A saúde e os custos da saúde em Portugal
RESUMO DESTE ESTUDO
A saúde continua a ser um direito garantido a todos os portugueses pela
Constituição da República. Apesar disso, o actual governo
desencadeou um forte ataque contra esse direito que tem provocado o protesto
das populações por todo o País. E o principal argumento
utilizado pelo governo na sua campanha contra a saúde dos portugueses
é que os custos com o Serviço Nacional de Saúde têm
crescido de uma forma insustentável e que é preciso reduzi-los.
Por isso, interessa analisar este argumento do governo (os custos) para
responder à campanha lançada pelo governo contra este direito
fundamental dos portugueses.
Entre 1970 e 2003, portanto num período de 33 anos, as despesas com a
saúde em dólares PPC (Paridades Poder de Compra), aumentaram por
habitante em Portugal 1.764 dólares, enquanto cresceram na Dinamarca
2.368 dólares, na Alemanha 2.726 dólares e nos Estados Unidos
5.288 dólares por habitante. Durante o mesmo período a
mortalidade infantil diminuiu em Portugal 51 pontos; na Dinamarca 9,8; na
Alemanha 18,3 e nos Estados Unidos a redução foi de 13 pontos.
Também durante o mesmo período, a esperança de vida
à nascença aumentou em Portugal 9,8 anos, na Dinamarca 3,9 anos,
na Alemanha 8 anos e nos Estados Unidos 6,3 anos. Em resumo, Portugal foi um
dos países onde a despesa com a saúde aumentou menos por
habitante, mas onde os ganhos em saúde foram maiores. A confirmar isto,
está o facto que, também de acordo com a OCDE (OECD Health Data
2006), entre 1995 e 2004, o aumento médio das despesas de saúde
foi em Portugal de 3,2% ao ano, enquanto em Espanha atingiu 4,2% ao ano; nos
EUA 4,8% ao ano; na Finlândia 4,4%; na França também 4,4%
ao ano; na Grécia 4,9% ao ano; na Irlanda 7,4% ao ano; na
Itália 3,3%, na Inglaterra 5,4% ao ano, e na Suécia 3,9% ao ano.
Portugal é igualmente um dos países da OCDE onde a
comparticipação do Estado na despesa total da saúde
é mais baixa. Em percentagem, em Portugal a
comparticipação do Estado na despesa total de saúde de
cada português (71,9%) é inferior à média dos
países da OCDE (80,4%).
Entre 2004 e 2007, as transferências do Orçamento do Estado para o
Serviço Nacional de Saúde aumentaram apenas 2,2%, enquanto o PIB,
a preços correntes, cresceu 10,7%, o que determinou que a percentagem
que essas despesas representam em relação ao PIB tenha
diminuído de uma forma continua de 5,2% para apenas 4,8% do PIB. Durante
esse período, como os preços aumentaram 8%, portanto o valor da
transferência da transferência de 2007 é inferior, em termos
reais, em cerca de 5,4% a de 2004.
Os gastos do Estado com a "Função de saúde",
medidos em percentagem do PIB registaram, a partir de 2005, também uma
diminuição. Entre 2004 e 2007, o PIB, a preços de mercado,
aumentou em 10,7%, enquanto com os gastos suportados pelo Estado com a
"Função saúde" cresceram apenas 5,4%, ou seja,
praticamente metade do aumento do PIB. No mesmo período os preços
subiram 8%, o que determina que o valor atribuído pelo Estado à
"Função saúde" seja em 2007, em termos reais,
inferior à de 2004.
Entre 2004 e 2007, as Despesas Totais do Estado aumentaram 9,6%, enquanto as
despesas do Estado com a Educação e Saúde dos portugueses
cresceram apenas 2,2%, ou seja, quatro vezes menos. E entre 2004 e 2007 os
preços aumentaram 8%, o que significa que, em termos reais, o valor
atribuído pelo Estado à Educação e Saúde
seja inferior ao valor de 2004 ( menos 5,4%). Estes dados revelam a pouca
importância que este governo dá à saúde e à
educação dos portugueses, factores chaves para o desenvolvimento
do País e para o bem estar dos portugueses. O défice parece ser
para este governo mais importante que os portugueses.
