Lições da crise cipriota
por Jacques Sapir
Já é tempo de tirar lições da crise cipriota. Esta
última foi importante não pela dimensão do país
Chipre não representa senão 0,2% do PIB da zona Euro
mas devido às medidas tomadas e suas consequências. Elas
provam que Chipre, por pequeno que seja, abalou profundamente a zona Euro.
A crise do Euro passou a uma fase qualitativamente superior
Em primeiro lugar, esta crise fez explodir o tabu de uma punção
sobre as contas bancárias. Naturalmente, não se tocará nas
contas com menos de 100 mil euros, apesar do primeiro plano de salvamento,
aprovado pelo conjunto do Eurogrupo. Em todo caso, não se tocará
nelas de imediato... Mas a ideia de que Chipre constituía um caso
excepcional, o que foi repetido por François Hollande na quinta-feira 28
de Março na televisão, está morta e bem morta. Klaas Knot,
membro do Conselho do BCE, declarou assim sexta-feira 29 de Março
[1]
seu acordo de princípio com a declaração muito
controvertida de Jeroen Dijsselbloem, o presidente do Eurogrupo
[2]
. Esta notícia política decorre directamente da pressão
alemã. A sra. Merkel decidiu, na ocasião da crise cipriota,
indicar claramente que não estava em causa que o contribuinte
alemão continuasse a ser puncionado
[3]
. Trata-se de uma posição que se pode compreender perfeitamente.
Mas ela traz em si o fim da zona Euro e isto por duas razões. Por um
lado, se se pode compreender que se ponham a contribuir os
accionistas
de um
banco, tocar nos
depositantes
é muito contra-producente devido aos
efeitos de pânico (o "bank run") que isso se arrisca a
provocar. A seguir, se a Alemanha não quer pagar, e ela deveria
desembolsar 8% a 10% do seu PIB a cada ano para que a Zona euro funcionasse
[4]
, esta última está condenada. Assim, esta crise revela-se
não como um episódio menor num processo que estaria sob controle,
como pretendeu o nosso Presidente na ]TV] France-2, mas antes como um novo
salto qualitativo como o dito Paul de Grauwe, economista da London Business
School
[5]
. Esta é a segunda lição que se pode tirar desta crise.
Este salto qualitativo, cujos efeitos poderão ser vistos na
Eslovénia que daqui a algumas semanas pedirá a ajuda da Troika,
já tem consequências sobre os dois países mais
ameaçados pela nova doutrina bruxelense-alemã: a Espanha e a
Itália. Será preciso observar nas próximas semanas a
evolução do montante dos depósitos nos bancos italianos.
O mercado dobra-se às regulamentações dos Estados
Estas lições não foram as únicas. Pudemos verificar
de 16 a 29 de Março duas coisas importantes. Em primeiro lugar que
controles sobre os movimentos de capitais funcionam. Eles certamente não
são completamente estanques, mas impediram o pânico
bancário em Chipre aquando da reabertura dos bancos. No entanto, estes
controles devem ser completos. Se o encerramento dos bancos cipriotas
não impediu alguns de retirar o seu dinheiro, é porque se havia
deixado de encerrar as filiais, ou pelo menos de proibir a estas últimas
toda operação que pusessem em causa as contas nos bancos
"mães" (Cyprus Popular e Bank of Cyprus). Eis a razão
pela qual as retiradas sobre as contas de mais de 100 mil Euros serão no
mínimo de 60% e não de 30% como anunciado inicialmente. Os
controles não foram suficientemente reflectidos a montante, ou talvez se
tenha assistido a conivências no interior do sistema bancário
cipriota
[6]
. Seja como for, não teria sido muito difícil proceder a um
encerramento dos bancos que fosse realmente estanque.
Mas isso quer dizer que tais medidas não se improvisam. Elas devem ser
elaboradas por pessoas que conheçam as diversas astúcias,
dir-se-ia em franco-russo os "esquemas", com as quais estas
restrições possam ser contornadas. Isto impõe dar poderes
importantes e discricionários ao Banco Central do país afectado,
em particular o de interromper todas as ligações
informáticas entre os bancos, e faz deste Banco Central um elemento
chave da
segurança económica do país
que deve portanto
imperativamente retornar à tutela do Estado. Eis o que valida, à
posteriori, o que eu havia escrito em 2006 sobre a necessidade de um
"artigo 16 económico", permitindo ao governo abstrair-se das
regras normais e dos tratados assinados para fazer respeitar o conteúdo
do preâmbulo da Constituição
[7]
. Eu havia retornado a este ponto num documento de trabalho divulgado em Abril
de 2011 e intitulado:
"S'il faut sortir de l'euro
".
É
claro que as medidas necessárias impõem subordinar estreitamente
o Banco Central e portanto, no nosso caso do Banque de France, ao governo, nem
que fosse de modo temporário.
