A dimensão da recessão económica futura e a urgência
de uma política de crescimento económico que faça Portugal
sair do caminho para o abismo
RESUMO DESTE ESTUDO
Um estudo recente do próprio FMI, publicado este ano, veio confirmar as
consequências graves de uma consolidação orçamental
tão grande (4,6% do PIB), feita num período tão curto
(apenas 2 anos), e em condições tão desvantajosas para
Portugal como é aquela que o governo, com apoio do PSD, pretende fazer.
As consequências são tão nefastas para os portugueses e
para o futuro do País, que alterar rapidamente essa politica é
uma exigência sentida pela maioria dos portugueses, como mostrou a
dimensão da adesão à greve geral.
Segundo esse estudo do FMI,
"em dois anos, uma consolidação fiscal equivalente a 1% do
PIB tende a reduzir o PIB em aproximadamente 0,5%, aumenta o desemprego em
cerca de 0,3%, e reduz a procura interna (consumo e investimento) em
aproximadamente 1%".
E esta redução de apenas 0,5% no PIB por cada
diminuição do défice orçamental em 1% do PIB
só se verifica em condições vantajosas, ou seja, quando o
país pode alterar a taxa de câmbio, desvalorizando a moeda para
assim aumentar as exportações (o que Portugal não pode
fazer, pois tal poder já passou para o BCE); quando o país faz a
consolidação orçamental numa altura diferente daquela em
que os seus principais parceiros também a realizam (e Portugal
está a fazer a consolidação orçamental numa altura
em que os seus principais parceiros comerciais para onde exporta mais, como
é o caso de Espanha, França, Alemanha e Itália,
estão também a fazer); e quando um país pode baixar as
taxas de juro para estimular a actividade económica (e Portugal
também não pode fazer, já que as taxas de juro internas
são condicionadas pela taxa de juro fixada pelo BCE, a que se junta
crescentes dificuldades na concessão de crédito às
empresas e às famílias). Quando essas condições
não se verificam, as consequências para o país que faz a
consolidação orçamental são ainda mais nefastas de
acordo com o estudo do próprio FMI.
Segundo o mesmo estudo do FMI, se o país não puder desvalorizar a
moeda para aumentar as exportações, "
o custo da consolidação fiscal sobre o produto será
aproximadamente o dobro, com uma quebra no PIB de 1% no lugar de 0,5%
". E ""
quando o resto do mundo faz uma consolidação fiscal ao mesmo
tempo, o custo para o Canadá
(que foi o país cuja consolidação orçamental foi
estudada pelo FMI)
em termos do PIB duplica e alcança 2%".
E o governo de Sócrates, com o apoio do PSD, pretende fazer uma
consolidação orçamental não apenas de 1%, mas sim
de 4,7% do PIB em apenas dois anos, a que seguirá ainda uma outra de
1,8% do PIB logo no ano seguinte. A recessão económica
será inevitável (entre -2% e -3% já em 2011), e sem
crescimento económico os "mercados" continuarão com a
chantagem sobre Portugal. Só o governo e os defensores da sua politica
é que não conseguem prever isso
.
Uma alternativa a esta politica de redução do défice num
período tão curto e numa percentagem tão elevada, teria
necessariamente de assentar, a nosso ver, numa politica que conjugasse a
redução sustentada e gradual do défice do orçamento
e do endividamento externo, que é um problema muito mais grave do que o
défice, com uma politica também sustentada de crescimento
económico equilibrado. E isso pressupõe um período mais
longo para fazer a consolidação orçamental, uma
utilização dos escassos recursos do País em investimentos
produtivos e criadores de emprego nomeadamente na agricultura e
indústria e não em TGV e auto-estradas; no apoio a empresas
exportadoras inovadoras ou que substituam importações; numa
repartição mais justa dos rendimentos e dos sacrifícios, o
que pressupõe que se acabe com os enormes privilégios fiscais que
continuam a gozar os grupos económicos, de que são exemplos a
isenção do imposto de mais valias de cerca de 70% das
transacções bolsistas, assim como a isenção que
gozam os dividendos distribuídos pelas grandes empresas a operar em
Portugal desde que o beneficiário seja uma empresa com residência
em outro país da UE (incluindo as constituídas por portugueses) e
que possua pelo menos 10% da empresa em Portugal (objectivo: beneficiar os
grandes accionistas). Segundo o Relatório do OE2011, o governo
prevê perder, só em 2011, 1.370 milhões de receita
fiscal resultante de benefícios fiscais concedidos a empresas (no
período 2005/2011, são 12.263 milhões ), e uma
grande parte (como os resultantes das isenções de mais-valias e
de lucros distribuídos que não são tributados), não
são contabilizados.
