Demasiado estúpidos para sobreviver

por James Howard Kunstler

Ao voltar do encontro anual com os New Urbanists estava aborrecido com as travessuras da United Airlines – duas horas de atraso, conexão perdida – quando me deparei, no New York Times Sunday Magazine desta semana, com nova evidência de que as nossas elites dominantes são demasiado estúpidas para sobreviverem (e talvez os EUA com elas). O artigo principal da revista era acerca do projecto de alta velocidade ferroviária da Califórnia, proposto por Jon Gertner.

O artigo começava com uma descrição do actual serviço ferroviário da Califórnia entre a Área da Baía e Los Angeles. Uma comissão de crianças de nove anos num lugar como a Alemanha poderia conceber um sistema melhor, naturalmente. Ele nunca chega no horário. O equipamento avaria-se constantemente. Um troço substancial da viagem exige uma transferência para um autocarro (juntamente com a bagagem de toda a gente) sem toilette. Fica-se com o quadro de um Cazaquistão sem a competência básica.

A solução proposta para isto é o mais caro programa de obras públicas da história do mundo, num momento em que tanto o estado da Califórnia como o governo federal dos EUA estão efectivamente em bancarrota. A propósito, eu não argumentaria que a Califórnia não deveria ter comboio de alta velocidade. Isto poderia ter sido lindo se, digamos, no fim do século XX, algum governador com visão a longo prazo houvesse percebido que estava a acontecer em França, na Alemanha e na Espanha mas, ai de nós... Teria sido lindo, também, se o idiota George W. Bush, ao tratar da extrema congestão aeroportuária em 2003, houvesse considerado melhorias sérias no serviço normal de comboios para as muitas cidades dos EUA que distam 500 milhas [805 km] entre si. A ideia nunca entrou no seu cérebro de noz.

A triste verdade é que agora é demasiado tarde. Mas a triste verdade, neste ponto, é que os californianos (e o público estado-unidense em geral) beneficiariam tremendamente de um serviço ferroviário normal de acordo com os padrões de 1927, quando velocidades de 100 milhas/horas [161 km/h] eram comuns e os comboios circulavam absolutamente no horário (e frequentemente, também) sem computadores (imagine isso!). Os carris ainda estão lá, à espera de serem reparados. Na nossa condição actual de tecno-grandiosidade psicótica, isto tudo é irremediavelmente estranho, não suficientemente de vanguarda, pateticamente não-"quente". O facto de que isto nem sequer seja considerado pelos editores de The New York Times, para não mencionar o governador da Califórnia, o presidente dos Estados Unidos e todos os responsáveis de agências e chefes de departamentos e gurus de think tanks e professores de engenharia de universidades, é algo fará com que os historiadores do futuro arregalem os olhos. Mas no momento tudo o que isto mostra é que somos colectivamente demasiado estúpidos para sobreviver como uma sociedade avançada.

Ironicamente, uma notícia lateral no mesmo número de The NY Times Sunday Magazine descrevia o mais recente desvario de um arquitecto para um aeroporto-do-futuro (pg. 35). Nota para os editores e arquitectos: a aviação comercial está frita (apenas não sabemos disso ainda). Estamos de volta aos US$70 por barril de petróleo, a zona da morte para companhias de aviação.

Também ironicamente, provando que a América não está sozinha na doença do tecno-triunfalismo, havia outro grande artigo na mesma revista a apresentar as fantasias neo-modernistas do presidente francês Nicolas Sarkozy para vastos novos projectos de construção em Paris. Nota para Sarko: as zonas metropolitanas do mundo estão destinadas a contracções chocantes, não a novas expansões. Sei que isto é contra-intuitivo, mas um pouco de investigação aplicada confirmará isto. E, a propósito, a última coisa que qualquer cidade sobre a terra precisa é de mais arranha-céus – isto é, edifícios que não têm oportunidade de alguma vez serem renovados quando atingirem a etapa da senilidade na sua vida útil. Para declarações realmente alucinantes, aqui está uma que o artigo estampa: "Os problemas actuais de Paris como cidade podem ter origem na própria coisa que a torna deliciosa – a sua beleza". Certo. Assim, a solução será torná-la mais parecida a Houston.

