Acerca das taxas de rendimento negativas
por Bruno Bertez
Como é possível que haja pessoas ou instituições
que compram títulos do Estado ou de grandes sociedades com um rendimento
negativo?
Formulamos a pergunta de outro modo a fim de facilitar a compreensão:
Como é possível que pessoas ou instituições paguem
para possuir títulos emitidos pelo Estado ou por grandes sociedades como
a Nestlé? Como é que alguns aceitam ver o seu capital
corroer-se?
Primeiro é preciso ter em mente que o que as pessoas ou as
instituições intercambiam não é dinheiro
(cash),
mas sim depósitos bancários. Ao comprar um título com
taxa negativa elas procedem a uma troca, trocam um crédito sobre o banco
por um crédito sobre um devedor sólido como um governo ou a
Nestlé.
Isso significa que elas consideram o governo em causa ou a grande multinacional
serem mais seguros, mais solventes, do que o seu banco. Isso é que
é preciso ter em mente. Um depósito bancário não
é um direito de propriedade clássico, de facto não
é tão pouco um depósito e sim
um crédito sobre o banco.
Um depósito bancário é uma relação com o
banco, relação governada pelas leis bancárias e o
código monetário. Ora, tudo mudou subrepticiamente. O motivo da
mudança é celerado, pois resume-se a isto: em caso de
crise,
não é preciso que seja o contribuinte a pagar mas sim os clientes
dos bancos. Sob o pretexto de proteger o contribuinte, deseja-se de facto fazer
com que seja o cliente do banco a pagar. É uma trapaça
intelectual, pois estando todo o mundo bancarizado a classe dos contribuintes e
a classe dos clientes se sobrepõem. De facto, quando eles dizem
"contribuintes" entenda-se o Estado, o governo. Trata-se de proteger
o Estado, o governo, de cortar a ligação entre o sistema
bancário e os governos para proteger estes últimos.
Se nos acompanham, compreendem que a compra de títulos soberanos ou
sólidos com taxas negativa não tem sentido senão se se
considera que os depósitos bancários estão
ameaçados. Ao comprar estes títulos, toma-se um seguro, é
uma cobertura
contra um ou vários riscos. Estes riscos são variados, mas ainda
assim reais.
Há o risco de tributação sobre os depósitos
bancários por parte dos governos. Há o risco de taxas negativas
sobre os depósitos impostas pelos bancos como já acontece, sem
publicidade, em muitos lugares da Europa. Há o risco de
bail-in,
ou seja, de bloqueio da sua conta de depósito quando houver
dificuldades do banco. E sobretudo, daquele que não se fala, o
risco de "corrida". Uma corrida é quando todo o mundo se
precipita para o banco a fim de retirar o seu dinheiro. A corrida leva o banco
à falência por falta de liquidez e este é o risco, o grande
risco oculto do sistema. Este risco é colossal. Para o contrariar, os
governos instituíram limites para os montantes de retiradas e limites na
periodicidade destas retiradas. Isto protege os bancos, mas transforma seus
haveres em haveres não líquidos, isto é, não
há mais
cash.
Num segundo momento, após o bloqueio, vem a amputação, o
confisco parcial.
[1]
É contra todos estes riscos que os grandes, os ultra-ricos, as
instituições, se querem proteger.
E para se protegerem é preciso então tomarem um seguro e para ter
um seguro é preciso pagar. Assim, as taxas negativas devem ser
interpretadas como um custo, um prémio de seguro que se paga, um
sacrifício para melhorar sua segurança.
Quanto mais as taxas se tornarem negativas e quanto mais se generalizarem, mais
os seguros serão caros, o que significa que a percepção do
risco vai aumentar e se a percepção do risco aumenta então
o risco real também aumenta. É uma profecia que se realiza ao ser
acreditada, como é frequente em matéria financeira. Nisto os
idiotas que governam não pensaram eles próprios aumentam o
risco que pretendem estancar.
As taxas negativas constituem a confissão por parte dos governos e dos
bancos centrais de que não só a crise não está
acabada como também de que ainda mal começou!
De facto, estamos numa gigantesca armadilha e a verdade obriga a dizer que
não há lugar onde se esconder,
"no place to hide".
Para fugir ao risco que paira sobre os depósitos bancários,
pode-se comprar fundos do Estado, obrigações
corporativas, acções, etc. Mas tudo o que se possa comprar
está sobrevalorizado. Tudo o que é comprável está
em bolha, como se diz. O risco de baixa é colossal, pelo menos de 50%,
mas provavelmente de 60% na minha opinião. Portanto,
substitui-se por um risco de dedução
(prélèvement)
talvez não muito importante, ao invés de um risco de
amputação de um capital muito maior.
Eles colocaram as pessoas na armadilha, os povos, eis a realidade e é
voluntário, é cínico.
Quando se está no modo sem risco
(risk-off),
ou seja, de medo do risco, vai-se certamente para o cash e os fundos de Estado
com os riscos que isso comporta, acima descritos. Quando se está no modo
risk-on,
apetite pelo risco, vai-se para as acções e suportam-se os
riscos de super-avaliação que isso implica.
No universo convencional, quem falar cruamente está tramado.
Os governos brincam connosco de esconde-esconde, mas somos sempre perdedores.
Passa-se tudo como na auto-estrada quando está engarrafada. Quando se
descobre um buraco muda-se de fila e acredita-se ir mais rápido que os
outros. Alguns minutos mais constata-se que é a fila anterior que
circula melhor, torna-se a mudar e assim por diante. Com este comportamento
esquece-se que a lei do mercado tudo igualiza, à medida que passa o
tempo.
Se fugir do cash, vai-se prejudicar pelas taxas negativas sobre os fundos do
Estado, se fugir para os fundos do Estado vai-se prejudicar pelas
acções, tudo entramado...
no place to hide.
A compra de ouro é um seguro, mas naturalmente tem um custo. Eles
fazem tudo o que podem para nos meter medo, para nos dissuadir, portanto para
fazer tombar as cotações
[NR]
, introduzem a volatilidade. E depois nos
assustam com as ameaças de requisição, de
tributação, de roubo, etc. E o ouro não é muito
líquido, é um custo a acrescentar.
Mas a única protecção é sair do universo, do seu
universo.
Aconselhamos:
muito cash em sua casa
ouro físico em moedas sem comissão
(prime),
tipo Kruger ou 50 Pesos mexicanos
fundos do Estado com maturidade curta, três anos por exemplo
organismos de investimento colectivo em valores mobiliários (OPCVM) do
imobiliário locativo
imobiliário locativo de pequena superfície em zona urbana
financiar sua própria actividade, sua pequena empresa.
NR
[1] Acerca das manobras do Fed para deprimir a cotação do ouro
ver
Os manipuladores do ouro
, de Paul Craig Roberts
[2] Ambas as situações, amputação e confisco
parcial, já se verificaram em Chipre. Ver
Pensa que o seu dinheiro está seguro numa conta bancária? Pense bem
, de Ellen Brown
O original encontra-se em
leblogalupus.com/...
Este artigo encontra-se em
http://resistir.info/
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