Trabalho europeu:
O legado ideológico do pacto social
O movimento sindical da Europa encontra-se na defensiva, bem como numa profunda
crise política e ideológica. Neste momento os sindicatos
não podem cumprir o seu papel de defensores dos interesses
económicos e sociais imediatos dos seus membros. Os sindicatos perderam
terreno em todos os sectores e indústrias. O que era considerado, no
período pós-Segunda Guerra Mundial, o mais forte e mais influente
movimento sindical do mundo capitalista, é hoje confundido, faltando uma
visão clara, e este hesita na sua nova orientação social e
política. Ironicamente, as mesmas teorias, análises, e
políticas, que forneceram ao sindicato a sua força no
período pós-guerra, tornaram-se, hoje, um fardo bastante pesado.
O legado ideológico do pacto social está a conduzir
ao desnorteamento do movimento sindical.
A OFENSIVA NEOLIBERAL
Este desenvolvimento ficou-se a dever a uma contínua
transformação neoliberal das nossas sociedades. Como este
processo não é o tema deste artigo, vamos somente mencionar
alguns pontos importantes. Durante os últimos vinte anos, fomos
confrontados com uma imensa ofensiva das forças neoliberais. Os
interesses capitalistas passaram à ofensiva, e assistimos a um enorme
deslocamento do equilíbrio de poder entre o trabalho e o capital. Claro
está, companhias multinacionais estiveram na vanguarda deste
desenvolvimento. Foi demolido o pacto social do pós-guerra
entre trabalho e capital, a política de coexistência
pacífica entre sindicatos e patronatos. Os defensores do capital
retiraram-se do pacto social, e o capital executa agora uma política de
cada vez maior confrontação com o trabalho organizado.
As tentativas das companhias multinacionais e dos seus servidores
políticos, de aprofundar e institucionalizar as suas novas
posições de poder, são partes importantes deste
desenvolvimento. O que está a ser implementado sobretudo
através de instituições internacionais e acordos, tais
como a Organização Mundial do Comércio (OMC), e estruturas
de poder regionais, tais como a União Europeia (UE). Como esses
organismos são menos democráticos que os governos locais e de
Estados, estes mostram-se serem os instrumentos mais úteis e eficientes
para a combater em nome do poder cooperativo.
A análise seguinte está baseada no conceito de que a UE é
hoje o canal pelo qual o modelo neoliberal social e económico
está a ser institucionalizado na Europa. A UE e outras
instituições regionais e supranacionais estão a ser
construídas com base no novo equilíbrio de poder, e não
podem ser modificadas, democratizadas, ou derrotadas enquanto os trabalhadores
não poderem alterar o actual equilíbrio de poder a seu favor. Tal
alteração exigiria do movimento sindical realizar a sua tarefa
principal a longo prazo, e mobilizar o poder popular e da classe
operária.
CONDIÇÕES NOVAS, POLÍTICA VELHA
Infelizmente, a mobilização do poder da classe operária
não é hoje, na Europa, o projecto do movimento sindical. O
paradoxo das duas faces do trabalho é que, enquanto que o clima
económico e político no qual os sindicatos têm que operar
se modificou enormemente, a maioria dos sindicatos têm continuado a
seguir a política do pacto social. Eles consideram que a chamada
globalização não é o resultado de novas
estratégias conscientes das relações de poder entre
classes, mas sim, a consequência necessária das mudanças
tecnológicas e organizacionais, uma posição notavelmente
semelhante a expressa por Margaret Thatcher quando ela, infamemente, disse,
Não existe alternativa. O que é necessário,
dizem eles, é transferir a política do pacto social, do
nível nacional para um nível regional e global. Os seus
métodos são diálogo social com
organizações patronais e instituições estatais e
supra-estatais, campanhas para a introdução formal dos
padrões de trabalho (tais como as convenções da
Organização Internacional do Trabalho [OIT], que, entre outras
coisas, proíbem o trabalho forçado, garantem os direitos de
livre-associação e negociações colectivas, e
proíbem a discriminação de emprego) em acordos
internacionais de comércio e com organizações
empresariais, bem como a persecução da responsabilidade social
corporativa (RSC), códigos de conduta e acordos de enquadramento com
companhias multinacionais. Estes últimos são códigos de
conduta voluntários, soltos, e consensuais, desenvolvidos
pelas próprias companhias multinacionais. Até agora eles ainda
não exerceram qualquer efeito identificável no comportamento
corporativo e parecem ter, como objectivo principal, a
neutralização da imagem pública negativa de muitas
companhias multinacionais.