Duvido realmente que o povo francês considere estes esquema algo mais plausíveis do que a proposta de 1924 do ur-modernista Le Corbusier de arrasar a metade da Rive Droite e substituí-la com dúzias de arranha-céus idênticos. O povo francês riu de Corbu e colocou os seus bairros pobres verticais fora do centro da cidade, mas note que nós americanos realmente fizemos isto, substituindo os nossos antigos centros de cidades em escala humana com conjuntos fálicos de tubos de vidro e aço cercados por lagoas de parqueamento. Seja como for, ninguém na OCDE terá a energia para executar qualquer coisa assim outra vez, nem mesmo a França com as suas centrais nucleares.

O que me traz de volta ao encontro anual New Urbanist da semana passada, em Denver. Dada a reunião de condições do que de diversas denominei A longa emergência ou o clusterfuck económico, eles tiveram de mudar o seu foco drasticamente. Durante anos, a sua especialidade foram os campos verdes da Nova Cidade ou o Desenvolvimento tradicional de urbanizações (Traditional Neighborhood Development, TND), uma reforma severa do desenvolvimento suburbano convencional. Aquela espécie de trabalho de reforma só era possível quando 1) a expansão contínua dos subúrbios parecia absolutamente inevitável, exigindo mitigação heróica; e 2) quando eles podiam associar-se com a produção dos construtores a fim de terem os seus projectos TND executados. Para crédito do grupo, eles perceberam que estas condições já não existem. Os subúrbios são agora abandonados, tanto como repositório de riqueza imobiliária como do ponto de vista prático da existência diária. Eles percebem que a crise de energia e todas as suas implicações são reais e que a nossa resposta a isto tem de ser hábil. Eles entendem que os recursos de capital que pensávamos ter para Grandes Projectos estão a voar para dentro de um buraco negro à velocidade da luz. Eles vêm sobretudo que o tempo para a moda de "vanguarda" com grandiosidade tecno-triunfalista está ultrapassado.

Para colocar isto directamente, o Congress for the New Urbanism (CNU) talvez seja a única sobrevivência de inteligência colectiva deixada nos Estados Unidos que está a produzir ideias consistentes com a realidade. Eles percebem que a nossa sobrevivência depende da redução de escala e da relocalização. Reconhecem a crise que enfrentaremos na produção alimentar e a necessidade desesperada de reactivar o relacionamento entre o modo como habitamos a terra e o modo como nos alimentamos. Reconhecem que a solução para a crise de combustíveis líquidos não são carros que possam circular por outros meios mas cidades passeáveis a pé e conectadas por transporte público.

É exactamente isto o não encontrará nas páginas de The New York Times ou nos corredores políticos do poder. Oh, a propósito, a administração Obama contactou um dos principais luminares do New Urbanism semanas após a possa. Ele nunca ouviu falar outra vez da Casa Branca. Imagino que não estão interessados.

PS: Alguns comentadores aqui adquiriram a ideia errada de que estou contra a "densidade urbana" ou cidades em si. Isto é uma leitura muita tola do que tenho dito muitas vezes. Sou fortemente favorável do habitat urbano a todos os níveis, desde a aldeia até a cidade, e na verdade sou a favor da concepção urbana "apertada" com definição fina. Apenas não acredito que as nossas gigantescas cidades "metroplex" continuarão a existir na sua forma actual. Elas não têm escala para as futuras realidades energéticas. As cidades podem bem re-densificar seus centros antigos mesmo enquanto se contraem em população e em área de governação total. Por que será tão difícil entender isto?

15/Junho/2009

NR: Semelhanças entre a situação aqui descrita quanto a projectos de alta velocidade ferroviária & novos aeroportos nos EUA em bancarrota e outros análogos no Portugal arruinado pela desindustrialização e o endividamento levam a suspeitar do contágio da estupidez entre governantes.  Continua a ser válido assinar a Petição para impedir a construção de um novo e ruinoso aeroporto em Portugal .

  • Ver também: A alta velocidade em Portugal: sem viabilidade económica e financeira

    O original encontra-se em http://kunstler.com/blog/2009/06/too-stupid-to-survive.html


    Este artigo encontra-se em http://resistir.info/ .
  • 29/Jun/09