Em fase terminal
Nos dias que correm, o chamado "projecto europeu" assemelha-se a um
barco no meio da tempestade metendo água por todos os lados. Alguns dos
seus mais acérrimos defensores estão tão desmoralizados
que, pelo que escrevem, mais parecem adversários da
"construção europeia". A título de exemplo:
"Com uma união monetária que estiola no Sul. Com Schengen
agonizante no Centro e no Leste, o projeto europeu transformou-se num
trágico nó górdio, à espera de um génio que
o desate ou, o que é mais provável, de um(a) louco(a) capaz de
erguer a espada que o corte. Sem olhar às terríveis
consequências que se lhe seguirão." (Viriato Soromenho
Marques, DN - 7 Dez. 2015). De facto, para grande pesar dos europeístas
de todos os quadrantes, o barco está mesmo afundar e não é
preciso ser adivinho para perceber que o seu fim está escrito nos astros.
Como se já não bastasse a tragédia do resgate dos bancos
credores das periferias, através da conversão da dívida do
sistema financeiro em dívida pública à troika, agravada
pela aplicação de uma política económica
idêntica à dos anos trinta do século passado que converteu
o crash financeiro de 1929 na Grande Depressão, temos agora a
Finlândia a admitir referendar a sua participação na Zona
Euro. Juntemos a recente vitória de um partido eurocético na
Polónia e a passagem da Frente Nacional a partido mais votado nas
eleições regionais em França. Isto para além do
anunciado referendo no Reino Unido sobre a sua participação na UE.
Sendo a Zona Euro o coração da UE, percebe-se que o seu
funcionamento cada vez mais debilitado acabará por comprometer a
sobrevivência da totalidade do corpo político a que está
ligado. Aliás, a crise que estamos a viver já não é
designada por "crise das dívidas soberanas", como nos
habituaram os media, e alguns analistas já referem com naturalidade a
"crise da UE". Na verdade, as dívidas públicas grega e
portuguesa, como de resto as de outros países europeus não
intervencionados, não adquiriram subitamente a virtude da
sustentabilidade. Aconteceu apenas que o BCE tranquilizou os mercados
financeiros com a promessa de que em última instância as compraria
(à revelia dos tratados) ao mesmo tempo que vai intervindo discretamente
para controlar o respectivo preço. Ou seja, afastado de um horizonte
mais próximo o colapso financeiro de bancos e Estados, o risco do fim da
UEM passou a ser eminentemente político.
Até quando resistirá o povo grego ao massacre a que está
sujeito? Até quando resistirá a Itália a uma
estagnação sem fim à vista? Até quando
resistirá a França à permanente
desindustrialização e erosão do Estado-social? Até
quando aceitará a Finlândia sofrer uma recessão sem poder
recorrer à política económica (orçamental e
cambial) de que precisa? Até quando Portugal e Espanha estarão
dispostos a sofrer um nível de desemprego típico da Grande
Depressão? Muito provavelmente, a crise dos refugiados que chegam em
massa às portas da UE será o golpe de misericórdia neste
projecto de submissão dos povos ao totalitarismo neoliberal. A
França e a Alemanha participaram ativamente nas aventuras imperiais dos
EUA no Próximo Oriente e agora, face ao efeito de boomerang das suas
intervenções ao serviço de negócios criminosos,
prometem à Turquia a integração na UE para que faça
o que outros países têm feito simplesmente por razões
humanitárias, ao mesmo tempo que impõem à Grécia
uma nova polícia de fronteiras sob comando da burocracia
comunitária. A Grécia é ameaçada de expulsão
por duas vezes em poucos meses (Euro e Schengen), enquanto a frágil
democracia Turca, conivente como os terroristas do EI, é convidada a
entrar na UE? O projecto europeu entrou certamente na sua fase terminal.
A minha colaboração com este jornal termina aqui. Agradeço
aos editores e aos leitores o tempo que me dedicaram.
12/Dezembro/2015
[*]
Economista, co-autor do blogue
Ladrões de Bicicletas
O original encontra-se em
www.ionline.pt/artigo/490299/em-fase-terminal?seccao=Opiniao_i
Este artigo encontra-se em
http://resistir.info/
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