A lição não aprendida de 1929
por Henry C.K. Liu
No dia 29 de Outubro de 2009 deu-se o 80º aniversário do crash de
1929 que levou à Grande Depressão. Será que o mundo
aprendeu a lição de 1929?
Milton Friedman, através da análise exaustiva de dados
históricos, identificou o papel potencial da política
monetária em moldar o curso da inflação e dos ciclos de
negócios, com a conclusão contrária aos factos de que a
Grande Depressão dos anos 1930 podia ter sido evitada com uma adequada
facilidade monetária do Fed a fim de neutralizar
(counteract)
as forças destrutivas do mercado. A conjectura contrária aos
factos de Friedman, apesar de não provável, tem sido aceite pelos
banqueiros centrais como magia monetária para livrar o capitalismo dos
ciclos de negócios. Ela serviu de base ao Fed de Greenspan: "quando
em dúvida, facilite", abordagem que vigorou ao longo de todos os
seus 18 anos como governador do banco central e que levou a bolhas em
série, cada uma delas maior do que a anterior. A bolha final explodiu em
2007.
A maior parte dos macro-economistas, incluindo o actual governador do Fed, Ben
Bernanke, subscreve a visão da dívida-deflação da
Grande Depressão pela qual o colateral utilizado para segurar
empréstimos (ou, como na situação actual, os activos que
apoiam instrumentos derivativos) finalmente diminuirá de valor em
relação à dívida excessiva, criando perdas para os
tomadores de empréstimos, os prestamistas e os investidores, levando
à necessidade de reestruturar termos de empréstimos ou mesmo
ao seu cancelamento. Quando isso acontece, os macro-economistas acreditam que a
intervenção do governo com o fornecimento de liquidez é
tanto
necessária como efectiva para impedir que os mercados caiam.
A expressão dívida-deflação foi cunhada por Irving
Fisher em 1933 para descrever o modo como dívida e
deflação podem desestabilizar-se mutuamente. A
desestabilização verifica-se porque a relação
decorre em ambas as vias: a deflação causa aflições
financeiras quanto à dívida, e a dívida financeiramente
aflita por sua vez exacerba a deflação. Este ciclo
dívida-deflação é altamente tóxico numa
economia infestada por dívida. O único meio de impedir isso
é não permitir que flua liquidez para a dívida.
Friedman manteve a falsa esperança de que banqueiros centrais poderiam
negar a instabilidade da dívida-deflação com
injecções de liquidez em grande escala.
Hyman P. Minsky
em
The Financial-Instability Hypothesis: Capitalist Processes and the Behavior of
the Economy
(1982) elaborou o conceito dívida-deflação para
incorporar o seu efeito no mercado de activos. Ele reconheceu que a venda em
estado de aflição reduz preços de activos, provocando
perdas aos
agentes com dívidas em maturação. Assim,
reforçam-se mais
as vendas ao desbarato e reduzem-se os gastos com consumo e investimento, o
que aprofunda a deflação. Isto acabou por ser conhecido como o
Momento MInsky.
As conclusões contrárias aos factos de Friedman obscureceram a
lição que o mundo poderia ter aprendido do crash de 1929 e
condenaram-no a enfrentar mais uma vez um outro desastre 80 anos depois.
No todo, quatro falsas conclusões contrárias aos factos sobre o
crash de 1929, mas aceites como verdades económicas, deram desde
então
origem a uma teoria económica da instabilidade.
Falso:
Medidas agressivas de facilidade monetária podem salvar a economia das
recessões dos ciclos de negócio. Esta conclusão levou o
monetarismo da banca central a financiar bolhas de dívida
insustentáveis. "Só se o Fed interviesse mais cedo e mais
firmemente em 1929 é que ele podia ter impedido a depressão"
(Friedman). Bernanke em 2007 está a descobrir que isto não
é verdade.
Falso:
O comércio mundial deve ser mantido a fim de manter a depressão
afastada.
Facto:
Sob as condições predatórias do comércio global
baseado na hegemonia da divisa, alimentado por arbitragem regulatória e
salarial, o comércio mundial é a causa do desequilíbrio
global. O livre comércio global tem sido a causa primária do
desemprego interno. Quando o livre comércio global cresceu
dramaticamente, o desemprego e o subemprego elevaram-se tanto na economia
estado-unidense como na chinesa.
Solução:
Novas condições de comércio devem ser introduzidas a fim
de reverter o impacto adverso do comércio internacional sobre o emprego,
salários e desenvolvimento interno. Restaurar o comércio
internacional a fim de aumentar ao invés de tolher o desenvolvimento
interno.
Falso:
Só o capital pode criar emprego.
Facto:
Sob condições de super-capacidade, só o pleno emprego com
altos salários pode criar poupanças/capital. A lei de Say (a
oferta cria a sua própria procura) mantém-se só com pleno
emprego. Sem pleno emprego global, a vantagem comparativa no livre
comércio é meramente a lei de Say internacionalizada.
Falso:
A vantagem comparativa no livre comércio é uma fórmula
sempre vencedora
(win-win)
para ambos os parceiros comerciais.
Facto:
A vantagem comparativa tem um custo fatal para o parceiro que abre mão
do desenvolvimento tecnológico em favor da eficiência
económica no comércio. Ricardo, ao analisar o comércio
entre a Grã-Bretanha e Portugal, deixou de destacar que ao concentrar-se
na produção de tecidos, os quais exigiam
mecanização, a Grã-Bretanha ganhou uma economia mecanizada
que lhe deu uma marinha moderna para assumir o comando do império
português. Porque Portugal preferiu produzir vinho em troca do tecido
britânico, ele permaneceu uma economia agrícola tecnologicamente
subdesenvolvida e ao seu tempo deixou de ser uma grande potência.
Solução:
Numa ordem mundial de estados soberanos, economias nacionais fracas devem
procurar reerguer-se através do nacionalismo económico.
28/Outubro/2009
Artigos de Henry C. K. Liu em resistir.info:
O mito da produtividade americana — e a verdade acerca dos salários reais
, 15/Agosto/09
O futuro do dólar nas mãos dos EUA
, 02/Julho/09
A liquidez anula o significado de "inflação"
, 04/Junho/09
Carta aberta aos líderes mundiais que comparecerão à cimeira de 15 de Novembro na Casa Branca acerca dos mercados financeiros e a economia mundial
, 14/Novembro/08
A auto destruição do capitalismo da dívida (II)
, 25/Julho/08
A auto destruição do capitalismo da dívida (I)
, 24/Julho/08
A ascensão dos preços do petróleo e a queda do dólar
, 17/Julho/08
A charada das taxas de juros reais: A teoria económica da contradição
, 24/Julho/07
Super-capitalismo, super-imperialismo e imperialismo monetário
, 05/Novembro/07
A bolha por toda a parte
, 09/Julho/03
O original encontra-se em
Asia Times
e em
http://www.henryckliu.com/page202.html
Este artigo encontra-se em
http://resistir.info/
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