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							Avatares e perspectivas da Constituição Europeia
						
								
									por Eduardo Perera Gómez
									[*]
								
							 
 
							 Nos dias 17 e 18 de Maio, pela primeira vez em cinco meses, os ministros dos
							negócios estrangeiros da UE reuniram-se para discutir o projecto de
							Constituição, numa sessão formal da Conferência
							Inter-governamental (CIG), que continuou no dia 24.  Antes do encontro, a
							presidência irlandesa tornou públicos dois documentos:  um, com as
							estipulações da Constituição sobre as quais se
							verificou amplo consenso entre os peritos, numa reunião prévia
							efectuada a 4 de Maio e outro que serviu de base às discussões
							desta sessão da CIG. 
 A nova ronda de negociações tem como objectivo fundamental
							reabrir o debate sobre as questões pendentes de acordo entre os 25
							Estados membros da EU, em torno do projecto de Constituição
							europeia, tomando como base os resultados do processo de consultas que a
							presidência irlandesa promoveu com cada um deles, com vista à sua
							eventual adopção no Conselho Europeu previsto para os dias 17 e
							18 de Junho.
 
 A reunião de 17 e 18 de Maio abordou algumas questões
							sensíveis, tais como o alcance do voto por maioria qualificada, a
							constituição do Conselho e das suas presidências e a
							composição da Comissão.  Por seu lado, o encontro
							ministerial de 24 de Maio serviu de fórum para a discussão de
							temas que não tinham sido tocados desde Dezembro de 2003 num formato de
							CIG, tais como o sistema de votação no Conselho de Ministros e a
							possibilidade de aumentar o número mínimo de membros por
							país no PE.
 
 Extensão da  maioria qualificada
 
 Um dos principais obstáculos à aprovação da
							Constituição no mês de Junho parece ser a defesa
							britânica do veto nacional em áreas específicas 
							impostos, segurança social, política externa  apoiada neste
							parecer por alguns apelos particularmente fortes destinados a manter a tomada
							de decisões por unanimidade nos temas fiscais e de segurança
							social.
 
 Não obstante, parece haver um apoio crescente à
							introdução de um chamado freio de emergência 
							
								(emergency break)
							
							 em algumas das áreas, nas quais os Estados membros ainda mantêm o
							poder de veto na Constituição.  Isso significaria aplicar a
							votação por maioria qualificada com a salvaguarda  o
							freio de emergência de os Estados membros poderem
							reenviar um assunto ao Conselho, se sentirem que é vital para os seus
							interesses nacionais.  Deste modo, a pedido de um país que decidisse
							optar pelo freio face a uma decisão, o Conselho poderia
							decidir pedir à Comissão que apresentasse uma nova proposta
							legislativa.
 
 Este sistema de freios daria certa satisfação aos Estados membros
							que desejam maior integração nestas áreas, como a
							França e a Alemanha, enquanto que ofereceria a possibilidade de uma
							saída aos mais renitentes, como o Reino Unido e os países
							nórdicos.  A solução já obteve o reconhecimento
							público de alguns países e poderia ser um passo em frente em
							áreas como a da Justiça e dos Assuntos Internos, nas quais ainda
							se reconhece a possibilidade de veto no projecto da Constituição.
 
 Apesar disso, todavia, não parece possível que esta
							solução se aplique a nenhuma questão relativa aos impostos
							ou à segurança social, em particular pela oposição
							do Reino Unido.  A França e a Alemanha fizeram um apelo conjunto para
							facilitar a cooperação reforçada no marco da
							Constituição, o que significaria que alguns países
							poderiam cooperar mais em determinadas esferas, tais como impostos,
							segurança social, Justiça e Assuntos Internos, e outros poderiam
							participar mais tarde.
 
 Formação do Conselho e suas presidências
 
 Teve lugar uma discussão sobre a formação do Conselho e
							suas presidências, uma variante proposta em Dezembro pela
							presidência italiana com vista a distribuir as tarefas dentro do Conselho
							entre grupos de Estados membros.  Alcançou-se um acordo básico
							quanto ao término de 18 meses das presidências grupais e em que
							três Estados membros devem formar parte de um grupo.  Fica pendente a
							decisão de como repartir as tarefas entre eles.
 
 Composição da Comissão Europeia
 
 A França e a Alemanha encabeçam o campo dos que propõem
							reduzir a Comissão.  Paris apoia a ideia de que o executivo conte com um
							número de entre 15 e 18 comissários, enquanto a Alemanha
							considera que este número deve ser fixado em dois terços do total
							de Estados membros a partir de 2014.  A Bélgica também apoia uma
							Comissão reduzida, mas ficou isolada na sua proposta de que isso se
							verifique a partir de 2009.
 
