Tendências, disparadores e tulipas
No 3º seminário do International Institute for Research and
Education (IIRE), em Amsterdam, apresentei uma comunicação
intitulada,
Tendencies, triggers and tulips,
com o subtítulo,
The causes of the crisis: the rate of profit, overaccumulation and
indebtedness.
Presentation to the Third seminar of the FI on the economic crisis
O principal objectivo da minha comunicação era argumentar que,
seguindo Marx, devemos olhar por trás dos acontecimentos superficiais de
uma recessão
(slump)
ou de um crash financeiro como aquele dos grandes contratos futuros de
tulipas, de 1636 em Amsterdam, ou a bolha da propriedade, do esmagamento do
crédito e do colapso financeiro global da Grande Recessão de
2008-9 em direcção às causas mais profundas que podem
explicar a recorrência de crises sob o capitalismo. Cada crise, crash ou
recessão pode ter uma causa particular visível, mas qualquer
análise científica correcta dos acontecimentos deve revelar
causas mais profundas que expliquem melhor estas recorrências e mesmo
prevejam futuras.
A comunicação olha rapidamente para as explicações
de crises e recessões apresentadas pela teoria económica
dominante. A teoria neoclássica do equilíbrio ou nega que haja
crise, ou ignora-as, ou explica-as como choques aleatórios e
exógenos ao harmonioso crescimento dos mercados. A teoria
económica keynesiana, tanto nas suas versões mais ortodoxas como
heterodoxas, reconhece que o capitalismo tem falhas intrínsecas. Mas
estas têm de ser localizadas no sector financeiro, não nos
sectores de produção do capitalismo. E o "mau funcionamento
técnico" no sector financeiro pode ser tratado utilizando as
políticas macro correctas. Através da gestão macro, o
sistema capitalista pode evitar crises sistémicas graves e a longo prazo
progredir finalmente para uma sociedade rica e baseada no laser.
A comunicação descarta estas explicações e suas
variantes mais recentes, nomeadamente a de que a Grande Recessão foi uma
consequência da queda do rendimento salarial e do consumo dos
trabalhadores levando a uma falta de procura efectiva, ou de que a crescente
desigualdade de rendimento e riqueza no período neoliberal levou a poder
de compra insuficiente e/ou endividamento excessivo, criando bolhas de
crédito que finalmente estouraram. Estas explicações
alternativas não são consistentes teoricamente na
explicação de crises recorrentes e não são
confirmadas pela evidência empírica.
A comunicação argumenta que a própria teoria das crises
sob o capitalismo, de Marx, entranhada na sua lei da tendência à
queda da taxa de lucro (a qual ele considerou como a mais importante lei da
economia política), proporciona a mais convincente
explicação de crises recorrentes. A comunicação
apresenta evidência empírica dos EUA, Europa e mesmo do mundo para
justificar o argumento de que a pressão tendencial descendente sobre a
taxa de lucro é a causa subjacente de crises. Afinal de contas, o
modo capitalista de produção é a produção
para lucro privado, não para necessidades sociais. Esta é a
contradição básica subjacente às crises.
Corporações capitalistas produzem coisas ou serviços para
fazer dinheiro; elas são máquinas de fazer dinheiro, do
começo ao fim. A chave para crises recorrentes é a recorrente
incapacidade de companhias capitalistas extraírem valor suficiente e
valor excedente do trabalho a fim de sustentar novo investimento e fazer
dinheiro. E a lei da lucratividade de Marx explica porque isto acontece.
Assim, o lucro, ou a falta dele, está no cerne de uma
explicação das crises capitalistas. A comunicação
apresenta um diagrama do ciclo do lucro capitalista que revela a
recorrência das crises, como se vê abaixo:
A lei de Marx proporciona uma explicação das causas finais de
crises. A lei situa-se ao nível de abstracção mais
profundo, do capital em geral. A um nível mais raso, do capital em
competição com outros capitais, o que depende de para onde os
capitalistas estão a dirigir o valor excedente de que se apropriaram, os
disparadores de uma nova crise podem ser muito diferentes. Em 1636, em
Amsterdam, houve contratos futuros de tulipas; em 2008, foi a banca sombra,
derivativos de hipotecas e uma bolha da propriedade. Em 1638, a crise afectou
apenas partes da Europa; em 2008, o mundo entrou em crash.
