O que faremos nós?

A destruição da identidade ocupacional na 'Economia baseada no conhecimento'

por Ursula Huws

Confrontados com a dificuldade de 'situar' um estranho, a primeira coisa que costumamos fazer é perguntar, 'o que é que o senhor faz?'. À excepção talvez de algumas tribos de caçadores-recolectores, a ocupação de uma pessoa é uma das mais importantes etiquetas de identificação social. Isso reflecte-se nos nomes de família de muitas culturas europeias. Por exemplo, os antepassados dos Schmidt, Smith, Herrero ou Lefebvre, eram ferreiros. Os Wainwrights e Wagners descendem de fabricantes de carroças, e da mesma forma os Mullers (moleiros), Boulangers (padeiros), Guerreros (soldados), e todos os milhares de Potters (oleiros), Butchers (açougueiros), Carters (carroceiros), Coopers (tanoeiros), Carpenters (carpinteiros), Fishers (pescadores), Shepherds (pastores) e Cooks (cozinheiros), cujos nomes se encontram em todas as listas telefónicas norte-americanas.

Este fenómeno não é exclusivo das culturas de origem europeia. No sul da Ásia, a divisão do trabalho evoluiu até ficar tão entranhada nas outras estruturas sociais que já se nascia com uma identidade ocupacional. Nas palavras de Sudheer Birodkar, 'a especialização ocupacional era a essência da sub-divisão das duas Varnas (castas) mais baixas dos Vaishyas e Shudras nos diversos Jatis (sub-castas ocupacionais)... Infringir as regras de castas da profissão podia levar à expulsão; por isso um Chamar (sapateiro) tinha que ser Sapateiro toda a vida. Se tentasse ser Kumar (oleiro) ou Darji (alfaiate), corria o perigo de ser expulso da casta Chamar e, claro, de acordo com as regras de castas, não seria admitido em mais nenhuma casta apesar de ter conhecimentos de outra profissão qualquer'. [1]

Estas identidades ocupacionais individuais baseadas na profissão começaram a desaparecer sob o impacto da automação e da introdução do sistema fabril. Segundo a teoria marxista, a tendência geral para reduzir os trabalhadores a uma massa indiferenciada, que possa ser substituída facilmente – uma classe trabalhadora ou proletariado – é inerente às relações capitalistas de produção. Há uma relação directa entre o grau de aptidões exigidas para desempenhar uma dada tarefa, e a escassez dessa aptidão, com a capacidade dos trabalhadores que as possuem para negociar salários mais altos e condições de trabalho decentes com os seus empregadores (ou, no caso dos trabalhadores por conta própria, com os seus clientes). É portanto de interesse para o capital ter uma classe de trabalhadores cujas aptidões sejam genéricas e, tanto quanto possível, substituíveis. Os trabalhadores que têm apenas aptidões genéricas são mais baratos de contratar e podem ser dispensados se arranjarem problemas porque é fácil encontrar substitutos.

Para os socialistas, a identidade ocupacional (construída, como é habitual, em torno de aptidões, conhecimentos ou experiência especiais próprias) constitui assim um quebra-cabeças. Por um lado, forma um bloco básico da construção organizacional; por outro lado, é uma barreira para o desenvolvimento duma maior consciência de classe. Tradicionalmente, a maioria (embora nem todas) das organizações de trabalhadores desenvolveram-se a partir de identidades ocupacionais específicas, em grupos que ao mesmo tempo são inclusivos, no sentido de que se apoiam, para a sua eficácia, em sólidas fronteiras e restrições para se entrar nesse grupo.

Podem detectar-se alguns dos mecanismos para limitar a entrada, tais como os aprendizados, em formas pré-capitalistas de organização, tais como as guildas, cujos membros eram frequentemente obrigados a fazer juramento de preservar os segredos do comércio em elaborados rituais de iniciação e a envolver-se noutras práticas que consolidavam os laços entre os seus membros mas excluíam os estranhos. Muitos dos grupos com base em ocupações mais recentes apresentam ainda frequentemente uma forte homogeneidade social na sua irmandade, com um carácter sexista e étnico em relação a quem é admitido e a quem é excluído. Isto dá-lhes um carácter divisionista em relação ao povo trabalhador enquanto classe mais lata.

No entanto, dada a sua forte organização e capacidade de resistir às pressões dos empregadores, estes grupos podem desempenhar um papel activo para conseguir salários mais altos ou melhoria de condições para alguns segmentos da força de trabalho ou, de forma mais geral, podem liderar campanhas para legislação protectora ou disposições sociais que beneficiam a população em geral. Foi o que aconteceu em países como a Alemanha, onde os partidos políticos sociais-democratas assumiram a liderança no desenvolvimento da contratação colectiva baseada em sectores, em vez de baseada em ocupações.

Embora os estados providência (welfare states), que se desenvolveram durante o período pós Segunda Guerra Mundial nos países de capitalismo avançado, assumissem formas diversas, todos eles sem dúvida devem muitas das suas realizações aos esforços das organizações de trabalhadores que foram suficientemente fortes para obrigar os empregadores a partilhar parte dos ganhos de produtividade da produção em massa. Em consequência, os empregadores e os estados acordaram um compromisso em que moderavam o seu antagonismo para com as organizações de trabalhadores e a força de trabalho permitia aos empregadores gerir os postos de trabalho sem a ameaça constante de interrupção. [2] As organizações de trabalhadores eram muito diferentes de país para país; eram explicitamente de base ocupacional, como nos sindicatos de base profissional predominantes no Reino Unido, ou baseados em sindicatos mais gerais dirigidos por elites profissionais com fortes identidades ocupacionais. [3] De notar, porém, que este mesmo período foi caracterizado também por mercados de trabalho que eram fortemente segmentados por sexo e etnia, assim como apresentavam fracturas em muitas outras vertentes.