 Por seu lado, a Dinamarca encabeça o grupo contrário à
							redução do executivo, exigindo que exista um comissário
							por país, no que foi apoiada por vários pequenos Estados, entre
							eles a Grécia, a Eslovénia e a Estónia.  Não
							obstante, esta posição parece começar a debilitar-se.
 
 A presidência irlandesa sugeriu uma redução da
							Comissão a 18 membros a partir de 2014, o que significaria para os
							Estados membros não contar com nenhum comissário em um de cada
							três períodos quinquenais.
 
 A perda de um representante nacional na Comissão poderia tornar menos
							viável a aceitação da Constituição pelos
							cidadãos, naqueles países em que esta for submetida a referendo.
 
 Sistema de votação para a tomada de decisões no Conselho
 
 No encontro dos ministros dos negócios estrangeiros da UE do passado 24
							de Maio, houve alguns sinais de movimento na controversa questão do novo
							sistema de votação, o tema principal que conduziu ao fracasso do
							Conselho Europeu de Bruxelas celebrado em Dezembro de 2003, durante a
							presidência italiana.
 
 A França e a Alemanha aceitaram, pela primeira vez, uma
							modificação "moderada" do limite de
							população do sistema de "dupla maioria" proposto no
							projecto de Constituição para a adopção de
							decisões no Conselho  aprovação por 50% dos Estados
							membros que representem no mínimo 60% da população da UE
							 "se o pacote global é equilibrado".  Até ao
							momento, Paris e Berlim agarraram-se rigidamente a esta proposta.
 
 De modo similar, Espanha e Polónia, antes opostas fortemente ao sistema
							de dupla maioria, suavizaram as suas posições.  Na
							aparência, a Espanha abandonou a sua exigência anterior de manter o
							sistema de votos acordado na cimeira de Nice de 2000, que lhe conferia um poder
							de bloqueio desproporcionado em relação à sua
							população, sobretudo em comparação com
							países maiores como a Alemanha.  Tanto Madrid como Varsóvia,
							desejariam elevar o limite referido à percentagem de
							população para que lhes seja mais fácil bloquear
							decisões.  A Espanha aceita a dupla maioria se este limite for elevado a
							66,66% (dois terços), o que lhe permitiria bloquear uma decisão
							com o apoio de dois países "grandes", já que superaria
							os 33,4% da população necessária, e de facto, a ajudaria a
							manter o mesmo poder de bloqueio que obtivera em Nice.
 
 Os numerosos países pequenos e médios  em particular
							Portugal, Áustria, Finlândia, Dinamarca, Grécia,
							Lituânia, Malta e Chipre  são pela paridade, tão
							pouco isenta de problemas, entre ambas as percentagens:  50-50 ou 60-60,
							enquanto os grandes, como a França, a Alemanha e o Reino Unido, querem
							manter-se o mais perto possível da proposta original.
 
 A França não aceita os 66% propostos por Espanha.  O Tratado de
							Nice previa um limite de 62%, mas combinado com um sistema diferente de votos
							ponderados, atribuídos a cada país em consonância com a sua
							população, o que leva a pensar que seria este o limite
							máximo aceitável para Paris.  A mesma posição foi
							assumida pela Alemanha, Bélgica, Holanda, Itália e Reino Unido.
 
 Para o Parlamento Europeu, qualquer modificação da proposta da
							Convenção (50/60) é inaceitável, segundo afirmaram
							em conjunto, em conferência de imprensa, os dois euro-deputados que em
							nome da euro-câmara assistem às reuniões da CIG, Elmar Brok
							(PPE) e Klaus Hänsch (PSE).  Ambos coincidiram em destacar que para o
							Parlamento se trata de uma "linha vermelha" que não se pode
							baixar.
 
 A proposta da presidência irlandesa é baseada em que a brecha
							entre o umbral de Estados membros e de população requeridos para
							a tomada de decisões não deve ser superior à já
							contida no projecto da Constituição.  Ainda que o documento
							apresentado por Dublim não faça menção a
							números específicos, uma proposta futura poderia andar ao redor
							de uns 55% de Estados membros que representem 65% da população. 
							Isso poderia ser acompanhado por restrições específicas,
							como a de que aqueles Estados membros que bloqueassem uma decisão
							deveriam representar pelo menos 15% da população da UE, ao mesmo
							tempo que seria preciso um mínimo de quatro Estados para conformar uma
							minoria de bloqueio.
 
