Euro: Questões frequentemente perguntadas (II)
por Jacques Sapir
10- Seria possível salvar a zona Euro?
É uma questão frequentemente colocada, regra geral por um
interlocutor do centro esquerda ou mesmo de esquerda. A isso podem-se dar as
seguintes respostas:
1- Em teoria, a comutação para uma Europa federal, dotada de um
orçamento à medida das suas ambições, poderia
resolver os problemas apresentados pelo Euro. Uma moeda única governa
bem a economia de grandes países cujas diversidades regionais são
da mesma ordem que as diversidades entre as economias dos países que
compõem a zona Euro. Mas isso implicaria:
a) Transferências extremamente importantes entre países como a
Alemanha ou a Finlândia e os países do Sul da zona Euro. O
montante destas transferências anuais foi estimado por Patrick Artus, do
NATIXIS, em 12% do PIB da Alemanha e em cerca de 8% a 10% por mim
[1]
. Estas transferências deveriam ser mantidas durante pelo menos dez anos
e talvez mais.
b) Além de estas transferências serem impossíveis de
suportar pela Alemanha, elas são contraditórias com a
política deste país, que procura minimizar o custo da sua
participação na zona Euro. Notemos que a Alemanha não
é o único país a recusar esta solução:
numerosos outros (Finlândia, Países Baixos e Eslovaquia)
também se opõem.
c) Construir uma Europa federal implica realizar transferências de
soberania permanentes, o que a maioria dos países da zona Euro recusa,
ou chegar a um quadro não democrático, o que levantaria problemas
em numerosos países.
2- Sempre em teoria, é concebível que o Banco Central Europeu se
substitua por algum tempo a um orçamento federal cuja impossibilidade
foi verificada mais acima e aceite o refinanciamento pelo equivalente (de 220 a
230 mil milhões) de títulos públicos dos países
referidos. Contudo, a permanência de um mecanismo de recompra permanente
das dívidas públicas chocar-se-ia então com o
obstáculo da Constituição alemã. Além disso,
desestabilizaria a prazo a economia europeia ao criar uma
situação maciça de risco moral quanto à
utilização desta dívida.
3- Na realidade, estas medidas carecem completamente de realismo. Isto conduz
igualmente a interrogações sobre o sentido das
declarações de grandes economistas (como P. Krugman ou N.
Pissarides) quando afirmam que se estas medidas não forem tomadas o Euro
explodirá. Como se pode supor que eles sabem muito bem que a
adopção destas medidas hoje é impossível, isso leva
a perguntar sobre o outro termo da alternativa e portanto o que não
é dito nas suas declarações. Mas isto em nada perturba os
jornalistas do
Libération
[2]
.
11- A existência do Euro constitui um problema para a democracia?
São sobretudo pessoas situadas à direita que colocam esta
questão. Pode-se a elas responder o seguinte:
1- Em si, uma moeda única não apresenta problemas de democracia,
pelo menos se tivermos um controle da política monetária por
estruturas democráticas.
2- Mas, nas condições concretas de funcionamento da zona Euro, e
em particular as medidas de austeridade impostas em diversos países, as
regras de compromisso das despesas no MEE e o princípio do controle
prévio sobre o orçamento que foi estabelecido, confiam poderes
soberanos a organismos (as comissões técnicas da UE) que
não são eleitas e que não têm nenhum direito a esta
soberania. Nestas condições, é inegável que o Euro
apresenta hoje um grande problema de democracia na Europa.
12- O fim do Euro implicaria o fim da União Europeia.
É um dos argumentos mais comummente utilizados por pessoas que, depois
de terem reconhecido e admitido que você tinha razão, dizem que
esta é a razão para que não se possa sair do Euro. De
facto, a resposta é bastante simples:
1- Há países, e países com economia importante, que fazem
parte da UE e não da zona Euro: a Grã-Bretanha, a Polónia,
a Suécia. Além disso, a UE existiu antes que fosse criado o Euro.
Portanto é falso dizer que uma explosão da zona Euro conduziria
inelutavelmente a uma explosão da UE.
2- De facto, é a existência do Euro que hoje compromete a
estabilidade da UE e que a torna, em todos os países, maciçamente
impopular. Foi em nome do Euro que se impuseram políticas de austeridade
que são assassinas (no sentido figurado mas também no sentido
literal, basta pensar na alta dos suicídios e das patologias) nos
países da Europa do Sul. É o Euro que, pelos seus efeitos
negativos sobre o crescimento, faz com que hoje a UE surja como uma zona de
estagnação económica tanto em relação
à América do Norte (Estados Unidos e Canadá) como em
relação à zona Ásia-Pacífico. É o
Euro, devido à crise que provoca no interior de certos países,
que ameaça a estabilidade política e a integridade destes
últimos. Esta é a razão pela qual, com os economistas do
European Solidarity Manifesto
[3]
, apelo também à dissolução da zona Euro.