A especialização não tem um carácter de duas faces apenas no que respeita ao trabalho, tem também um significado igualmente ambíguo para o capital. O processo de inovação que forma o necessário motor de mudança para o desenvolvimento capitalista é profundamente contraditório na sua necessidade de especializações. Antes de uma tarefa poder ser automatizada, é necessário confiar na aptidão e na experiência de alguém que saiba exactamente como executar essa tarefa para dissecar cada passo do procedimento e conceber como é que ela pode ser normalizada e como é que uma máquina pode ser programada para repetir todos esses passos. Depois de expropriados o conhecimento e a experiência (ou 'arte') desses trabalhadores, eles podem ser dispensados e substituídos por trabalhadores menos aptos e mais baratos, para trabalharem com as novas máquinas.

Mas a necessidade de especializações não termina aqui. O conhecimento humano, o engenho e a criatividade são absolutamente essenciais para inventar e desenhar novos produtos e procedimentos, personalizá-los para novos fins, comunicar e criar a necessidade de uma grande gama de produtos e serviços que mantenham as rodas do capitalismo a funcionar, e para cuidar, educar, informar, distrair e entreter a população. Algumas destas funções estão elas próprias sujeitas a procedimentos pelos quais o conhecimento dos trabalhadores é expropriado e incorporado em programas de computador ou bases de dados, a fim de que as tarefas possam ser executadas por menos trabalhadores ou por trabalhadores menos especializados. Aqui, por exemplo, podíamos incluir o conhecimento dos especialistas que trabalham em postos de atendimento de apoio técnico, que são encorajados a pôr as respostas às perguntas mais frequentes em bases de dados as quais podem ser consultadas por pessoal menos graduado, ou o conhecimento dos professores universitários que são convidados a converter as suas aulas em conteúdos para cursos de 'aprendizagem eletrónica'. Mas quando uma tarefa passa a estar rotinada e sem necessidade de especializações, exige-se uma nova legião de 'trabalhadores especializados', para esta nova fase do processo de manufactura. [4]

Assim, está fora de questão a discussão sobre se o desenvolvimento de um capitalismo, ainda mais complexo tecnologicamente, resulta numa indiferenciação ou numa especialização. A natureza da inovação é tal que ambos os processos acontecem simultaneamente: cada desenvolvimento novo na divisão tecnológica do trabalho exige uma nova separação entre 'cabeça' e 'mãos'. Para rotinar as funções dum grupo de trabalhadores, é necessário outro grupo de trabalhadores, normalmente mais pequeno, com uma certa visão geral do processo. Conforme os trabalhadores resistem ou se adaptam à mudança e se organizam para proteger os seus interesses, formam-se permanentemente novas ocupações e reformam-se outras. Tal como se pode dizer que as identidades ocupacionais são exclusivas e inclusivas, também se pode dizer que elas sofrem um permanente processo de construção e desconstrução. Os empregadores têm que equilibrar os seus interesses para embaratecer o valor da mão-de-obra com a necessidade de garantir que haja um fornecimento renovável de trabalhadores instruídos e criativos com ideias novas. Em certas situações, também pretendem manter o controlo da propriedade das técnicas e dos conhecimentos que lhes confere uma posição competitiva superior à das companhias rivais.

Pode argumentar-se que a teoria marxista tradicional subavalia a importância da especialização na modelação das formas em que funcionam os mercados da mão-de-obra. A realidade que evoluiu é muito mais complexa do que a imagem tradicional duma polarização da sociedade entre uma burguesia – que detém os meios de produção, controla a circulação de bens e de capital e dita o funcionamento do estado – e uma massa proletária ainda mais homogénea, cujos membros podem ser mantidos na linha por saberem que qualquer trabalhador demasiado exigente pode ser substituído por outro qualquer do 'exército de reserva' dos desempregados que podem fazer o mesmo trabalho de forma mais barata ou mais submissa. Pelo contrário, a evolução da divisão do trabalho cada vez mais complexa tecnologicamente, criou a procura, em constante mudança, duma série de especializações extremamente diversas, muitas das quais são específicas de determinadas fases do desenvolvimento industrial, de sectores particulares, de procedimentos de propriedade, de produtos, ou mesmo de empresas específicas.

No entanto, apesar desta multiplicação de tarefas numa divisão do trabalho que cada vez está mais disperso contratual e geograficamente, o conceito de exército de reserva ainda é relevante para nos ajudar a perceber muitos dos recentes desenvolvimentos dos mercados de mão-de-obra, nesta época em que o compromisso trabalho-empregador-estado (por vezes descrito como 'contrato Ford') entrou em queda ou se encontra em grande conflito. Mas para dissecar melhor este entendimento, precisamos duma ideia mais diferenciada sobre o papel desempenhado pelas identidades e especializações ocupacionais no funcionamento dos mercados de trabalho. Também precisamos de olhar mais de perto para o papel desempenhado pelo estado no fornecimento de aptidões genéricas à força de trabalho necessária para preencher nichos numa economia cada vez mais complexa e turbulenta e o papel que estas aptidões desempenham na erosão das fronteiras ocupacionais e no enfraquecimento do poder da força de trabalho organizada.