Esta estratégia do diálogo social está a ser
perseguida, independentemente de uma análise concreta de
relações de poder e sem reconhecimento da necessidade de
mobilizar o poder das classes populares para alcançar a mudança
social. Para entender o estado actual dos negócios, temos que olhar mais
de perto para a história do movimento operário Europeu em
particular, para a política do pacto social, cuja história e
impacto não pode ser sobrestimada se quisermos realmente entender a
crise política e ideológica do trabalho.
O COMPROMISSO HISTÓRICO ENTRE TRABALHO E CAPITAL
Durante o Século XX, o movimento sindical da Europa Ocidental
desenvolveu, gradualmente, um tipo de acomodação pacífica
com os interesses capitalistas. Durante os anos trinta, esta
acomodação foi primeiramente institucionalizada em algumas partes
da Europa, principalmente no norte, quando o movimento sindical chegou a
acordos com organizações patronais. Depois da Segunda Guerra
Mundial, um processo similar aconteceu na restante maioria da Europa Ocidental.
Este pacto social entre trabalho e capital formou a base na qual o Estado
Previdência foi desenvolvido, e os salários e
condições de trabalho foram a pouco e pouco melhorados. De um
período caracterizado por confrontações entre trabalho e
capital, as sociedades entraram numa fase de paz social,
negociações bipartidas e tripartidas (trabalho, patronatos, e o
Estado), e políticas consensuais. Devido a isto ter conduzido a
importantes realizações em termos de bem-estar, salários,
e condições de trabalho, esta política ganhou apoio
maciço da classe operária. Em consequência, os grupos mais
radicais e anti-capitalistas do movimento operário foram gradualmente
marginalizadas. Assim, este desenvolvimento conduziu à
despolitização e à desradicalização do
movimento operário e à burocratização do movimento
sindical. O papel histórico dos partidos social-democratas passou a ser
administrar esta política de compromisso de classes. Sem grandes
surpresas, as dificuldades actuais que flagelam os sindicatos reflectem os
problemas que enfrentam os partidos social democratas da Europa.
É importante perceber que esta parceria social entre trabalho e capital
foi um resultado do esforço dos sindicatos e do movimento
operário. O patronato e as suas organizações vieram a
perceber que não podiam derrotar os sindicatos. Tiveram que os
reconhecer como representantes dos trabalhadores e negociar com eles. Por
outras palavras, a acomodação pacífica entre trabalho e
capital foi a base de um movimento operário forte. Outro factor
importante no Pós-Guerra foi o capitalismo atravessar mais de vinte anos
de crescimento económico estável e forte. Isto tornou
possível compartilhar os dividendos entre trabalho, capital e
previdência social.
Uma parte decisiva do pacto social era a regulação nacional do
capital e dos mercados. O controlo do capital estava na ordem do dia em todos
os países. Acordos entre trabalho e capital foram estabelecidos, de um
modo ordenado e pacífico, dentro das fronteiras nacionais. Um resultado
importante disto foi o movimento sindical tornar-se mais orientado
nacionalmente. O internacionalismo no movimento sindical começou a
deteriorar-se num género de diplomacia em organismos internacionais
(como o OIT) e até mesmo em diferentes formas de turismo sindical, com
pequena ou nenhuma conexão com as necessidades imediatas e interesses
dos membros, embora alguma retórica política internacionalista
tenha permanecido.
Apesar da retórica socialista, para o movimento sindical o pacto social
significou a aceitação da organização capitalista
de produção, a propriedade privada dos meios de
produção, e o direito de o patronato conduzir o processo do
trabalho. Em troca de ganhos no que toca ao bem-estar e condições
de trabalho, as confederações sindicais garantiram paz industrial
e contenção em negociações salariais. De uma forma
mais simplificada pode afirmar-se que o Estado Previdência e as
condições de vida, gradualmente melhoradas, foram o que o
movimento operário ganhou em troca do abandono do seu projecto
socialista. Hoje podemos concluir que este feito foi uma
realização a curto prazo num contexto histórico muito
específico, o qual muito ajudou a despolitizar e a desradicalizar a
classe operária.
