A realidade por trás da "recuperação"
económica
Os meados de Agosto de 2009 foram um momento peculiar na economia dos EUA. A
Wall Street, os grandes bancos e os media estiveram sobretudo a celebrar a
"recuperação económica". Enquanto isso, os
americanos médios estiveram a sofrer níveis recorde de
desemprego, insegurança de emprego, arrestos de lares, ansiedades quanto
à dívida pessoal e as preocupantes tensões e cóleras
que inevitavelmente resultam daí. Um economista referiu-se aos EUA como
"uma nação, duas economias nacionais"
. Dois conjuntos particulares de dados económicos de Agosto revelam o
aprofundamento do divisor económico por trás da conversa da
"recuperação".
O primeiro conjunto de números vem do
Bureau of Labor Statistcs
do Departamento do Trabalho dos EUA. Eles mostram alguns factos notáveis
acerca (1) da produtividade dos trabalhadores estado-unidenses a
quantidade de bens e serviços produzidos por trabalhador empregado; (2)
a compensação paga aos trabalhadores estado-unidenses; e (3) as
horas que eles realmente trabalharam. Estes números mostraram como a
economia foi alterada entre o primeiro trimestre (Janeiro-Março) e o
segundo (Abril-Junho) de 2009. O número médio de horas
trabalhadas pagas por empregado caiu em 7,6 por cento, mas o produto total caiu
apenas 1,7 por cento. Isso foi porque os trabalhadores que não haviam
(ainda) perdido os seus empregos estavam temerosos, de modo que trabalharam
mais arduamente e mais depressa efectuando alguns das tarefas feitas pelos
trabalhadores despedidos. Com menos trabalhadores empregados a fazerem mais, o
BLS relatou um ganho de 6,4 por cento na produtividade do trabalho
estado-unidense.
Pelo seu trabalho mais árduo, mais rápido e portanto 6,4 por
cento mais produtivo, aqueles ainda empregados viram os seus salários
monetários subirem em somente 0,2 por cento entre o primeiro e o segundo
trimestre de 2009. Quando o BLS levou em conta a ascensão dos
preços que os trabalhadores têm de pagar, os seus salários
reais
(os bens e serviços que eles realmente poderiam comprar)
caíram
em 1,1 por cento. Tomado tudo em conjunto, estes números mostram que o
patronato obteve um enorme
aumento
na produção por cada empregado,
enquanto o que eles pagaram aos seus empregados impõs-lhes uma
redução
nos bens e serviços que podem comprar.
Não é de admirar que o segundo trimestre de 2009 fosse celebrado
como uma "recuperação" pelos negócios e portanto
pelos políticos e os media; os trabalhadores apenas assistem e
preocupam-se.
Mas os números da produtividade contam-nos ainda mais. Eles mostram um
aprofundamento da
desigualdade
entre empregadores e empregados nos EUA. O
patronato ao obter 6,4 por cento mais de produto para venda por hora de
trabalho pago ao trabalhador desfrutou cerca de 6,4 por cento mais receitas de
vendas. Contudo, os seus empregados remanescentes, a trabalharem mais
arduamente e mais rapidamente, obtém como pagamento salários
horários que lhes permitem comprar
menos
bens e serviços do que
antes.
As respostas do patronato à actual crise económica (despedimentos
colectivos e aceleração do ritmo de trabalho) portanto pioram o
fosso nos rendimentos e padrões de vida entre empregadores e empregados.
Deve-se ter isto em mente da próxima vez que se ouvir líderes de
negócios ou políticos a falarem acerca de como "todos
nós precisamos apertar os cintos" ou "fazer iguais
sacrifícios".
