Quando o ministro das Finanças holandês
Jeroen Dijsselbloem disse aos jornalistas
em 13
de Março de 2013 que o esquema de confisco de
depósitos efectuado em Chipre seria o modelo para futuros salvamentos
(bailouts)
bancários europeus, a declaração provocou tanto furor que
ele foi obrigado a retractar-se. Mas o salvamento interno
("bail in")
[1]
de fundos de depositantes agora a tornar-se política oficial da UE. Em
26 de Junho de 2013
o New York Times informou
que ministros das Finanças da UE haviam concordado com um
plano que comuta a responsabilidade por perdas bancárias dos governos
para investidores, credores e depositantes não segurados da banca.
Depósitos não segurados (aqueles abaixo de 100 mil, ou
cerca de US$130 mil) alegadamente serão "plenamente
protegidos". Mas protegidos por quem? Os fundos nacionais de seguros
destinados a protegê-los são inadequados para cobrir uma outra
vasta crise sistémica bancária e o tribunal da European Free
Trade Association determinou no caso da Islândia que os fundos de seguro
não se destinavam a cobrir aquela espécie de colapso
sistémico.
Comutar o fardo de um grande colapso bancário do contribuinte sem culpa
para o depositante sem culpa é mais um caso de roubar Pedro para pagar
Paulo, enquanto os perpetradores reais [do crime] prosseguem sem risco esquemas
bancários especulativos
Baralhando as cadeiras no convés do Titanic
Embora o modelo de salvamento interno (bail-in) não tenha chegado aos
noticiários até ter sido imposto a Chipre, em Março de
2013, trata-se de um modelo global que remonta a uma
directiva do Financial Stability Board
(um braço do Bank for International Settlements) datada de Outubro de
2011, endossada na cimeira do G20 em Dezembro de 2011. Em 2009, os
países do G20 concordaram em serem regulados pelo Financial Stability
Board; e políticas de
bail-in
foram agora estabelecidas para os EUA, Reino Unidos, Nova Zelândia,
Austrália e Canadá, dentre outros países. (Ver artigos
anteriores,
aqui
e
aqui
).
O plano de bail-in da UE, o qual ainda precisa ser aprovado pelo Parlamento
Europeu, permitiria a líderes europeus esquivar-se a algo que
evidentemente lamentam ter assinado, o acordo conhecido como
Mecanismo Europeu de Estabilidade
(MEE ou ESM, na sigla em inglês). Jeroen Dijsselbloem, que desempenhou
um papel de liderança na imposição do plano de confisco de
depósitos em Chipre, disse em 13 de Março que "o objectivo
é que o MEE nunca tenha de ser utilizado".
Aprovado com pouca publicidade em Janeiro de 2012
[2]
, o MEE impõe uma dívida ilimitada aos governos membros da UE,
colocando contribuintes presos ao que quer que os supervisores do MEE exijam.
Dois dias antes da sua ratificação, em 1 de Julho de 2012,
o acordo foi modificado para fazer com que o fundo permanente de salvamento (bailout) cobrisse o bailout de bancos privados
. Isto era o sonho dos banqueiros um bailout permanente e
compulsório de bancos privados por parte de governos. Mas governos da UE
estão agora a vacilar diante daquele pesado compromisso.
Em Chipre, o confisco de fundos de depositantes foi não só
aprovado como também tornado obrigatório pela UE, bem como pelo
Banco Central Europeu (BCE) e o FMI. Eles disseram aos cipriotas que
depósitos abaixo dos 100 mil em dois grandes bancos em bancarrota
seriam sujeitos a um tributo de 6,75% ou "haircut", ao passo que
aqueles de mais de 100 mil seriam afectados por uma
"penalidade"
("fine")
de 9,99%. Quando o parlamento nacional cipriota rejeitou esmagadoramente a
penalidade, os depósitos não segurados inferiores a 100 mil
foram poupados; mas isto foi
a expensas dos depósitos não segurados
, os quais levaram uma pancada muito maior, estimada em cerca de 60% dos fundos
depositados.
