Imperialismo nu:
A busca norte-americana da hegemonia global
por John Bellamy Foster
[*]
Imperialismo nu: A busca norte-americana da hegemonia global
, de John Bellamy Foster, foi publicado pela
Monthly Review Press
em Maio de 2006. Este
trabalho consiste num conjunto de ensaios escritos entre Setembro de 2001 e
Setembro de 2005, e aborda as origens do actual imperialismo
indisfarçado, conduzido pelos Estados Unidos. Além de um
comentário corrente acerca dos desenvolvimentos verificados durante este
período, o livro apresenta uma crítica a esta nova fase do
imperialismo, e a algumas das suas interpretações mais comuns. A
MRZine
conversou recentemente com John Bellamy Foster, editor de Monthly
Review, acerca do seu livro.
P: O que quer dizer com
Imperialismo nu,
o título escolhido
para o seu livro?
R: Houve muita discussão acerca do que é chamado de "novo
imperialismo" uma frase usada para se referir à fase do
imperialismo verificado desde o 11 de Setembro. O termo
Imperialismo nu,
usado no título do meu livro, teve a intenção de captar
o que é obviamente novo na actual agressão global. O imperialismo
é inerente ao capitalismo e só varia na forma e na intensidade. O
que é novo no período após o 11 de Setembro é o
facto do império norte-americano e do imperialismo dos Estados Unidos
serem promovidos de forma tão despida e exposta, do que alguma vez
aconteceu desde guerra hispano-americana no final do século XIX. Em
2001, só uma década depois da queda da União
Soviética, os Estados Unidos, a única superpotência
restante, respondia aos ataques terroristas na sua pátria, com o
lançamento de uma expansão imperial mundial. A vasta
máquina de guerra norte-americana foi posta em movimento incessante,
ostensivamente justificado pela denominada "guerra ao terrorismo",
mas na realidade uma guerra sem limites territoriais. O império global
norte-americano foi apresentado como a solução para os problemas
de todo o mundo. As despesas militares norte-americanas depressa atingiram
metade de todos os gastos militares mundiais. O "desenvolvimento em
frente" de bases militares norte-americanas estava a dar-se em pontos
estratégicos (áreas de vital interesse geopolítico para os
Estados Unidos) por todo o lado. Os Estados Unidos tiveram as suas principais
guerras no Afeganistão e no Iraque. Este empreendimento expansionista
mundial foi fortemente justificado pelos media político,
económico e militar - que C. Wright Mills chamava a elite do poder
- em termos de império norte-americano. Esta foi uma grande
mudança que precisa de ser explicada.
Os quatro factores mais importantes que estão por detrás deste
ponto de viragem na história mundial foram a queda da União
Soviética, a estagnação da economia norte-americana e
mundial, um declínio percebido da hegemonia norte-americana, e as
preocupações acerca do controlo dos recursos globais,
particularmente do petróleo. Todos estes factores estabeleceram o
surgimento de um imperialismo nu apontou-se na direcção do
domínio global.
P: O slogan mais famoso do movimento pacifista durante a guerra foi "No
Blood for Oil" (Sangue por petróleo não), e esta
visão da invasão norte-americana do Iraque foi amplamente aceite
por todo mundo. Os media norte-americanos comprometidos neste empreendimento
tiveram muita dificuldade em contrariar este ponto de vista, e mesmo alguns
comentaristas norte-americanos progressistas chegaram ao ponto de ridicularizar
esta visão como "simplista" ou pior ainda. Esta é uma
questão que aborda em
"Imperialismo nu" . A "guerra por petróleo" parece realmente
ter tocado num nervo, mas será realmente tão central esta
explicação? Porque acha que foi tão amplamente aceite e
tão fortemente atacado?
R: É claro que as geopolíticas do petróleo mudaram, e este
é um ponto abordado em
Imperialismo nu.
No capítulo "Ambições imperiais norte-americanas e
Iraque" há um gráfico de barras sobreposto a um mapa mundial
mostrando
até que ponto as reservas de petróleo mundiais estão concentradas no Médio Oriente
. Hoje existe muita
discussão acerca de o mundo ter atingido ou mesmo ultrapassado o pico da
produção de petróleo
(peak oil).
