússia,
Geórgia, Casaquistão, Quirquizistão, Moldova,
Federação Russa, Tajiquistão, Turquemenistão,
Ucrânia, Uzbequistão, Mongólia, Argélia, Egipto,
Israel, Jordânia, Líbano, Marrocos, Síria, Tunísia e
Palestina.
À medida que estes programas se desenvolvem, as populações
destes países podem ser equiparadas progressivamente com as dos destinos
de
'offshoring'
tradicionais, como a Índia, as Filipinas ou Barbados para o mundo de
língua inglesa, a Tunísia, Marrocos ou a Martinica para os que
falam francês, ou a República Dominicana, o México ou a
Colômbia para os de língua espanhola, na corrida global para a
degradação dos trabalhadores da informação. Com
infra-estruturas de telecomunicações de alta capacidade
instaladas localmente e trabalhadores que falam as línguas globais e
estão aptos a utilizar os pacotes de software global cada vez mais
estandardizados, será possível ir mudando o trabalho
continuamente de trabalhador para trabalhador, de local para local, no processo
que cada vez é mais conhecido por 'contratação global'
uma complicada mistura e combinação de tarefas duma
série de localidades diferentes em configurações
específicas para satisfazer um determinado cliente de negócios.
Os trabalhadores das economias desenvolvidas afirmam muitas vezes que o
objectivo de deslocalizar o trabalho é eliminar internamente os postos
de trabalho. Mas isso é falhar o alvo. O objectivo de um exército
de reserva não é eliminar todo o trabalho, mas agir como uma
força disciplinar. O número real de postos de trabalho que
são deslocalizados é pequeno comparado com a
'agitação' normal nos mercados de trabalho nacionais. Os
empregadores continuam a precisar de trabalhadores qualificados no
território nacional, perto dos locais dos seus clientes, e muitos deles
têm relutância em deslocalizar o seu trabalho mais sensível
de pesquisa e desenvolvimento. E, de qualquer modo, muitos dos sectores em que
se verifica a deslocalização de trabalho, tal como os centros de
atendimento, ainda estão em expansão. As empresas, evidentemente,
também precisam de um mercado interno para os seus artigos, uma coisa
que deixaria de haver se houvesse desemprego em massa. O mercado americano
continua a ser muitas vezes maior do que, por exemplo, o da China ou o da
Índia.
Embora não negando a pobreza real provocada pelo desemprego que na
verdade se vai instalando, é no entanto importante recordar que o efeito
mais poderoso da deslocalização do trabalho não é
eliminar postos de trabalho nos Estados Unidos ou na Europa, mas sim
embaratecê-los. Se os trabalhadores souberem que as
qualificações que têm são iguais às de
centenas de milhares doutras pessoas em todo o mundo, será muito
difícil organizarem-se com base nas suas identidades ocupacionais
exclusivas. E se tiverem em conta que é perfeitamente possível,
tecnologicamente falando, deslocalizar os seus postos de trabalho, então
isso cria um desincentivo poderoso para pedir melhorias de salário e de
condições de trabalho ou para recusar aceitar tarefas extra.
Só a possibilidade de que o posto de trabalho
possa
ser deslocalizado é o suficiente para destruir a segurança e o
poder de negociação dos trabalhadores. Embora os empregadores
continuem a precisar de criatividade e conhecimento e, frequentemente, de
qualificações altamente especializadas, estas estão cada
vez menos identificadas com identidades ocupacionais fixas e estáveis.
Com a destruição destas identidades, estaremos a assistir
à morte final do acordo de salários altos, e alto consumo do
pós-guerra, e ao fim da segurança de emprego? Ou estamos apenas a
viver mais uma reviravolta no desenvolvimento do capitalismo? Assistiremos ao
colapso do trabalho organizado para o proteccionismo e o racismo, ou o engenho
e a capacidade dos trabalhadores para se adaptarem e reagirem a novos desafios
levará ao desenvolvimento de novas formas de organização
através das fronteiras nacionais? E, quando no futuro as pessoas nos
perguntarem 'O que é que o senhor faz?', o que é que
responderemos?
Notas
[1]
http://www.hindubooks,org/sudheer_birodkar/hindu_history/castejati-varna.html
, May 27, 2005.
[2] Gosta Esping-Anderson,
The Three Worlds of Welfare Capitalism
(Cambridge: Polity Press, 1990)
[3] Estou em dívida com Markus Promberger (correspondência por
e-mail, 31 de Maio de 2005) por assinalar a importância histórica
das elites ocupacionalmente definidas no movimento sindical alemão.
[4] Para melhor explicação sobre o processo de
mercantilização
(commodification)
ver Ursula Huws,
The Making of a Cybertariat: Virtual Work in a Real World
(New York: Monthly Review Press, 2003)
[5] Jill Rubery & Frank Wilkinson,
Labour Market Structure, Industrial Organisation and Low Pay
(Cambridge: Cambridge University Press, 1982)
[6] David Coates, Models of Capitalism: Growth and Stagnation in the Modern Era
(Cambridge: Polity Press, 2000)
[7] Adaptado de Rosemary Crompton & Kay Sanderson,
Gendered Jobs and Social Change
(Lobdon: Unwin Hyman, 1990)
[8] Hans George Zilian, 'Welfare and employment flexibility within the new
labour market', documento apresentado em Labour and Welfare in Europe in the
Information Economy: Is there a danger of digital divide? Workshop, LAW
Project, March 1, 2005, Brussels.
[9]
http://info.worldbank.org/etools/kam2005/index.htm
[10] Estou em dívida com Yigit Kargin por me ter chamado a
atenção para isto.
[11]
http://europa.eu.int/scadplus/leg/en/cha/c11053.htm
[12] Ursula Huws, Jörg Flecker, & Simone Dahlmann,
Outsourcing of ICT and Related Services in the EU,
European Monitoring Centre for Change, European Foundation for the Improvement
of Living and Working Conditions, Dublin, December, 2004.
[*]
Ursula Huws é professora de estudos do trabalho internacional no
Working Lives Research Institute, na Universidade Metropolitana de Londres, e
é directora da Analytica, consultoria de investigação.
É autora de
The Making of a Cybertariat: Virtual Work in a Real World
(Monthly Review Press, 2003).
O original encontra-se na
Monthly Review
, vol. 57, nº 8, Janeiro/2006.
Tradução de Margarida Ferreira.
Este artigo encontra-se em
http://resistir.info/
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