Urânio empobrecido
As mortes silenciosas de militares italianos
Há militares italianos a morrer no silêncio. São
vítimas de doenças de guerra. "Síndroma do
Golfo", "Síndroma dos Balcãs"... agora, talvez uma
"nova síndroma do Golfo". Dois falecimentos este mês, o
último dos quais a 13 de Julho. Consta que no hospital militar de
Celio, em Roma, desde há algumas semanas estão internados num
pavilhão especial cerca de vinte militares que teriam interrompido a
missão no Iraque devido ao surto de patologias ligadas ao urânio
empobrecido. As associações de tutela dos militares têm
também uma longa lista de jovens soldados que, em toda a Itália e
à sua custa, se encontram em tratamento de várias formas
tumorais.
Desde que rebentou o escândalo do urânio empobrecido, no Inverno de
2000-2001, haveria já cerca de trinta mortes imputáveis à
exposição às poeiras daquele que os americanos denominam
desde 1991 o "metal da desonra". E seriam já quase 300 os
militares com doenças "suspeitas". É para tentar
conter esta avalancha que a Defesa está prestes a iniciar um projecto
que deveria pôr a palavra fim à diatribe sobre os perigos do
urânio empobrecido. E que segundo as associações de tutela
dos militares afinal corre o risco de sepultar definitivamente a verdade.
As mortes dos militares atingidos por estas síndromas tumorais
são todas análogas, mas até agora não foram
reconhecidas oficialmente. Estas enfermidades levam à morte, mas a
morte não leva ao reconhecimento da causa de serviço, a uma
indemnização pelo empenho nas missões de paz que neste
decénio da Somália em diante têm envolvido
dezenas de milhares de militares italianos.
Não foi suficiente a Comissão Mandelli, instituída
há mais de três anos e presidida pelo hematologista romano, para
estabelecer uma conexão certa entre DU
depleted uranium
, o urânio empobrecido de que são compostos os projécteis,
e as couraças, usadas principalmente pelos americanos. Mas a
comissão também não pôde excluir totalmente uma
relação entre doenças e exposições às
poeiras: a verdade é que instituiu um vasto programa de exames para
todos os militares que estiveram (e ainda estão) em serviço no
teatro de operações balcânico.
Mais de 40 mil pessoas que de 4 em 4 meses durante pelo menos três anos
e pelo menos uma vez por ano nos dois anos seguintes tiveram de
ser submetidas a exames que deveriam confirmar o seu bom estado de saúde
com o passar do tempo. Estes exames periódicos afinal não
estão a ser efectuados com a regularidade e no número
estabelecido. Segundo fontes médicas das Forças Armadas os
hospitais militares concentrados sobretudo no norte não
estão em condições de realizar todas as análises:
falta o pessoal e falta a possibilidade de manter sob controlo tão vasta
população a examinar.
A percentagem de testes realizados calcula-se por volta dos 50 por cento. E no
entanto foi a própria comissão Mandelli, apesar de criticada
pelos métodos estatísticos estabelecidos para a
obtenção das taxas de patologias entre os militares, a afirmar
que se verificara um número percentualmente elevado em
relação à média de linfomas Hodgkins (formas
tumorais dos aparelhos glandulares) nos grupos examinados.
Ao cabo de três anos de procedimentos não respeitados, com exames
não feitos ou feitos com atraso, sem ter em conta as tabelas, agora os
vértices militares teriam decidido transferir o que resta do programa de
exames feitos pelos hospitais militares para os civis. Assim, os custos dos
exames (que variam de poucos euros a algumas dezenas), multiplicar-se-ão
num total de várias dezenas de milhões por ano tal
como subirão os tempos de espera dos resultados, pois as estruturas
públicas dificilmente conseguirão respeitar os tempos prescritos.
Deste modo, dizem alguns especialistas, perde-se a eficácia de todo o
processo. A única solução, sublinham, seria a de
"reunir todos os doentes num único hospital e submetê-los a
exames contínuos e profundos".
PROJECTO SIGNUM
E é talvez para obviar à impossibilidade de cumprir as
recomendações da comissão instituída em 2001 que o
governo lançou um novo projecto: Signum. Iniciais de "Studio di
Impatto Genotossico nelle Unità militari". Financiado
através da lei de 12 de Março de 2004, n° 68 com o artigo
13-ter (publicado na
Gazzetta ufficiale
de 18 de Março) que autoriza "a despesa de 1 175 330 no ano de
2004 (...) para o estudo de levantamento dos níveis de urânio e de
outros elementos potencialmente tóxicos".