Na realidade, ninguém tem a resposta; ainda há muita coisa
desconhecida, sendo no entanto muito plausível a hipótese do pico
da produção de petróleo. O que sabemos com
segurança é aquilo a que a indústria petrolífera
chama de
rácios reserva/produção
(ou simplesmente rácios r/p), que nos dá o número de anos
prováveis antes das reservas estarem esgotadas nos diferentes
países produtores de petróleo, tendo em conta os actuais
níveis de produção. Isto diz-nos que, por cada ano
transcorrido, uma maior percentagem das reservas mundiais estará
localizada no Médio Oriente, já que a relação entre
as reservas e a produção é ali mais elevada. É
então óbvio que o controlo das reservas do Médio Oriente
se tornará mais crítico por cada ano que passa, se se pretender
garantir o fornecimento de petróleo mundial.
Os Estados Unidos há muito que definiram como de interesse vital
estratégico, a segurança das reservas mundiais de
petróleo, o que se traduz no final das contas na influência
norte-americana sobre a produção e a venda destas reservas, para
não mencionar os lucros que derivam deste negócio. Toda uma
série de doutrinas de política externa - a doutrina
Eisenhower de há 50 anos atrás, a doutrina Carter, a doutrina
Bush - foi implementada principalmente no Médio Oriente, e culmina
com a extensão da doutrina Monroe (que reivindicou a hegemonia
norte-americana nas Américas) para o Médio Oriente. Uma das
razões
dadas pela administração
para iniciar a guerra no
Iraque, foi impedir Saddam Hussein de ter um
"poder de estrangulamento"
sobre o petróleo mundial. Este teria sido talvez o
argumento por eles apresentado que mais se aproximou de uma razão
honesta.
Para além do grande tema geopolítico de assegurar o Médio
Oriente e o seu petróleo para o império do capital, existe a
questão de saber quem realmente explora o petróleo e quem tira
proveito disso. As corporações norte-americanas e
britânicas estão agora posicionadas para conseguir o controlo da
produção e obter lucros enormes das reservas de petróleo
iraquianas através dos chamados
"acordos de partilha de produção"
que lhes conferirão direitos para a
exploração e venda da maior parte das reservas de petróleo
do Iraque durante as próximas décadas - permitindo
até que esse petróleo seja considerado nas suas contabilidades
como "activos". Dito de outra forma, eles terão o equivalente
ao antigo sistema imperial de concessões para o petróleo. Esta
é aparentemente a principal consequência da proposta para a nova
lei do petróleo escrita por Washington e Londres com ajuda das
principais corporações petrolíferas, e que, de acordo com
o
prazo estabelecido pelo FMI
, é suposto que seja aprovada pelo governo iraquiano no final deste ano.
Os defensores do imperialismo norte-americano no Iraque sustentam naturalmente
que "nem tudo é petróleo" e tentam apresentar o slogan
"SANGUE POR PETRÓLEO NÃO" do movimento pacifista, como
antipatriótico e a voz do irracionalismo. Eles agem justamente
indignados sempre que se sugere que os Estados Unidos estão a planear
pilhar a riqueza petrolífera do Iraque. Mas é impossível
negar que muito deste conflito está directamente relacionado com
petróleo. A verdade é que no final, e de uma forma indirecta,
todas as questões relativas ao Iraque vão dar ao petróleo,
o qual de um ponto de vista geostratégico, é aquilo que faz do
Iraque um objectivo tão importante. Num recente inquérito feito
aos iraquianos, menos de dois por cento pensam que a invasão
norte-americana do Iraque se deu para promover democracia no Iraque. Mais de
três quartos de iraquianos acredita que a razão mais importante
para a invasão foi o controlo do petróleo iraquiano.
P: O primeiro capítulo de
Imperialismo nu
foi escrito logo após o 11 de Setembro quando Washington se preparava
para invadir o Afeganistão. Nesse capítulo sugeria que esta
guerra seria para alargamento do império e que não terminaria no
Afeganistão, mas que conduziria a uma "projecção
global-imperial do poder norte-americano". O que o levou a chegar a essa
conclusão tão rapidamente? Agora, passados cinco anos, como
avaliaria o equilíbrio entre a visão de um único
imperialismo "centrado nos EUA" e a que se focaliza nas
tensões e rivalidades inter-imperialistas?