A promessa evasiva do seguro de depósito
Se bem que depositantes não segurados tenham escapado em Chipre, eles
podem não se sair tão bem num colapso bancários da
espécie vista em 2008-2009. Como observou Anne Sibert, Professora de
Teoria Económica na Universidade de Londres, num
artigo de 2 de Abril na Vox
:
Muito embora não tenha sido adoptada, a extraordinária proposta
de que pequenos depositantes deveriam perder uma parte das suas
poupanças uma proposta que tinha a aprovação de
decisores do Eurogroup, do BCE e do FMI levanta a questão:
Haverá qualquer protecção crível para depositantes
em pequenos bancos na Europa?
Ela observou que aos membros da European Economic Area (EEA) a qual
inclui da UE, Suíça, Noruega e Islândia é
exigido estabelecer esquemas de seguro de depósitos cobrindo a maior
parte dos depositantes acima dos 100 mil e que estes esquemas
supostamente são financiados por prémios dos bancos individuais
do país. Mas a aplicabilidade (enforceability) do mandato de seguro da
EEA ficou em causa quando o banco islandês Icesave faliu em 2008. O
assunto foi levado ao tribunal da European Free Trade Association, o qual disse
que a Islândia não rompeu directivas da EEA sobre garantias de
depósitos ao não compensar depositantes do Reino Unido e Holanda
que possuíam contas no Icesave. A razão: "O tribunal aceitou
o argumento da Islândia de que a directiva da UE nunca se destinou a
tratar do colapso de todo um sistema bancário". Sibert comenta:
Os precedentes estabelecidos em Chipre e na Islândia mostram que seguros
de depósito são apenas um compromisso legal para pequenas
falências bancárias. Nas crises sistémicas, trata-se mais
de compromissos políticos doq que legais, de modos que a solvência
do governo segurador importa.
A UE pode mandatar governos para disporem seguros de depósito, mas se o
financiamento for inadequado para cobrir um colapso sistémico, os
contribuintes estarão mais uma vez comprometidos; e se eles estiverem
não desejosos ou incapazes de cobrir as perdas (como se verificou em
Chipre e na Islândia), retornamos aos depósitos não
protegidos, à rotina de falências de bancos e corridas
bancárias do século XIX.
Nos EUA, o seguro de depósito enfrenta problemas de financiamento
semelhantes. Em 30 de Junho de 2011, o fundo de seguro de depósitos do
FDIC
[3]
tinha um saldo de apenas US$3,9 mil milhões para proporcionar
protecção a perdas de
US$6,54 milhões de milhões de depósitos segurados
. Isso significa que cada US$10 mil de depósitos estava protegido por
apenas US$6 de reservas. O fundo FDIC poderia tomar emprestado do Tesouro, mas
o
Dodd-Frank Act (Section 716)
agora proíbe salvamentos pelo contribuinte das actividades com
derivativos mais especulativas; e estas seriam o provável disparador de
um colapso estilo 2008.
Os derivativos pretendem ter "super prioridade" em bancarrotas, o que
significa receberem antes de todos os outros. No evento de uma grande quebra
com derivativos no JPMorgan Chase ou no Bank of America, ambos possuindo
derivativos com valores nocionais que excede os US$70 milhões de
milhões, o colateral é capaz de desaparecer antes que o FDIC ou
outros depositantes "segurados" (incluindo governos estaduais e
locais) se posicionem na fila. (Ver
aqui
e
aqui
).
Quem deveria pagar?
Quem deveria arcar com a perda no caso de um colapso sistémico? As
opções actualmente em cima da mesa limitam-se a contribuintes e
credores da banca, incluindo a maior classe de credores: os depositantes. Impor
as perdas aos próprios bancos perdulários seria mais correcto,
mas se eles apostaram e perderam o dinheiro, simplesmente já não
terão os fundos. As regras precisam ser mudadas de modo a que não
possam jogar o dinheiro e dissipá-lo.
