O sistema financeiro mundial, a banca nacional e a soberania
O sistema financeiro internacional foi o epicentro da crise iniciada em Agosto
de 2007, com as suas toneladas de lixo tóxico e as fantásticas
pirâmides Ponzi (D. Branca). Sabe-se hoje que esteve à beira da
hecatombe.
A crise das dívidas públicas, que se lhe seguiu, com aspectos
dramáticos e graves consequências económicas, financeiras e
sociais, que estão longe de ser superadas, verificou-se no essencial na
zona euro, porque ao BCE está vedado o financiamento directo aos
Estados, e estes ficaram prisioneiros dos mercados, que especularam
desenfreadamente, perante a passividade do sr. Trichet e o apoio e
pressão do então denominado "mercozi" Merckel e
Sarkozi.
Com o agudizar da situação ficou demonstrado, com Draghi, que a
especulação sobre a dívida pública dos
países periféricos (bastou a ameaça aos mercados de que
tudo seria feito para salvar o euro) poderia ter sido travada logo de
início, pelo que o custo de toda a especulação (juros e
aumento da dívida) deve ser endossado ao BCE e aos países que se
opuseram à intervenção. É de recordar que em plena
crise o BCE ainda aumentou as taxas de juro, em Junho de 2008 e de 2011, e que
só no Verão de 2012 Draghi alterou a sua política. Foram
quatro anos de especulação sobre as dívidas
públicas, que não são da responsabilidade dos
"países da periferia".
Sustentámos, desde o início, que a aceleração do
aumento das dívidas públicas foi uma consequência da crise
e, no essencial, das medidas tomadas de apoio à Banca, à sua
capitalização e desendividamento, e não a
consequência do aumento dos gastos com saúde, ensino,
investigação, trabalhadores da função
pública, o tal "despesismo" que a direita e os seus
comentadores de serviço atribuíram todas as responsabilidades.
Sobre esta questão estamos agora muito mais acompanhados.
Há hoje um reconhecimento geral dos factores que levaram ao
significativo aumento da dívida. A opinião pública tem
agora uma melhor percepção para onde foram, e continuam a ser,
canalizados os cortes, nas pensões, reformas, vencimentos dos
trabalhadores da função pública,
e o tal
"enorme aumento de impostos"!
Até Braga de Macedo o reconheceu recentemente, ao subscrever o
"Manifesto para uma nova narrativa da zona euro",
"Rebooting the eurozone: agreeing a crisis narrative",
iniciativa de um conjunto de economistas de vários países (CEPR.
Policy insight n.º 85).
Tivemos a dívida pública ao serviço da dívida
privada.
Chegou-se ao desplante de se ver a mesma imprensa que propagandeou durante anos
seguidos a tese do "despesismo", e de que a banca portuguesa estava
sólida, a publicar agora, em títulos garrafais:
"Dívida pública salva lucros da banca. CGD, BCP, BPI e
Santander ganharam 1,4 mil milhões de euros com operações
financeiras em 2015" (
Expresso,
6/Fevereiro/2016)!
O sistema financeiro mundial, passado o pânico do auge da crise, voltou
às mesmas práticas de sempre.
O seu poder é tal que tem travado, ou adiado, o essencial da
regulamentação proposta pelos poderes públicos e pelo
Comité de Basileia.
Christine Lagarde, numa conferência sobre o "capitalismo
inclusivo", foi obrigada a condenar o sector por "bloquear as
reformas necessárias" ao seu restabelecimento
(Christine Lagarde fustige les hobbies bancaires", Le Figaro,
27/Maio/2014).
Em 2011, o G20, reunido em Cannes, acabou por reconhecer a responsabilidade do
sistema bancário na crise, e definiu 29 bancos como sistémicos,
depois reduzidos a 28 pela falência do DEXIS, franco-belga.
Da lista desses 28 faz parte o Santander e nenhum banco português. Dos
nove bancos da zona euro a Espanha tem dois, Santander e BBVA.
Estes bancos detêm nos seus balanços uma boa parte da
dívida dos Estados e o seu poder não é comparável
com a fraqueza dos Estados. O accionista e ex-banqueiro Edgar Morin chama-lhes
a "hidra mundial" que domina os grandes mercados monetários e
financeiros e o poder político.
São eles os principais criadores e proponentes dos produtos derivados
altamente especulativos, e a sua posição dominante confere-lhes
poderes análogos aos das grandes instituições
públicas, designadamente a capacidade de fixar o preço do
dinheiro.
São os
so big to fail
e os seus responsáveis os
so big to jail.