O controle dos capitais e a saída do Euro
Uma outra série de lições refere-se às medidas de
salvaguarda tomadas pelo Banco Central de Chipre e, em particular, o
estabelecimento de um estrito controle dos câmbios. Notemos, aqui
também, que este retorno dos controles de capitais, e do controle dos
câmbios, era previsível, como fora dito numa das notas anteriores
[8]
. Isso corresponde tanto a uma realidade, como se pôde ver em outros
países (Rússia, Argentina)
[9]
, como a uma evolução espectacular da doutrina das
organizações internacionais e, em primeiro lugar, aquelas do FMI
[10]
. Mas o importante aqui é que, sem dramas e sem estardalhaço,
criaram-se dois euros, um cipriota cuja fungibilidade é limitada, e o
outro para o resto da zona Euro. Os que conceberam este sistema não se
deram conta de que administravam assim a demonstração de que nada
seria mais fácil do que deixar a zona Euro. Todos os discursos sobre os
aspectos catastróficos de uma tal saída entram em colapso diante
dos factos: na realidade, uma vez que se tenha aceite retornar a uma forte
"repressão financeira" (ainda que sejam pessoas ou
opiniões que se possa reprimir mas não certamente fluxos
financeiros...), nada seria mais simples do que sair do Euro. Como explica
Alexandre Delaigue no sítio web de France Info: "
Como observaram numerosos comentadores
, desde que controles de capitais foram aplicados em
Chipre, se a moeda cipriota continua a chamar-se euro, na prática
um euro num banco cipriota não é mais equivalente a um euro alhures
.
As contas superiores a 100 mil euros estão bloqueadas, as retiradas
são limitadas, assim como as capacidades de transferência do seu
dinheiro para fora das fronteiras cipriotas. Enquanto estes controles se
mantiverem e
não se sabe quando serão levantados
Chipre tem uma outra divisa, cuja paridade é oficialmente fixada e um
euro, como
o dólar das Bahamas em relação ao dólar americano
. Estes controles levantam
um dos principais obstáculos avançados até o presente para a saída dd euro de um país
, a desorganização económica que resultaria, a
necessidade de aplicar controles de capitais drásticos para evitar
saídas de divisas no momento da mudança de moeda. Estes controles
estão aplicados e uma boa parte das saídas de capitais já
teve lugar. Na prática, torna-se portanto possível para o
país retornar à sua antiga divisa, a libra cipriota
[11]
.
Assim, querendo a todo preço conservar Chipre na zona Euro
fez-se a demonstração mais retumbante de que uma tal
saída era tecnicamente possível sem drama nem crise
apocalíptica. Esta não é a menor das lições
da crise cipriota, e uma lição que convém aprender de cor.
Notas
[1] (Reuters) European Central Bank Governing Council member Klaas Knot
said on Friday there was "little wrong" with Eurogroup chair Jeroen
Dijsselbloem's recipe for dealing with future euro zone banking crises,
Reuters, le 29 mars 2013, URL :
www.reuters.com/...
[2] Claire Gatinois et Jean-Pierre Stroobants, Les débuts difficiles de
Jeroen Dijsselbloem, rebaptisé "Dijsselbourde" , Le Monde, 27
mars 2013,
www.lemonde.fr/...
[3] M Persson, " Euro crisis: After the Cyprus bank raid fiasco, Germany
is being painted as the EU's chief villain ", The Telegraph, 31 mars
2013, URL :
www.telegraph.co.uk/...
[4] Jacques Sapir, "Le coût du fédéralisme dans la
zone Euro", billet publié sur le carnet Russeurope le 10/11/2012,
URL:
russeurope.hypotheses.org/453
[5] RTBF, " Chypre: "La zone euro est devenue plus fragile, le risque
a augmenté" ", 31 mars 2013,
www.rtbf.be/...
[6] La Voix de la Russie, " Chypre : la famille du président sort
sans préjudice des millions de Laiki Bank ", 31 mars 2013, URL :
rench.ruvr.ru/...
[7] Jacques Sapir, " La Crise de l'Euro : erreurs et impasses de
l'Européisme " in Perspectives Républicaines, n°2, Juin
2006, pp. 69-84.
[8] Jacques Sapir, "Les contrôles de capitaux : une idée qui
fait son chemin", billet publié sur le carnet Russeurope le
29/01/2013, URL:
russeurope.hypotheses.org/792
[9] B.J. Cohen, "Contrôle des capitaux: pourquoi les gouvernements
hésitent-ils?", in Revue Économique, vol. 52, n°2/mars
2001, pp. 207-232, p. 228.
[10] J. Ostry et al., " Capital Inflows: The Role of Controls ",
International Monetary Fund Staff Position Note, Washington (D. C.), FMI, 2010
[11] Alexandre Delaigue, " Chypre doit-elle quitter la zone euro? ",
France-Info, 31 mars 2013, URL :
blog.francetvinfo.fr/...
31/Março/2013
O original encontra-se em
http://russeurope.hypotheses.org/1106
Este artigo encontra-se em
http://resistir.info/
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