O novo patrão do FMI
Quem é Rodrigo Rato?
Rodrigo Rato foi nomeado administrador do Fundo Monetário Internacional.
Li notas biográficas e referências à sua carreira
publicadas no
New York Times
, no
Washington Post
, no
Los Angeles Times
e em outros grandes jornais americanos, mas em parte alguma apareceram os
elementos chave da sua biografia que poderiam lançar luz sobre as suas
políticas económicas. Como escrevi em artigo anterior (The US
Media's Double Standard. The Case of Mr. Aznar, Friend of Bush, CounterPunch,
21/Ago/2003), um dos mais inquietantes desenvolvimentos da corrente principal
dos media americanos é a sua tendência para a direita. Um
exemplo: a imprensa americana saudou o sr. Aznar, o anterior presidente do
governo espanhol, como sendo "um grande amigo dos EUA" (confundindo,
como é habitual, o governo americano com a população
americana), sem sequer fazer referência ao seu passado fascista e
às posições actuais de ultra-direita. O mesmo está
a acontecer com o sr. Rodrigo Rato, o ministro da Economia do sr. Aznar, que
é o reponsável pelo desmantelamento do estado previdência
(welfare state)
espanhol.
O sr. Rato é da ultra-direita. Enquanto esteve no gabinete de Aznar
apoiou políticas tais como tornar a religião disciplina
obrigatória nas escolas secundárias, exigindo mais horas de
ensino em religião do que em matemática, desfez a progressividade
no código de rendimento interno, financiou a fundação
dedicada à promoção do franquismo (i.e, do fascismo
espanhol), nunca condenou a ditadura fascista, e assim por diante. Na arena
económica, reduziu dramaticamente as despesas sociais públicas
como meio de eliminar o défice público do governo espanhol, e foi
o responsável pela execução do mais austero
orçamento social de todos os governo da Comunidade Europeia.
A eliminação do défice no orçamento do governo
espanhol teve um enorme custo social. O estado previdência existente
(transferências públicas como pensões e serviços
sociais como educação e saúde) foi muito limitado devido
aos 40 anos de ditadura fascista. Franco era conhecido não só
por sua enorme repressão para cada assassínio
político perpetrado por Mussolini, Franco matou 10 mil mas
também pela sua sensibilidade social inexistente. Em
consequência, quando Franco morreu em 1975, a porcentagem da
população com pouca educação (menos de seis anos de
escolaridade) era a mais elevada da Europa (84 por cento), e as despesas
sociais públicas (os fundos para apoiar o estado previdência) eram
extremamente baixos (14 por cento do PIB), muito mais baixos do que a
média na Europa continental (22% do PNB). Este défice de oito
pontos foi reduzido após os estabelecimento da democracia (e muito mais
sob os governos social-democratas, 1982-1993) para alcançar apenas
quatro pontos em 1993. Naquele ano a Espanha gastou 24 por cento do PNB em
despesas sociais públicas, ao passo que a média da UE-15 era de
28 por cento. Em 1991-92 houve um combate dentro do Partido Socialista que
acabou com a vitória dos chamados sociais-liberais (o equivalente ao
Democratic Leadership Council dos EUA). Um dos seus líderes, Solbes
(posteriormente o responsável pela austeridade fiscal na UE-15 como
comissário europeu para assuntos económicos e financeiros)
assumiu o cargo de ministro da Economia do governo social-democrata e inaugurou
toda uma série de cortes nas despesas sociais que levaram o Partido
Socialista a ser derrotado em 1996, pelo Partido Popular de Aznar.
Rato tornou-se então o novo ministro da Economia. Durante a sua
permanência como ministro (1996-2004) as pensões e despesas de
saúde foram cortados ainda mais selvagenmente do que durante o
período de Solbes de 1993-1996. Nas pensões, por exemplo, Rato
aumentou o défice espanhol das despesas per capita em
relação à média da UE-15 em 21 por cento e o
défice de despesas com cuidados médicos públicos em
relação à média da UE-15 em 30 por cento. A
consequência destas políticas é que a Espanha, ao
invés de alcançar a UE-15, tem estado a perder terreno
dramaticamente. Hoje, o défice de despesas sociais da Espanha
comparadas com a média da UE-15 (medida como porcentagens do PNB)
é a mesma de quando Franco morreu. Ao nível prático,
estas políticas tem vindo a significar que o tempo médio de uma
consulta ao médico nos Serviços Nacionais de Saúde
é de apenas seis minutos; que um estudante de 14 anos numa escola
pública tem o conhecimento académico de um estudante de 13 anos
no resto da UE-15; que as pensões espanholas são as mais baixas
na UE-15; que a porcentagem de crianças dos 0 aos 3 anos que vão
aos centros públicos de cuidados infantis é apenas 8 por cento, a
mais baixa da UE-15; que o nível de trabalho temporário (chamado
"trabalho merda" pelos sindicatos) na Espanha é o mais alto da
UE-15, 35 por cento da força de trabalho, e um longo etctera para os
outros problemas sociais. A qualidade de vida das classes populares (classe
operária e média) na verdade reduziu-se durante estes anos de
austeridade social, ditados pelo sr. Rato.
O sr. Rato (e o sr. Aznar) têm-se manifestado triunfantes acerca da
UE-15, apregoando que a Espanha está no topo da comunidade porque
é o primeiro membro da UE-15 a alcançar o pacto de estabilidade,
i.e, com défice público zero. E quem se tornou o principal
advogado de Rato para esta posição no FMI foi, não por
acaso, o ministro da Economia de Blair, Gordon Brown. Em parte alguma
são mencionados os enormes custos que este "êxito" teve
sobre a qualidade de vida da gente média na Espanha. E estas são
as mesmas políticas que o sr. Rato se prepara para seguir no FMI,
políticas que causaram enorme sofrimento e dano para o povo espanhol, e
serão agora executado a escala mundial. Contudo, em parte nenhuma os
media principais mencionaram tais importantes dimensões da
permanência do sr. Rato como ministro da Economia da Espanha. Bastante
notável!
16/Jun/2004
[*]
Vicente Navarro é Professor de Política Pública na Johns
Hopkins University, EUA, e na Universidad Pompeu Fabra, Espanha. O seu email
é:
navarro@counterpunch.org
.
O original encontra-se em
http://www.counterpunch.org/
.
Este artigo encontra-se em
http://resistir.info
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