Um lembrete enquanto se aguarda a declaração de 6 de Setembro do
sr. Draghi:
"São os bancos alemães, estúpido!"
por Yannis Varoufakis
Em Abril de 2011 escrevi um artigo intitulado
"São os bancos alemães, estúpido"
, no qual afirmei que a razão
primária porque a Europa estava a permitir uma crise de dívida,
evitável, afundar a periferia tinha a ver com o estado lamentável
da banca alemã e com a determinação do governo
alemão de não fazer nada que revelasse a sua
condição precária. Chamei a isto o Grande Enigma
Bancário: como tratar as dívidas públicas da periferia sem
revelar a profundidade dos buracos negros dos bancos do sector privado da
Alemanha (e, menos ainda, os da França). Naquele artigo considerei que
os poderes em Frankfurt e Berlim estavam atarefados nas
preocupações com os bancos da Alemanha:
"Eles só fazem isso em segredo, por trás de portas fechadas,
lutam a fim de encontrar uma solução para o Grande Enigma
Bancário atrás das costas do povo e longe dos holofotes
publicitários. As suas deliberações estão agora
numa nova fase, aproveitando sugestões da crise da dívida grega.
Para ser bem entendido: a crise grega, ainda que monstruosa pelos
padrões gregos, é em si própria apenas um aborrecimento
para países excedentários da Europa. Uma grande soma de 200
ou 300 mil milhões podia ser reestruturada muito facilmente ou
pelo menos tratada de alguma forma. O seu significado está na
oportunidade que proporciona à Alemanha para revisitar o desastre
bancário europeu na sua totalidade. A reestruturação da
dívida grega, com suas repercussões sobre os bancos da Europa,
é um estudo de caso útil; um ensaio geral; uma desculpa para
começar o processo de encarar seriamente o mais vasto Grande Enigma
Europeu".
Desde então muita água passou debaixo da ponte. A dívida
grega foi reestruturada quase um ano depois (em breve se-lo-á mais uma
vez) e, o que é ainda mais importante, perdas bancárias foram
transferidas em massa para o contribuinte do Norte da Europa através:
(a) de acordos de empréstimos colossais para "salvamento" de
quatro países da Eurozona (Grécia, Irlanda, Portugal e, agora,
Chipre e ainda o país muito mais significativo, a Espanha) e (b) as
LTROs do BCE bombearam 1 milhão de milhões
(trilion)
de liquidez para dentro de bancos em grande medida insolventes da área
da Eurozona.
Tragicamente, esta transferência em grande escala do
"sofrimento" dos bancos para os contribuintes, via
instituições da Eurozona, não fez absolutamente nada para
deter a Crise. Por que o faria? Sem colocar em acção as
ferramentas institucionais em falta para reverter o efeito dominó, uma
mera transferência de sofrimento de uma entidade solvente para outra
não proporciona alívio. Assim, encontramo-nos agora numa fase de
desintegração avançada da área de divisa comum.
Só há poucos dias o BCE revelou a extensão da
desintegração: pequenas e médias empresas na Espanha pagam
taxas de juro que são, em média, 210 pontos base maiores do que
aquelas pagas por empresas comparáveis alemãs a fim de contrair
empréstimos de até um milhão de euros.
Recordando que a ideia de uma divisa única dentro de um mercado
único era para criar circunstâncias favoráveis a
preços convergentes de bens homogéneos (e o dinheiro deve ser o
mais homogéneo de todos os bens!), um spread de 210 pontos base para
empresas com a mesma perspectiva de lucratividade, na mesma área
económica, está na fronteira não apenas do escandaloso
como também, na verdade, do absolutamente insustentável. Desde
que os mercados funcionem adequadamente, o "preço do dinheiro"
(a taxa de juro) deve ser igualada por todas as diferentes regiões da
mesma área da divisa quando os tomadores são semelhantes em
termos de credibilidade, lucratividade, perspectivas, etc. Quando se observa um
imenso spread de 210 pontos base entre agentes comparáveis do sector
privado, graças apenas à sua localização
geográfica, sabemos que a nossa união monetária cessou de
funcionar.
ANUNCIANDO O ANÚNCIO
Não há nada controverso nestes pontos de vista. Nossos
políticos sabem que está é, na verdade, a nossa
situação e disseram isso de facto, na cimeira de Junho da UE, ao
concordarem em implementar uma união bancária como meio de
reverter o processo de desintegração. Umas poucas semanas mais
tarde, o sr. Draghi também confessou não ter dúvida acerca
da nossa triste situação, declarando categoricamente que o BCE
actuará decisivamente, anunciando um grande... anúncio em 6 de
Setembro. O que deveríamos esperar? Quão longe o anúncio
do sr. Draghi cairá em relação àquilo que ele quer
anunciar?
Há pouca dúvida de que o sr. Draghi quer que o BCE desempenhe um
papel notável na supervisão da união bancária
(através da supervisão de bancos em toda a Eurozona e
também pela aquisição de poderes para despachá-los
se forem julgados insolventes). Sabemos isto porque ele o disse e,
também, exprimiu uma clara ambição de intervir igualmente
nos mercados de títulos, especialmente aqueles da Itália e da
Espanha, de modo a estabelecer um controle sobre os enormes spreads que impedem
o BCE de aumentar a oferta monetária (ou reduzir taxas de juros) para a
periferia. Mas será que lhe permitirão fazer estas duas coisas?