R: O 11 de Setembro foi inesperado. Mas a resposta de Washington não foi
nenhuma surpresa. Visto num contexto histórico, era evidente que o fim
da União Soviética, que tornou os Estados Unidos na única
superpotência militar, juntamente com o declínio que já se
detectava da hegemonia económica norte-americana, criaram uma forte
pressão entre os interesses governantes para lutar por uma
expansão do império norte-americano. O intervencionismo militar
foi posto em marcha durante todos os anos noventa. O primeiro capítulo
de
Imperialismo nu
lista quinze intervenções militares que os Estados Unidos
levaram a cabo no Médio Oriente/Mundo Islâmico, isto só nos
vinte anos anteriores ao 9 de Setembro. A guerra dos EUA conduzida pela NATO na
Jugoslávia no final dos anos noventa, era já uma
indicação desta tendência expansionista - neste caso,
uma intervenção na própria Europa. Foi no contexto da luta
nos Balcãs que a ideia de um "novo imperialismo"
começou a ser louvado por várias figuras estabelecidas. Baseado
na lógica destes desenvolvimentos, István Mészáros
argumentou no seu livro "Socialismo ou Barbárie" (publicado
pela Monthly Review Press no início de 2001) que o objectivo de atingir
um imperialismo hegemónico global norte-americano estava a levar o
mundo para o que seria "potencialmente a fase mais perigosa de
imperialismo" - um aspecto analisado no capítulo 2 de
Imperialismo nu.
Portanto não existiam dúvidas sobre a projecção
imperial global do poder dos Estados Unidos mesmo antes do 9 de Setembro. E
para levar a nação a aceitar esta ideia, a equipa Bush proferiu
numerosas declarações nos dias seguintes aos ataques terroristas
deixando claro que se encarava aquela situação como uma nova
guerra mundial - uma guerra sem limites geográficos e por sua
própria natureza, perpétua.
Passados cinco anos nada realmente mudou a não ser que a invasão
e a ocupação do Iraque provaram ser tudo menos uma simples
conquista. Os democratas criticaram a administração Bush pelo seu
unilateralismo, enquanto argumentavam ao mesmo tempo que deveria ser criada uma
coligação mais forte entre os estados imperiais de forma que os
Estados Unidos não suportassem todos os custos e responsabilidades. Os
democratas têm preferido sempre o que o analista republicano de
segurança nacional Richard Haass, que foi director de planeamento
político do Departamento de Estado de Colin Powell sob a
administração de George W. Bush, chamou abordagem de "o
xerife e o destacamento", considerando os Estados Unidos como sendo o
xerife suportado por um destacamento que consiste no conjunto de outras
potências imperiais, principalmente estados europeus. Em vez disso foi
adoptada a abordagem do solitário "soldado individualista".
Isto tem a ver em parte com a rivalidade inter-imperialista que, sob muitos
aspectos, persiste no meio imperialista. O percebido declínio da
hegemonia norte-americana deve-se ao facto de o seu poder económico,
relativamente ao resto do mundo, ter diminuído um pouco, mas apesar
disso, esta capacidade económica atingiu tal amplitude que nenhum outro
estado ou grupo de estados deu sinais de já ser capaz de confrontar
economicamente os Estados Unidos, e muito menos no domínio militar. Ao
mesmo tempo a queda do União Soviética criou na vertente militar,
um mundo unipolar. Isto significa que Washington estava disposta a usar os seus
meios aparentemente ilimitados de destruição, para garantir maior
poder económico e político no mundo, e também para
fortalecer sua posição geoestratégica. Todo este movimento
tem como objectivo a promoção do capitalismo, mas também a
defesa dos interesses norte-americanos, com o capital norte-americano a
beneficiar desproporcionadamente com este posicionamento.