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O "bem saúde" é diferente de todos os outros,
pois tem a ver com a qualidade e mesmo com a vida humana. O não acesso a
ele determina uma vida sem qualidade ou mesmo a perda da vida. È por
esta razão que, diferentemente do que acontece com a generalidade de
outros bens, a Constituição da República de 1976, no seu
artº 64, estabelecia que "o direito à protecção
à saúde é realizado pela criação de um
serviço nacional de saúde universal, geral e
gratuito
". E mesmo quando este preceito constitucional foi revisto por
pressão do neoliberalismo cada vez mais dominante na sociedade
portuguesa, mesmo assim o "novo" artº 64, que está
actualmente em vigor, dispõe que "todos têm o direito
à protecção da saúde
e é realizado
através de um serviço nacional de saúde universal e geral
e, tendo em conta as condições económicas dos
cidadãos,
tendencialmente gratuito"
. Portanto, a Constituição, a mãe de todas as leis,
continua a estabelecer que nenhum português deverá ser impedido do
acesso ao bem saúde por razões económicas, cabendo ao
Estado criar as condições indispensáveis, através
do serviço nacional de saúde, para que todos os portugueses
tenham acesso à saúde.
Apesar de a Constituição da República garantir o direito
à saúde a todos os portugueses, mesmo assim tem-se verificado nos
últimos anos, e nomeadamente com o governo de Sócrates, um ataque
a este direito que tem levado as populações, por todo o
País, a se manifestarem na rua contra a politica do ministro Correia
Campos. Um dos argumentos que tem sido mais utilizado pelo governo para
justificar a sua politica de fecho de unidades ou de serviços de
saúde é precisamente que o aumento dos custos com o
Serviço Nacional de Saúde são insustentáveis e que
é necessário reduzi-los. Por isso, interessa analisar os
"custos da saúde em Portugal", até porque a campanha
contra o SNS, e contra os que nele trabalham, alimentada por este argumento,
está a ganhar grande intensidade. Neste estudo vamos analisar esses
custos contextualizando-os com os de outros países, deixando para um
outro a reflexão sobre a forma como aumentar a eficiência
fazer mais e melhor com os mesmos meios na utilização dos
dinheiros que todos os anos o Estado aplica na saúde.
OS GANHOS EM SAÚDE E DESPESAS COM A SAÚDE POR HABITAMTE
As despesas com saúde não podem ser dissociadas dos ganhos de
saúde. E isto porque a redução da mortalidade infantil ou
o aumento da esperança de vida, por exemplo, têm custos, e esses
custos são os aumentos dos gastos com saúde. O quadro seguinte,
construído com dados divulgados pela OCDE, mostra o retorno dos gastos
com a saúde em Portugal e em outros países.
Entre 1970 e 2003, portanto num período de 33 anos, as despesas com a
saúde em dólares PPC (Paridades Poder de Compra), portanto
anulando o efeito de diferença de preços existentes entre os
diferentes países, aumentaram por habitante em Portugal 1.764
dólares, enquanto cresceram na Dinamarca 2.368 dólares; na
Alemanha 2.726 dólares e nos Estados Unidos 5.288 dólares por
habitante. Durante o mesmo período a mortalidade infantil diminuiu em
Portugal 51 pontos; na Dinamarca 9,8; na Alemanha 18,3 e nos Estados Unidos a
redução foi de 13 pontos. Também durante o mesmo
período, a esperança de vida à nascença aumentou em
Portugal 9,8 anos; na Dinamarca 3,9 anos; na Alemanha 8 anos e nos Estados
Unidos 6,3 anos.
Em resumo, entre 1970 e 2003, Portugal foi o país onde a despesa com a
saúde aumentou menos por habitante (+ 1.746 dólares PPC), mas
onde os ganhos em saúde foram maiores, estando neste campo,
contrariamente ao que sucede em outros, entre os primeiros países do
mundo (tenha-se presente, que num estudo recente foi atribuído ao
Serviço Nacional de Saúde português o 12º ano lugar
entre os melhores do mundo).
A confirmar a conclusão anterior, está ainda o facto que, de
acordo com a OCDE (OECD Health Data 2006), entre 1995 e 2004, o aumento
médio das despesas de saúde foi em Portugal de 3,2% ao ano,
enquanto em Espanha atingiu 4,2% ao ano; nos E.U.A. 4,8% ao ano; na
Finlândia 4,4%; na França também 4,4% ao ano; na
Grécia 4,9% ao ano; na Irlanda 7,4% ao ano; na Itália 3,3%, na
Inglaterra 5,4% ao ano, e na Suécia 3,9% ao ano.
DESPESAS PRIVADAS E PÚBLICAS COM SAÚDE
Os valores de despesas com saúde apresentados incluem a parte que
é paga pelo Estado (despesa pública) e a parte que é
suportada directamente por cada português (despesa privada). O quadro
seguinte, construído com dados também divulgados pela OCDE,
mostra como aquela despesa se reparte em Portugal e em outros países.