Um ponto de partida para esta análise é o conceito do próprio mercado de trabalho. Há, evidentemente, muitos aspectos em que é questionável o próprio conceito de um mercado para a força de trabalho. Há uma enorme assimetria entre as características do trabalho e as do capital que fazem com que o mercado para o trabalho seja muito diferente do comércio de bens e serviços. O corpo humano, a unidade básica que é oferecida num mercado de força de trabalho, tem limites finitos quanto à sua força, resistência e agilidade, assim como quanto ao número de horas que consegue funcionar, limites que são diferentes na sua essência dos recursos capital e matérias-primas que as empresas empregadoras podem esticar até ao limite. A força de trabalho não é fisicamente móvel da forma que o é o capital e, nesta era de mercado livre em que o capital atravessa livremente as fronteiras nacionais, a força de trabalho está fortemente constrangida quanto à sua possibilidade de aproveitar as oportunidades noutros países. É por vezes mais fácil o nosso corpo atravessar uma fronteira nacional depois de morto, do que uma pessoa viva entrar num país legalmente à procura de trabalho.

Os mercados de trabalho também são distorcidos por muitos outros factores, como os monopólios e os monopsónios (um único comprador de força de trabalho), os cartéis, diversas formas de aliança entre negócios ou força de trabalho, a intervenção estatal, e outros constrangimentos sobre a disponibilidade de tempo ou mobilidade (tal como a necessidade de levar a cabo trabalho reprodutivo não pago) que reforçam divisões sexistas e racistas na mão de obra mundial. Um mercado em que certos trabalhos estão reservados só para os homens, ou só para os brancos, ou só para pessoas duma determinada religião, não pode ser classificado de forma alguma como um mercado 'livre'. No entanto, o mais importante factor, quanto ao impedimento do acesso ao trabalho e à competição 'pura' no mercado, pode ser a necessidade do empregador de trabalhadores com aptidões específicas, numa divisão técnica – e cada vez mais global – do trabalho.

Uma das tentativas mais importantes para teorizar de novo os mercados de trabalho foi o livro revolucionário de Peter Doeringer e Michael Piore, Internal Labor Markets and Manpower Analysis (Lexington Books, 1971), no qual se desenvolve a ideia de mercados de trabalho duais. Neste modelo, o tipo de trabalho divide-se, grosso modo, em duas categorias: a dos mercados de trabalho 'primário' ou 'interno' e a dos mercados de trabalho 'secundário' ou 'externo'. Os mercados de trabalho interno, argumentam, estão separados das forças do mercado externo por sistemas de regras internas. Os empregadores que necessitam de qualificações especiais, viradas para as suas próprias práticas de trabalho específicas, estão preparados para oferecer incentivos a fim de manterem trabalhadores leais, incentivos esses que incluem salários mais altos, pensões, férias, e uma gama de outros benefícios marginais. Os mercados internos, prosseguem, são tipicamente estruturados de forma sólida e hierarquizados, com carreiras internas, apoiando-se fortemente em conhecimentos firmes e específicos. Nestes mercados internos, os empregadores estão preparados para investir substancialmente na formação no interior da empresa, a fim de atingir altos níveis de produtividade. Por outras palavras, os níveis dos salários e as condições são diferentes dos de um 'puro' mercado externo. Entrar neste mercado de trabalho interno não é fácil, mas uma vez lá dentro, os trabalhadores gozam duma série de benefícios. Nos mercados de trabalho secundários ou externos, o contrato tácito entre o capital e o trabalho é muito diferente: os empregadores não tomam um compromisso a longo prazo com a força de trabalho, mas estão preparados para aceitar níveis mais baixos de empenhamento e de produtividade dos trabalhadores que tem a liberdade de poder dispensar quando quiser. Os trabalhadores típicos nos mercados de trabalho interno no final dos anos 60, quando Doeringer e Piore escreveram o seu livro, seriam os funcionários públicos, ou os empregados de grandes companhias como a IBM ou a General Motors; os trabalhadores típicos dos mercados de trabalho externo seriam os porteiros ou empregados de mesa, ou gente por conta própria que punha as suas qualificações ao dispor duma série de clientes diversos.

Cedo se tornou evidente que este modelo dual era simples demais para explicar a complexidade dos diferenciais de salários no conjunto de economias diversas. As teorias de Doeringer e Piore foram elaboradas por outros analistas, que desenvolveram modelos de mercados de trabalho múltiplos ou segmentados. [6] O conceito de mercados segmentados de trabalho reconhece que pode haver muitos mercados de trabalho diferentes, nos quais os salários e as condições são modelados por uma interacção de factores que incluem os sistemas de educação nacional, as estruturas industriais, as tradições culturais, a legislação de protecção ao trabalho e as formas de organização dos trabalhadores.