Pode-se chegar à conclusão que tudo isto é produto da
rivalidade inter-imperialista, mas temos de considerar esta diferença:
é que tudo isto se deve em grande parte à procura do poder
hegemónico, e que esse poder é dirigido contra
futuros
potenciais rivais. Os Estados Unidos estão a reagir ao enfraquecimento
do seu poder económico com o uso do seu enorme poder militar para
estabelecer uma vantagem permanente sobre todos os estados que queiram prevenir
ou desafiar as suas regras. Os principais estrategos estão a tentar
criar uma "Pax Americana" para um novo século um
"novo século novo americano". As ambições
imperiais globais dos Estados Unidos e a absoluta magnitude do poder
norte-americano, podem levar a concluir que a realidade se deve simplesmente ao
mundo estar centrado nos EUA, tanto no presente como no futuro, no entanto em
Washington estão muito atentos (como atestam as
declarações de numerosos analistas de segurança nacionais)
à possibilidade de uma mudança súbita das
configurações de poder, particularmente como resultado de um
crescimento económico desigual. Estão à espreita da
oportunidade ideal para conseguir activos estratégicos e com isso obter
vantagens adicionais para as utilizar contra todos os que considerarem como
seus potenciais rivais geopolíticos (individualmente e em
associação) a nível global e regional - a Comunidade
Europeia, a Rússia, a China, o Japão, e o mundo islâmico.
Se considerarmos os ensinamentos da História, é provável
que tal possessão pelo poder leve a uma reacção das
forças que se opõem a esta situação e a gerar
maiores conflitos. Se este é um mundo unipolar, então é um
mundo que já tem fracturas sérias.
P: O último capítulo de
Imperialismo nu,
originalmente publicado em Junho de 2005, é intitulado "O
Fracasso de Império". Você escreveu isto quando Washington
estava numa acção de propaganda por ter concedido a soberania a
um governo de transição iraquiano, declarando na mesma altura que
a insurreição tinha sido derrotada. Conclui que: "Seria
precipitado estar a especular exageradamente nesta altura. Mas não
existem dúvidas de que invadindo o Iraque, os Estados Unidos estavam a
abrir as portas do inferno, não apenas para os iraquianos e para todo o
Médio Oriente, mas também para sua própria ordem
imperialista global. Todas as repercussões devidas ao fracasso do
império norte-americano no Iraque estão ainda por conhecer e
só se tornarão evidentes nos próximos anos". Passado
ano e meio acha que a sua predição se cumpriu? O que o levou
naquela altura a ter uma percepção que naquele momento era pouco
habitual?
R: A ideia de que as portas do inferno estavam a ser abertas no Iraque, e que
havia a probabilidade de se dar uma de guerra civil, era exactamente o oposto
do que a administração e a imprensa afirmavam na ocasião.
Não obstante, o argumento em
Imperialismo nu
não era tanto o de uma predição, mas sim a
consideração realista das forças no Iraque e das
tendências históricas que se estavam a desenvolver. Por
detrás da manipulada face pública da guerra, existiram sempre os
analistas de segurança nacional que estavam a tentar ver os
acontecimentos de uma forma mais realista, e foi nestas
avaliações que se baseou o meu argumento. Particularmente, tive
em consideração a pesquisa efectuada por Anthony Cordesman, o
principal analista de segurança nacional da administração
de Ford e perito em assuntos do Médio Oriente, que já destacava
que a ocupação estava a falhar, e que a questão a
pôr era como os Estados Unidos poderiam retirar as suas tropas antes de a
situação degenerar numa guerra civil total.
Quando você acrescenta a esta analise uma crítica minuciosa do
imperialismo que sugere que "manter o rumo" é mais do que um
mero slogan e que os altos custos para os soldados e militares americanos,
até mesmo a probabilidade de serem envolvidos numa guerra civil de longa
duração, pode ser considerado "valer a pena" para a
elite dirigente envolver-se num jogo de alto risco pelo controlo do
petróleo mundial e da hegemonia global então, subitamente,
todo o abismo que os Estados Unidos abriram no Iraque torna-se evidente. A
verdade é que não havia no Iraque qualquer base política
aceitável para os Estados Unidos, com a qual se pudesse construir um
novo estado no Iraque. Não existiam forças colaboracionistas
fortemente organizadas, das quais depende o êxito de
ocupação (como a de Vichy por um ou dois anos): desta forma
não restava na realidade nenhuma solução para além
de uma ocupação continuada, e talvez de um desmembramento do
país. Os xiitas, não menos do que os sunitas, seriam impedidos de
controlar efectivamente o seu próprio país, pelo que a chamada
"democracia" poderia ser apenas uma fraude. O objectivo de Washington
era finalmente tornar a ocupação menos óbvia, reduzindo
gradualmente as tropas norte-americanas, retirando-se para bases permanentes no
Iraque. Nem sequer isso foi possível. Por acaso, o que eu não
soube quando escrevi este capítulo de
Imperialismo nu
era que os Estados Unidos estavam já a dar apoio a
paramilitares/milícias no Iraque, e a implementar a
"Opção Salvador" dos esquadrões da morte para
lutar contra a insurreição. Porém, isto só levou a
uma luta sectária extrema, criando assim as condições para
a guerra civil. Os Estados Unidos não foram capazes de controlar nada
disto.
