Eleições presidenciais 2007 em França
"A catástrofe iminente": Haverá meios de a conjurar?
por Danielle Bleitrach
[*]
A análise da situação actual é aparentemente
bastante desastrosa. Noutros tempos Lenine escreveu um texto intitulado:
"A catástrofe iminente e os meios de a conjurar". Quem
não sonha neste momento com uma tal intervenção? Com
efeito, hoje em dia, temos cada vez mais a impressão, pelo menos em
França e na Europa, de estarmos perante a catástrofe iminente sem
meios de a conjurar.
Como pano de fundo temos um planeta que se destroi e cujos recursos se esgotam,
um sistema imperialista mundializado que acelera essa destruição,
que nega às nações o direito de estas disporem dos seus
recursos, o direito à autodeterminação, que dissemina a
guerra, a violência, a tortura por todo o lado, sob a cobertura dos
valores ocidentais, uma nova cruzada que confunde liberdade com liberdade de
mercado, a pilhagem sem freios das multinacionais financeirizadas. A guerra
não conhece quaisquer limites: são atingidas mais
populações civis do que soldados. Ao direito internacional,
à possibilidade de uma nação conduzir o seu próprio
desenvolvimento contrapõem-se tratados de livre-comércio que
minam a acção de investidores locais e da
"concorrência livre", impedindo, dessa forma, todo o
desenvolvimento endógeno, todo o serviço público que tenta
responder às necessidades das populações. A União
Europeia não é senão uma das formas de incrementar esse
mal-estar das nações, uma maneira de nos privar da nossa
cidadania. Encontramo-nos, hoje, numa situação que nada a ver
com a pilhagem colonial, que era sem dúvida imoral, mas ainda assim, as
potências colonizadoras estabeleciam um compromisso com as suas
populações, os trabalhadores, as camadas populares beneficiavam
com esse acordo e o seu nível de vida elevava-se. Actualmente, a
mundialização imperialista neoliberal produz no interior do
Ocidente desemprego, degradação do poder de compra, para
além de fomentar o ódio ao outro nas suas
populações, sob a cobertura do "choque de
civilizações". A juventude, em particular, é quem
mais sofre e se esforça por suportar esta situação, na
medida em que o seu futuro é bem mais incerto do que o das
gerações anteriores, e é a primeira vez que se opera uma
tal inversão de tendências num processo secular de progresso.
Eleições presidenciais transformadas num pesadelo
É nesta conjuntura que se realizam as eleições
presidenciais de 2007. Bayrou pronunciou-se acerca delas nestes termos:
"actualmente, para muitos franceses, ter de escolher entre
Ségolène Royal e SarKozy é um pesadelo". No entanto,
François Bayrou não rompe com o dito pesadelo, até por se
declarar a favor da União Europeia.
O pesadelo está no facto de nenhum candidato ser capaz de apresentar uma
alternativa a este sistema. Incitam-nos a debater a "idade do
capitão", sobre a aparência, sobre tudo, menos sobre os
desafios reais. Não fazer o diagnóstico que acabo de
esboçar faz parte da estratégia de eliminação
desses desafios e da necessidade de "reformas" e de
"rupturas", o que implica, em primeiro lugar, a
aceitação da integração europeia; em segundo lugar,
a visão do mundo em que o Ocidente é considerado o portador dos
valores laicos e da democracia, face a um mundo bárbaro; e em terceiro
lugar, uma pseudo lógica económica que quer que o emprego e o
poder de compra dependam da vitória na guerra concorrencial
planetária. Todos os partidos políticos em França, para
acederem à representação nacional, têm de aceitar
esse consenso. O sistema político-mediático concentrado nas
mãos dos
trusts
e das grandes companhias publicitárias cria um campo político
que define os limites do "politicamente correcto" de
indivíduos e de partidos susceptíveis de aceder a essa
representação nacional. É necessário inventar um
povo francês ligado à Europa, porque nenhuma
intervenção é crível, caso não se baseie
nessa afirmação, e para mais, arrisca-se a ser considerada
tão inverosímil quanto o slogan do PCF: dizer NÃO
à Constituição europeia para dizer SIM à Europa. O
sistema eleitoral que exige determinadas alianças faz o resto, sobretudo
quando o financiamento dos partidos não é mais militante, mas
antes dependente dessa representatividade.
O povo francês é um dos mais rebeldes que existem. Em 1995, quando
o mundo inteiro parecia esmagado, ele rebelou-se contra a ordem neoliberal, e
não cessa de renovar essa recusa, como na recusa da
Constituição europeia. Dessa rebelião, durante algum
tempo, parecia ter emanado a ideia de uma união antiliberal. Mas desde o
início essa união sofreu de vários males, entre eles:
a ausência de ligação com as camadas populares;
conteúdos lacónicos ligados a uma ausência de
análise da situação, e consequentemente, um défice
de proposições e de perspectivas, em torno das quais se pudesse
constituir essa união;
adopção do primado da representatividade nacional, o que
desenvolveu a exasperação, as lógicas concorrenciais de
aparelho e das questões pessoais.