Retrospectivamente, podemos ver que os mercados de trabalho interno descritos por Doeringer e Piore e seus seguidores não eram características absolutas e imutáveis da paisagem económica. Pelo contrário, podemos considerá-los como específicos duma certa fase do capitalismo, nomeadamente, do compromisso do período pós-guerra. Embora se anuncie muitas vezes o fim deste período, não podemos ter a certeza de que alguns dos seus elementos não continuem a ser úteis ou mesmo necessários para o capitalismo no futuro. No entanto, é razoável concluir que já passou a sua época. Para compreender como e porque é que ele chegou ao fim, talvez seja útil analisar com mais pormenor como é que ele funcionava na sua época dourada.

Primeiro, é preciso realçar que o acordo especial consentido pelo capital com os seus trabalhadores do 'núcleo' essencial no interior das grandes organizações, só funcionou precisamente porque não abrangia todos os trabalhadores. Embora tenha havido momentos históricos em que as aristocracias trabalhadoras utilizaram o seu poder para conquistar maiores ganhos para porções muito mais alargadas da classe trabalhadora, os felizardos que estavam no seu interior tinham consciência da sua situação de privilégio e, no seu conjunto, mantinham-se na linha sabendo que a vida lá fora no mercado de trabalho secundário seria muito difícil. Os padrões de inclusão e exclusão também eram reforçados frequentemente pelas diferenças de etnia e de sexo. Em segundo lugar, é importante recordar que o modelo pós-guerra não foi universal, mas tomou formas diferentes em diversos países, formas essas modeladas pelas suas estruturas industriais próprias e pela sua história, incluindo as formas específicas como evoluíram as organizações dos trabalhadores. Na Alemanha, por exemplo, um forte movimento social-democrata empurrou para acordos colectivos a nível de sector, o que significava que o 'acordo interno' era alargado a todos os trabalhadores de um determinado sector, em vez de apenas a determinados grupos ocupacionais (como era o caso quando os sindicatos baseados na profissão tinham força, por exemplo, na Grã-Bretanha) ou a certas empresas (como era o caso quando predominava a negociação a nível da empresa). David Coates proporciona-nos uma análise extensiva das implicações à escala económica de tais diferenças, que produziram tipos distintos de sistemas sociais, padrões de investimento, graus e tipos de intervenção governamental, e sistemas de formação e qualificação que por sua vez se reflectem nas formas com que são definidas as ocupações. Diversos tipos de 'acordo interno' são também complementados com tipos específicos de 'acordo exterior', e isto por sua vez significa que o colapso do compromisso pós-guerra toma uma forma própria em cada país.

Com o objectivo de representar num modelo algumas destas diferenças, utilizei um diagrama adaptado de Rosemary Crompton, para integrar a teoria do mercado de trabalho dual com a teoria do género e da classe. [7] Considerei que este diagrama seria útil para analisar as diferenças entre mercados de trabalho em diferentes países e, em especial, para examinar como eles mudam em épocas de rápida mudança estrutural e tecnológica, tal como aquela em que vivemos neste momento. Este diagrama considera os mercados de trabalho interno e externo em dois extremos, aqui mostrados à direita e à esquerda do diagrama (permitindo a possibilidade de existirem outros tipos intermédios de segmentos de mercado de trabalho colocados algures entre esses extremos).

Acrescenta então outra dimensão, a das qualificações, em cima e em baixo no diagrama. Em princípio devia ser possível arranjar algum tipo de trabalho pago algures em relação a estes dois eixos. Por exemplo, um executivo bem pago duma grande empresa ou um funcionário público superior deveria estar algures perto do canto direito superior, assinalado por B. Mas um contabilista por conta própria, bem pago, que trabalhe para diversos clientes, embora se mantenha perto do topo quanto ao nível de qualificações, estaria no canto esquerdo A. Em baixo, do lado direito, junto ao canto D, estaria um recém-recrutado ou um aprendiz no princípio da escada ocupacional numa grande instituição estável (por ex., um classificador de correspondência com formação). Em baixo, à esquerda, junto do canto C, estaria um apanhador de fruta sazonal ou um vendedor de hamburgers temporário. Obviamente, há muitas posições intermediárias, quanto às qualificações.

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Num país como a Alemanha, com a sua política corporativista, mercados de trabalho internos historicamente fortes, um considerável investimento dos empregadores em formação e demarcações ocupacionais muito bem definidas, e um sistema de segurança social estreitamente ligado aos planos dos empregadores, será de esperar que uma grande percentagem da população esteja agrupada do lado direito deste diagrama. Uma trajectória de carreira típica será começar no canto D e abrir caminho em direcção ao canto B, aproveitando os cursos de formação proporcionados pelo empregador e seguindo as regras internas da companhia.

Num mercado de trabalho mais 'liberal', como o dos Estados Unidos ou do Reino Unido, o padrão característico colocará uma percentagem muito maior da população trabalhadora do lado esquerdo do diagrama – trabalhando acidentalmente como indivíduos por conta própria, ou trabalhadores temporários ou em tempo parcial, com pouca segurança de trabalho a longo prazo, e poucas possibilidades de promoção dentro da firma ou de formação para além da exigida pelas necessidades imediatas da função. Tipicamente, as qualificações que os trabalhadores têm, para além do certificado de escolaridade obrigatória, foram adquiridas à sua custa ou à custa dos seus pais. Estes mercados de trabalho exibem certamente uma maior polarização, com diferenças fundamentais nos padrões de vida, entre uma grande massa indiferenciada de trabalhadores precários junto do canto C e os poucos privilegiados junto de A ou B, e uma enorme variação no meio.