Uma característica importante deste contexto era a existência de
um sistema económico competitivo na União Soviética e na
Europa de Leste. Como indicou o historiador britânico Eric Hobsbawm, esse
contexto foi instrumental para fazer com que os capitalistas no ocidente
aceitassem um compromisso.
[1]
Foi com base neste compromisso que as mais importantes reformas de
Previdência e de instituições foram desenvolvidas durante
as três décadas a seguir à Segunda Guerra Mundial. O
movimento operário radicalizado que havia surgido da crise
económico-social dos anos trinta e da guerra experimentava, por outras
palavras, uma estratégia consciente por parte dos capitalistas. Eles
entraram voluntariamente em pactos sociais e cederam a muitas das demandas
sociais e económicas do trabalho com o objectivo de ganhar tempo e
esbater sentimentos socialistas no movimento operário. De um ponto de
vista actual, pode-se afirmar que esta estratégia do capital obteve
bastante êxito.
Uma clara divisão de trabalho no interior do movimento operário
foi um efeito colateral notável do compromisso de classes. As
condições para a compra e venda de trabalho eram reguladas pelo
movimento sindical através de negociações, enquanto que o
seguro social de desemprego era controlado pelos partidos social democratas nos
parlamentos. Isto lançou os fundamentos de uma evolução
mais estreitamente economicista do movimento sindical, algo que ainda hoje
debilita os sindicatos, pois os actuais partidos social democratas recuaram
mesmo em relação às suas anteriores políticas
reformistas.
A IDEOLOGIA DO PACTO SOCIAL
Durante a era do pacto social, esta estratégia do capital parecia ter
ofuscado o movimento operário. Baseado na experiência real de
vinte anos de melhorias contínuas nas condições de vida e
de trabalho, o entendimento comum era que fora encontrada uma forma de a
sociedade criar progresso social e uma distribuição
da riqueza relativamente razoável, sem ter de se envolver em luta de
classes e confrontações sociais. Pensava-se que a sociedade
capitalista alcançara um nível mais elevado de
civilização. Através de reformas graduais, o movimento
trabalhista havia aumentado o controle democrático da economia. Um
capitalismo livre de crises tornara-se realidade. Não haveria mais
crises económicas como aquela dos anos trinta, não mais
desemprego em massa, nem angústia social, nem miséria entre o
povo. Todas as tendências sociais apontavam para o progresso. Para muitos
no movimento operário, este era o caminho reformista para o socialismo
e todos podiam ver que funcionava!
Estas realizações sociais reais formaram a base material para uma
ideologia de parceria social a qual permanece profundamente enraizada na
burocracia sindical europeia. Pessoalmente, ouvi esta ideologia expressa
abertamente pela primeira vez quando participei num estágio sindical
básico no centro de educação da Confederação
Norueguesa de Sindicatos, nos inícios dos anos oitenta. Lá
aprendi que o primeiro terço do Século XX foi caracterizado por
intensos conflitos entre trabalho e capital incluindo greves gerais,
lockouts
, e a utilização de forças policiais e militares contra
trabalhadores organizados em greve. Este foi um período destrutivo, no
qual no seu final (anos trinta) a classe operária não havia
chegado a lado nenhum. Somente quando esta política de
confrontação foi abandonada, quando o movimento sindical
começou a assumir total responsabilidade social, é que o
progresso verdadeiro foi alcançado na forma de melhores
condições de trabalho, melhores salários e reformas. Por
outras palavras, confrontações com os patronatos são
destrutivas; o diálogo social pacífico é o caminho a
seguir. Esta era a lição ensinada no centro educacional do
sindicato no começo dos anos oitenta.
A análise anterior já estava errada então e está
errada actualmente. Porém, as consequências deste erro
têm-se tornado mais perigosas para o movimento sindical pois o pacto
social ruiu. O que esta análise obscurece é que as grandes
realizações em termos de bem-estar e de condições
de trabalho, durante o período de compromisso de classes após a
Segunda Guerra Mundial, foram resultados do conflito anterior. O progresso
somente foi conseguido porque a classe operária tinha conseguido
deslocar o equilíbrio de poder entre trabalho e capital através
de confrontações e árduas lutas de classe durante a
primeira parte do Século XX (inclusive a revolução russa).
Por outras palavras, foram as lutas de confronto do período precedente
que tornaram possíveis os ganhos posteriores, realizados através
de negociações pacíficas.