Ou será ele impedido pela oposição alemã?
O 6 de Setembro está próximo. Saberemos em breve. No entanto,
já temos sinais de que o sr. Draghi na verdade será travado. Em
30 de Agosto de 2012, o ministro alemão das Finanças tomou a rara
iniciativa de escrever um artigo no
Financial Times
intitulado
"Como proteger contribuintes da UE contra falências bancárias"
. Uma leitura rápida pode levar o leitor à
conclusão enganosa de que o sr. Schauble é a favor da
supervisão bancária sob os auspícios do BCE do sr. Draghi.
Infelizmente, trata-se do oposto. Lendo mais cuidadosamente, o seu artigo
é um manifesto destinado a impedir o BCE de desempenhar um papel
decisivo na supervisão e liquidação da banca.
"Não podemos esperar que um cão de guarda europeu
supervisione directamente todos os prestamistas da região 6000
só na eurozona de modo eficaz", escreveu o ministro das
Finanças alemão. Isto é um código para: A
supervisão nacional dos bancos permanece como está. O BCE
olhará sobre os ombros dos supervisores nacionais, sem quaisquer poderes
efectivos para despedir directores, impor injecções de capital
ou, na verdade, deitar abaixo bancos se pensar que é necessário
fazê-lo. Dito de modo diferente, quando o sr. Schauble sugere que o BCE
"deveria centrar sua supervisão directa naqueles bancos que podem
colocar um risco sistémico a um nível europeu", ele parece
estar a dizer que o Deutsche Bank deve ser supervisionado pelo BCE os
Landesbanks, Bankia, Dexia e todos os outros bancos mais pequenos cujas
fortunas estão entrelaçadas com grandes bancos como o Deutsche
Bank (incluindo a sua próprias, frequentemente turvas,
subsidiárias) devem ser mantidos afastados da observação
do BCE.
[1]
Isto equivale a sugerir que o BCE se torne um banco supervisor só
nominalmente. Em suma, o ministro alemão das Finanças foi
às páginas do
Financial Times
para prevenir o sr. Draghi com a seguinte declaração oculta:
"Ao BCE será dado um papel cerimonial como banco supervisor,
possivelmente com incumbência de supervisionar bancos espanhóis,
italianos e gregos, mas quando chegar a bancos alemães, ser-lhe-á
dito de modo inequívoco para "afastar-se". Os bancos da
Alemanha não são para serem sujeitos a uma supervisão
genuína não alemã. Ponto".
Passa-se algo semelhante com as compras de títulos que o sr. Draghi
sabem serem cruciais para retornar ao BCE algum controle sobre as taxas de juro
na periferia. O governo alemão tem estado ansioso para que o sr. Draghi
faça o que for preciso a fim de ganhar mais um ano ou pouco mais para a
Eurozona (tal como ele fez no fim do ano passado com a LTRO) mas não
para consertar o sistema de uma vez por todas. Um tal conserto permanente
criaria um impulso para uma verdadeira união bancária, daquela
espécie que os bancos privados com sede em Frankfurt preferem manter
à distância.
Assim, quando ouvir o sr. Draghi declarar que o BCE (a) terá um papel
limitado na supervisão de bancos e que (b) comprará apenas
títulos italianos e espanhóis a curto prazo, tendo como objectivo
uma redução dos spreads para dívidas com maturidades de
menos de um ou dois anos, não fique surpreso. Essa conversa é-lhe
ditada e reflecte um objectivo exclusivo: permanecer do lado certo, o dos
banqueiros da Alemanha.
Conclusão
A área da divisa comum está rompida. Já não
é, de facto, uma área de divisa comum mas, ao invés, uma
área é que a mesma divisa é utilizada. Para começar
a consertar este sistema avariado, sem adoptar medidas radicais como aquelas
que sugerimos em
The Modest Proposal
, o BCE deve tornar-se o equivalente do
FDIC e do Fed, além disso isso deve funcionar rumo à
transformação do EFSF-MEE no TARP da Europa. Ao mesmo tempo, deve
desencadear um programa de
quantitative easing
(QE) que tenha a periferia como alvo, restaurando portanto os circuitos de uma
união monetária adequada.
Infelizmente, ao BCE não será permitido fazer nada disto, receio
muito. A menos que eu esteja extremamente errado, o anúncio de 6 de
Setembro do sr. Draghi mostrará que o papel de supervisão
bancária do BCE, por mais crucial que possa ser, será minado por
uma Alemanha determinada a manter à tona a confortável e doentio
relacionamento entre bancos privados da Alemanha e políticos
alemães. Quanto à parte da QE, ao BCE será permitido
embarcar num tal programa de compras de uma maneira limitada; um programa que
compra à Europa um pouco mais de tempo durante o qual continuará
a estagnar.
[1] Num
artigo mais recente
, mais uma vez no
Financial Times,
Wolfgang Munchau, comenta que o sr. Schauble está a tratar a
união bancária como se fosse um meio de promover
competição no sector bancário (centrando-se portanto
apenas nos grandes bancos) quando a questão próxima
é supervisionar suas estratégias especulativas e a
extensão em que a mesma oculta insolvência profundamente arraigada.
04/Setembro/2012
O original encontra-se em
yanisvaroufakis.eu/2012/09/04/...
Este artigo encontra-se em
http://resistir.info/
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