Consequentemente, o título "O Fracasso do Império"
pretendia significar quão profundo podia ser o fracasso norte-americano,
e que se estava a tornar inevitável nos meses e anos subsequentes, na
medida em que ia ficando claro que não havia nenhum estado iraquiano,
que a resistência/insurgência não podia já ser
derrotada, e que a ocupação norte-americana ia empurrando o
país para a guerra civil. Por outro lado, num certo sentido, a
invasão de Iraque não terá (ou não terá
ainda) sido um completo fracasso para o império norte-americano.
É certo que o país tem sido eficazmente destruído, que a
população está envolvida em acções da
resistência ou ocupadas nas matanças sectárias, que os
esquadrões da morte estão por todo o lado, que o governo
iraquiano é uma fraude, que os soldados norte-americanos estão a
morrer, e que os civis iraquianos estão a ser mortos em grande
quantidade. Mas ainda do ponto de vista do império baseado em
Washington, não representa uma perda total. Os Estados Unidos podem
acabar por controlar o petróleo do Iraque, e o Iraque pode provar
possuir as maiores reservas (incluídos as reservas não
descobertas) de petróleo do mundo. Os Estados Unidos têm agora as
suas principais bases militares localizadas no Iraque, fazendo fronteira com o
Irão e dominando o Golfo Pérsico. Mas, para poder ganhar alguma
coisa com este espólio, o império precisará de permanecer
no Iraque e terá de pagar um preço muito elevado. E este
será o testemunho constante da natureza brutal do imperialismo
norte-americano. Poder-se-ia provar que no final o custo para o império
seria muito elevado e que então o império se retiraria, mas eu
não espero que ele renuncie à sua posição no Iraque
nos tempos mais próximos. Ele permanecerá, ostensivamente por
razões "humanitárias", para conter a barbárie
que é agora o Iraque.
P: Há um argumento económico que sustenta a sua análise em
Imperialismo nu
e que está explícito no capítulo 3:
"Monopólio do capital e a nova era do imperialismo". Sem que
tenha de recapitular todo o argumento, o que se entende por
ligações chave e cadeias causais entre o económico e o
político/militar, na fase actual do imperialismo.
R: Esta resposta poderia ser bastante longa, e por isso vou tentar ser breve.
Desde os anos setenta que a realidade dominante da economia norte-americana e
mundial tem sido a estagnação e a explosão financeira.
Apesar de se continuar a verificar o sobe e desce dos ciclos económico,
e apesar de existirem excepções (nomeadamente a da China), a
condição geral da economia norte-americana e da economia mundial,
como um todo, foi de um lento crescimento, de um crescente
desemprego/subemprego, e de excesso de capacidade de produção.
Então, embora a economia esteja a gerar um enorme excedente no topo
(devido provavelmente à estagnação dos salários e
à redistribuição do rendimento e da riqueza para as
classes altas), verificamos que as oportunidades de investimento
rentável no domínio da produção têm estado
limitadas devido à sobre-capacidade das indústrias chaves por
todo o mundo. Face a estas circunstâncias, o interesse dos investidores
mudou, focalizando-se agora na especulação financeira e na
financeirização da economia global, facto este que ajudou a
manter o andamento económico, mas não foi capaz de repor o
funcionamento da máquina de acumulação de capital. Em
última instancia, a análise que melhor explica estes
desenvolvimentos, em minha opinião, é a teoria do capital
monopolista exposta nos trabalhos de Michal Kalecki, Josef Steindl, Paul Baran,
Paul Sweezy e Harry Magdoff. Estes teóricos foram capazes de,
antecipadamente, caracterizar este jogo de contradições que pode
ser identificado numa fase inicial, pela natureza da acumulação
na fase do capitalismo monopolista, isto é, um sistema capitalista
dominado por um número relativamente pequeno de
corporações gigantescas.