O COLAPSO DO PACTO SOCIAL
Porém, o compromisso de classe era uma construção
frágil, pois a sua sobrevivência dependia de uma economia
capitalista estável com uma elevada taxa de crescimento. O acordo foi
gradualmente corroído com o início de profundas crises
económicas do capitalismo ocidental, nos inícios dos anos
setenta. As crises incentivaram as forças capitalistas a tomarem a
ofensiva entre outras coisas para reduzir custos atacando os
direitos sindicais, salários, e, nas despesas públicas, elas
arruinaram as próprias bases do Estado Previdência.
Os desradicalizados e despolitizados movimentos sindical e trabalhista foram
apanhados de surpresa por este desenvolvimento. Os patronatos subitamente
tornaram-se muito mais hostis à mesa das negociações.
Negociações, que antes eram sobre melhorias de salários e
de condições de trabalho, agora começavam a envolver
ataques ao que fora alcançado anteriormente e às
regulamentações em vigor. Como a maior parte da liderança
sindical ficara impregnada pelo ambiente do compromisso de classe e da paz
social, não estava preparada para estes ataques. Dentro do enquadramento
da ideologia do pacto social, a ofensiva neoliberal era simplesmente
incompreensível. A burocracia sindical permaneceu passiva, e o movimento
foi forçado a passar à defensiva. Em muitos países, muitos
trabalhadores abandonaram completamente os seus sindicatos, pois estes tinham
provado serem impotentes na protecção dos seus interesses.
Assim, os anos oitenta representaram um enorme retrocesso para o movimento
sindical, algo que poderá ser observado nas estatísticas a
nível da sindicalização (organização da
mão-de-obra) em alguns países mais importantes da Europa
Ocidental (ver tabela 1).
Os poucos sindicatos que tentaram tomar medidas contra os ataques neoliberais,
como fizeram os mineiros britânicos, foram derrotados. No caso dos
britânicos, uma das razões para a sua derrota foi a burocracia da
Confederação Sindical (TUC) que considerou a acção
industrial militante como uma maior ameaça à política de
consensos do pacto social do que os ataques furiosos das companhias mineiras e
do regime da Thatcher. Anos mais tarde, a TUC admitiu que havia errado ao
não apoiar a greve dos mineiros, mas o dano já tinha sido feito.
E, notavelmente, a TUC não alterou o seu apoio ao pacto social.
Com o colapso das economias planificadas da Europa de Leste, por volta de 1990,
desapareceu a única alternativa ao capitalismo ocidental. O capitalismo
havia triunfado em todas as frentes, e para o patronato o compromisso com o
trabalho já não era necessário. Agora, as forças
capitalistas poderiam prosseguir os seus estreitos interesses económicos
e políticos com menos inibições. Esta é a
razão pela qual o compromisso de classe (ou o modelo consensual) faliu
ou está em queda por toda a Europa Ocidental. As
pré-condições históricas e económicas para
tal acordo já não existem, e o produto mais importante deste
acordo, o Estado Previdência, está sob uma pressão
crescente.
Esta análise de relações de poder não é
compreendida pelas lideranças dos sindicatos actuais. Quando a ofensiva
neoliberal começou, cerca de uns vinte anos atrás, e quando os
patronatos gradualmente quebraram com a política da parceria social, a
única resposta que a maioria da burocracia sindical poderia formular,
era a de continuar com a sua política consensual. Alguns sindicatos
têm praticamente implorado a patronatos hostis pelo retorno ao pacto
social. Esta política tem sido alimentada pela forte
orientação nacional do movimento sindical. Ao invés de se
reorientarem para confrontar o actual, e mais agressivo, poderdo capital
internacional, a orientação nacional e a ideologia de parceria
social dos sindicatos conduziu o grosso do movimento sindical para uma
aliança com, e por conseguinte uma subordinação o capital
nacional, na luta pela competitividade internacional. Na Alemanha,
o termo Standort Wettbewerb é utilizado para significar
não só alianças sindicais com companhias alemãs,
mas também o apoio ao estado alemão na competição
da Alemanha com outras nações.
