A tragicomédia representada pelo Syriza neste Verão de 2015 teve
a virtude de deixar claro perante grandes sectores da população
as chaves do momento político que caracterizam as sociedades de uma boa
parte dos países da Europa e da América Latina. Tornaram-se
evidentes pontos de ruptura que até este momento só eram
percebidos por minorias com capacidade de influência muito limitada.
As políticas imperialistas no quadro de uma gravíssima crise
geral do capitalismo não têm nenhuma margem de manobra para
acções sociais que melhorem ainda que minimamente
as condições de vida das suas populações.
No âmbito da UE e do Euro é impossível qualquer outro tipo
de políticas que não seja o aprofundamento das medidas de
austeridade. A capitulação absoluta do Syriza marca a derrocada
dos seus imitadores da "esquerda radical" ou da "nova
esquerda".
Definitivamente, surge em primeiro plano do palco a demonstração
palpável de que não há democracia. Em consequência,
ainda que passe algum tempo para que esta certeza se transforme em
consciência política, abre passagem a convicção de
que a via eleitoral não conduz a alguma mudança real e
perdurável nas condições de vida. Não há
caminhos intermédios: ou submeter-se à ditadura do capital, ou
preparar-se para uma confrontação dura e sustentada destinada a
destruir as bases do sistema.
O mito da volta ao "Estado de Bem-Estar" e da "Europa
Social"
[1]
mais falso que um trapaceiro da rua Sierpes durante
décadas foi sem rubor utilizado como isco por todo tipo de reformismo,
desde os velhos sociais-democratas até os radicais modernos, passando
pelos grandes sindicados do sistema. O objectivo era prestar o enésimo
serviço à burguesia no sentido de desactivar o conflito social e,
sobretudo, evitar que a classe operária identificasse seus inimigo e, em
consequência, suas tarefas iniludíveis. Sua última e
agonizante edição por estas plagas foram as chamadas Euromarchas,
versão camuflada da Cumbre Social e do Podemos para, fazendo-se passar
pelas Marchas de la Dignidad, oferecer um palco aos líderes
"velhos" e "novos" do mesmo reformismo.
Essa máscara, que demorou décadas a cair, ruiu na Grécia
em sete meses e desactiva-se a passos agigantados no Estado espanhol, mostrando
que lhes faltam as condições indispensáveis para serem
instrumentos úteis a fim de resolver os gravíssimos problemas do
povo trabalhador.
A enorme crise do capitalismo obriga-o a mostrar sua cara mais brutal. E
manifesta-se tanto no saqueio e na destruição de países da
periferia (ainda que, como demonstra a Ucrânia e demonstrou a
Jugoslávia, o fogo esteja cada vez mais perto do centro), como na
liquidação de políticas sócio-laborais nos
países nucleares do sistema e que lhe permitiram em outros tempos
cercar-se de um certo colchão legitimador. Agora já não
há nem sequer migalhas com as quais lubrificar a
colaboração de classe.
E na Europa a representação política do imperialismo
é a UE e, muito especialmente, toda a estrutura de andaimes
institucionais da Eurozona. Seu brutal aparelho de dominação,
espezinhando qualquer ilusão de democracia ou de soberania, foi o que se
revelou na Grécia perante todos os holofotes do palco e é o mesmo
que governa com mão de ferro todos os países do Euro.
Red Roja foi praticamente a única organização
política que analisou em pormenor há mais de dois anos
os infernais mecanismos legais que concretizam o controle férreo
por parte da Troika da despesa de todos os governos (municipais,
autonómicos, estatal e da Segurança Social) para os objectivos do
défice e de redução da divida, em todos os estados que
integram a Eurozona. O Tratado de Estabilidade, Coordenação e
Governação da União Económica e Monetária de
2012 e a Lei Orgânica que o aplica no Estado espanhol
[2]
são e serão para qualquer hipotético governo
"de esquerdas" que possa surgir das eleições gerais
as mesmas couraças de ferro que se impuseram ao Syriza. Tanto o
PP, como o PSOE, como todas as direitas nacionalistas os apoiaram com o seu
voto. E os que não o fizeram, como a IU e o Podemos, carecem de
credibilidade se propõem políticas anti-cortes sem confrontar
esse quadro institucional e legislativo.