Uma outra característica da Grande Recessão de 2008-9 foi a
enorme expansão anterior do capital fictício (crédito ou
débito), particularmente no sector financeiro, que tornou o crash ainda
mais profundo do que outros. A comunicação discute a
dimensão daquela dívida, tanto pública como privada, nas
economias principais e a tarefa de Sísifo de desalavancá-la
antes de o capitalismo poder restaurar um nível de
lucratividade que torne possível ao capital retomar pelo menos uma
taxa de crescimento. Isso ainda não aconteceu e, assim, as economias
principais estão realmente numa Longa Depressão semelhante
àquela das décadas de 1880 e 1890, ou a Grande Depressão
da década de 1930.
A comunicação termina com uma breve discussão das ondas
longas ou dos ciclos no capitalismo (uma descrição completa disto
pode ser encontrada na minha comunicação
Cycles in capitalism
). Muitos descartam a ideia de ciclos longos porque a
evidência empírica é dúbia e há poucos dados
a serem trabalhados estatisticamente. Argumento que há mérito no
conceito de ciclos longos. Utilizando o ciclo do lucro como a base é
possível desenvolver uma análise que incorpora tanto os ciclos
muito curtos do "capital de giro"
("working capital")
(Kitchin) como as ondas muito longas de inovação e
produção associadas primitivamente ao economista de esquerda
russo Kondratiev, na década de 1920 como o grafo abaixo tenta
mostrar.
Se esta hipótese estiver correcta, argumento então que as
principais economias capitalistas estão actualmente numa Longa
Depressão porque estão numa fase de "Inverno" do ciclo
Kondratiev o qual apresenta tanto preços de produção
deprimidos ou em queda como uma fase de lucratividade cadente. Alguns marxistas
que aceitam a existência de ondas longas ou ciclos, como o finado Ernest
Mandel, consideram que esta fase baixa é endógena ao capitalismo,
mas que não pode haver recuperação a menos que haja um
evento exógeno como uma guerra mundial ou uma revolução
numa economia importante. Não vejo porque isto deveria acontecer. A
Longa Depressão da década de 1880 finalmente chegou ao fim sem
guerra mundial ou revolução. Será que a Grande
Depressão da década de 1930 teria perdurado para sempre se
não tivesse havido uma guerra mundial?
Esse argumento foi contestado no seminário do IIRE. Mas a crítica
principal à minha comunicação foi por ser demasiado
esquemática e concentrar-se sobre a taxa de lucro como a causa
"única" de crises. E o que dizer de acontecimentos importantes
como a queda da União Soviética no fim da década de 1980,
a ascensão da China e a globalização e a mudança
qualitativa no sector financeiro nos últimos 20 anos de modo a que a
trajectória do capitalismo é agora estabelecida por um sector
financeiro parasita e improdutivo nos países do imperialismo? A lei da
lucratividade de Marx é uma resposta demasiado didáctica. Bem,
sim, mas como a comunicação tentou argumentar, a lei da
lucratividade de Marx está a um nível de abstracção
elevado tal como a lei da gravidade de Newton e não ao nível
superficial como contratos de tulipas ou instrumentos financeiros de
destruição em massa.
Estamos no 100º aniversário da Grande Guerra de 1914-18.
Podemos nós explicar a causa da guerra pelo assassínio
do Arquiduque Ferdinando, o herdeiro do império austro-húngaro,
em Sarajevo (como o colapso do banco Lehmans em 2008); ou por erros acidentais
de secretários de Negócios Estrangeiros nas suas
negociações "de paz" (ou pela
desregulamentação financeira e o esmagamento do crédito em
2008); ou deveríamos nós, ao invés, olhar para a crescente
rivalidade imperialista entre as principais potências capitalistas
europeias para dividir e controlar o resto do mundo como colónias
após o fim da Longa Depressão (ou na Grande Recessão, para
a queda na lucratividade e a ascensão do capital fictício a
partir de 1997)?
Certamente, a resposta dialéctica é que há tanto causa(s)
final(is) como próxima(s). Cada crise pode ser diferente nas suas
características, mas crises no capitalismo são recorrentes e
portanto precisam (e podem) ser explicadas pela mesma causa subjacente, assim
como a lei da gravidade explica porque cai uma maçã, muito embora
a causa imediata possa ser uma rajada de vento que a derrubou da árvore.
16/Fevereiro/2014
[*]
Economista.
O original encontra-se em
thenextrecession.wordpress.com/2014/02/16/tendencies-triggers-and-tulips/
.Tradução de JF.
Este artigo encontra-se em
http://resistir.info/
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