Como se tem visto no caso da manipulação das taxas de
referência (Libor, Euribor), branqueamento de capitais,
falsificação de balanços.
Os produtos "derivados" foram o combustível da
propagação sistémica nas crises de 1990 e 2007, e atingem
hoje um volume várias vezes o produto mundial.
A montanha dos produtos derivados, capital fictício, os activos da
shadow bank,
banca paralela que, segundo o Finantial Stability Board, representa 120% do
PIB mundial e cujo controlo é ainda muito menor do que a generalidade da
banca, bem como a "bolha" das dívidas públicas,
são material explosivo cuja deflagração terá
consequências muito mais devastadoras do que as anteriores crises.
Em relação à "bolha" das dívidas
públicas, como já alguém disse, "ou ela se resolve a
frio ou ela rebentará a quente", com repercussões em todo o
planeta, dada a globalização dos mercados financeiros
impulsionada pela grande conquista do capital que foi a livre
circulação de capitais. E afirmamos que o potencial explosivo
é muito superior ao das anteriores crises porque, para acudir ao sistema
financeiro, todos os bancos centrais, sendo o BCE o mais tardio, se
lançaram na política de
quantitativ easing
(QE), injecções de liquidez com o objectivo de, através
da política monetária, impulsionaram a actividade
económica, combateram a deflação, ajudaram a banca
(veja-se o caso do Deutsche Bank).
Se, no quadro do sistema, estas medidas foram positivas, a sua
continuação, sem alteração do quadro
económico global, criaram um volume de massa monetária (ver
"La folie des banques centrales",
de Patrick Artus) que se dirige para este e para aquele produto especulativo,
aumentando o capital fictício e a sua volatilidade, sem dar resposta aos
problemas da chamada economia real, à procura global e ao desemprego,
que se acentua pela crise, pela robotização e novas tecnologias e
aumento das jornadas de trabalho!
Se tivéssemos que sugerir algumas reivindicações e
objectivos de luta e de combate à crise e que fossem comuns e
transversais às diversas forças políticas e sociais
progressistas dos países mais desenvolvidos, apontaríamos: o
aumento do poder de compra das massas trabalhadoras e a melhoria do rendimento
nacional; a redução generalizada do horário de trabalho
sem perda de rendimentos e direitos; o controlo da circulação de
capitais e a nacionalização ou controlo público do sistema
financeiro.
A banca nacional e a soberania
No nosso país a privatização da banca, apresentada como um
factor de modernização e de desenvolvimento, foi comandada pelo
poder político, e constituiu uma das maiores transferências de
dinheiro público para mãos privadas. Um autêntico roubo ao
erário público, formalmente legal, mas que uma séria e
não golpista operação "mãos limpas" ou
"lava jato", aos envolvidos nos processos de
privatização da banca poucos deixaria de fora. Foi a época
da criação de fulgurantes fortunas, de "novos
banqueiros", de novos bancos, de um novo-riquismo que se assenhoreou do
poder económico, da comunicação social e do poder
político.
Um "barão" socialista chegou a afirmar na altura que bebia uma
taça de champanhe por cada privatização que se fazia!
(Penedos,
Visão)
Hoje podemos perguntar o que é que Portugal, o povo português, os
trabalhadores, os pequenos e médios empresários ganharam com a
privatização da banca?
Há quem contra argumente apresentando o caso da Caixa para mostrar que
um banco público é mal gerido e fica dependente do poder
político.
É certo que não basta a nacionalização da banca,
quando esta é feita para depois ser privatizada, como se viu com o BPN e
o BANIF, ou quando o "poder político" a utiliza para financiar
operações de privatização e os interesses privados,
e não o interesse público, ou quando esta é gerida por
gestores de "aviário" de partido, como atestam os Vara,
Celestes Cardona, Fernandos Tomaz,
ou como se viu ainda na disputa de
lugares na Caixa entre o CDS e o PSD no último governo.
A natureza de classe do poder político é essencial. Gestão
bancária ao serviço do povo ou de oligarquias?
Mas a verdade é que, apesar disto tudo, e depois de descontados os
valores dos últimos cinco anos em que a CGD deu prejuízos e as
entradas de capital por parte das Finanças, os lucros entregues ao
Estado só nestes últimos 12 anos são de montante muito
superior (entre 2004 e 2015 a CGD teve de lucros 1552 milhões de euros,
e os impostos pagos foram sempre muito acima de qualquer banco privado, que
inclusivamente chegaram a criar esquemas fraudulentos para fugir aos impostos!