Esta realidade incontestável varreu de uma vez as políticas
ilusionistas do Syriza e dos muitos "syrizos" locais que propunham
"convencer" a oligarquia financeira a que pusesse fim aos memorandos
alegando as necessidades peremptórias do povo grego, o respeito à
sua soberania e à democracia para assim, de dentro, reformar a UE e
recuperar a "Europa Social".
A realidade é que o governo do Syriza ou era composto por uma pandilha
de iludidos ignorantes (apesar de seus governos estarem praguejados de ilustres
professores universitários, tal como os seus imitadores daqui) ou
mentiam como velhacos acreditando nas suas próprias mentiras.
É um escárnio e um insulto ao seu povo que se alegue a
traição à sua boa fé depois das centenas de
exemplos históricos que mostram com rios de sangue que o capitalismo, e
ainda mais em tempos de crise, não conhece outros limites senão
os da força popular que seja capaz de se lhe opor.
O que interessa saber à classe operária e aos povos da Europa
é que o que prometia o Syriza e o que defendem todas as forças
políticas integradas no Partido da Esquerda Europeia (PEE) dentre
elas Die Linke (Alemanha), Frente de Esquerda (França), Bloco de
Esquerda (Portugal) e no Estado espanhol pelo Podemos, Partido Comunista da
Espanha, IU e Esquerra Unida e Alternativa é materialmente
impossível. Todos eles arrastam o povo para o beco sem saída da
reforma da UE e da "Europa Social".
O problema do Syriza e de todos eles é que enganam o povo fazendo-lhe
crer que há democracia e que os povos são soberanos, que
através das eleições podem ser resolvidos seus problemas.
Primeiro derrotam o povo, debilitam-no, enlameiam-no com os cantos de sereia
eleitorais e ocultam-lhe suas tarefas históricas. Depois adoptam poses
trágicas e dizem que não se podia fazer outra coisa porque os
representantes da Troika são "anti-democráticos".
[3]
O essencial é saber que acaba o jogo. Que a crise acelera os tempos
políticos, que as contradições se agudizam e que
desaparecem as formas intermédias. Quando se aproximam períodos
gélidos da luta de classes é preciso dizer a verdade à
classe operária e ao povo trabalhador e convocar e preparar a
organização da resistência para uma etapa de
confrontação longa e dura.
O cancelamento unilateral da Dívida, a saída do Euro e da UE, a
expropriação da banca e dos grandes monopólios e a
saída da NATO são pontos programáticos e de ruptura com a
ordem existente incontornáveis. Mas são
inalcançáveis se não se apostar em construir a
força operária e popular capaz de levá-los a cabo.
Se nos pomos de joelhos (ou nos arrastamos como Tsipras), Merkel, Lagarde,
Junker, etc parecem gigantes. No mais, só através da
construção dessa força conseguiremos a melhor garantia
para preservar nossos direitos e conquistas.
As opções reformistas, as mesmas do passado em copo novo,
desgastam-se a muito mais velocidade que as originais. Nós que sabemos
que temos pela frente um sistema em crise gravíssima, que se nutre da
destruição da vida e que administra uma burguesia criminosa,
seremos responsáveis se não aprendermos as duras
lições da história.
Urge que multipliquemos nosso empenho para ajudar a que cada vez mais sectores
da classe operária e do nosso povo deixem de ser seduzidos pela mesma
social-democracia travestida de "radicalidade" e vejam claramente que
é irracional esperar alguma mudança positiva mediante
opções meramente eleitorais sem força operária e
popular organizada que as apoie. E que a única opção
razoável e que nos pressiona é preparar-nos, com todas as
consequência, para a incontornável tarefa de destruir o
capitalismo e construir o socialismo.
06/Outubro/2015
[1] Red Roja analisou com suficiente rigor o carácter histórico
concreto do chamado "Estado de Bem Estar" no quadro de uma
correlação de forças favorável à classe
operária (existência da URSS, derrota do fascismo por parte do
povo em armas), numa etapa de crescimento económico e mediante uma
intensificação da pilhagem e da exploração dos
povos da periferia do sistema.
www.redroja.net...
[2]
www.redroja.net...
[3] Declarações de Pablo Iglesias após a
aceitação pelo Syriza do terceiro memorando,
www.eldiario.es...
[4] "La Maza", Silvio Rodrigues,
www.musica.com/letras.asp?letra=59562