Estes não são, obviamente, os únicos dois modelos possíveis. Podemos imaginar que os países escandinavos com os seus fortes sistemas de segurança social mais ligados a um estatuto de cidadania do que ao emprego e com um maior empenhamento na educação e na formação públicas, tenham populações trabalhadoras com qualificações altas, muito mais agrupadas a meio da parte superior do diagrama, com pouca gente quer no canto C quer no D. Em contrapartida, há muitos países desenvolvidos que provavelmente têm um sector formal muito pequeno, o que significa que a grande massa da população está mais para o lado esquerdo do diagrama, em A ou C.

Apesar das regras de igualdade em todos estes tipos de mercado de trabalho, na prática as oportunidades não estão ao alcance de toda a população de igual forma. Os homens residentes de longa data (e brancos) dominam geralmente o quadrante B do diagrama, e os imigrantes, os negros e as mulheres encontram-se mais provavelmente em baixo, no quadrante C.

Este diagrama não é apenas útil como forma de comparar os mercados de trabalho estático. Também ajuda a compreender as diferentes formas dinâmicas com que a restruturação organizacional afecta os trabalhadores em diferentes contextos nacionais. Os incentivos dos empregadores para reduzir o custo da mão de obra podem ser os mesmos qualquer que seja a sua base mas, num mercado de trabalho 'corporativista', onde os empregados estão protegidos por fortes acordos sindicais, as fronteiras do mercado de trabalho interno estão firmemente definidas: ou se está dentro ou se está fora. Tal como a forma mais habitual de estar dentro são os procedimentos formais de admissão, também a forma de estar fora é provavelmente um processo formalizado de redundância. Os trabalhadores que estão dentro do mercado de trabalho interno têm muito a perder, visto que a maior parte dos seus benefícios sociais está ligada ao seu estatuto de emprego, e portanto resistem ferozmente à expulsão e aceitam mais facilmente uma restruturação radical do seu trabalho (por ex., aceitando a redução das demarcações tradicionais da sua função, a chamada 'polivalência'), do que sujeitarem-se a deixarem de estar lá dentro. Quando desempregados, torna-se difícil arranjar outro emprego, em parte porque as suas qualificações podem ser muito específicas da indústria ou específicas do empregador e em parte porque os empregadores têm relutância em criar novos lugares para pessoas com quem terão de fazer um contrato a longo prazo. A saída dum trabalho certo e bem pago pode seguir portanto a direcção da seta designada por 'desemprego' no diagrama.

Num mercado de trabalho menos regulamentado, como o dos Estados Unidos ou do Reino Unido, os mercados de trabalho interno estão muito menos bem protegidos, e os benefícios por estar dentro deles são relativamente muito menores. Aqui, os empregadores estão muito mais dispostos a reagir a circunstâncias em mudança, oferecendo trabalho ocasional. Cada vez se admite um maior número de trabalhadores temporários para substituir ou complementar o trabalho de empregados a tempo inteiro; o pessoal com qualificações ainda necessárias mas já de forma não regular, é encorajado a trabalhar em tempo parcial, ou por conta própria; e cada vez é maior o recurso à contratação de trabalho exterior (outsourcing). A saída do mercado de trabalho interno segue portanto mais provavelmente a direcção da seta designada por 'trabalho ocasional' no diagrama. Embora também exista desemprego nestes países (tal como existe trabalho ocasional em países como a França, Alemanha, Áustria e Bélgica), provavelmente não é absoluto nem de longa duração. Pelo contrário, assiste-se a um agravamento das condições de trabalho e a uma insegurança crescente, quando a precariedade alastra no mercado de trabalho como a ferrugem que corroía a velha maquinaria Ford.

Que importância têm estas diferenças? Os leitores da imprensa de negócios apressar-se-ão sem dúvida a apontar os artigos que atribuem a culpa dos cinco milhões de desempregados na Alemanha às políticas 'esclerosadas' ou 'rígidas' do mercado de trabalho europeu, assim como os leitores dos jornais europeus mais liberais estão familiarizados com as histórias dos trabalhadores sobrecarregados dos países 'anglo-saxónicos' que abriram mão dos seus direitos num acto colectivo de auto-exploração. Estas visões não contribuem para estimular um sentimento de unidade entre os trabalhadores. Mas os marxistas tradicionais podem argumentar que, de qualquer modo, a grande massa dos desempregados e a grande massa de trabalhadores ocasionais têm mais ou menos a mesma função: são o exército de reserva cuja existência actua como um travão sobre os movimentos dos trabalhadores que pretendem melhorar o pagamento e as condições em segmentos mais organizados do mercado de trabalho.

