Maxime Rodinson, um sábio
por Catherine Coroller
Quarenta e três anos após o lançamento, a sua biografia de
Maomé
[1]
continua a ser obra de referência.
"É a
primeira biografia crítica de interesse geral, para o grande
público mas fundamentada numa enorme erudição. Ela
continua entre as mais sérias e legíveis e continuo a
recomendá-la aos meus estudantes"
, explica Pierre Lory, director de
estudos da Ecole pratique des hautes études (EPHE). Maxime Rodinson, um
dos grandes orientalistas contemporâneos, morreu domingo 23 em Marselha
com a idade de 89 anos. Nascera em 26 de Janeiro de 1915 em Partis, numa
família judia e comunista russo-polaca.
Sábio sem fronteiras.
Seu pai era operário de confecções. "Totalmente
autodidacta, ele acedeu aos estudos superiores passando no concurso de entrada
em Línguas Orientais destinado a não-licenciados", recorda
Jean-Pierre Digard, antropólogo e director de investigação
do CNRS. Cumpriu uma carreira universitária exemplar. Doutor em
letras, diplomado pela Ecole des langues orientales e pela EPHE, Maxime
Rodinson culminará a sua carreira como director de estudos desta
última instituição.
"O seu curso intitulava-se 'etnografia histórica do Oriente
Próximo', mas Rodinson era um sábio que
não se embaraçava com fronteiras entre disciplinas, nem mesmo
com fronteiras geográficas
recorda J.-P. Digard.
O seu ensino englobava tanto a história como a etnologia, a sociologia,
entre as quais não fazia distinção. Para ele o Oriente
Próximo começava na ponta atlântica do Marrocos e terminava
nos confins da Mongólia. Ao mesmo tempo, dispunha dos meios desta
erudição. Havia lido muitíssimo, desenvencilhava-se numa
trintena de línguas
(inclusive o etíope antigo,
guèze
, ndr)".
A carreira de Maxime Rodinson deve muito às suas origens familiares,
comunistas e judias. Sua leitura da vida do profeta foi qualificada de
marxista. Assim como a sua leitura do Islão. Jérôme
Lantin, que foi um dos seus alunos e que é hoje professor de
árabe na Inalco (Langues-O) vê na sua abordagem
"sã e não essencialista das sociedades
muçulmanas"
a influência da sua
"formação marxista no melhor sentido da
expressão".
Para Pierre Lory,
"Rodinson foi o primeiro a situar a evolução do Islão
em termos sociais: por que é que o mundo muçulmano experimentou
tamanho desenvolvimento em tal época e congelou-se noutra?".
A esta questão, Maxime Rodinson responde em dois outros escritos
notáveis, e muito acessíveis ao grande público:
Islam et capitalisme
[2]
e
Marxisme et monde musulman
[3]
:
"Uma espécie de casta militar sugando o essencial dos recursos dos
países, as sociedades muçulmanas não experimentaram a
eclosão de uma sociedade burguesa comercial e industrial
susceptível de poupar para que a industrialização tivesse
lugar como se verificou na Europa"
, resume Pierre Lory.
Maxime Rodinson era judeu por origem familiar. Os seus pais morreram em
Auschwitz. Mas ele próprio não era religioso. Em
relação a Israel, ele manteve sempre uma distância
crítica. Escreveu na revista
Les Temps Modernes
, em Junho de 1967, na véspera da Guerra dos Seis Dias, um artigo
intitulado:
"Israel, facto colonial?"
, questão à qual ele responde positivamente. "Aquilo o
tornou conhecido mas também atraiu insultos e um desprezo
terrível", lembra Digard.
Por um Estado palestiniano.
Desde 1968 tomou posição sobre a questão palestiniana
quando criou juntamente com outro orientalista, Jacques Berque, o Groupe de
recherches et d'actions pour la Palestine. Segundo Jean-Pierre Digard,
"ele dizia que a criação de Israel era uma injustiça
em relação aos palestinianos, mas que lançar os
israelenses ao mar seria adicionar uma injustiça a outra. Dizia que
Israel estava ali e que era preciso um Estado palestiniano".
Durante a sua vida universitária Maxime Rodinson formou centenas de
alunos. Por enquanto nenhum deles alcançou a notoriedade do mestre.
Para Jérôme Lantin, "era um dos últimos grandes,
parece-me que há menos pessoas desta envergadura nas
gerações seguintes".
"Ele era de uma época em que ainda era possível a um mesmo
homem englobar todos estes saberes. O que não seria mais
possível agora. Mas era ainda assim alguém excepcional",
avalia Jean-Pierre Digard. Sua curiosidade, é verdade, parecia sem
limites. Investigava as canções francesas (irreverentes
inclusive), era também um fino gourmet. Foi ele que redigiu a maior dos
artigos sobre o alimento e a alimentação da
Encyclopédie de l'islam
[4]
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(1) Points Seuil, 1994.
(2) Seuil, 1972.
(3) Seuil, 1972 (esgotado).
(4) Brill, sete volumes, de 1960 a 1993.
Outras obras de Maxime Rodinson: Mahomet (1961), Islam et Capitalisme (1966),
Marxisme et Monde musulman (1972), la Fascination de l'islam (1980), Peuple
juif ou problème juif? (1981). Em português estão publicados "Maomé"
(Editorial Caminho, ISBN 972-21-0726-7), "Os árabes" (Europa-América),
"De Pitágoras a Lenine" (Instituto Piaget) e "Islão político e crença" (Inst.
Piaget).
O original encontra-se no jornal
Liberation
de 26/Mai/2004.
Este artigo encontra-se em
http://resistir.info
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