 Estrutura e funções do Parlamento Europeu
 
 Os 25 aceitaram o principio de um aumento do número mínimo de
							deputados ao PE a que têm direito os países mais pequenos, e que
							passarão dos 4 propostos originalmente a 5, o que responde a uma das
							grandes reivindicações dos 3 micro-estados  Malta, Chipre e
							Luxemburgo  que exigiam 6.  Isto significa que os deputados
							passarão de 736 a 739.
 
 Os ministros estão dispostos também a acordar um reforço
							dos poderes do PE, conferindo-lhe um peso igual ao do Conselho na
							aprovação do orçamento anual da UE, o que significa que em
							caso de impasse entre ambas as instituições, a Comissão
							ficará obrigada a apresentar uma nova proposta de orçamento.
 
 Referência ao cristianismo na Constituição
 
 A Espanha uniu-se à França, Bélgica, Eslovénia,
							Suécia, Finlândia, Dinamarca e Reino Unido, os países que
							recusam incluir no Preâmbulo da Constituição europeia uma
							referência explícita às raízes cristãs da
							Europa.  A questão continua, sem dúvida, a ser muito controversa
							para alguns outros.
 
 Na semana passada, os governos de sete Estados membros  Itália,
							Polónia, Lituânia, Malta, Portugal, República Checa e
							Eslováquia, aos quais se juntou a Grécia  pediram numa
							carta dirigida à presidência irlandesa da UE o reconhecimento da
							verdade histórica das raízes cristãs da
							Europa no preâmbulo da Constituição, que actualmente
							se refere somente às heranças culturais, religiosas e
							humanistas da Europa.
 
 Uma ideia que a presidência explora é a de anexar ao texto da
							Constituição uma declaração que precise que alguns
							países interpretam a afirmação das heranças
							culturais, religiosas e humanistas da Europa como uma referência
							às raízes cristãs da Europa.
 
 Em todo o caso, o tema será deixado aos líderes da UE para que o
							abordem quando se encontrarem em Junho para finalizar as
							negociações da Constituição.
 
 Perspectivas
 
 Nada foi acordado até que tudo o tenha sido, é o
							principio orientador desta nova sessão da CIG sobre a
							Constituição, encabeçada pela presidência irlandesa
							do Conselho.
 
 De facto, o acordo só será possível quando os governos dos
							Estados membros estiverem de acordo com a totalidade do pacote institucional
							 quantos comissários haverá no futuro, qual será o
							número mínimo de assentos no PE, qual o novo sistema de
							votação  com o objectivo de equilibrar o balanço dos
							seus respectivos poderes e o equilíbrio entre as
							instituições.
 
 A presidência irlandesa disse que não se lançará
							precipitadamente na produção de uma proposta global, enquanto
							não se alcançar um consenso sobre as questões mais
							relevantes e não esteja absolutamente segura de que o mesmo será
							aceite por todos os chefes de Estado e de governo.  Dublim tem, portanto,
							somente cerca de três semanas para conciliar um texto final de tratado e
							apresenta-lo aos chefes de governo em Bruxelas em 17 e 18 de Junho.
 
 Um elemento favorável nesta direcção é que todos os
							Estados membros parecem ter dado um passo na busca de uma
							solução.  Os 25 abandonaram as posições extremas
							nos temas mais polémicos das negociações e existe
							coincidência acerca do facto de que um espírito
							construtivo marcou os debates nas sessões da CIG recém
							concluídas.
 
 É possível que uma nova reunião se produza neste
							âmbito em 14 de Junho, antes da Cimeira, mas em qualquer caso
							também o é o facto de que o espírito de compromisso pode
							aumentar à medida que se aproxima a data limite marcada para o
							próximo Conselho Europeu.
 
 Duas questões ficaram claras.  Por um lado, a
							centralização do debate no sistema de votos do Conselho durante a
							Cimeira de Dezembro passado iludiu o facto de que um certo número de
							Estados membros tinha outras preocupações acerca do projecto de
							Constituição.  Por outro, das discussões, tornou-se
							evidente que actual texto da Constituição será finalmente
							modificado.
 
 A Constituição europeia deve ser ratificada por todos os Estados,
							em alguns deles por referendo.
 