Só que há um problema com esta abordagem. As economias modernas produzem hoje uma variedade tão grande de bens e serviços, englobando uma gama tão larga de inputs diferentes em configurações tão complexas que, para muitas tarefas (embora nem todas), o simples poder do músculo já não é suficiente. Por outras palavras, a divisão técnica do trabalho evoluiu a um ponto em que a maioria das funções exige de facto qualificações específicas e um exército de reserva não serve para nada, a não ser que as possua. No entanto, na maior parte dos casos, as especializações são diferentes das que eram exigidas na geração anterior – aquelas especializações em torno das quais evoluíram as identidades ocupacionais da segunda metade do século vinte. As funções do torneiro mecânico, do linotipista, do desenhador gráfico, do editor de filmes, do revisor de texto, do mecanógrafo, do audiotipista, do operador de quadros eléctricos, tiveram todas o mesmo destino do tecelão manual ou do escriba, ou sofreram transformações que as tornaram irreconhecíveis. A tecnologia da informação desempenhou um papel fundamental nesta transformação. A utilização de computadores não fez desaparecer as muitas diferenças que se mantêm entre diferentes procedimentos de produção, indústrias e empresas. Mas introduziu uma gama de procedimentos standard para organizar e manipular a informação que lhes é própria.

A proporção da força de trabalho que utiliza realmente um computador no decurso do seu trabalho diário varia de país para país, mas é grande e está a aumentar. E os empregadores não querem ter que negociar com um pequeno grupo elitista de trabalhadores que percebem como é que esses computadores funcionam e sabem trabalhar com eles (como alguns tiveram que fazer nos anos 60, quando a programação informática era um reduto exclusivo – e mistificado – de algumas tecnologias privilegiadas). Nem querem ter que investir fortemente para os treinar. O que eles precisam é de uma fonte abundante de trabalhadores literatos de computadores que possam ser contratados quando necessário e mandados embora quando já não são precisos, sem medo de ficar descalços sem as qualificações necessárias quando seja necessário ir buscá-los de novo. Mas como é que podem garantir essa fonte?

Há um paralelo interessante aqui com o que aconteceu no século XIX, quando a organização da indústria e das economias nacionais e imperiais começou a ficar suficientemente complexa para exigir uma força de trabalho que soubesse ler e contar. Não só foi necessário um exército de escriturários para emitir as facturas e os recibos para todas as transacções ligadas ao comércio internacional, como também aumentou a necessidade de se manterem registos do próprio trabalho, para anotar quem tinha trabalhado quantas horas e calcular o seu pagamento. Os trabalhadores manuais também precisavam de saber ler, escrever e fazer as operações aritméticas, a fim de poderem seguir as instruções, controlar as existências, etc. Se houvesse apenas algumas pessoas com estas qualificações, isso dava-lhes um poder de negociação que impossibilitaria o poder de manobra do empregador. Também era necessário, evidentemente, assegurar que os novos admitidos chegassem ao seu posto de trabalho já impregnados dos valores da pontualidade, trabalho árduo e respeito pela propriedade dos outros. As pessoas também precisavam de saber ler e contar enquanto consumidores – para poderem lidar com dinheiro numa economia que dependia cada vez mais da moeda, para lerem os sinais públicos, e para identificarem quais os artigos a comprar. Qual era a solução? Educação escolar básica universal, ensinando o 'bê-a-bá' num ambiente em que se exigia o respeito pela autoridade, se encorajava uma forte ética do trabalho, e as garotices ou faltas de pontualidade eram severamente punidas. Quando estas qualificações se tornassem universais, ninguém poderia exercer pressão sobre o mercado só pelo simples facto de as possuir.

Hoje em dia, a retórica e as qualificações são um pouco diferentes. Os empregadores querem pessoas que sejam 'literatas digitalmente', 'auto-motivadas', e 'boas jogadoras em equipa' e que possuam 'qualificações genéricas', 'empregabilidade' e 'espírito empreendedor'. Também exigem pessoas que estejam preparadas para continuar a aprender novas técnicas como a tecnologia e as mudanças de mercado, por vezes descritas como 'um compromisso de aprendizagem por toda a vida'. E precisam de pessoas que estejam familiarizadas ou dominem uma gama de pacotes específicos de software e que possam comunicar com clientes distantes num mercado global. Escusado será dizer, estas 'qualificações', 'competências', 'aptidões' e 'know-how', quaisquer que sejam as suas combinações, não contribuem em nada para identidades ocupacionais estáveis. Com efeito, pressupõem um mundo em que não há limites, no sentido de 'isto é o que eu faço; mas isto não faço porque não faz parte da minha função', onde cada descrição de funções é infinitamente elástica e nunca chega a altura em que um trabalhador se pode recostar na sua cadeira e pensar 'Finalmente, acabou o treino. Tenho uma ocupação reconhecida. Agora posso descontrair-me e dedicar-me ao meu trabalho'. Mas há provas evidentes de que acabamos de entrar numa fase de capitalismo global onde, tal como a necessidade de literacia no século XIX, há hoje uma necessidade universal de novas atitudes e capacidades genéricas. E, tal como no século XIX, as organizações estatais apressam-se a ajudar os empregadores a obtê-las. Só que, desta vez, não é dentro das fronteiras nacionais ou dos impérios rivais, mas a uma escala global.

Nunca é fácil separar a necessidade da expansão do capitalismo no sentido de encontrar novos mercados, da sua necessidade de descobrir novas fontes de mão-de-obra. Com efeito, as duas estão intimamente interligadas. No entanto é difícil negar que as actuais políticas educacionais de organizações supra-nacionais, como o Banco Mundial ou a União Europeia, assim como as das nações individuais que recebem a sua ajuda, têm, embora sem ser esse o seu objectivo explícito, o efeito de criar um exército de reserva global de 'trabalhadores cultos'. Neste processo, aqueles que anteriormente tinham um acesso mais ou menos exclusivo a esses conhecimentos vêem destruídas quaisquer vantagens que tivessem no mercado.