Quem ilustrou as modalidades e tempos foi depois o general Michele Donvito
director geral da sanidade militar durante a audição de 29 de
Junho no parlamento. Em mil militares, escolhidos na base do voluntariado,
efectuar-se-ão exames antes do envio para o Iraque, considerado
"ambiente significativamente degradado" (em alternativa haveria os
Balcãs); análises que serão repetidas com os sujeitos,
todos munidos dos equipamentos de protecção de agentes nucleares,
químicos e bacteriológicos (Nbc), nos teatros de
operações e ao regresso dos voluntários à
pátria.
Recolhas de urina, sangue e cabelos que deveriam permitir aos diversos
laboratórios militares e civis envolvidos no programa uma
observação completa de eventuais "elementos potencialmente
tóxicos" (urânio, arsénio, cádmio,
níquel estes últimos metais contidos nas baterias de
armamentos e equipamentos, ndr), mas talvez até os cocktails"
de vacinas injectados antes das missões e que há quem os
considere como possíveis responsáveis do surto de patologias
tumorais.
O Signum deveria arrancar em meados de Agosto e daria os primeiros resultados
"no prazo de 18 meses". Deveria durar dez anos, não se
centraria apenas no urânio mas também nos outros agentes
ambientais potencialmente nocivos, e permitiria criar uma
"referência para todo o consenso científico
internacional".
Para as associações de tutela dos militares o Signum pelo
contrário poria uma "pedra tumular" sobre as possibilidades de
verificar a verdade sobre o urânio e as outras possíveis causas
das doenças que estão a matar tantos militares. Os pressupostos
da investigação são considerados disparatados, a ponto de
se tornarem ineficazes, se não mesmo falseados, todos os resultados.
Não se pode considerar cientificamente relevante observam os
expoentes das associações um grupo de militares dotado de
toda a protecção, enquanto se salienta que no passado (e a
prática duraria ainda no Iraque) o pessoal militar praticamente nunca
seguiu as medidas de segurança determinadas pela Defesa a partir de 22
de Novembro de 1999 (os americanos adoptaram-nas desde 14 de Outubro de 1993).
A sanidade militar que tem insistido sempre que não há
nenhuma ligação entre a exposição ao urânio e
as patologias da "Síndroma do Golfo/Balcãs"
está segura de que graças ao Signum poderá confirmar
definitivamente as suas convicções. Mas então,
interrogam-se diversos parlamentares e até militares, por que
razão o estudo só se efectua com sujeitos dotados do equipamento
Nbc? E porquê, na ficha de informação que os
voluntários têm de preencher, há um ponto sobre
"interrupções espontâneas de gravidez, patologias dos
nascidos", que parece confirmar os conselhos que desde há tempos se
dão a quem parte para certos teatros de guerra: abster-se de procriar
nos três anos seguintes ao regresso da missão?
Porque é que em tempos de restrições económicas,
nas vésperas da reforma radical de um exército só de
profissionais, que deveria ser capaz de oferecer perspectivas atraentes, se
decide investir uma quantia considerável (se a multiplicarmos pelos dez
anos de duração do projecto) em vez de a destinar, como pediram
alguns parlamentares, a instituir um fundo que garanta as causas de
serviço a todos os militares que adoeçam no "cumprimento do
seu dever"?
É o que perguntam alguns dos militares que sofrem de patologias todas
análogas, quase sempre tumorais, e que nas suas casas ou nas camas dos
hospitais, socorridos por familiares ou por camaradas, empenhados em
tratamentos longos e caríssimos, prontos a tornar-se cobaias da
investigação científica, esperam que lhes seja reconhecido
estarem a morrer de um mal que os atingiu durante o serviço, ao
patrulharem uma área contaminada, ao limparem armas ou utensílios
com dissolventes químicos, ao fazerem testes com armas em
polígonos militares (na Sardenha, mas não só), onde nos
últimos decénios teriam sido testados explosivos até por
conta dos outros países da NATO (e portanto também americanos).
Alguns doentes interrogam-se porque é que outros nas mesmas
condições que eles não falam, mas antes respondem
recordando a reserva e a evasiva, devidas ao espírito de corpo, aos
laços com as instituições, tanto ou ainda mais fortes que
o medo, que leva a calar e a ter presente que mesmo fazendo parte da
"força ausente", ou seja, com baixa por doença mas
não desmobilizados, se está na mesma submetido ás regras
do ordenamento militar.
Notícias portuguesas relacionadas em:
Iraque - Receios de exposição ao urânio empobrecido. GNR admite haver ainda militares sem testes feitos
GNR - Há militares vindos do Iraque ainda sem exames feitos. Urânio alarma famílias
[*]
Do
La Reppublica.it
.
O original encontra-se em
http://www.uruknet.info/.?p=4343
.
Tradução de José Colaço Barreiros.
Este artigo encontra-se em
http://resistir.info
.
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