Faluja e o terrorismo ocidental

por Carlos Aznárez [*]

Estádio de Faluja, onde foram enterrados os assassinados pelos tanques e aviões dos EUA. Mais de seiscentos cidadãos iraquianos foram assassinados brutalmente num par de dias em Faluja, 243 deles são crianças e outros dois mil habitantes ficaram gravemente feridos com a operação ianque de castigo. 600 cadáveres numa população de 600 mil habitantes.

Este é, sem dúvida, o remédio dos poderosos para os povos que não se submetem. Uma receita que indica que neste mundo já não há lugar para a racionalidade, porque assim o impõe os senhores da guerra, os Avançados do fundamentalismo mais antigo, o mais letal: o do Ocidente.

Seiscentas vidas foram ceifadas após os bombardeamentos. Caíram despedaçadas após os raids de aviões e tanques norte-americanos. Sob as balas da democracia pacificadora, ali, em Faluja. Crianças despedaçadas, jovens com o corpo feito peneira pelos estilhaços de explosivos "inteligentes" e pela brutalidade da metralha. Dezenas de fieis muçulmanos carbonizados pelas chamas provocadas pelo napalm. Qual era a sua culpa? Rezar numa mesquita, que para os homens da nova Cruzada fascista converteu-se num objectivo militar.

Pensar é perigoso, rezar é perigoso, viver é perigoso, lá, em Faluja.

Hospitais atingidos pelos morteiros daqueles que afirmam defender a liberdade dos iraquianos, escolas que desapareceram do mapa, e a infraestrutura desta cidade mártir, que acaba de ser completamente destruída.

Não esquecer: Esta é a cultura que impõe o Ocidente. Ontem, hoje e sempre.

Entre esses seiscentos corpos mutilados, até chegar o invasor, corria aos borbotões a vida e a esperança, mas também a rebeldia, que finalmente quis impedir que se manchasse a soberania de um povo que não aceita pôr-se de joelhos perante o ocupante.

Nós não faríamos o mesmo se nos coubesse ser Faluja?

Seiscentas mulheres, seiscentos anciãos, seiscentos homens de trabalho — até chegarem eles —, seiscentos jovens e adolescentes, seiscentas crianças. São tantos que só mencioná-los aflige. Entretanto, parecem não valer nada para o mundo dessa matilha assassina que mesmo depois do massacre tenta sustentar um discurso, uma razões, uma desculpa.

Esta enorme quantidade de seres humanos que hoje já não existem em Faluja parece ser diferente de outros mortos, tão mortos como eles. Tomemos como exemplo os de Madrid, sacrificados pelo horror de resposta num 11 de Março. Os de Tel Aviv quando a resistência palestiniana decide exercer a vingança a tanta morta e tanta afronta sofrida. Ou os dos outros rincões inóspitos do mundo ocidental.

Parece que, graças à hipocrisia geral, há mortos de primeira neste mundo de quarta. Mortos que inspiram o Papa a convocar os seus crentes para enfrentar o terrorismo (nunca o terror dos Estados opressores, Santo Padre?), mas não incomodam nem um pouco o chefe do Vaticano quando os caídos são iraquianos, afegãos, ou inocentes cordeiros de um Terceiro Mundo que estala onde quer que se olhe.

Mortos com amplíssima cobertura mediática, com manifestações multitudinárias de aflição, onde marcham lado a lado os legionários da guerra que invadem países e massacram populações inteiras, com as vítimas das suas decisões despóticas de ir à guerra para continuar a acumular riquezas.

Faluja e Bagdad hoje, Cabul ontem, Belgrado antes. Palestina sempre, assim como Vietnam, Coreia, Argélia, Panamá. É a repartição equitativa do horror em nome da civilização das transnacionais, cobiçosas até o enfartamento.

Não mais mortos por culpa da loucura desencadeada pelos gringos, sejam estes ianques, ingleses, italianos ou espanhóis. Poderia ser uma palavra-de-ordem da hora para milhões de cidadãos de todos os nossos países, mas seriam palavras sem sentido se não as convertêssemos em acção.

Não mais hipocrisia na hora de contar e propagandear os mortos de um lado e minimizar e ocultar os mortos do outro, como se realmente houvesse diferenças dentro da tragédia compartilhada. Do contrário, com que fórmula poderíamos impugnar, mesmo que o façamos, as porções de terror que a cada momento nos cabem por desgraça neste lado da trincheira? Com que argumentos dizer aos "outros" que não nos façam o mesmo que eles sofrem quotidianamente — 243 crianças assassinadas em Faluja! — graças à bestialidade daqueles que dizem representar-nos?

Faluja, sua gente, seus resistentes heróicos, tem o direito conquistado de que se acabe com esta sensação de hipnose colectiva onde nós próprios, os que queremos, defendemos e apoiamos o valente povo do Iraque, por vezes somos presos por uma paralisia tão inexplicável como perigosa para o nosso futuro. Ou será que estamos a acostumar-nos ao genocídio?

Se não reagirmos hoje, quando nossos povos se convertem em Faluja por obra e graça da ambição de criminosos de guerra do porte de Bush, Blair, Berlusconi, Aznar ou Sharon, amanhã será demasiado tarde.

FALUJA. Repitamos esse nome, e façamos dele um símbolo de recusa planetária ao imperialismo mais brutal que já existiu na história da humanidade. Esse que se revolve em Washington entre os gritos de terror das suas vítimas.

Como Nagasaki e Hiroshima: FALUJA. Deve marcar um antes e um depois na nossa condição de seres humanos.

14 de Abril de 2004

[*] Director de Resumen Latinoamericano .

Este artigo encontra-se em http://resistir.info .
16/Abr/04