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Um dos problemas mais graves que o País tem enfrentado ao longo dos
últimos anos é a incapacidade dos sucessivos governos, para
prever atempadamente as consequências de muitas medidas tomadas e das
crises tanto internas e internacionais. Isso sucedeu com a entrada de Portugal
para a Zona do Euro que, devido à excessiva valorização do
euro, contribuiu, por um lado, para a perda de competitividade das empresas
portuguesas que já antes enfrentavam graves problemas neste campo e, por
outro lado, para o crescimento anémico verificado na última
década (em média, 1% por ano). Serve também de exemplo a
política de investimentos maciços em auto-estradas que gerou uma
profunda distorção no sistema de transportes nacional, cujas
consequências graves os portugueses estão agora a começar a
pagar (mais de 60% das PPP são rodoviárias) em prejuízo de
outros modos de transportes menos dispendiosos e menos poluentes, e
também geradores de menor dependência energética externa,
como é o ferroviário. Igualmente serve de ex. a
reacção tardia e insuficiente à grave crise internacional
de 2008, assim como a eliminação prematura dos apoios sociais e
à economia com o falso pretexto de que a crise já estava
superada. E isto só para apresentar alguns exemplos. É
conjugação desta incapacidade de prever atempadamente as
consequências e de tomar as medidas que melhor sirvam os portugueses e o
País, que conduziram Portugal para o beco sem saída em que se
encontra.
Apesar de todos estes erros com consequências dramáticas para os
portugueses e para o País, a situação repete-se de novo. O
governo pretende reduzir o défice orçamental, em apenas dois
anos, em 4,7 pontos percentuais do PIB (entre 2009 e 2011, passar de 9,3% para
4,6% do PIB), quando no PEC2 era de 2,7 pontos percentuais, que era já
muito elevada. A redução de 4,7 pontos do PIB corresponde a cerca
de 8.000 milhões de euros. As consequências económicas e
sociais de uma redução com tal dimensão do défice
num período tão curto serão nefastas para o Pais como
prova um estudo elaborado pelo próprio FMI que utilizaremos neste
estudo.
O ESTUDO DO FMI SOBRE AS CONSEQUÊNCIAS DA CONSOLIDAÇÃO
ORÇAMENTAL
O FMI publicou em Outubro de 2010 um extenso documento com 235 páginas
com o título:
"Perspectivas da economia mundial Recuperação, risco e reequilíbrio".
Na pág. 103 e seguintes, Capitulo 3, encontra-se um interessante
estudo, que tem o título: "Serão dolorosos os efeitos
macroeconómicos da consolidação fiscal?". No estudo
procura-se avaliar as consequências da consolidação
orçamental na actividade económica. E embora nele se diga que
abrange as consequências a curto prazo, no caso português, como
rapidamente se concluirá, os efeitos da consolidação
orçamental num período tão curto e com uma dimensão
tão grande, para além dos efeitos devastadores, também se
prolongarão por um longo período de tempo.
O estudo do FMI tem como base a experiência de consolidação
orçamental nas economias avançadas nos últimos 30 anos, e
utiliza o modelo de simulação do FMI com a
designação "Modelo Fiscal e Integrado Mundial do FMI"
(MFMIM). E as conclusões a que o próprio FMI chega são as
seguintes:
"Em dois anos, uma consolidação fiscal
(em Portugal, é designada por "consolidação
orçamental")
equivalente a 1% do PIB tende a reduzir o PIB em aproximadamente 0,5%, aumenta
o desemprego em 0,3%, e reduz a procura interna (consumo e investimento) em
aproximadamente 1%"
(pág. 104).