Como mostram os dados do quadro, é precisamente em Portugal que a
despesa pública por habitante, em dólares PPC, é mais
baixa. Comparando Portugal com a média dos países da OCDE, em
2004, a despesa total em dólares por habitante em Portugal representava
apenas 71,1% da média dos países da OCDE, e a parcela
pública paga pelo Estado representava somente 63,6% da média da
OCDE. Mesmo em percentagem, exceptuando o Estados Unidos, a
"pátria" da medicina privada baseada em seguros de
saúde, em Portugal a comparticipação do Estado, portanto
pública, na despesa total de saúde de cada português
(71,9%) é inferior à média dos países da OCDE
(80,4%). E apesar disso, o governo de Sócrates já a reduziu e
tenciona continuar a fazê-lo como vamos mostrar.
AS TRANSFERÊNCIAS DO ESTADO PARA O SNS TÊM DIMINUIDO
A partir de 2004, tem-se verificado em Portugal uma redução, em
termos reais, do valor das transferências do Estado para o Serviço
Nacional de Saúde, como mostram os dados do quadro seguinte.
Entre 2004 e 2007, as transferências do Orçamento do Estado para o
Serviço Nacional de Saúde aumentaram apenas 2,2%, enquanto o PIB,
a preços correntes, cresceu 10,7%, o que determinou que a percentagem
que essas despesas representam em relação ao PIB tenha
diminuído de uma forma continua de 5,2% para apenas 4,8% do PIB. Se se
tiver presente que durante o mesmo período os preços em Portugal
aumentaram 8%, isto determina que o valor das transferências do Estado
para o S.N.S. em 2007 7.674,8 milhões de euros
correspondem a 7.104,49 milhões de euros a preços de 2004, o que
significa que o valor das transferências de 2007 seja inferior em 5,4%
ao de 2004 ( menos 405,3 milhões de euros do que a de 2004).
Quando os custos da saúde aumentam em todos os países do mundo,
em Portugal o governo de Sócrates reduz os gastos com a saúde, o
que tem consequências inevitáveis para a população
(menos ou menor qualidade dos serviços de saúde ou/e maior
percentagem de despesas com a saúde a serem pagas directamente pelos
portugueses, para além do que pagam em impostos para o S.N.S.)
REDUÇÃO DAS DESPESAS DO ESTADO COM A FUNÇÃO
"SAÚDE"
Para além das transferências para o Serviço Nacional de
Saúde, o Estado tem de suportar outras despesas igualmente com a
saúde, nomeadamente despesas com os chamados subsistemas de saúde
(ADSE, sistema de saúde dos militares, etc). Esses gastos também
com a saúde, incluindo as transferências para o SNS, são
todos incluídos na chamada "Função
saúde". E os gastos que o Estado tem com essa função
constam do quadro seguinte.
Como mostram os dados do quadro, também os gastos do Estado com a
"Função de saúde", medidos em percentagem do PIB
registaram, a partir de 2005, uma diminuição. Entre 2004 e 2007,
o PIB, a preços de mercado, aumentou em 10,7%, enquanto com os gastos
suportados pelo Estado com a "Função saúde"
cresceram apenas 5,4%, ou seja, praticamente metade do aumento do PIB. No mesmo
período os preços subiram 8%, como já se viu, o que
determina que o valor atribuído pelo Estado à
"Função saúde" seja em 2007, em termos reais,
inferior à de 2004.
O GOVERNO DE SÓCRATES É INSENSIVEL AO SOCIAL
Não é apenas na saúde que o governo está a reduzir
gastos movido pela "ambição de reduzir o
défice". Na educação verifica-se o mesmo. E como se
sabe, a saúde e a educação são fundamentais
não só para as pessoas mas também para aumentar a
produtividade e a competitividade da economia portuguesa. Os dados constantes
do quadro seguinte mostram com estão a ser tratadas estas duas
funções saúde e educação pelo
governo de Sócrates.
Portanto, quer se compare as despesas do Estado com a
"Educação + Saúde" em percentagem das Despesas
Totais do Estado quer em percentagem do PIB, a conclusão é a
mesma: a partir de 2005, regista-se uma diminuição continua.
Assim, entre 2004 e 2007, as Despesas Totais do Estado aumentam 9,6%, enquanto
as despesas do Estado com a Educação e Saúde dos
portugueses crescem apenas 2,2%, ou seja, quatro vezes menos. Recorde-se que
entre 2004 e 2007 os preços aumentaram 8%, o que significa que, em
termos reais, o valor atribuído pelo Estado à
Educação e Saúde seja inferior ao valor de 2004 (menos
5,4%). Estes dados oficiais constantes do Orçamento do Estado mostram
bem a pouca importância que este governo dá à saúde
e à educação dos portugueses, factores chaves de
desenvolvimento e de bem estar dos portugueses. Eles também tornam claro
que este governo está mais interessado em cumprir o défice
imposto por Bruxelas do que com as pessoas, que são os portugueses.
17/03/2007
[*]
Economista,
edr@mail.telepac.pt
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