A maioria do movimento sindical afundou-se num sindicalismo empresarial e no
formalismo legal, ao invés de se deslocar em direcção a
uma estratégia baseada em análise de classes e na
avaliação do equilíbrio de poder. A luta do movimento
sindical alemão para a unidade para o trabalho, em meados
dos anos noventa, é um bom exemplo desta política de
aliança nacional com os patronatos. Esta foi uma proposta para uma
renovação formal do pacto social e foi elaborada pela
Confederação Alemã dos Sindicatos que se inclinoua aceitar
condições de trabalho mais desvantajosas, em troca de
segurança no emprego. Foi recusada pelos patronatos. Da mesma forma, a
luta, relativamente focalizada para os padrões mínimos de
trabalho no âmbito da Organização Mundial de
Comércio (WTO), que os líderes do movimento sindical
internacional têm vindo a defender durante os últimos dez anos,
é um exemplo excelente do formalismo legal que foi desenvolvido sem
existir uma análise do equilíbrio de poder entre trabalho e
capital.
Os burocratas sindicais, ambos ao nível nacional e ao nível
internacional, continuam a considerarem-se como mediadores entre trabalho e
capital. Actualmente, quando forças capitalistas se encontram na
ofensiva e suscitam o desenvolvimento de um movimento internacional de
justiça popular e de solidariedade que se opõe à actual
globalização do capital transnacional, o movimento sindical
internacional mostra-se ansioso por se afirmar como uma força mediadora
entre este movimento internacional e os interesses corporativos. Isto foi
expresso abertamente, quando o terceiro Fórum Social Mundial (WSF -
World Social Forum) se realizou em Porto Alegre, Brasil em Janeiro de
2003paralelamente com o Fórum Económico Mundial (WEF -
World Economic Forum) das elites políticas e económicas em Davos,
Suíça. O movimento sindical internacional emitiu uma
declaração, nessa ocasião, Democratizando a
Globalização: Declaração Sindical para os FSM e
FEM 2003 que foi assinado pelos organismos mais importantes do
sindicalismo internacional.
[2]
Entre outras coisas foi declarado que:
O movimento sindical internacional tem uma mensagem comum para Porto Alegre e
para Davos. Devem ser reunidos visão, testamento político e
capacidades necessárias, e a nível global, para tornar
possível atingir desenvolvimento e oferecer garantias de trabalho
decentes para os milhões de trabalhadores que hoje vivem em
condições precárias e de pobreza, sem perspectivas de um
futuro melhor. Isso requererá o recurso a compromissos, inclusivamente
contractualizados. Exige sistemas de governo que promovam o nosso bem-estar
comum, os nossos direitos e a democracia. Requer processos democráticos
efectivos, e exige diálogo para lá chegar. Iremos pressionar o
FEM para que se debruce sobre a necessidade de globalizar a justiça
social. Ao mesmo tempo, contribuiremos no FSM no sentido de aproximar, de forma
construtiva, a globalização democrática dos interesses de
toda a classe operária.
[3]
A maioria das organizações sindicais internacionais não se
considera, por outras palavras, como pertencente ao novo movimento contra
à globalização capitalista, por o considerar muito radical
a nível político.
[4]
Assim, a Confederação Internacional dos Sindicatos Livres (ICFTU
- International Confederation of Free Trade Unions) e ou os Sindicatos Globais,
por isso mesmo não se juntam aos restantes movimentos quando estes foram
para o Fórum Social Mundialeles organizam as suas próprias
conferências e encontros paralelos aos fóruns. Pelo
contrário, foram enviadas delegações de alto nível
ao Fórum Económico Mundial. Sempre conseguimos
alcançar melhores resultados pelo diálogo, é o
refrão recorrente.
POLÍTICAS INDEPENDENTES DE RELAÇÕES DE PODER
A falta completa de análises de relações de poder e das
pré-condições para estratégias sindicais é
também aparente no trabalho educacional que está sendo realizado
a nível internacional pelos sindicatos. Vários sindicatos da
Europa Ocidental e confederações estão a realizar
programas de estágio em forma de projectos de solidariedade com
sindicatos irmãos na Europa de Leste e nos países em
desenvolvimento. Nestes projectos educacionais, sindicatos ocidentais
estão a disseminar o que eles consideram ser o seu próprio grande
sucesso o pacto social. Eles estão a tentar convencer o movimento
sindical, no resto do mundo, das vantagens de procurar um modelo de parceria
social. Devido às actuais e determinadas relações de
poder, este tipo de educação é contraproducente para os
sindicatos da Europa de Leste e do mundo em desenvolvimento, pois estes
estão sob o fogo de patronatos agressivos e com espírito de
confronto.