(Ver "Operação Furacão")
Acresce que a CGD e o seu património continuam como activo nacional.
Pouca coisa dirão os analistas e comentadores serviçais dos
grandes interesses. Muito dirão os que, sinceramente, defendem a
soberania e o interesse nacionais.
Um país em que o seu sistema financeiro está nas mãos do
estrangeiro, é um país apenas formalmente independente, e
é uma evidência que o BCE "governo" não eleito e
correia de transmissão do "Directório das Grandes
Potências", os burocratas de Bruxelas e a Comissão com o seu
"Pacto de Estabilidade", actuam no sentido de forçar as
privatizações e, no caso da banca, à
constituição de super bancos que dominarão os grandes
espaços na União Europeia.
É necessário denunciar e combater esta política,
não dar novos passos no sentido de comprometer ainda mais o nosso
sistema financeiro, e não dar também por irreversível
"compras feitas por estrangeiros".
Agora já há muitas almas que se inquietam ao verem sucessivos
bancos a ficarem no domínio do estrangeiro!
Pelo que a imprensa diz, ficou a saber-se, ainda na semana passada, que Marcelo
Rebelo de Sousa não quer que o Novo Banco fique nas mãos dos
espanhóis, que Ferreira Leite alertou, justamente, para a questão
da nossa soberania, que está em causa, e que o espantoso e mui
socialista Murteira Nabo lamentou: "se calhar, infelizmente" os
bancos "vão ficar todos estrangeiros". Porém,
questionado sobre a nacionalização do Novo Banco, não teve
dúvidas: "é um disparate"! E porquê? "Agora,
estar a nacionalizar um banco daquela importância e dimensão,
tendo o Estado já a CGD que tem 30% ou mais da quota de mercado,
não tem sentido". O "infelizmente" deste socialista
convertido às águas neoliberais e ao "venha a nós o
nosso reino", que é como quem diz à nossa carteira, diz bem
da leviandade e da hipocrisia destas personagens que nos têm conduzido ao
retrocesso económico e social, e à crescente
dominação pelo estrangeiro.
Agora até alguns banqueiros defendem a nacionalização do
Novo Banco "por enquanto", isto é, para depois ser
privatizado... convencidos que este ficará em mãos nacionais,
como se viu com o BPN, BCP, Totta, e agora com o BPI. E veremos o que
acontecerá com a Caixa Económica do Montepio!
Aos que se deram conta da triste e grave situação em que nos
encontramos, a uns e a outros, é de lhes lembrar, está publicado,
o que afirmámos aquando da adesão de Portugal à
então CEE, e que mantivemos ao longo do tempo: "com a
integração ainda mais se justifica que as empresas básicas
e estratégicas se mantenham nacionalizadas, se não quisermos que
elas venham a cair, mais cedo ou mais tarde, nas mãos do estrangeiro,
alienando-se a soberania nacional"! Os factos aí estão.
Agora já é claro que os bancos ou ficam na esfera pública
ou vão para as mãos do estrangeiro! A questão da soberania
é hoje uma questão central do nosso país. Uma soberania
tutelada não é soberania, e sem soberania são a
democracia, a vontade popular e as liberdades que estão em causa.
Um país com séculos de história que chegou à
situação de estar dependente da notificação de uma
obscura agência de certificação canadiana, um país
que recebe ordens de um qualquer comissário Moscovici, este ainda por
cima socialista, ou até de uma Direcção Geral de
Concorrência, ou ainda por mail de uma tal Danièle Nouy, um
país que tem um governador que se comporta como um funcionário
subserviente do BCE, como se o Banco de Portugal fosse uma mera sucursal deste,
um país que alienou a sua política monetária, cambial e
até orçamental, e em que as elites no poder privatizaram e assim
entregaram, directa e indirectamente, as principais empresas portuguesas ao
estrangeiro, esse país, com séculos de história, é
um país cada vez mais colonizado.
É tempo de dizer basta!
Basta de negociatas e de submissão!
Tenha-se vergonha!
Tenha-se dignidade!
Defenda-se a independência e a soberania de Portugal!
Ver também:
A nacionalização da banca em Portugal: Nove anos a construir, nove anos a destruir
, Carlos Gomes, UNICEPE, Porto, 2011, 192 p., 2075 kB
[*]
Economista. Intervenção no seminário
"controlo público da banca, condição para o
desenvolvimento da soberania nacional", em 22/Março/2016
O original encontra-se em
http://www.pcp.pt/sistema-financeiro-mundial-banca-nacional-soberania
Este artigo encontra-se em
http://resistir.info/
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