Lembrança de Paul Sweezy
por István Mésáros
A obra de Paul Sweezy fala ricamente por si mesma. Quero neste momento apenas
oferecer um instantâneo relatando os pontos principais de uma
carta que recebi de Paul há muitos anos. Pois esta carta comovente
mostra de maneira clara que sua profunda percepção das
tendências complicadas e geralmente confusas do desenvolvimento de nossa
era inseparável da preocupação e da
dedicação com que ele aplicava seu princípio orientador
geral -- a necessidade de uma transformação social viável --
à avaliação dos acontecimentos e situações
cambiantes de sua época.
Sua carta fora escrita à
mão, o que não era muito comum, em 21 de outubro de 1987,
na Iugoslávia (numa pequena aldeia próxima a
Dubróvnik, chamada Cavtat) onde se realizava a mesa redonda anual,
Socialismo no mundo, a que compareceram cerca de duzentos ou
trezentos socialistas de todas as correntes e variedades de todos os cantos do
mundo, norte, sul leste e oeste. O que se observa aqui confirma
enfaticamente... o que estamos atravessando
não
é uma crise do marxismo, mas, pelo contrário, é uma crise
do capitalismo e dos partidos que de uma forma ou de outra se opõe ao
capitalismo. Reveladoramente, pouco tempo após a carta de Paul de
Cavtat, chegaram o fim de todas as mesas redondas, de todos os cantos do mundo,
para tratar do socialismo no mundo, em resultado da crise entre
todas as linhas e variedades de socialistas autoproclamados, como
Paul percebeu claramente na reunião de 1987 em Cavat.
A carta continuava descrevendo
a natureza da grande crise histórica de nosso tempo e o desafio que
teremos que enfrentar. Eis o que ele escreveu: Não há meios
de fazer uma datação precisa de um ponto de inflexão
histórica, mas acho que não estou errado ao ver nessa crise algo
que começou com o colapso de 1929-1933. O sistema capitalista global
ganhou mais um adiamento temporário com a Segunda Guerra Mundial que
preparou o palco para o
boom
de um quarto de século sob a hegemonia americana. Mas as forças
subjacentes ainda continuavam em operação, de forma até
mesmo intensificada, e emergiram nas décadas de 1970 e 1980, à
medida que perdia a força a onda de expansão da guerra e do
pós guerra. Hoje o processo de acumulação do capital, que
é e sempre foi força motriz última do desenvolvimento
capitalista, se atolou no lamaçal profundo da estagnação
do qual só poderá ser retirado por outra orgia de violência
e destruição comparáveis à Primeira e à
Segunda guerras mundiais -- ou seja, pela Terceira Guerra Mundial. Mas a ironia
-- e ao mesmo tempo a novidade essencial -- da situação é
que a Terceira Guerra Mundial, ao cumprir sua função
catártica e rejuvenescedora do processo de acumulação do
capital, certamente traria o final da sociedade civilizada que conhecemos ao
longo de toda a história registrada. Em outras palavras, ela destruiria
o próprio capitalismo e com ele a possibilidade de uma sociedade
civilizada que o sucedesse. Isso não quer dizer que a Terceira Guerra
Mundial seja impossível, apenas que está fora dos limites do
discurso racional. O que se pode razoavelmente esperar é um futuro sem
Terceira Guerra Mundial, portanto -- e esse é o xis do problema -- um
longo futuro de aprofundamento da crise capitalista irreversível.
Naturalmente, esse grave -- mas
totalmente realista -- diagnóstico da situação não
poderia representar para Paul a menor atenuação de como enfrentar
o desafio histórico de uma magnitude nunca antes enfrentada pela
humanidade, por projetar o potencial de extermínio da espécie
humana. Nem seria viável, no que se refere a Paul Sweezy, adotar a
posição de muitos que antes se chamavam socialistas de uma linha
ou de outra e consideram que o procedimento certo deve ser a
acomodação às restrições existentes e cada
vez mais destrutivas do capital, em vez de enfrentá-las cara a cara.
Pois essa estratégia de acomodação racional
só poderia resultar na multiplicação dos perigos, trazendo
consigo nada menos que a irracionalidade absoluta e o simultâneo desastre
total no final da estrada.
Ao falar desse novo e grave
desafio e da única solução viável para ele, Paul
escreveu: Na minha opinião, esse é um problema marxista
por excelência. E acho que para ele há uma solução
marxista quintessencial: a revolução ininterrupta.
... Um aspecto infeliz da atual situação, parece-me (e é o
que me é confirmado pelo que observo aqui nessa assembléia de
socialistas por todo o globo), é que muitos poucos (se é que os
há) marxistas vêem o problema do desafio sob essa luz. A maioria
parece pensar, ou talvez aceitem sem discutir, que mais cedo ou mais tarde o
capitalismo vai sair desta crise, espontaneamente ou por meio de
políticas reformistas, como se deu em crises passadas. Sendo assim,
é difícil se não impossível, discutir como
enfrentar esse que é nosso maior desafio prático e
teórico.
Os dezessete anos que se
passaram desde que Paul escreveu essa carta confirmaram totalmente e em todos
os detalhes o seu diagnóstico, bem como a validade de sua radical
paixão socialista. Quase duas décadas não ofereceram
nenhum meio de sair desta crise de acumulação capitalista, apesar
de todas as fantasias reformistas a respeito da longa onda de
crescimento que deveria ter seguido -- como o dia segue a noite -- a
longa onda negativa. Encontramo-nos em uma crise capitalista
irreversível que se aprofunda, tendo à frente não somente
a perspectiva mais ou menos remota de mais uma orgia de violência e
destruição, mas já sentindo sua devastação
em diferentes partes do mundo. Assim falou a todos nós a poderosa
mensagem da carta de Paul.
Já sabíamos
há algum tempo que Paul estava gravemente
doente. Mas mesmo assim, quando chegou, a notícia de sua morte foi um
golpe duro que trouxe consigo grande tristeza.
Ainda assim, a tristeza deve
dar lugar a um sentimento muito diferente. Pois o exemplo de Paul nos inspira,
na verdade nos convida, a celebrar com alegria uma vida plenamente vivida: uma
vida dedicada até o fim ao serviço do nosso futuro socialista.
O original encontra-se na revista "Margem Esquerda", nº 3, da
Editora Boitempo (S. Paulo).
Tradução de Paulo Cezar Castanheira.
Este artigo encontra-se em
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