Mas esta quebra da actividade económica e aumento do desemprego assenta
em condições "favoráveis" que Portugal
não dispõe. E isto porque aqueles efeitos pressupõem: (1)
Que Portugal pudesse manipular a taxa de câmbio com o objectivo de
desvalorizar a moeda para assim aumentar as exportações; (2) Que
Portugal fizesse a sua consolidação orçamental numa altura
em que os outros países, nomeadamente parceiros comerciais, não
estivessem também a fazer a consolidação
orçamental; (3) Que Portugal pudesse baixar mais a taxa de juro para
impulsionar a actividade económica.
Ora nenhuma destas condições se verifica neste momento em
Portugal. Em primeiro lugar, Portugal já não pode alterar a taxa
de câmbio pois esse poder passou para o Banco Central Europeu, e a
politica deste é manter o euro bastante valorizado, o que reduz a
competitividade dos produtos portugueses fora da União Europeia. Em
segundo lugar, os principais importadores de produtos portugueses
Espanha, Alemanha, França e Itália estão
também empenhados num importante esforço de
consolidação orçamental, o que diminuiu a procura interna
nesses países e, consequentemente, as importações de
produtos do nosso País. Finalmente, Portugal enfrenta actualmente grande
escassez de crédito nomeadamente por parte das empresas, o que pode
levar a uma maior quebra da actividade económica, como mostrou a
experiência passada resultante dos acordos com o FMI, em que a medida que
teve maiores efeitos negativos na actividade económica foram os limites
impostos à concessão de crédito.
Segundo o mesmo estudo do FMI, "
uma diminuição do valor da moeda contribui em grande medida para
moderar o impacto
(negativo)
da consolidação fiscal sobre o produto através do impacto
sobre as exportações líquidas. Sem este aumento das
exportações liquidas, o custo da consolidação
fiscal sobre o produto será aproximadamente o dobro, com uma quebra no
PIB de 1% no lugar de 0,5%
" (pág. 112). Portanto, Portugal, como já se referiu,
não tem poder para alterar a taxa de câmbio. Esse poder já
passou para o BCE. E a politica deste é a defesa de um euro valorizado e
não de desvalorizá-lo para aumentar as exportações.
Outro aspecto com consequências negativas para Portugal é o que
resulta da consolidação fiscal que está ser feita pelos
países da União Europeia para onde são canalizadas
80%
das exportações portuguesas em simultaneo com a
portuguesa. De
acordo também com o mesmo estudo do FMI, tendo como base a
experiência do Canadá, "
quando o resto do mundo faz uma consolidação fiscal ao mesmo
tempo, o custo para o Canadá em termos do PIB duplica e alcança 2%
" (pág. 123) por cada redução do défice
orçamental em 1% do PIB. E isto acontece, segundo o FMI, porque a
consolidação fiscal simultânea em outros países,
"reduz a procura de produtos das exportações do
Canadá" Portanto, é previsível que o facto de Portugal estar a
fazer a consolidação fiscal na mesma altura dos seus principais
parceiros comerciais tenha efeitos negativos semelhantes nas exportações
portuguesas.
EM DOIS ANOS O GOVERNO E O PSD PRETENDEM FAZER UMA CONSOLIDAÇÃO
ORÇAMENTAL CORRESPONDENTE A 4,7% DO PIB E NÃO APENAS DE 1%
No PEC 2 (Programa de Estabilidade e Crescimento: 2010-2013), apresentado
inicialmente pelo governo à Assembleia da República e à
Comissão Europeia, o governo propunha-se reduzir o défice
orçamental, entre 2009 e 2011, portanto em dois anos, de 9,3% do PIB
para 6,6% do PIB, ou seja, em 2,7 pontos percentuais. No entanto, como isso
já não fosse suficiente, e para agradar os chamados
"mercados" (fundamentalmente bancos, companhias de seguro e fundos),
decidiu aumentar muito mais a redução do défice
orçamental entre 2009 e 2011, passando de 9,3% do PIB para 4,6%, ou
seja, uma diminuição de 4,7 pontos percentuais.