3- Não se pode entretanto esconder a cabeça na areia. O Euro
contaminou a UE. Um certo número de regulamentações
europeias são na realidade nocivas e a rota "livre-cambista"
tomada pela UE é uma ameaça para os trabalhadores de todos os
países da UE. Seria bom então que, aproveitando o choque
provocado por uma dissolução do Euro (quer ela seja controlada ou
não), a ocasião fosse aproveitada para pôr em causa um
certo número de problemas pendentes na UE (e em particular as regras de
negociação que levam à aceitação do
"grande mercado transatlântico").
13- Tem razão, naturalmente, mas dissolver o Euro equivale a dar
razão à Frente Nacional e a Marine le Pen.
Quando, em última instância, você afastou todas as
objecções, quando os vossos interlocutores não têm
mais nada de sério a vos opor, este é o último argumento
que utilizam. Frédéric Lordon, em Julho de 2013, respondeu a este
argumento
[4]
. É preciso então insistir nos seguintes pontos:
1- A Frente Nacional não tem o monopólio da posição
anti-Euro. Os opositores existem também no centro-direita (Nicolas
Dupont-Aignan, Jacques Myard) e à esquerda (o M'Pep, nomeadamente, mas
também fracções inteiras da Frente de Esquerda, a julgar
pelo correio que recebo, federações do PG e do PCF). Mas
vê-se bem o interesse, para aqueles que querem a todo preço manter
o Euro, em fazer crer que Marine le Pen tem o monopólio destas
posições. É o equivalente neste debate ao famoso
"ponto Godwin", a
reductio ab Hitlerum
que caracteriza aqueles que estão esgotados de ideias, argumentos e
credibilidade.
2- É preciso a seguir acrescentar que o facto de Marine le Pen ter
adoptado esta posição em nada lhe retira sua pertinência.
Uma posição deve ser julgada pelos seus argumentos, sem
inferências com outras posições exprimidas por certas
pessoas. Isto é uma das condições de existência do
debate democrático. Não respeitar estas regras equivale a sair da
democracia e a entrar no mundo sinistro dos processos por feitiçaria e
da inquisição. Dir-se-á que, tendo em conta o peso da
democracia cristã no nascimento do Euro, isto não é nada
espantoso... Pode-se não estar de acordo com as posições
de alguém e reconhecer que ele ou ela tem razão sobre um ponto
particular. Meu colega italiano Alberto Bagnai, na nota
"A água molha e o desemprego mata"
no seu blog, escreveu coisas muito justas sobre este ponto
[5]
e estou inteiramente de acordo com ele.
3- No fundo, pouco importa saber quem retoma nossas posições.
Hoje, o Euro é a principal causa de miséria e de morte na Europa.
Sua existência impede todas as políticas de relançamento.
Sua existência, devido à pressão que ele exerce sobre os
espíritos, fez explodir o campo das pessoas que se dizem de esquerda.
Eles tergiversam sem cessar sobre esta questão, não é
Senhor Mélechon? Sua responsabilidade está aqui totalmente
comprometida. Se para vencer for preciso que me alie ao Diabo, cito Churchill
quando em 23 de Junho de 1941 deu o seu apoio a Staline. Quando um deputado
conservador lhe pergunta como ele, anti-comunista convicto, tinha podido chegar
a isso ele responde: "Se Hitler houvesse invadido o inferno, eu me teria
arranjado para ter uma palavra gentil para com o Diabo". Staline
não era o Diabo e Marine le Pen certamente não o é. E se
ela diz alguma coisa sensata, então eu a saúdo. Contra o
"partido único do Euro" todas as forças, escrevo bem
TODAS, serão necessárias para que se lhe ponha fim. Diante do
perigo que nos ameaça, é a divisão e o sectarismo que
constituem nossos maiores inimigos.
29/Janeiro/2014
[1] Jacques Sapir, Le coût du fédéralisme dans la
zone Euro, billet publié sur le carnet Russeurope le 10/11/2012,
URL:
http://russeurope.hypotheses.org/453
[2] C. Mathiot, « Des Nobels pris au piège par le FN », 23
janvier 2014, Libération,
www.liberation.fr/...
[3]
www.european-solidarity.eu/
[4]
blog.mondediplo.net/2013-07-08-Ce-que-l-extreme-droite-ne-nous-prendra-pas
[5]
goofynomics.blogspot.fr/2013/12/leau-mouille-et-le-chomage-tue.html
A primeira parte deste artigo encontra-se em
resistir.info/europa/sapir_26jan14_parte_1.html
O original encontra-se em
russeurope.hypotheses.org/1936
Este artigo encontra-se em
http://resistir.info/
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