O aumento da desigualdade na distribuição do rendimento entre
empregadores e empregados habitualmente, também, aprofunda as
desigualdades políticas e culturais. O patronato agora terá
relativamente mais recursos para moldar políticas do que os
trabalhadores. O patronato terá mais para utilizar a fim promover suas
amenidades culturais (suas famílias desfrutarão maior acesso a
actividades educacionais, artísticas, recreativas, ao passo que os
trabalhadores descobrirão que o acesso a tais coisas é cada vez
mais difícil). A crescente desigualdade económica,
política e cultural a partir da década de 1970 ajudou a provocar
a crise actual. Agora a crise está a piorar aquela desigualdade.
Recuperação?
O aumento da desigualdade também ameaça qualquer
"recuperação económica" que possa realmente
começar. A razão para isto é que os empregadores
geralmente poupam mais e gastam menos dos seus rendimentos do que os seus
empregados. A economia estado-unidense assolada pela crise obtém um
"estímulo" benéfico com trabalhadores a gastarem quase
todos os seus rendimentos. Aquele estímulo é reduzido quando o
rendimento flui mais para empregadores e menos para trabalhadores. Numa absurda
deformação do nosso contraditório sistema
económico, assim como o governo gasta mais para "estimular" a
nossa economia deprimida, a prática dos negócios deixa aos
trabalhadores menos para gastar. Isto é uma combinação
auto-derrotante que mina a recuperação real que toda a gente
necessita.
O segundo conjunto de número foi coligido e publicado pelo US Federal
Reserve; tal conjunto refere-se à
"capacidade de utilização"
. Grosso modo, estes números medem a
proporção da capacidade de país para produzir que
está realmente a ser utilizada para a produção. Em Julho
de 2009, a proporção da capacidade de utilização em
toda a indústria manufactureira era de 65,4, ou aproximadamente dois
terços. Mais de um terço das ferramentas, máquinas,
equipamento, fábricas e espaço de escritórios, etc estava
ocioso na indústria manufactureira. Para comparação, a
taxa média da capacidade de utilização da indústria
manufactureira de 1972 a 2009 foi de 79,6. A crise portanto está a
aumentar o enorme desperdício do nosso sistema económico
fracasso em fazer uso dele numa porção muito significativa
dos recursos produtivos do nosso país. Capacidade ociosa geralmente
significa capacidade em deterioração. E isto depois de um ano de
"pacotes de estímulo económico" de Bush e Obama.
Considere o significado deste desperdício. Lado a lado aos 15
milhões de pessoas desempregadas de hoje (sem falar nos subempregados),
temos um terço da nossa capacidade industrial também
desempregada. Enquanto necessidades sociais maciças permanecem por
cumprir (reconstrução de centros de cidades, proporcionar a
milhões cuidados de dia, cuidados de saúde e cuidados de idosos,
reparação de décadas de danos ao ambiente e assim por
diante). Do modo como este sistema económico funciona, supõe-se
que tenhamos de esperar até que empresas privadas vejam lucros na
recontratação de desempregados e utilização da
capacidade disponível. Até então, supõe-se que
assistamos e observemos e aceitemos a incapacidade deste sistema para combinar
pessoas desempregadas com recursos desempregados para atender necessidades
sociais óbvias.
Os dois conjuntos de números divulgados neste mês de Agosto
revelam a realidade por trás de toda a conversa da
"recuperação". A vasta maioria do povo vive e trabalha
(ou não) naquela "outra" economia nacional que não
está a experimentar a "recuperação" que somos
supostos aplaudir.
[*]
Professor de Economia na Universidade de Massachusetts
Amherst. Autor de
muitos livros e artigos
, incluíndo (c/ Stephen Resnick)
Class Theory and History: Capitalism and Communism in the USSR
(Routledge, 2002) e (c/ Stephen Resnick)
New Departures in Marxian Theory
(Routledge, 2006). O seu novo livro acerca da crise actual é
Capitalism Hits the Fan
.
O original encontra-se em
http://mrzine.monthlyreview.org/wolff270809.html
Este artigo encontra-se em
http://resistir.info/
.
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