Preparar a saída do euro
Afastada das manchetes dos jornais desde há largos meses, a crise do
euro, e particularmente a sua expressão ao nível da crise das
dívidas soberanas, é um assunto que está longe de estar
arrumado.
A razão da relativa acalmia das taxas de juro cobradas pelos
"mercados", face aos picos insanos de há dois ou três
anos, não será tanto a "caixa-de-ferramentas" do Banco
Central Europeu, nem as declarações do seu presidente de que se
avançaria, se preciso fosse, para a compra ilimitada de dívida no
mercado secundário. Sem menosprezar os efeitos desta decisão, a
razão principal da relativa acalmia será outra.
A sobreacumulação de capital e a baixa tendencial da taxa de
lucro marcas de uma crise capitalista sem fim à vista
atraem investidores ao negócio das dívidas soberanas.
Investidores em busca de rentabilidades que não encontram noutras
áreas. A persistência de fracas rentabilidades à escala
global leva a que certos capitais se disponham a arriscar
"estacionar" nalgumas dívidas soberanas, por muito insolventes
que a médio prazo se afigurem os respectivos Estados. E acontece que
este até se tem revelado um excelente negócio para muitos! Que o
digam os bancos nacionais que, tendo recebido milhões do BCE a juros
módicos, mantêm a economia real seca de crédito ao mesmo
tempo que foram compondo os seus balanços com generosos resultados de
investimentos em dívida soberana.
Entretanto, os juros impostos a países como Portugal e Grécia, ou
mesmo a Irlanda, a Espanha, Chipre e outros, sendo mais baixos do que há
dois ou três anos, são ainda insuportavelmente altos como
ficou aliás bem à vista com a recente emissão de
dívida portuguesa. A recessão ou estagnação que
estes países enfrentam, agravada pelos programas UE-FMI, e a perspectiva
de estagnação (ou mesmo ainda recessão) no futuro
próximo, levam ao inexorável e imparável aumento do peso
da dívida e dos encargos com o seu serviço. A dinâmica de
insolvência persiste e só se agravou com as
intervenções da UE e do FMI. Ademais, nada foi feito para, por um
lado, acabar com a dependência dos Estados face aos "mercados",
nem, por outro lado, superar a divergência (os
"desequilíbrios macroeconómicos") entre os
países da zona euro. Pelo contrário, as medidas postas em marcha
no âmbito do Tratado Orçamental e da chamada
Governação Económica acentuarão
desequilíbrios e desigualdades.
Mais tarde ou mais cedo, inevitavelmente, efeitos bruscos desta
imparável dinâmica de divergência (e de insolvência
para vários Estados) irromperão. A reconfiguração
da zona euro será, com grande probabilidade, um deles. Sejamos claros:
quando o ganho que a Alemanha tiver com a configuração actual da
Zona Euro for menor do que os custos de manutenção no
"clube" de economias periféricas (algumas delas arrasadas),
com mercados pequenos e deprimidos, então a reconfiguração
atirando borda fora os pesos-mortos será uma possibilidade
bem real.
Daí a importância da adopção de medidas que preparem
o País (desde já) face a qualquer reconfiguração da
zona euro. Uma preparação que deve ser feita não apenas em
face destes possíveis desenvolvimentos da crise da UE, mas também
em nome de uma saída de Portugal do euro por decisão
própria dada a incompatibilidade radical hoje evidente entre a
permanência no euro/União Económica e Monetária e um
projecto de desenvolvimento democrático, autónomo (que não
autárcico) e soberano do País, estribado na
Constituição da República.
Esta preparação deverá juntar à recusa de
ilusões federalistas quanto à viabilidade de uma política
alternativa no quadro da manutenção do País no euro e na
UEM (sobretudo uma política de esquerda e patriótica),
também a recusa da ideia de que tudo se resolve com uma saída
pura e simples do euro, qualquer que seja a forma como se sai e as
condições de saída. É a extrema importância
da forma como se sai que torna imperiosa uma cuidadosa preparação.
É hoje evidente que a integração de Portugal na UEM e a
adesão ao euro foram decisões erradas, com consequências
devastadoras para o nosso país. Como é evidente que o futuro do
País é inviável dentro do euro. Não devíamos
ter entrado. Mas a saída, hoje, não nos leva ao ponto de partida.
A saída do euro pode ser do interesse do povo português, mas pode
também vir a ser do interesse dos que ganharam com o euro ao longo de
todos estes anos e que continuam a ganhar interesses irremediavelmente
antagónicos. Ora, a questão fundamental é que interesses
prevalecerão na condução do necessariamente complexo (mas,
a prazo, inevitável) processo de saída.
É absolutamente claro que uma coisa será uma saída do euro
conduzida por um governo patriótico e de esquerda, que afirme o primado
dos interesses nacionais nas relações com a União
Europeia, que proteja os trabalhadores e o povo dos inevitáveis custos
da decisão, e outra, bem diferente, seria uma saída conduzida
pelas mesmas forças que nos vêm impondo incontáveis,
injustos e infrutíferos sacrifícios em nome de uma
"manutenção no euro" que amarra o País ao
caminho de empobrecimento, subordinação e dependência que
tem percorrido.
29/Janeiro/2014
[*]
Deputado ao Parlamento Europeu
O original encontra-se no
Diário de Notícias
Este artigo encontra-se em
http://resistir.info/
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