Uma possibilidade de alcançar isto é uma
regulamentação numa área ampla. Sibert escreve:
Não é razoável esperar [que seja] a área como um
todo para salvar bancos de um país em particular a menos que este possa
supervisionar os bancos do país. Isto e problemático para a EEA
ou mesmo para a UE, mas pode ser possível pelo menos na Eurozona
quando e se um único mecanismo de supervisão entre em
funcionamento.
Uma agência regulatória única para todos os bancos da
Eurozona está a ser negociada, mas mesmo se vier a ser acordada, a
experiência dos EUA com as regulações Dodd-Frank impostas a
bancos estado-unidenses mostra que só a regulamentação
é inadequada para conter a especulação bancária e
evitar o risco sistémico. Num artigo de Julho de 2012 no New York Times,
intitulado
Wall Street Is Too Big to Regulate
, Gar Alperovitz observou:
Com lobbyistas altamente pagos a contestarem toda regulamentação
proposta, é cada vez mais claro que grandes bancos nunca poderão
ser eficazmente controlados como negócios privados. Se uma empresa (ou
cinco delas) forem tão grandes e tão concentradas que a
competição e a regulamentação são
impossíveis, o passo mais amistoso para com o mercado é
nacionalizar as suas funções.
A opção de nacionalizar
A nacionalização da bancarrota, de bancos sistemicamente
importantes, não é uma ideia nova. Ela foi feita com muito
êxito, por exemplo,
na Noruega e na Suécia na década de 1990
. Mas ter o governo a sanar a contabilidade e a seguir vender o banco de volta
ao sector privado é uma solução inadequada. O economista
Michael Hudson sustenta
:
A nacionalização real verifica-se quando o governo actua no
interesse público assumindo o comando da propriedade privada. ...
Nacionalizar os bancos nestes termos significaria que
o governo forneceria os créditos necessários ao país. O
Tesouro tornar-se-ia a fonte de novo dinheiro, substituindo o crédito da
banca comercial.
Presumivelmente este crédito seria emprestado para finalidades
economicamente e socialmente produtivas, não meramente para inflacionar
preços de activos enquanto sobrecarrega famílias e
negócios com dívida como tem acontecido com as actuais
políticas de empréstimo à banca comercial.
Anne Sibert propõe outra solução nestes termos. Ao
invés de impor perdas sobre os contribuintes ou sobre os depositantes,
elas poderiam ser absorvidas pelo banco central, o qual teria o poder para
simplesmente cancelá-las. Como prestamista de último recurso, o
banco central (o BCE ou o Federal Reserve) pode criar dinheiro com entradas no
computador, sem retirá-lo de outro lugar ou pagá-lo de volta a
alguém.
Essa solução permitiria aos depositantes manterem os seus
depósitos e salvaria os contribuintes de terem de pagar por uma crise
bancária que eles não criaram. Mas aqui permaneceria o problema
do "risco moral"
("moral hazard")
a tentação de bancos assumirem maiores riscos quando
sabem que podem esquivar-se à responsabilidade por eles. Esse problema
poderia ser evitado, entretanto, tornando os bancos empresas de utilidade
pública
(public utilities),
mandatados para operar no interesse público. E se eles passarem a ser
public utilities
desde o princípio, os problemas de bail-outs, bail-ins e crises
bancárias podem ao mesmo tempo ser evitados.
05/Julho/2013
NT
[1] Bail-out é o salvamento de um banco com recursos externos ao mesmo.
Bail-in o salvamento do mesmo com os seus próprios recursos (os dos seus
accionistas e/ou depositantes).
[2] Em Portugal, resistir.info foi dos poucos que deram o devido destaque ao
MEE
, antes de este ser aprovado pela maioria reaccionária da Assembleia da
República.
[3] Federal Deposit Insurance Corporation.
[*]
Procuradora, presidente do Public Banking Institute, autora de
Web of Debt
e de
The Public Bank Solution
. Seus sítios web são
http://WebofDebt.com
,
http://PublicBankSolution.com
e
http://PublicBankingInstitute.org
.
O original encontra-se em
www.globalresearch.ca/...
Este artigo encontra-se em
http://resistir.info/
.