É importante notar que todos os desenvolvimentos descritos atrás
afectaram mais os sindicatos das indústrias transformadora do que os
sindicatos do sector público e de parte da indústria dos
transporte. A razão é que a manufactura está exposta com
mais força e mais directamente à competição
internacional. Assim, o retrocesso dos sindicatos e o deslocamento
político e ideológico para a direita tem sido mais prevalecente
no sector do fabrico do que em qualquer outro sector do movimento.
A continuação desastrosa de uma política de parceria
social, numa situação em qual a base económica e social
para esta parceria está a ruir, está hoje a ser prosseguida pela
maioria da burocracia sindical Europeia particularmente a
Confederação Europeia dos Sindicatos (CES/ETUC -
European Trade Union Confederation). Assim, durante os últimos anos,
assistimos a actividades crescentes na forma de consultadorias,
negociações,
lobbying
, e o chamado diálogo social entre os supostos parceiros sociais no
mercado de trabalho. O resultado até agora tem sido um fortalecimento da
vertente burocrática no movimento sindical europeu. O diálogo
social ou negociações ao nível da UE, como
está a ser erroneamente caracterizado por alguns, é um
exercício que não inclui o direito de tomar medidas a
nível industrial. É fácil entender, então, a
razão pela qual os resultados têm sido tão fracos.
A nível internacional, o ICFTU é o mais enérgico defensor
da política de parceria social, muito claramente expressa em uma
declaração na qual comenta o Pacto Global das
Nações Unidas. Entre outras coisas, apregoa ter emitido uma
declaração comum com a ONU, utilizando a mesma linguagem chave da
que foi utilizada na declaração comum entre a ONU e a
Câmara de Comércio Internacional:
Foi acordado que mercados globais requeriam regras globais. O objectivo deveria
ser o de permitir que os benefícios da globalização
alastrassem a todas as pessoas, através da construção de
um enquadramento efectivo de regras multilaterais para uma economia mundial em
processo de transformação por força da
globalização dos mercados....O encontro concordou que o Pacto
Global deveria contribuir para este processo, ajudando a construir parcerias
sociais entre o negócio e o trabalho.
[5]
A nível das companhias, os Conselhos do Trabalho Europeu são a
resposta burocrática. Estes conselhos de representantes dos
operários, em companhias transnacionais, não exercem
influência real sobre os operários, apesar destes poderem
tornar-se úteis para recolha de informações e para
estabelecimento de contractos laborais. Os conselhos têm menos
influência que instituições similares, as quais foram
desenvolvidas nos países nórdicos e na Alemanha durante o
período do pós-guerra, embora até estas já tenham
perdido influência real nestes países, na medida em que as
forças de mercado têm ganho terreno.
Na Europa, esta política de diálogo social desigual está a
levar o movimento sindical a uma paralisação completa. Uma
política sindical, baseada na mobilização dos seus
membros, para confrontar e lutar contra os ataques do patronato, é
praticamente inexistente a nível da UE, embora já tenhamos
assistido a tendências nesta direcção a nível
nacional (na França em 1995 e na Itália em 2002).
O resultado deprimente destas políticas tem sido a
aceitação, pela parte dominante do movimento sindical, de uma
redução passo-a-passo das condições de
bem-estar e de trabalho. Apesar de negociações, os sindicatos
têm aceite gradualmente um aumento da
flexibilização do trabalho. Em diferentes
países europeus assistimos a uma redução de dispositivos
de segurança social, tais como os de auxílio por doença e
pensões, cortes em benefícios de desemprego, taxas de
utilização mais elevadas em serviços de
educação pública, jardins-escola, saúde e
serviços sociais, e a abolição de projectos de alojamento
sem fins lucrativos. As condições de trabalho têm piorado
através da impugnação de leis de trabalho e acordos
laborais, incluindo o enfraquecimento da regulamentação sobre as
horas de trabalho, a redução do pagamento de horas
extraordinárias, a reintrodução de turnos em muitas
indústrias, a redução da segurança no emprego, o
aumento de contractos de trabalho curtos e temporários, o aumento da
utilização de operários a contrato e subcontratados, e
mais negociações descentralizadas. Uma consequência grave
deste desenvolvimento foi a desmoralização dos trabalhadores e
uma redução nas parcerias com os sindicatos, pois os sindicatos
falharam na protecção dos seus membros. O crescimento dos
partidos populares da direita é provavelmente o resultado mais perigoso
desta política sindical indulgente.