Hoje penso que esta análise precisa de ser mais desenvolvida, o que
tento fazer no livro, e levar em linha de conta a nova
globalização ou aquilo a que agora chamo de fase do
capital monopolista-financeiro global. Para entender as forças que
fomentam o imperialismo económico de hoje (geralmente conhecido como
globalização neoliberal), assim como o seu imperialismo militar,
temos de os ver neste largo contexto de estagnação, de
explosão financeira, de instabilidade financeira mundial, e de
declínio da hegemonia norte-americana. De certo modo a actual fase
imperialista é um produto da crescente instabilidade da base
económica do sistema.
P: Um dos capítulos do livro é intitulado "Bases militares
norte-americanas e império" e aborda a história do
império norte-americano em termos da expansão e
redução das suas bases militares espalhadas pelo mundo. Uma das
explicações referenciadas por mais de uma vez como sendo o
objectivo principal da guerra do Iraque, foi o do estabelecimento de bases
militares permanentes norte-americanas. Como abordaria este aspecto?
R: Com o começo da guerra no Afeganistão e com a expansão
do imperialismo norte-americano na forma de uma guerra explícita nesta
região, que anteriormente fazia parte da União Soviética,
toda a questão relacionada com a expansão da esfera das bases
militares norte-americanas, já evidente nos Balcãs, passou a ser
tema de análise. Conhecer o âmbito geográfico das suas
bases era claramente a chave para compreender a extensão do
império norte-americano. Entretanto empreendi um estudo da
história dase bases militares norte-americanas instaladas noutros
países desde a Segunda Guerra Mundial. O resultado deste trabalho foi a
elaboração de um mapa, reproduzido no livro, que mostrava os 60
países e distintos territórios nos quais as bases militares
norte-americanas estavam instaladas, até Janeiro de 2002.
O mapa foi muito influente e frequentemente reproduzido na internet. Chalmers
Johnson aproveitou parte desta pesquisa como suporte para o seu útil
livro
The Sorrows of Empire.
O mapa das bases militares que desenvolvi juntamente com meus colegas na
Monthly Review,
era conservador, pois incluía apenas países com bases registadas
no Relatório da Construção de Bases Militares do
Departamento de Defesa (que inclui apenas aquelas com estruturas permanentes),
e as bases recentemente criadas e referenciadas na imprensa. O actual
estabelecimento das bases/tropas é mais extenso e fluido do que esta
análise conservadora sugere. Os Estados Unidos têm, a todo o
momento, tropas em mais de 100 países, com os quais, frequentemente,
desenvolvem exercícios conjuntos. Desde que o mapa foi elaborado, os
Estados Unidos ampliaram as suas bases em todos os continentes do Sul global.
Isto dá pelo menos a indicação de que, para além da
dimensão do império norte-americano e da sua forma de
actuação estratégica, as forças norte-americanas
encontram-se bastante dispersas - pelo que relativamente poucas
estão disponíveis para levar a cabo uma
guerra/ocupação da dimensão da que se desenvolve no Iraque.
As bases são, claro está, a preparação do terreno
para o imperialismo norte-americano, mas não a realidade desse
imperialismo. Elas permitem aquilo a que se dá o nome de
"projecção avançada"
("forward projection")
do poder norte-americano. Visto deste modo, é uma
designação incorrecta se pensarmos nas bases no Iraque ou noutro
qualquer lugar, como um objectivo primeiro dessa guerra. As bases no Iraque
são importantes porque permitem aos Estados Unidos estabelecerem o
controlo sobre o Iraque e o Golfo Pérsico como um todo. Esta
região é considerada de enorme valor estratégico e
não é segredo porquê: petróleo. O que está em
questão é o controlo do petróleo e impedir o surgimento de
estados produtores de petróleo poderosos que possam ameaçar os
interesses do capital norte-americano e não as próprias
bases, que são meras ferramentas do império.
P: Em
Imperialismo nu
existem referências frequentes à "barbárie" como
um resultado possível dos acontecimentos verificados nestes primeiros
anos do século XXI, contudo você não especifica o que quer
dizer. Não é uma linha de pensamento agradável, mas que
possibilidade é esta e como a vê?