Contudo, irá realizar-se a maior união de França, a festa
de
L'Humanité.
Preparada noutras condições, ela poderia ser a ocasião
para o início de uma grande batalha, uma mobilização sem
precedentes. Mas, na situação actual, arrisca-se, na melhor das
hipóteses, a ser uma maneira de limitar as querelas internas, embora
estas continuem subjacentes, na medida em que a União antiliberal, tal
como foi edificada, não é senão o produto de uma
coligação de dirigentes de grupúsculos, sem
ligação aos bairros populares e às empresas. Na pior das
hipóteses, ela poderá ser o meio de evitar a dispersão de
2002, e assegurar assim a presença do PS na segunda volta, a
existência de um grupo na Assembleia Nacional, e por fim, eleitos locais
subordinados ao serviço prestado. A questão da
participação ou da não participação num
governo de esquerda é menos importante para a sobrevivência dos
aparelhos políticos do que a questão dos diferentes elementos
eleitos que asseguram o financiamento dos partidos, o pagamento dos membros
permanentes e da Assembleia. Existem outros desafios, como por exemplo, a
tentativa da LCR em retomar a herança comunista. Existem personalidades
que são apanhadas no tropismo mediático; enfim, nada disto
constitui uma alternativa.
Não haverá estratégia antiliberal sem base popular
É necessário analisar as estratégias à luz de um
princípio: tudo o que divide é mau e não basta promover
um conglomerado se o seu princípio, e as bases sobre as quais
está estabelecido, alimentarem a divisão. Poderia ter existido
uma união em torno de um partido, dentro do qual cada um e cada uma
pudessem encontrar o seu lugar, identificando-se com objectivos e perspectivas
reais. Quando há urgência, a força política que
oferece perspectivas, organização, adquire grande notoriedade,
mas o problema é que, justamente, não existe consciência
alguma da urgência, da natureza real dos perigos, apenas a lógica
dos aparelhos que tentam alagar as suas audiências o que produz a
falsa questão: será que um partido político é
capaz de atrair uma forte mobilização, não será
melhor apostar numa personalidade independente mediaticamente reconhecida?
Certamente, é preferível um bom candidato ou candidata, mas
será que é apenas a presença num programa de
televisão que define o bom candidato? Mostrar-se convencido de outra
coisa para além do interesse na sua própria pessoa ou na sua
organização é, talvez, essencial, a
manifestação de uma vontade política, também. E,
principalmente, ser capaz de defender conteúdos que assegurem a
mudança na vida das pessoas, e estabelecer, nessa base, um
diálogo real a partir das experiências de cada um. Será
que a referência à mediatização não
resultará simultaneamente num consenso, ou pelo contrário, em
puras candidaturas de provocação, cuja
"popularização" mediática é inversamente
proporcional à confiança que os franceses nela depositam?
Estamos longe do comprometimento político, e essa situação
não é de hoje, ela é o produto de uma
evolução, em particular, a do PCF a partir dos anos de 1990, da
segmentação organizada deste partido e da sua base militante, e
das organizações sindicais. Toda a esquerda, inclusive o PS, em
maior ou menor escala, conheceu a aspiração ao topo, ao
político-mediático, mas no caso do PCF, ela foi mortífera,
sobretudo ao intervir após o afundamento da ex-URSS e dos países
satélites europeus, sobre os quais nunca se fez uma análise
revolucionária. Apenas a análise dos vencedores foi admitida,
quando teria sido necessário fazer a seguinte pergunta essencial: por
que razão um povo deixa de lutar por um sistema que devia corresponder
aos seus interesses objectivos? Houve, então, confusão,
dissolução ideológica reforçada pelo
desmantelamento organizacional. Isto revela que o modelo social-democrata
não foi melhor defendido do que o comunismo, e a ausência de
alternativas surgiu daí, toda a esquerda perdeu a sua razão de
ser, desligou-se das camadas populares. As análises ditas
"sociológicas" sobre a evolução da
população vieram confirmar essa demissão, não
haveria mais operários, apenas empregados, simplesmente do sector
terciário e das camadas médias. Como a economia neoliberal teve a
pretensão de se impor como uma "técnica"
incontornável, rejeitando a política, e o debate em torno das
escolhas, a demissão foi justificada por uma tecnicização
sociológica da população francesa. Cabe a cada
eleição descobrir que as camadas populares maioritárias
não se reúnem em Paris, e esquecê-las assim que a
eleição termina.
