A baixa escolaridade dos patrões portugueses é um
obstáculo ao aumento da competitividade das empresas
Entre 2003 e 2008, a percentagem de patrões com um nível
de escolaridade inferior ao secundário subiu de 79,6% para 81%
RESUMO DESTE ESTUDO
Com a justificação da crise, assiste-se neste momento a um forte
ataque aos direitos e condições de vida dos trabalhadores
portugueses. Os arautos do neoliberalismo levantam do novo a cabeça e
começam a defender as suas "soluções milagrosas"
que conduziram o mundo à crise actual, ao desemprego maciço e
à destruição de milhares de empresas. Em
relação a Portugal chegam mesmo ao desplante de propor
reduções de salários nominais de 30%, quando os
salários dos portugueses são já os mais baixos da Zona
Euro. De acordo a OCDE, em 2008 o salário médio em Portugal era
de 1.150, enquanto o salário médio na Zona Euro atingia
2.558, ou seja, 2,2 vezes mais. Se a análise for feita em
relação ao salário médio de cada país,
conclui-se que o salário médio em Portugal variava entre 33,3%
(Luxemburgo) e 69,3% (Espanha) dos países da Zona Euro, correspondendo
apenas a 44,9% do salário médio nesta zona. Reduzir o
salário médio em Portugal em 30% significaria baixá-lo de
1150 para apenas 805 , ou seja, para cerca de um terço do
da Zona do Euro. Em Outubro de 2009, segundo o Boletim Estatístico de
Maio de 2010 do Ministério do Trabalho, o salário médio em
Portugal era ainda apenas 918,2 , e o ganho médio mensal 1101,9
. Embora os defensores do pensamento económico de cariz neoliberal
em Portugal ainda não tenham a coragem de defender abertamente a
redução de salários, no entanto, na surdina, já o
fazem, e publicamente afirmam que se não forem tomadas medidas duras
(leia-se contra os trabalhadores e pensionistas), então será
necessário reduzir salários nominais. E reduzir salários
que são já inferiores a metade dos da Zona do Euro.
Tal "solução" não resiste a qualquer
análise séria. Dados das empresas portuguesas de 2008 divulgados
pelo INE em 2010 revelam que as remunerações, sem encargos
sociais, representam, em média, apenas 11,7% dos custos totais das
empresas portuguesas e, se se incluir as contribuições sociais,
essa percentagem aumenta para 15%. Portanto, uma redução mesmo de
30% nos salários diminuiria, em média, os custos totais apenas
entre 3,5% e 4,5% (entrando com as importações a
diminuição, no máximo, seria de 9%). Portanto, valores que
não tornariam nem as empresas nem as exportações
portuguesas suficientemente competitivas (uma alteração no valor
do euro seria suficiente para o anular), e que não assegurariam um
aumento significativo destas últimas. Tal medida provocaria uma tal
contracção do mercado interno que levaria certamente à
falência milhares de empresas portuguesas, o que faria disparar ainda
mais o desemprego, criando assim um circulo vicioso de destruição
cujo fim seria difícil de prever. Para além disso seria uma
autêntica catástrofe social condenando à miséria
centenas de milhares de famílias. Ela mostra bem a insensibilidade
social e a anemia a que chegou o pensamento económico de cariz
neoliberal.
A baixa escolaridade dos patrões portugueses, e a sua
diminuição como se verificou entre 2003 e 2008, tem efeitos muito
mais nefastos na competitividade das empresas. No entanto, isso não
preocupa nem os patrões, nem o próprio governo. Segundo o INE,
entre 2003 e 2008, a percentagem de patrões com escolaridade inferior ao
secundário aumentou de 79,6% para 81% (com os trabalhadores verificou-se
o inverso, pois diminuiu de 71% para 65%), e como o nível de
escolaridade secundária baixou de 12,4% para 10%. Com escolaridade
superior, em 2008, eram apenas 9% (Trabalhadores:18%). Se a
comparação for feita com os países das U.E o panorama
é ainda mais grave. De acordo com o INE, em 2008, a percentagem de
patrões com escolaridade inferior ao secundário era de 28% nos
países da União Europeia (27 países); de 50% em Espanha e,
em Portugal, de 81% como já se referiu. E a percentagem de
patrões com o ensino superior era de 27% nos países da U.E., de
28% na Espanha, e de apenas 9% em Portugal.