CONSIDERAÇÕES ESTRATÉGICAS
O que poderá fazer o movimento sindical a fim de enfrentar a ofensiva
global do capital? Uma coisa é certa, a retórica radical
não é suficiente, mesmo sendo comum em encontros internacionais.
Experiências do primeiro Fórum Social Europeu, realizado em
Florença, Itália, em Novembro de 2002, podem servir como exemplo.
Lá ouvimos pelo menos dois tipos de posições sindicais.
Uma defendida por grupos muito militantes, pequenos, não
representativos. Outra proveniente de representantes de sindicatos Europeus
populares. Por exemplo, um representante de um sindicato alemão, IG
Metall, queria iniciar a luta pelas trinta-horas semanais. Porém, ele
não mencionou que o mesmo sindicato já tinha negociado um acordo
com a Volkswagen, um ano antes, o qual minava os salários e as
condições de trabalho existentes, por forma a induzir a companhia
a abrir uma nova fábrica na Alemanha e não num país da
Europa de Leste a custo mais baixo. Nenhum destes representantes sindicais
tocou nos problemas reais do movimento sindical na Europa actual. É
necessário abordar estes problemas como base para o desenvolvimento de
uma estratégia sindical viável.
A primeira coisa que é necessário perceber é que as
políticas de confrontação das companhias multinacionais e
de outros interesses capitalistas têm de ser enfrentadas pelos
sindicatos. Existem discordâncias e contradições no
movimento sindical sobre esta posição a nível
nacional e local e também a nível internacional. Aqueles dos
sindicatos que querem revitalizar as suas organizações
terão, então, de construir novas alianças baseadas nas
melhores partes do movimento. Mesmo que hajam muitas excepções,
estas organizações trabalhistas encontradam-se principalmente no
sector público, nos transportes, em alguns sectores de serviço
privados e nalguns ramos locais do movimento sindical.
Para confrontar as corporações transnacionais, é
necessário construir redes e incentivar a cooperação entre
operários das mesmas indústrias, atravessando fronteiras quer
nacionais quer de associações. O desenvolvimento da solidariedade
internacional, baseada em identidade de classe, terá que quebrar a
tendência de união empresarial que favorece a nossa
companhia em detrimento da deles. Esta é uma tendência
que tem uma tradição mais forte no movimento sindical
norte-americano do que na Europa, mas que também se fortaleceu na Europa
durante os últimos vinte anos, pois sindicatos despolitizados e
desradicalizados juntaram forças com os seus patronatos para
proteger postos de trabalhos a nível nacional em
competição com companhias em outros países. Esta
estratégia extraviada e limitada deve ser substituída por um
esforço baseado em identidade de classe, no qual o controle
democrático da produção e distribuição
é levado para a frente.
Outro esforço importante em torno do qual uma nova aliança
sindical internacional terá de ser construída é a luta
contra a aquisição contínua dos serviços
públicos pelas corporações. Isto significa a luta contra a
privatização e a defesa das realizações que foram
ganhas através do Estado Previdência. A aquisição
corporativa destas partes da sociedade representa um elemento muito importante
no deslocamento do equilíbrio de forças entre o trabalho e o
capital nas nossas sociedades.
Outra parte importante de uma estratégia sindical progressista é
desafiar o pensamento dominante da burocracia sindical a ideologia de
parceria social e da acomodação pacífica entre trabalho e
capital. Teremos de realizar discussões internas difíceis, mas
amigáveis, sobre este assunto particular no nosso movimento. Estas
discussões devem ser baseadas na compreensão de que a
política de parceria social não é o resultado de
conspirações ou deslealdades, mas sim o resultado de um
desenvolvimento histórico específico. Precisamos de
análises novas que possam explicar às pessoas como o acordo
histórico entre trabalho e capital foi realizado e a razão porque
foi demolido. O descontentamento do povo com os desenvolvimentos actuais tem de
ser tomado a sério; a sua ansiedade e descontentamento deverá ser
politizado e canalizado nos sindicatos e nos esforços políticos
na base da luta de classes, a favor das suas condições de
trabalho e de vida. Esta é a única forma de evitar que as pessoas
sejam mobilizadas pelos partidos populares da direita.
