O mito da Bitcoin como moeda
por Prabir Purkayastha
A criptomoeda Bitcoin viu o seu preço drasticamente recortado ao longo
dos últimos 12 meses, tornando-a um dos activos mais voláteis. Se
ela de algum modo pode ser considerada uma divisa um símbolo
(token)
de moeda que pode ser trocado por outros bens é outra
questão. Aos preços actuais em dólares cada bitcoin
é comercializado por US$9.120, menos da metade do seu preço
máximo de US$19.206 de um mês atrás. Dentre todas as
criptomoedas, e há mais delas, o Bitcoin é de longe a maior. Os
preços de todas as outras criptomoedas têm seguido as
oscilações do preço da Bitcoin.
O alarde acerca das Bitcoins e criptomoedas semelhantes tem sido o facto de
não serem criadas por um governo e de que os seus preços
estão fora do controle governamental. Isto torna-as um sonho
libertário. Para aqueles não familiarizados com esta
característica da política americana, os libertários
são aqueles que se opõem a qualquer papel do estado na economia,
mas acreditam apaixonadamente no seu papel repressivo como protector da
propriedade privada. Eles não devem ser confundidos com os anarquistas
os quais, ao contrário dos libertários, também se
opõem à propriedade privada.
Há algumas incorreccções fundamentais quanto a tais
criptomoedas. Uma delas é de que não podem ser regulamentadas ou
tributadas. É claro que elas podem ser regulamentadas pois são
comercializadas em vários mercados de câmbios
(exchanges).
A simples declaração de intenção da Coreia do Sul
de regulamentar Bitcoins levou o seu preço afundar-se significativamente
em poucos dias.
O grosso das Bitcoins é mantido nas chamadas carteiras
(wallets)
digitais, criadas pelas companhias, que também funcionam como mercados
de câmbios para Bitcoins. Todas estas companhias existem sob alguma
jurisdição legal. Todas estas transacções
Bitcoins por outras divisas em diferentes países existem sob
regras de controle de câmbio de governos. Todas estas carteiras, ou
transacções, podem ser tributadas através da riqueza, ou
imposto de transacção, ou o governo poderia definir riqueza de
modo a incluir criptomoedas e cobrar como imposto sobre ganhos de capital. O
problema não é que não possam ser tributados, mas que os
instrumentos de tal tributação riqueza, ganhos de capital
e impostos sobre transacção são um anátema
para as oligarquias financeiras que hoje dirigem os governos.
O QUE SÃO CRIPTOMOEDAS?
Ao contrário de governos que imprimem divisas legais e garantem o seu
valor, no mundo da criptomoeda quem determina qual é o montante sendo
transaccionado? E será que realmente pertence à pessoa que inicia
a transacção? Se utilizamos papel-moeda, impresso e garantido
pelo Estado, ele é reconhecido como moeda por ambos os lados
transacção: a verificação é quase
instantânea. No mundo das transacções digitais, é um
banco, ou companhia de cartão de crédito, que verifica tais
transacções, através de um sistema centralizado de
escrituração.
Como funciona isto para as criptomoedas? Como são elas criadas e como
são cambiadas sem uma autoridade centralizada? Satoshi Nakamoto, um
pseudónimo do fundador desconhecido da Bitcoin, propôs uma
solução criptográfica para resolver este problema. A sua
solução combinava as duas partes do problema como as
transacções poderiam ser reconhecidas e como a divisa poderia ser
criada numa só. Ele baseou-a num modelo de processamento
distribuído, onde não seria necessária nenhuma
verificação centralizada de através de um livro de
razão
(ledger)
central, criando uma tecnologia agora conhecida como cadeia de blocos
(blockchain).
A tecnologia blockchain é um sistema de razões
distribuídas e verifica colectivamente estas transacções.
O registo de todas as transacções está numa cadeia de
blocos, daí o seu nome.
Em 2008 Nakamoto pormenorizou como uma divisa poderia ser criada e mantida sem
uma autoridade central. Esta moeda dependeria do poder computacional e de um
conjunto distribuído de computadores que mantém um registo destas
transacções. Cada nó do sistema teria então uma
cópia deste razão e estes razões distribuídos
verificariam as transacções, fazendo quase impossível
defraudar o sistema.
Como as transacções Bitcoin são verificadas e como os
Bitcoins são criados? Cada bloco no sistema de blockchain subjacente
às Bitcoins contém um conjunto de transacções
Bitcoin. Você não pode registar duas transacções com
o mesmo conjunto de Bitcoins, pois a verificação mostraria que
já não os possui. Para cada bloco de transacções
ser reconhecido e acrescentado ao sistema, todos os nós trabalham
simultaneamente no "reconhecimento" deste bloco no mundo
Bitcoin chama-se mineração ao incorporar as
transacções num sistema computacional e a seguir
resolvê-lo. Uma vez que um nó encontra a resposta correcta, ela
é transmitida a todos os outros nós, os quais podem verificar que
na verdade é a resposta correcta. Uma vez que um conjunto de nós
aceitou a resposta, este bloco é acrescentado em todos os nós no
sistema. O nó que origina a solução obtém
então um conjunto de Bitcoins actualmente 12,5 por
resolver o problema.