 
 
								
									ANEXO
									Peso populacional dos Estados membros da UE
 
										
											| 
												
													
														Países
													
												
												 | 
												
													
														População*
													
												
												 | 
												
													
														Porcentagem
													
												
												 |  
											                    
											| 
												
													Alemanha
												
												 | 
												
													82431
												
												 | 
												
													18,14
												
												 |  
											                    
											| 
												
													Reino Unido
												
												 | 
												
													60114
												
												 | 
												
													13,23
												
												 |  
											                    
											| 
												
													França
												
												 | 
												
													59344
												
												 | 
												
													13,06
												
												 |  
											                    
											| 
												
													Itália
												
												 | 
												
													58018
												
												 | 
												
													12,76
												
												 |  
											                    
											| 
												
													Espanha
												
												 | 
												
													40409
												
												 | 
												
													8,90
												
												 |  
											                    
											| 
												
													Polónia
												
												 | 
												
													38600
												
												 | 
												
													8,50
												
												 |  
											                    
											| 
												
													Holanda
												
												 | 
												
													16100
												
												 | 
												
													3,54
												
												 |  
											                    
											| 
												
													Grécia
												
												 | 
												
													10598
												
												 | 
												
													2,33
												
												 |  
											                    
											| 
												
													Portugal
												
												 | 
												
													10336
												
												 | 
												
													2,27
												
												 |  
											                    
											| 
												
													Bélgica
												
												 | 
												
													10307
												
												 | 
												
													2,26
												
												 |  
											                    
											| 
												
													Rep. Checa
												
												 | 
												
													10300
												
												 | 
												
													2,26
												
												 |  
											                    
											| 
												
													Hungria
												
												 | 
												
													10200
												
												 | 
												
													2,24
												
												 |  
											                    
											| 
												
													Suécia
												
												 | 
												
													8909
												
												 | 
												
													1,96
												
												 |  
											                    
											| 
												
													Áustria
												
												 | 
												
													8140
												
												 | 
												
													1,80
												
												 |  
											                    
											| 
												
													Eslováquia
												
												 | 
												
													5400
												
												 | 
												
													1,18
												
												 |  
											                    
											| 
												
													Dinamarca
												
												 | 
												
													5368
												
												 | 
												
													1,18
												
												 |  
											                    
											| 
												
													Finlândia
												
												 | 
												
													5195
												
												 | 
												
													1,14
												
												 |  
											                    
											| 
												
													Irlanda
												
												 | 
												
													3884
												
												 | 
												
													0,85
												
												 |  
											                    
											| 
												
													Lituania
												
												 | 
												
													3500
												
												 | 
												
													0,77
												
												 |  
											                    
											| 
												
													Letonia
												
												 | 
												
													2400
												
												 | 
												
													0,53
												
												 |  
											                    
											| 
												
													Eslovenia
												
												 | 
												
													2000
												
												 | 
												
													0,44
												
												 |  
											                    
											| 
												
													Estonia
												
												 | 
												
													1400
												
												 | 
												
													0,30
												
												 |  
											                    
											| 
												
													Chipre
												
												 | 
												
													800
												
												 | 
												
													0,17
												
												 |  
											                    
											| 
												
													Luxemburgo
												
												 | 
												
													446
												
												 | 
												
													0,09
												
												 |  
											                    
											| 
												
													Malta
												
												 | 
												
													400
												
												 | 
												
													0,09
												
												 |  
											                    
											| 
												
													
														Total
													
												
												 | 
												
													
														454401
													
												
												 | 
												
													
														100,00
													
												
												 |  
							
								* Para os membros da UE-15 os números da população
								              correspondem a 01/Jan/2002. Para os países de incorporação recente
								              na UE são a média no ano de 2001.
							
							[*]
								 Investigador do Centro de Estudios Europeos, Havana. _________
 
								Nota: Este artigo foi escrito antes de 18 de Junho, data do
								acordo para a Constituição europeia. O compromisso alcançado prevê que o
								Conselho de Ministros da UE (onde têm assento um ministro de cada
								Estado-membro) passará a aprovar as leis europeias através de um sistema de
								dupla maioria: pelo menos 55 por cento dos Estados-membros, com um mínimo de 15
								Estados-membros, que representem 65 por cento da população europeia.
								Além disso, os Estados-membros passarão a votar por maioria qualificada, e não
								por unanimidade, em matérias comunitárias como a justiça, o asilo e a
								imigração.
 O veto continuará a ser a regra em matérias consideradas estratégicas para os
								Estados-membros: fiscalidade, política externa, grande parte da política social
								e o comércio com países terceiros na área dos serviços culturais e audiovisuais.
 O Estados membros terão de ratificar este acordo antes que ele possa entrar em
								vigor.
 Falta ainda escolher um presidente para a Comissão Europeia a fim de substituir
								Romano Prodi.  Um dos indigitados é o renegado socialista espanhol Javier
								Solana, co-responsável por crimes de guerra na ex-Juguslávia enquanto
								secretário-geral da NATO.
 
 O original encontra-se em
								 http://www.cubasocialista.cu/texto/cs0062.htm
								.
 Tradução de Carlos Coutinho.
 
 Este artigo encontra-se em
								 http://resistir.info
								.
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