por Melkulangara Bhadrakumar
A decisão do presidente Donald Trump de sair do pacto nuclear de 2015
com o Irão impacta significativamente as placas tectónicas da
política mundial. Ao nível mais profundo, o enfraquecimento da
liderança trans-Atlântica dos EUA que tem estado em andamento pode
tornar-se irreversível.
Sem dúvida, as capitais europeias estão raivosas e desapontadas.
O apoio ao pacto de 2015 era profundo na Europa e a desilusão com a
presidência Trump está generalizada na opinião
pública europeia. Em princípio, uma "mudança de
regime" em Washington na eleição de 2020 pode melhorar
alguma coisa, mas dois anos é um longo tempo em política, nesse
período a divisão entre os EUA e Europa pode aprofundar-se ainda
mais e uma nova alquimia pode transformar radicalmente o Euro-Atlantismo
enquanto tal, com a percepção crescente de que os EUA não
são confiáveis e que é um parceiro cada vez mais
malévolo.
As corporações europeias estão a ser forçadas nos
próximos seis meses a decidirem se desejam continuar a fazer
negócios com os EUA ou se preferirão continuar a buscar
oportunidades comerciais no Irão. A Europa resistirá a qualquer
tentativa dos EUA de punirem companhias europeias. Ainda mais importante, a
busca da Europa por mecanismos de pagamentos que contornem bancos americanos
ganhará impulso.
Mas estes são os primeiros dias e quaisquer previsões de um crack
apocalíptico na aliança ocidental como tal será demasiado
prematuro. Naturalmente, a administração Trump iniciou o controle
de danos. Trump telefonou à primeira-ministra britânica Theresa
May para coordenar esforços a fim de incentivar na opinião
pública ocidental [a ideia] acerca do "comportamento
desestabilizador do Irão", atrelando a campanha aos "ataques
provocadores com roquetes do regime iraniano a partir da Síria contra
cidadãos israelenses".
A Grã-Bretanha está a desempenhar seu papel tradicional como
porteiro de Washington na Europa ao ajudar a moderar a condenação
francesa e alemã ao abandono de Trump do acordo do Irão. A
recém nomeada sub-secretária de Estado para Controle de Armas e
Segurança Internacional, Andrea L. Thompson, vai a Paris e Londres em
14-18 de Maio onde espera manter discussões bilaterais "sobre um
conjunto de questões acerca de controle de armas e não
proliferação". Thompson era a conselheira de
segurança nacional do vice-presidente Mike Pence e havia anteriormente
actuado como conselheiro especial no Gabinete de Planeamento Político do
Departamento de Estado. Na sua nova pasta, Thompson, coronel na reserva, fica
responsável pelo controle de armas e segurança internacional.
Trump não parece pensar que a retirada do acordo de 2015 significa o fim
de todas as opções diplomáticas para os EUA ou para
outros intervenientes (incluindo, talvez, também Teerão). Um
período amortecedor de seis meses está pela frente antes de Trump
ter de tomar algumas decisões importantes. É concebível
que este período amortecedor possa mesmo ser um período de
negociação. A
Art of the Deal
de Trump ainda pode resultar num "processo de
negociação" com Teerão. O período amortecedor
de seis meses que se seguirá seria um tempo de manobra crítica
para todos os protagonistas.
Portanto, por agora não há razão para antecipar uma
inevitável expansão do conflito no Golfo Pérsico. O
movimento de Trump dá aos estados do GCC [Conselho de
Cooperação do Golfo] e a Israel algum tempo para reagruparem-se.
Israel e a Arábia Saudita saudaram a decisão de Trump. Mas em
termos significativos, é discutível que benefícios
resultariam para eles. Dito de modo diferente, Israel e Arábia Saudita
continuarão a pressionar os EUA a recorrerem à
utilização da força contra o Irão antes mais cedo
do que mais tarde especialmente o acordo nuclear entrar em colapso
completo e Teerão avançar o programa de enriquecimento [do
urânio].
A Arábia Saudita e Israel provavelmente esperam reconstruir
credibilidade estratégica na esperança de que o Irão
será constrangido pelas sanções a reduzir suas
missões militares regionais e guerras proxy. Mas pelo contrário,
a alta probabilidade é de que o Irão, o qual agora se sente
"libertado" do isco sedutor da abertura aos EUA e ao ocidente, possa
mesmo expandir sua projecção de poder, uma vez que agora tem
menos razão para constrangimento.
A plena verdade é que novas sanções dos EUA não
prejudicariam seriamente a economia iraniana. Muito depende da capacidade do
Irão para vender petróleo no mercado mundial. Mas por um lado, um
terço das exportações de petróleo do Irão
vão para a China e é inconcebível que Beijing cooperasse
com sanções dos EUA contra o Irão. De modo geral, as
vendas ao Irão da China e da Rússia não seriam afectadas
pelas sanções dos EUA. As sanções quase certamente
acelerariam as transacções iranianas com fornecedores
estrangeiros em divisas não-dólar, especialmente em yuan/renmbini
e rublos russos.
Considerando que a Arábia Saudita também está a mover-se
rumo algumas vendas de petróleo em renminbi, a era da
dominação total do mercado de energia em dólares
petrodólares está a aproximar-se do fim após quase
meio século de dominação total da economia global pelo US
dólar como divisa universal de reserva. Washington pode mostrar uma cara
valente a esta mudança tectónica no sistema financeiro
internacional, mas há uma erosão grave da influência dos
EUA nos mercados globais que está a caminho.
Ironicamente, no futuro próximo do Médio Oriente, é
possível que a decisão de Trump permita ao Irão maior
latitude no desenvolvimento das suas capacidades estratégicas. O
Irão provavelmente permaneceria no pacto de 2015 com as demais parte do
acordo mas, paradoxalmente, o acordo já não possui o mesmo
encanto para Teerão conto anteriormente, sem que Washington dele
faça parte. De certa maneira, Teerão sentir-se-ia
"liberta". A não esquecer: a elite do Irão havia
concordado em primeira instância em reduzir o que fora uma capacidade
rapidamente crescente para criar grandes quantidades de materiais
físseis, ao invés de um compromisso construtivo com os EUA.
Na verdade, o pacto de 2015 proporcionou uma janela de oportunidade
também aos EUA para recuperar influência no Irão pelo
princípio de um processo de normalização. Mas Washington
desinteressou-se e, pode-se argumentar, Teerão também falhou em
aproveitar-se plenamente da mesma. Agora, é a viragem histórica
para a Rússia, a China e Turquia a moverem-se rapidamente para preencher
o vácuo criado pelo novo regime de sanções dos EUA. Apesar
de ser demasiado cedo para falar de um alinhamento político, os eventos
por um lado pressionam para juntar o Irão, a Rússia e a Turquia,
enquanto por outro lado colocam a União Europeia e a Rússia do
mesmo lado. Na verdade, se escalarem as tensões
estado-unidenses-iranianas, a Rússia pode encontrar-se numa
posição não invejável para mediar a desescalada.
Actualmente, contudo, os eventos estão a pressionar a
junção do Irão, da Rússia e da Turquia, a qual
tiveram relações mútuas problemáticas.
14/Maio/2018
O original encontra-se em
www.strategic-culture.org/...
Este artigo encontra-se em
http://resistir.info/
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