Trata-se de uma situação irreversível? Tudo leva a crer
que sim: basta pensarmos na recente escolha do PCF de se juntar aos
comités do Não, em privilegiar os fóruns, em vez de
recriar uma organização; na ausência total de
análises sobre a mundialização imperialista, sobre as
grandes tendências do momento, sobre a escalada das resistências. A
acção sobre questões tão essenciais como o problema
dos deslocados ou dos imigrantes é muito difícil, ou mesmo
impossível, sem a compreensão da ordem internacional. De modo
geral, a procura efectiva de soluções foi abandonada juntamente
com renúncia às lutas contracorrente. Não se trata apenas
da experiência soviética, mas também da esquerda que
dirigiu a integração europeia e foi conivente com as
políticas neoliberais. Se, actualmente, a União antiliberal
não ousa falar verdadeiramente de nacionalizações, salvo
de maneira pontual, é porque as nacionalizações levadas a
cabo durante os anos de 1980 se traduziram em reestruturações
maciças, no licenciamento de centenas de milhares de trabalhadores, em
investimentos públicos maciços, e depois deste
"trabalho" tudo foi entregue à gestão dos
privados
Apesar de tudo, será possível lutar contra o que
nos traz a lógica do mercado concorrencial, o reforço das
desigualdades sociais, a destruição dos serviços
públicos, a perturbação do equilíbrio ambiental, a
guerra generalizada, o fim do direito das nações à
autodeterminação, sem controlar índices económicos,
sem uma planificação? A participação
necessária dos cidadãos, sem esse mínimo de
considerações, ainda tem sentido? Se descartamos estas
questões, de que falaremos nós?
Se durante décadas o PCF pôde constituir tal ponto de
referência, e através dele, uma perspectiva socialista, que
até mesmo aqueles que não votavam nele eram alertados pelas suas
análises, as suas chamadas de atenção, actualmente,
eleitores e militantes não têm, na sua maioria, uma visão
clara dos objectivos que se perseguem. Já para não falar do PS e
de outros como os Verdes.
Em contrapartida, hoje, em todo o planeta, fazem-se experiências, e
nós temos obrigação de as conhecer, para podermos
participar na construção de uma outra ordem internacional
multipolar, respeitadora do direito das nações, e da
possibilidade de responder às necessidades da maioria; além
disso, muitas relações de cooperação mutuamente
vantajosas e relações de solidariedade se esboçam.
Não podemos construir uma alternativa antiliberal se ignoramos esse
contexto, que é o das lutas e das vontades políticas.
Em suma, estamos de facto perante a catástrofe iminente. Existem meios
de a conjurar? No que toca às eleições presidenciais de
2007, esqueçam! Salvo em caso de mudanças importantes, estas
eleições e as que se seguirão não serão, com
certeza, a base de apoio à formação de uma união
antiliberal. Na melhor das hipóteses surgirá uma união de
circunstância. Mas talvez seja necessário ir até ao fim da
catástrofe para que essa união antiliberal nasça de facto.
As demoras são graves, a situação não cessa de se
degradar, e o povo francês não se resigna. Ele não espera
grande coisa destas eleições, e muito provavelmente,
verificar-se-á um máximo de abstenções. O que
corresponde, no fundo, à tendência contínua do crescimento
da abstenção, nomeadamente no caso das eleições
presidenciais. Será que as candidaturas "oficiais" do
político-mediático, por exemplo, as do duo
Sarkozy-Ségolène, conseguirão ir até ao fim?
Serão elas torpedeadas pelos seus próprios apoiantes? O
carácter irrisório das propostas relativamente à
situação que se vive vai sendo medido. Face a uma
populização da vida política que cria simultaneamente um
fascínio e um vazio abissal, abre-se uma via. Mas essa via tem de visar
um objectivo essencial, interrogar-se prioritariamente sobre as
condições em que os jovens e as camadas populares
encontrarão os meios reais para uma politização, para uma
intervenção efectiva na sua situação. A ideia
subjacente não é reunirem-se para inventar um programa, pois que
o papel das forças políticas é fazer
proposições, discuti-las por todo lado e promover dessa forma o
militantismo no terreno. Se queremos uma política anti-neoliberal,
é necessário que os povos tenham a possibilidade de se expressar
e de agir. Tudo o que provoca o afastamento deste objectivo, quaisquer que
sejam as intenções afirmadas, não nos pode levar
senão para a situação política que tenho vindo a
descrever neste texto: o consenso imperialista neoliberal. Perante isto,
temos de pensar, analisar, perspectivar, e organizar em função
desse objectivo, evitando assim o erro, reproduzido até a nível
local, de acreditar que a solução é um grupo de altos
dirigentes, em que "especialistas" alternam entre dossiers
tecnocráticos e querelas de chefia em torno de
"candidaturas"..
Doravante, nenhum povo julga as organizações, os dirigentes com
base em conformidades ideológicas, mas antes com base na utilidade que
estes e estas evidenciam, efectivamente, no que diz respeito aos seus
problemas. Que utilidade tem, actualmente, uma união antiliberal para o
nosso povo?
Ora, tudo isto não é dito para desesperar aqueles que tentam
agir, muito pelo contrário, é precisamente para que ajamos todos
com o máximo de eficácia quanto àquilo que nos anima:
acabar com esse sistema assassino tanto para os seres humanos como para o
planeta.
[*]
Socióloga.
O original encontra-se em
http://www.legrandsoir.info/article.php3?id_article=4052
.
Tradução de Rita Maia.
Este artigo encontra-se em
http://resistir.info/
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