É evidente que com este nível de escolaridade dos patrões
portugueses, que está inevitavelmente associado a baixas
competências, é muito difícil às empresas
portuguesas alcançarem elevados níveis de
organização, gestão, inovação, produtividade
e competitividade. Um dos maiores obstáculos ao aumento da
competitividade das empresas portuguesas é o baixo nível de
escolaridade dos patrões portugueses, que piorou entre 2003 e 2008 como
revelam os dados divulgados pelo INE. Resolver este grave problema estrutural,
que impede o aumento da rentabilidade e competitividade das empresas
portuguesas, devia ser um objectivo urgente tanto dos próprios
patrões, como do governo. Até porque, contrariamente ao que
sucedeu com os patrões, o nível de escolaridade dos trabalhadores
está a aumentar, embora lentamente (entre 2003-2008, os com ensino
secundário aumentaram de 15,7% para 16%, e os com ensino superior de
13,3% para 18%). Mas isso tendo sido sistematicamente "esquecido" por
todos eles sendo uma coisa que nenhum quer ouvir, mais interessados em atacar
os direitos e as condições de vida dos trabalhadores.
|
Uma das "receitas" mais repetidas pelos defensores do pensamento
económico de cariz neoliberal estrangeiros e também, embora em
surdina ou de uma forma enviesada, pelos seus discípulos em Portugal
dominantes nos principais media, é a de que para aumentar a
competitividade das empresas portuguesas seria necessário reduzir os
salários entre 15%a 30%. E isto como a competitividade das empresas
tivesse fundamentalmente dependente dos salários.
Dados das empresas portuguesas referentes a 2008 divulgados pelo INE em 2010
revelam que as remunerações, sem encargos sociais, representam,
em média, apenas 11,7% dos custos totais das empresas portuguesas e, se
se incluírem as contribuições sociais, essa percentagem
aumenta somente para 15%. Portanto, uma redução mesmo de 30% nos
salários diminuiria, em média, os custos totais apenas entre 3,5%
e 4,5%. Esta redução de custos tão diminuta é
suficiente para mostrar a falta de consistência técnica de tal
"solução", e que não é com tal tipo de
medidas que as exportações portuguesas se tornariam mais
competitivas e aumentariam significativamente.
Por outro lado, uma medida desta natureza provocaria uma tal
contracção do mercado interno que levaria certamente à
falência de milhares de empresas portuguesas, o que faria disparar ainda
mais o desemprego, criando assim um circulo vicioso de
destruição. Uma solução daquela natureza só
agravaria a situação da economia e da crise social.
O SALÁRIO MÉDIO EM PORTUGAL CORRESPONDE EM MÉDIA APENAS A
44,9% DO SALÁRIO MÉDIO DA ZONA EURO
Dados divulgados pela OCDE mostram que o salário médio em
Portugal é já inferior a menos de metade do salário
médio da Zona Euro. O quadro seguinte, com esses dados, mostra isso.
QUADRO I Salário médio dos países da Zona Euro em
2008
PAISES
|
2008
|
Salário médio anual
Em euros
|
Salário médio mensal
(14 meses)
Em euros
|
% Salário médio de Portugal em relação ao
salário médio de cada país
|
Áustria
|
38.843
|
2.775
|
41,4%
|
Bélgica
|
39.727
|
2.838
|
40,5%
|
França
|
32.663
|
2.333
|
49,3%
|
Alemanha
|
41.400
|
2.957
|
38,9%
|
Grécia
|
23.934
|
1.710
|
67,2%
|
Irlanda
|
40.862
|
2.919
|
39,4%
|
Itália
|
26.304
|
1.879
|
61,2%
|
Luxemburgo
|
48.372
|
3.455
|
33,3%
|
Holanda
|
43.514
|
3.108
|
37,0%
|
Espanha
|
23.218
|
1.658
|
69,3%
|
Inglaterra
|
33.592
|
2.399
|
47,9%
|
Finlândia
|
37.273
|
2.662
|
43,2%
|
SALÁRIO MÉDIO
(12 países)
|
35.809
|
2.558
|
44,9%
|
PORTUGAL
|
16.093
|
1.150
|
100,0%
|
Fonte: OECD.Stat
Segundo a OCDE, em 2008 o salário médio em Portugal era
1150, enquanto o salário médio na Zona Euro era
2.558, ou seja, 2,2 vezes superior. Se a análise for feita em
relação ao salário médio de cada país,
conclui-se que o salário médio em Portugal variava, já
nessa altura, entre 33,3% (Luxemburgo) e 69,3% (Espanha) dos países da
Zona Euro, correspondendo, em média, apenas a 44,9% do salário
médio praticado nesta zona. Reduzir o salário médio em
Portugal em 30% significava baixá-lo de 1150 para apenas 805
, ou seja, a apenas um terço do salário médio da
Zona Euro, o que determinaria uma redução significativa do poder
de compra dos portugueses que seria socialmente inaceitável. E tenha-se
presente que, em Outubro de 2009, segundo o Boletim Estatístico de Maio
de 2010 do Ministério do Trabalho, o salário médio em
Portugal era ainda de 918,2 , e o ganho médio mensal 1101,9 .