R: Você tem razão ao dizer que o assunto barbárie é
frequentemente referido no livro. Um dos capítulos do
Imperialismo nu
é intitulado "O império da barbárie". Isto
reflecte a visão de que o capitalismo, particularmente como testemunhado
no estrangeiro com o seu imperialismo nu, está a degenerar cada vez mais
numa espécie de barbárie onde a guerra, a brutalidade, a tortura,
a miséria, a super-exploração, todos os tipos de medidas
draconianas contra os pobres, sobre a segurança fronteiriça, a
anti-imigração, as casas emparedadas, o racismo, a
devastação ambiental extrema ameaçando
populações inteiras e até mesmo o globo, a
proliferação nuclear (e portanto o perigo de guerras ainda mais
terríveis), etc estão em ascensão. No marxismo sempre se
viu isto como uma possibilidade: em vez de revoluções que fariam
o mundo avançar, haveria, o que Marx chamou de "a ruína
comum das classes litigantes", um declínio na barbárie.
Rosa Luxemburgo levantou a questão do "socialismo ou
barbárie", a qual tem sido reiterada no nosso tempo por pensadores
como o Daniel Singer e István Mészáros.
Claro que, dada a história de capitalismo ocidental, a
noção de barbárie nos tempos modernos leva à
insinuação do fascismo. Mas há aqui mais a considerar na
história do capitalismo: a brutalidade da colonização
imperialista sobre a periferia nos primeiros séculos do capitalismo, a
guerra mundial, a ciência da tortura, o racismo, a
devastação do mundo natural e de todos os seres que dele
dependem. Nos dias de hoje estamos a ser testemunhas de um perigoso
ressurgimento de todas estas tendências. Tal como referido em
Imperialismo nu,
isto é mais um produto da fase actual do capitalismo, o fim de
qualquer possibilidade de um "capitalismo racional". A única
resposta é a luta pelo socialismo, por uma sociedade controlada pelos
produtores associados e pelos conjuntos mais vastos de necessidades e valores
que eles representam, ao invés da mão invisível (agora um
punho de ferro) do capitalismo/imperialismo.
P: No seu livro argumenta frequentemente que a noção de uma
"conspiração Bush" ou uma "junta militar
Bush", como uma explicação para a guerra no Iraque,
está errada. Agora os democratas têm maioria em ambas as casas do
Congresso e estão a exigir uma "fase de reorganização
das tropas". Será que podemos esperar a qualquer momento por uma
mudança fundamental na postura militar de Washington no Iraque e no seu
caminho para o império mundial?
R: Sempre estranhei a facilidade como os sábios da esquerda, tanto neste
país como por esse mundo afora, assumiram a noção de uma
"conspiração Bush", ou de uma "junta militar
Bush-Cheney", tal como exposto por Gore Vidal, como uma
explicação para a Guerra no Iraque e para a guerra contra o
terrorismo. Na verdade os republicanos levaram efectivamente a cabo um golpe de
mão nas eleições de 2000 que pôs os neoconservadores
no poder, e são esses neoconservadores que são agora culpados do
imperialismo nu que se regista hoje. Não só Bush, Cheney,
Rumsfeld e Rice, mas também são culpados Paul Wolfowitz, Lewis
Libby, Richard Pearle, e outros. Neste contexto, os oponentes da
conspiração Bush dentro do partido republicano, são os
"homens avisados" como James Baker, Robert Gates, e Brent Scowcroft,
que fizeram parte da administração do pai Bush, Bush I. Os
democratas são vistos entretanto como uma oposição forte
à conspiração neoconservadora Bush II.
Obviamente que é verdadeiro e importante, até certo ponto, o
facto de os neoconservadores dominarem a actual administração.