Devíamos focalizar a atenção no bem-estar/segurança
social e nas condições de trabalho, na brutalização
do trabalho que está a tomar lugar, pois uma parte crescente da economia
está exposta ao mercado competitivo, e na redução da
influência dos trabalhadores sobre o seu dia de trabalho e no seu
controle sobre o processo produtivo.
É importante perceber que isto também tem muito a ver com a
autoconfiança de pessoas. A dignidade dos trabalhadores está a
ser atacada, sistematicamente nos locais de trabalho, nos
media, no debate público geral, e no clima social e cultural
de uma sociedade dominada pelo pensamento burguês e pelos valores e
políticas neoliberais. Isto só pode ser alterado pela
recuperação das noções de trabalho produtivo,
relações de classe, e identidade de classe. Porém, estas
noções não podem ser impostas à classe
operária vindas de fora. Têm de ser desenvolvidas como parte da, e
durante a, luta social.
Finalmente, devemos construir alianças com o novo movimento global
contra o neoliberalismo pela democracia, justiça global, e
solidariedade. Esta movimentação global de movimentos está
actualmente mais politicamente radicalizado e mais crítico do sistema do
que osmovimentos sindical e trabalhista, embora o seu conhecimento das
relações de classes seja bastante mais pobre. O movimento
sindical precisa do radicalismo e da militância deste movimento popular
de forma a quebrar com as suas ilusões sobre o compromisso de classes.
Se esta aliança for desenvolvida construtivamente e correctamente, os
dois movimentos poderiam reforçar-se um ao outro e poderiam trazer a
luta para um nível mais elevado.
O pacto social nunca foi um objectivo definido do movimento operário;
foi o resultado de um desenvolvimento histórico específico.
Só se tornou possível como resultado de um deslocamento enorme no
equilíbrio de poder entre trabalho e capital. A combinação
da revolução russa, um movimento operário e sindical forte
no ocidente, movimentos de liberação fortes no terceiro mundo, e
um longo período de crescimento económico estável na
economia capitalista após a Segunda Guerra Mundial, foram as
pré-condições específicas que tornaram
possível um período relativamente estável de compromisso
de classes. Visar um novo compromisso de classe, um novo pacto social, sob as
actuais condições de poder muito menos favoráveis,
é ilusório.
O nosso objectivo, portanto, deve ser ir para além do pacto social e do
Estado Previdência. Somente uma transformação da sociedade
suficientemente funda para remover as pré-condições
materiais para a restauração de políticas neoliberais pode
salvaguardar o interesse dos trabalhadores. Nada menos que o socialismo pode
providenciar isso.
_____________
Notas
1- Eric Hobsbawm,
A era dos extremos: O breve século XX 19141991
(Londres: Pinguim, 1994). Publicado em Portugal pela
Editorial Presença
.
2- Estes incluíram a Confederação de Sindicais Globais, a
Comissão Sindical Consultiva junto da OCDE, a Confederação
Mundial do Trabalho, e a Confederação Europeia de Sindicatos.
3- Ver
www.icftu.org/displaydocument.asp?Index=991216994&Language=EN
.
4- Existem excepções. Em particular, os Serviços
Públicos Internacionais, a Organização Internacional
Superior de Sindicatos do Sector Público Nacional, exerceram um papel
importante no movimento do Fórum Social Mundial, especialmente
através do WTO/world trade-focused Our World Is Not For Sale network
(
www.ourworldisnotforsale.org
). Um número crescente de sindicatos
nacionais e filiais locais também se estão a envolver, com mais
força, com a nova justiça global e movimento de solidariedade.
5- Declaração do ICFTU do Pacto Global,
www.icftu.org
.
______________
[*]
Asbjørn Wahl é responsável do Fagforbundet (sindicato
norueguês de trabalhadores municipais e do sector da saúde) e
é vice-presidente do Sector dos Trabalhadores dos Transportes
Rodoviários da Federação dos Trabalhadores do Transporte
Internacional (ITF - International Transport Workers' Federation). É
também o coordenador nacional de Para o Estado
Previdência, um sindicato baseado na aliança nacional que
luta contra a privatização e desregulamentação, e
para proteger as realizações sociais do Estado Previdência.
O autor tem sítio web em
http://www.aswahl.net/
.
O original encontra-se em
http://www.monthlyreview.org/0104wahl.htm
.
Tradução de Estelina Silva.
Este artigo encontra-se em
http://resistir.info
.
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