Aceitando como boas as conclusões tiradas pelo próprio FMI no
estudo que realizou, anteriormente referido, uma consolidação
orçamental de 4,7 pontos percentuais do PIB determinará, num
período de dois anos, uma quebra na actividade económica (PIB) de
igual valor (pelo menos 4,7 pontos percentuais) e um aumento do desemprego de,
pelo menos também, 1,4 pontos percentuais, o que faria aumentar a taxa
oficial de desemprego dos actuais 10,9% para 12,3%. Utilizando a mesma
metodologia do estudo do FMI, cujos resultados constam do gráfico 3.2 da
pág. 110 do estudo, conclui-se que, em 2011, Portugal enfrentará
uma recessão económica que se traduzirá numa quebra do PIB
entre -2% e -3%, e a taxa de desemprego certamente aumentará em quase um
ponto percentual.
E tenha-se presente que no estudo do FMI não é considerado a
verificação simultânea de três
condições com efeitos profundamente negativos no PIB e na taxa de
desemprego, que se registarão em Portugal, que são: (1)
Consolidação orçamental feita simultaneamente por todos os
países da zona em que Portugal se insere (União Europeia); (2)
Não poder alterar a taxa de câmbio, já que esse poder
passou para o Banco Central Europeu, e este tem uma politica de
manutenção de um euro valorizado, o que reduz a competitividade
dos produtos portugueses para países fora da Zona do Euro; (3)
Não poder alterar a taxa de juro, a qual é condicionada pela taxa
fixada pelo BCE, para estimular a actividade económica, a que se
juntam as dificuldades crescentes do sistema financeiro em conceder
crédito às empresas e famílias.
É URGENTE ALTERAR A POLITICA REDUÇÃO DO DÉFICE NUM
PERIODO TÃO CURTO QUE ESTÁ A DESTRUIR O PAÍS, E A GREVE
GERAL MOSTROU QUE ISSO É UMA EXIGÊNCIA NACIONAL
Apesar do FMI prever, no mesmo estudo, que Portugal terá um crescimento
de
ZERO
por cento do PIB em 2011, o que certamente se verificará será
uma grave recessão económica como prova o estudo realizado pelo
próprio FMI. E isso terá efeitos dramáticos para os
portugueses e para o País. A acontecer isso, uma parcela importante da
nossa economia será destruída, com o fecho de inúmeras
empresas e, consequentemente, o desemprego aumentará muito mais.
Portanto, alterar esta politica é uma exigência nacional como
mostrou a dimensão da greve nacional
Uma alternativa a esta politica de obsessão em reduzir o défice
num período tão curto e numa percentagem tão elevada,
terá necessariamente de assentar, a nosso ver, numa politica que
conjugue a redução sustentada e gradual do défice
orçamental e do endividamento externo, que é um problema muito
mais grave do que o défice, com uma politica também sustentada de
crescimento económico equilibrado. E isso pressupõe um
período mais longo para fazer a consolidação
orçamental, uma utilização dos escassos recursos do
País em investimentos produtivos e criadores de emprego, nomeadamente na
agricultura e indústria; no apoio orientado para as empresas
exportadoras que inovam; numa repartição mais justa dos
rendimentos e dos sacrifícios, o que pressupõe que se acabe com
os enormes privilégios fiscais que continuam a gozar os grupos
económicos em Portugal, de que são exemplos a
isenção de imposto de mais valias que continuam a gozar cerca de
70% das transacções bolsistas e mais valias como as obtidas pela
Portugal Telecom na venda da empresa brasileira "Vivo", assim como a
isenção de que gozam os dividendos distribuídos pelas
grandes empresas a operar em Portugal desde que o beneficiário seja uma
empresa com residência em outro país da UE (e todos os grandes
accionistas mesmo portugueses têm constituído uma empresa no
estrangeiro para qual transferem os lucros que recebem), e que essa empresa
detenha pelo menos 10% da empresa a operar em Portugal, o que deve ser
eliminado e não apenas a condição de ter mais de 20
milhões do capital que é a única que o governo
pretende eliminar a partir de 2011, já que foi introduzido na lei para
beneficiar escandalosamente os grandes accionistas.
27/Novembro/2010
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Economista,
edr2@netcabo.pt
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