A nível nacional, estas tentativas assumem formas diferentes em diferentes países desenvolvidos. Por exemplo, na Áustria, ao manter o modelo corporativista, o governo instituiu o arbeitsstiftungen , fundamento do trabalho, que proporciona formação a gente desempregada, em estreita cooperação com os empregadores locais. Num estudo de Hans Georg Zilian, no distrito de Leoben, concluiu-se que 38 por cento dos formandos acabavam com a sua triste sorte de desempregados voltando para os seus antigos empregadores. Zilian chegou à conclusão de que este procedimento funciona como um tanque de reserva para os empregadores, em que os trabalhadores podem ser treinados à custa dos contribuintes até serem precisos de novo. [8] Voltando ao nosso diagrama, esta actividade pode ser encarada como situando-se junto ao canto D, com o estado colaborando com os empregadores para, em conjunto, regularem a entrada para o que se pode considerar um mercado de trabalho interno, embora bastante desgastado. Em economias menos regulamentadas, a formação provavelmente será levada a efeito à custa e por iniciativa do indivíduo, e pode ser conceptualizada colocando-se do lado esquerdo do diagrama, entre os trabalhadores ocasionais que formam o eixo A-C. Nalguns casos, o subsídio do estado ao empregador pode ser menos directo do que um simples pagamento para formação. Independentemente do papel concreto do estado, há em geral cada vez mais ênfase nos anúncios de empregos e dos cursos de formação quanto à necessidade de 'qualificações electrónicas' e 'literacia digital'. Em toda a União Europeia, a Carta Europeia de Condução em Informática (European Computer Driving License - ECDL) certifica que o seu possuidor adquiriu qualificações básicas de computador.

A nível internacional, o apoio à educação a países em desenvolvimento é cada vez mais explicitamente relacionada com o desenvolvimento duma 'economia baseada no conhecimento'. O Banco Mundial, por exemplo, liga intimamente a sua ajuda ao que chama o K4D 'conhecimento para o desenvolvimento', em programas que ligam a reforma educativa com o alargamento das redes de comunicação, encorajando o espírito de iniciativa e 'um sistema de inovação eficaz das empresas, centros de investigação, universidades (e) consultores'. [9] Os programas de ajuda da União Europeia têm objectivos semelhantes: por exemplo, a declaração da política da UE de 2001, Estreitando a Cooperação com os Terceiros Países [10] afirma que o objectivo da sua política educativa é 'melhorar a gestão dos recursos humanos e fazer da UE um actor poderoso na educação, formação e investigação numa economia mundial competitiva'. [11]

Estes programas frequentemente exigem um desmantelamento dos sistemas de qualificação nacionais e estão ligados a cursos e currículos internacionais, incluindo a obrigatoriedade de cursos dados por universidades e colégios dos países financiadores, o ensino obrigatório do inglês nas escolas primárias e, por vezes, duma segunda língua europeia nas escolas secundárias, assim como o já familiar ênfase nas 'qualificações electrónicas', 'literacia digital', 'empregabilidade' e 'espírito de iniciativa'. As companhias multinacionais também são activas em estabelecer padrões de qualificações globais, por exemplo, proporcionando cursos de certificação na utilização de software próprio, como a Microsoft ou a SAP, ou oferecendo equipamento informático ou de telecomunicações a escolas e colégios para familiarizar os estudantes com os seus produtos.

Na UE, sob uma série de 'Planos de Acção e-Europa', foram instituídas diversas metas para atingir níveis gerais de alcance da ciência de computadores, juntamente com outros indicadores da 'sociedade do conhecimento', tais como níveis de acesso à Internet e de utilização de e-comércio, para os dez novos estados membros que aderiram à UE em 2005, assim como para a Roménia, Bulgária e Turquia, que ainda estão à espera de entrar. Os novos estados membros na Europa central e de leste, que incluem a Hungria, a República Checa, a Polónia, a Eslovénia, a Eslováquia, a Lituânia, a Letónia e a Estónia, já estão a assumir o papel de escritório barato para o resto da UE. [12] Os 'terceiros países' referidos neste documento de política constituem um anel exterior de países para além daqueles: Albânia, Bósnia e Herzegovina, Croácia, República Federal da Jugoslávia, a antiga república jugoslava da Macedónia, Arménia, Azerbeijão, Bielorússia, Geórgia, Casaquistão, Quirquizistão, Moldova, Federação Russa, Tajiquistão, Turquemenistão, Ucrânia, Uzbequistão, Mongólia, Argélia, Egipto, Israel, Jordânia, Líbano, Marrocos, Síria, Tunísia e Palestina.

À medida que estes programas se desenvolvem, as populações destes países podem ser equiparadas progressivamente com as dos destinos de 'offshoring' tradicionais, como a Índia, as Filipinas ou Barbados para o mundo de língua inglesa, a Tunísia, Marrocos ou a Martinica para os que falam francês, ou a República Dominicana, o México ou a Colômbia para os de língua espanhola, na corrida global para a degradação dos trabalhadores da informação. Com infra-estruturas de telecomunicações de alta capacidade instaladas localmente e trabalhadores que falam as línguas globais e estão aptos a utilizar os pacotes de software global cada vez mais estandardizados, será possível ir mudando o trabalho continuamente de trabalhador para trabalhador, de local para local, no processo que cada vez é mais conhecido por 'contratação global' – uma complicada mistura e combinação de tarefas duma série de localidades diferentes em configurações específicas para satisfazer um determinado cliente de negócios.