Mas, tal como argumento detalhadamente em
Imperialismo nu,
se se concluir que uma conspiração é de alguma maneira a
causa das dificuldades do império, e que sendo assim, para resolver o
problema, o que se tem de fazer é correr com eles, então estamos
a ignorar todas as lições de história. A estratégia
deste império esteve na execução dos trabalhos de longo
prazo desde a queda da União Soviética no início
dos anos noventa, ou até mesmo antes disso a partir do momento em
que se começou a verificar um ressurgimento de estagnação
económica, e dos primeiros sinais mais importantes do declínio da
hegemonia norte-americana no início e meados dos anos setenta. A guerra
na Jugoslávia deu-se durante o mandato de Clinton, que também
bombardeou diariamente o Iraque, e iniciou a instalação de bases
militares norte-americanas na Ásia Central. Os democratas foram um apoio
importante nas guerras no Afeganistão e no Iraque e as suas
críticas foram mais de carácter táctico do que de natureza
estratégica. Assim, eles acusam a administração Bush de
unilateralismo, como oposição ao multilateralismo da força
invasora, acusam-na também da dissolução dos
exércitos Baathistas, dos muitos recursos militares utilizados no
Iraque, em oposição aos utilizados no Afeganistão, das
poucas tropas norte-americanas utilizadas inicialmente na invasão e na
ocupação, na corrupção e manipulação
dos contratos militares, da pouca protecção das tropas, etc.
Estes não são ataques fundamentais ao imperialismo nu de hoje. O
que isto reflecte é o facto de que a classe dirigente norte-americana
como um todo (na qual tanto os democratas como os republicanos estão
envolvidos) tem sido uma forte apoiante de uma guerra alargada.
O que está agora a acontecer desde as eleições, com os
democratas a controlarem ambas as casas no Congresso, com a saída de
Rumsfeld, e com a estratégia no Iraque a descambar claramente numa
matança, tem a ver com a movimentação de James Baker,
Robert Gates, e outros "homens avisados" de Bush I, que se puseram em
campo para salvar Bush II. No entanto não deveremos ter ilusões
acerca do resultado dessas movimentações no sentido de um volte
face para a paz. Robert Gates, o novo secretário da Defesa, foi um
antigo director da CIA e esteve envolvido no escândalo
Irão-Contras. Por outro lado os democratas reclamam uma "fase de
reorganização" que permita simplesmente uma forma de
reorganização das tropas no contexto da guerra global
principalmente no Afeganistão, e nas bases no Iraque em lugar de
uma posição sem hesitações em favor de uma retirada
do Iraque ou de um retrocesso na guerra imperial contra o terrorismo. Dadas as
mudanças verificadas em Washington, teremos em breve um bom teste
à tese da conspiração, que demonstrará
indubitavelmente que a principal estratégia imperial continuará a
ser seguida, enquanto muitas coisas vão poder mudar ao nível
táctico. Onde os democratas irão muito provavelmente resistir
não será no que diz respeito à estratégia
imperialista, mas sim nas medidas de segurança adoptadas internamente,
medidas essas que representam a contraparte interna desta estratégia
global. E será pouco provável que os democratas adoptem, por
exemplo, uma posição forte contra o Patriot Act. Sobre este
aspecto, será também provável que eles entrem num jogo de
cedências e conquistas daquilo que se localiza somente nas margens dos
assuntos, enquanto ao mesmo tempo vão aceitando uma erosão
significativa da democracia e dos direitos humanos.
Na realidade o valor do livro
Imperialismo nu,
em comparação com as tais teorias da cabala, reside no facto de
se basear numa crítica inflexível do capitalismo e do
imperialismo. A ênfase está pois dirigida para as verdadeiras
forças associadas ao carro de guerra imperial. Isto não significa
que tudo está inevitavelmente determinado por tais forças
estruturais poderosas, que não é possível evitar estas
relações imperiais, que não existe qualquer
hipótese para a esperança. Mas significa sim que se existir
alguma mudança fundamental no curso da História, ela não
acontecerá no seio das elites. Muita coisa terá de acontecer de
uma forma radical a partir de baixo, e não simplesmente através
de uma conspiração, ou pela eleição do outro
partido do sistema bi-partidário dominante. O que precisamos é de
uma mudança numa escala muito mais revolucionária, o que
significa que o povo terá, uma vez mais, de tomar nas suas mãos o
destino da História.
[*]
Professor de sociologia na Universidade de Oregon, autor de
Marx's Ecology
e
Ecology Against Capitalism,
editor da
Monthly Review.
O original encontra-se em
http://mrzine.monthlyreview.org/foster171106.html
.
Tradução de MJS.
Esta entrevista encontra-se em
http://resistir.info/
.
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