O NIVEL DE ESCOLARIDADE DOS PATRÕES PORTUGUESES TEM DIMINUÍDO
ENQUANTO O DOS TRABALHADORES TEM AUMENTADO
O aumento da competitividade das empresas depende muito da
organização e gestão das empresas, da
introdução da inovação, da
modernização dos equipamentos e do seu aproveitamento integral,
bem como das condições de trabalho e motivação dos
trabalhadores. E em todos estes aspectos o empresário tem um papel
estratégico, até porque muitas delas dependem da sua iniciativa e
decisão. Para poder exercer tal função o empresário
necessita de ter conhecimentos e competências. E a base de
aquisição desses saberes e competências é um elevado
nível de escolaridade Mas os dados oficiais constantes do quadro
seguinte mostram uma preocupante baixa escolaridade dos patrões
portugueses que se tem agravado nos últimos anos.
QUADRO II Evolução do nível de escolaridade dos
Patrões e dos Trabalhadores em Portugal
Patrões
(% dos patrões com diferentes níveis de escolaridade em 2003 e
2008)
|
Anos
|
Inferior ao Secundário
|
Secundário
|
Superior
|
2003
|
79,6%
|
12,4%
|
8,1%
|
2008
|
81,0%
|
10,0%
|
9,0%
|
Trabalhadores por Conta de Outrem
(% dos trabalhadores com diferentes níveis de escolaridade em 2003 e
2008)
|
2003
|
71,0%
|
15,7%
|
13,3%
|
2008
|
65,0%
|
16,0%
|
18,0%
|
Fonte: 2003: Comissão do Livro Branco das Relações
Laborais e INE, pág. 22
2008: INE, A Península Ibérica em Números -
2010
Segundo o INE, entre 2003 e 2008, a percentagem de patrões com
escolaridade inferior ao secundário aumentou de 79,6% para 81% O mesmo
se verificou em relação aos patrões com um nível de
escolaridade secundária que diminuiu de 12,4% para 10%. Apenas a de
escolaridade superior é que se manteve praticamente estacionária
pois passou de 8,1% para 9%.
Em relação aos trabalhadores por conta de outrem a
variação durante o mesmo período é inversa da
verificada com os patrões. Entre 2003 e 2008, a percentagem com
escolaridade inferior ao secundário diminuiu de 71% para 65%, enquanto
com o secundário cresceu de 15,7% para 16%, e com o ensino superior
subiu de 13,3% para 18%.
Se a comparação for feita em relação à UE
(17) constata-se que é em Portugal que os patrões têm mais
baixo nível de escolaridade. Os dados do INE do quadro seguinte mostram
isso.
QUADRO III Níveis de escolaridade na U.E , em Espanha e em
Portugal - 2008
Patrões
(% dos patrões com diferentes níveis de escolaridade em 2003 e
2008)
|
Países
|
Inferior ao Secundário
|
Secundário
|
Superior
|
UE 27
|
28%
|
45%
|
27%
|
Espanha
|
50%
|
22%
|
28%
|
Portugal
|
81%
|
10%
|
9%
|
Trabalhadores por Conta de Outrem
(% dos trabalhadores com diferentes níveis de escolaridade em 2003 e
2008)
|
Países
|
Inferior ao Secundário
|
Secundário
|
Superior
|
UE 27
|
21%
|
50%
|
29%
|
Espanha
|
40%
|
24%
|
37%
|
Portugal
|
65%
|
16%
|
18%
|
Fonte: INE, A Península Ibérica em números - 2010
Em 2008, a percentagem de patrões com escolaridade inferior ao
secundário era de 28% em média nos países da União
Europeia (27 países), de 50% em Espanha e, em Portugal, de 81% como
já se referiu. E a percentagem de patrões com o ensino superior
era em média de 27% nos países da U.E., de 28% na Espanha, e de
apenas 9% em Portugal.
Em relação aos trabalhadores por conta outrem também se
verificavam diferenças mas não tão elevadas como as que se
observavam em relação aos patrões. Também em 2008,
a percentagem de trabalhadores por conta de outrem com escolaridade inferior ao
secundário era, em média, de 21% na UE, de 40% em Espanha, e de
65% em Portugal. E a percentagem com um nível de escolaridade superior
era de 29% na UE (27), de 37% em Espanha e de 18% em Portugal.
É evidente que com estes níveis de escolaridade, que estão
inevitavelmente associados a baixas competências, é muito
difícil as empresas portuguesas alcançarem elevados níveis
de organização, gestão, inovação,
produtividade e competitividade. E não resta duvida que o
obstáculo maior é o baixo nível de escolaridade dos
patrões portugueses, que até tem piorado nos últimos
anos, até porque ocupam uma posição estratégica a
nível das empresas, condicionando tudo. Resolver este grave problema
estrutural das empresas devia ser um objectivo urgente pois ele teria
certamente efeitos mais importantes no aumento da competitividade das empresas
portuguesas do que baixar os salários dos trabalhadores portugueses. Mas
isso é sistematicamente "esquecido" quer pelos patrões
portugueses, quer pelos defensores do pensamento económico dominante de
cariz neoliberal, quer pelo próprio governo, que não querem nem
ouvir falar desta matéria.
07/Junho/2010
[*]
Economista,
edr2@netcabo.pt
Este artigo encontra-se em
http://resistir.info/
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