Os trabalhadores das economias desenvolvidas afirmam muitas vezes que o objectivo de deslocalizar o trabalho é eliminar internamente os postos de trabalho. Mas isso é falhar o alvo. O objectivo de um exército de reserva não é eliminar todo o trabalho, mas agir como uma força disciplinar. O número real de postos de trabalho que são deslocalizados é pequeno comparado com a 'agitação' normal nos mercados de trabalho nacionais. Os empregadores continuam a precisar de trabalhadores qualificados no território nacional, perto dos locais dos seus clientes, e muitos deles têm relutância em deslocalizar o seu trabalho mais sensível de pesquisa e desenvolvimento. E, de qualquer modo, muitos dos sectores em que se verifica a deslocalização de trabalho, tal como os centros de atendimento, ainda estão em expansão. As empresas, evidentemente, também precisam de um mercado interno para os seus artigos, uma coisa que deixaria de haver se houvesse desemprego em massa. O mercado americano continua a ser muitas vezes maior do que, por exemplo, o da China ou o da Índia.

Embora não negando a pobreza real provocada pelo desemprego que na verdade se vai instalando, é no entanto importante recordar que o efeito mais poderoso da deslocalização do trabalho não é eliminar postos de trabalho nos Estados Unidos ou na Europa, mas sim embaratecê-los. Se os trabalhadores souberem que as qualificações que têm são iguais às de centenas de milhares doutras pessoas em todo o mundo, será muito difícil organizarem-se com base nas suas identidades ocupacionais exclusivas. E se tiverem em conta que é perfeitamente possível, tecnologicamente falando, deslocalizar os seus postos de trabalho, então isso cria um desincentivo poderoso para pedir melhorias de salário e de condições de trabalho ou para recusar aceitar tarefas extra. Só a possibilidade de que o posto de trabalho possa ser deslocalizado é o suficiente para destruir a segurança e o poder de negociação dos trabalhadores. Embora os empregadores continuem a precisar de criatividade e conhecimento e, frequentemente, de qualificações altamente especializadas, estas estão cada vez menos identificadas com identidades ocupacionais fixas e estáveis.

Com a destruição destas identidades, estaremos a assistir à morte final do acordo de salários altos, e alto consumo do pós-guerra, e ao fim da segurança de emprego? Ou estamos apenas a viver mais uma reviravolta no desenvolvimento do capitalismo? Assistiremos ao colapso do trabalho organizado para o proteccionismo e o racismo, ou o engenho e a capacidade dos trabalhadores para se adaptarem e reagirem a novos desafios levará ao desenvolvimento de novas formas de organização através das fronteiras nacionais? E, quando no futuro as pessoas nos perguntarem 'O que é que o senhor faz?', o que é que responderemos?

Notas
[1] http://www.hindubooks,org/sudheer_birodkar/hindu_history/castejati-varna.html , May 27, 2005.
[2] Gosta Esping-Anderson, The Three Worlds of Welfare Capitalism (Cambridge: Polity Press, 1990)
[3] Estou em dívida com Markus Promberger (correspondência por e-mail, 31 de Maio de 2005) por assinalar a importância histórica das elites ocupacionalmente definidas no movimento sindical alemão.
[4] Para melhor explicação sobre o processo de mercantilização (commodification) ver Ursula Huws, The Making of a Cybertariat: Virtual Work in a Real World (New York: Monthly Review Press, 2003)
[5] Jill Rubery & Frank Wilkinson, Labour Market Structure, Industrial Organisation and Low Pay (Cambridge: Cambridge University Press, 1982)
[6] David Coates, Models of Capitalism: Growth and Stagnation in the Modern Era (Cambridge: Polity Press, 2000)
[7] Adaptado de Rosemary Crompton & Kay Sanderson, Gendered Jobs and Social Change (Lobdon: Unwin Hyman, 1990)
[8] Hans George Zilian, 'Welfare and employment flexibility within the new labour market', documento apresentado em Labour and Welfare in Europe in the Information Economy: Is there a danger of digital divide? Workshop, LAW Project, March 1, 2005, Brussels.
[9] http://info.worldbank.org/etools/kam2005/index.htm
[10] Estou em dívida com Yigit Kargin por me ter chamado a atenção para isto.
[11] http://europa.eu.int/scadplus/leg/en/cha/c11053.htm
[12] Ursula Huws, Jörg Flecker, & Simone Dahlmann, Outsourcing of ICT and Related Services in the EU, European Monitoring Centre for Change, European Foundation for the Improvement of Living and Working Conditions, Dublin, December, 2004.


[*] Ursula Huws é professora de estudos do trabalho internacional no Working Lives Research Institute, na Universidade Metropolitana de Londres, e é directora da Analytica, consultoria de investigação. É autora de The Making of a Cybertariat: Virtual Work in a Real World   (Monthly Review Press, 2003).

O original encontra-se na Monthly Review , vol. 57, nº 8, Janeiro/2006.
Tradução de Margarida Ferreira.


Este artigo encontra-se em http://resistir.info/ .
06/Fev/06