Apesar de a resposta ser fácil de verificar, encontrar a resposta
será isto um bloco de transacções válido
é computacionalmente intensivo e tem nele um elemento de probabilidade.
A corrida não é vencida pelo mais rápido, embora
não seja realmente uma corrida, sem que disponha de máquinas
poderosas. Quando as máquinas se tornam mais poderosas, e mais
nós sejam acrescentados ao sistema, o nível de dificuldade
é elevado, de modo que a taxa de mineração 12,5
Bitcoins a cada 10 minutos permanece aproximadamente constante. O
número de Bitcoins concedido ao minerador com êxito também
decresce e em 2016 foi reduzido à metade, de 25 para 12,5, e
continuará a ser dividido em dois no futuro chegando a zero em algum
momento. O número final de Bitcoins que podem ser criados com este
método não poderá exceder os 21 milhões, um
número
que se espera ser atingido em torno do ano 2140. Até agora, cerca de 80
por cento de todos os Bitcoins que podem ser criados foram libertados dentro do
sistema.
Alguém que compra, vende ou cria Bitcoins precisa de uma chave pessoal,
uma cadeia de caractéres que só é conhecida pela
própria pessoa. A chave privada associa-se à chave pública
no domínio público, a qual pode então ser utilizada para
desencriptar o que estiver encriptado pela chave privada associada
(paired).
A cripto moeda está associada a uma chave e não a uma pessoa e
sem a chave não há acesso à moeda. Se você perde a
sua chave devido a um crash do disco rígido, ou pelo seu computador ser
hackeado, perde também o seu acesso à cripto moeda. E neste
paraíso libertário você não pode ir chorar junto
à mamã por perder a sua password/chave mestra e pedir uma nova;
ou queixar-se de que alguém roubou a sua chave. A sua chave, no mundo
Bitcoin, é você!
SERÃO OS BITCOIN OU CRIPTODIVISAS MOEDA?
A moeda, como sabemos, tem duas funções. Ela pode ser utilizada
para transacções ou pode ser mantida como um activo. Será
o Bitcoin um meio de transacção ou será um activo? Ou
será ambos, como quase todas as divisas o são?
Eu argumentaria que os Bitcoins não podem ser utilizados
significativamente para transacções, excepto num sentido muito
restrito, e portanto não são moeda. É uma classe de
activos e pressões especulativas explicam a volatilidade do seu
preço. Estou aqui a restringir-se às Bitcoins, considerando serem
representativas de outras criptodivisas.
A razão porque os Bitcoins não são utilizados para
transacções diárias, ao contrário de todas as
outras formas de moeda, é porque eles simplesmente não podem ser
escalados
(scaled).
Qualquer transacção em papel-moeda é independente de
quaisquer outras transacções; é independente de quantas
outras transacções estão a verificar-se simultaneamente no
sistema. É plenamente generalizável, sujeito apenas ao montante
de divisas no sistema. No mundo das transacções digitais, os
sistemas de cartões de crédito decentes de hoje podem manusear 60
mil transacções por segundo. O Bitcoin, como envolve um
árduo problema criptográfico, pode actualmente manusear
apenas 3 a 7 transacções por segundo.
Isso significa que os tempos de conclusão de transacções
pode ir de alguns poucos minutos a horas e se houver transacções
diárias os custos de transacção podem tornar-se uma grande
fracção da própria transacção.
Um conjunto de transacções com criptodivisas ainda pode acontecer
no mundo real. Estas são as transacções criminosas, onde o
anonimato é chave; onde aqueles, que sequestram o seu computador
utilizando o Wannacry ransomware, exigem serem pagos em Bitcoins. Além
de tais transacções criminosas, não parece haver qualquer
razão para que transacções no mundo real devessem ocorrer
em Bitcoins.
Por que então o valor de criptodivisas guina tão loucamente? Como
respondemos, é grande medida devido à especulação.
Mais de 40 por cento de todos os Bitcoins são detidos por menos de 1000
contas, o que leva ao potencial para grandes manipulações de
mercado. Além disso, com fluxos transfronteiriços a tornarem-se
importantes na era dos paraísos fiscais, um certo número de super
ricos quer precaver suas apostas através da detenção da
sua riqueza em diferentes formas: desde pinturas roubadas até Bitcoins.
Na era da oligarquia financeira global, o alarde das Bitcoins e suas
flutuações selvagens são simplesmente indicadores da
crescente criminalização do sistema financeiro.
04/Fevereiro/2018
Ver também:
Iceland: Crypto Mining Companies Will Consume More Energy Than Households In 2018
O original encontra-se em
peoplesdemocracy.in/2018/0204_pd/myth-bitcoin-money
Este artigo encontra-se em
http://resistir.info/
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