A guerra financeira contra a Islândia
A derrota pela dívida é tão mortal quanto uma
derrota
militar absoluta
O outro lado da discussão?
Sem ajuda da UE ou da economia global
Rússia, o ensaio geral
Desmantelando o capitalismo industrial
Reconhecer o inimigo interno
O papel dos Estados Unidos
O jogo financeiro de soma zero da Islândia
Economias industriais a reverterem para "economias de portagem"
Guerra financeira
Como os bancos e o sector financeiro ganharam o poder de domínio
Transformando poder económico em poder político
Pensões e aposentadoria
O jogo da dívida
Sistema de equilíbrios políticos na economia
Dívidas que não podem ser pagas, não o serão
Países que não pagaram as suas dívidas
Credores jogam a carta do terrorismo
Como os tempos difíceis afectam o povo
Endosso cristão ao cancelamento de dívidas e recomeços
Crédito sem oligarquia
De volta ao básico e apelo a estatísticas transparentes
Apoiado pelos credores globais, o FMI quer manter o seu poder
Lições para a política financeira islandesa
A Islândia como caso de teste e de modelo para a justiça económica
A Islândia pode ser pioneira
A Islândia está sob ataque não militar, mas
financeiro. Ela deve mais do que pode pagar. Isto ameaça os devedores
com o confisco
(forfeiture)
do que resta nos seus lares e de outros activos. Dizem ao governo para
liquidar o domínio público do país, seus recursos naturais
e empresas públicas, a fim de pagar as dívidas do jogo financeiro
acumuladas irresponsavelmente por uma nova classe de banqueiros. Esta classe
procura aumentar a sua riqueza e poder apesar do facto de que a sua
estratégia de alavancamento de dívida já ter
lançado a
economia na bancarrota. No topo desta, os credores procuram aprovar impostos
permanentes e a liquidação de activos públicos para pagar
os salvamentos deles próprios.
A derrota pela dívida é tão mortal quanto uma derrota
militar absoluta. Confrontados com a perda das suas propriedades e dos meios de
subsistência, muitos cidadãos ficarão doentes,
levará a vidas de crescente desespero e morte prematura se não
repudiarem a maior parte dos empréstimos oferecidos fraudulentamente nos
últimos cinco anos. E defender a sua sociedade civil não
será tão fácil como numa guerra em que a cidadania se
posiciona em conjunto para enfrentar um agressor visível. A
Islândia está confrontada pelos países mais poderosos,
encabeçados pelos Estados Unidos e a Grã-Bretanha. Eles
estão a por em acção os seus propagandistas e a mobilizar
o FMI e o Banco Mundial para exigir que a Islândia não se defenda
a si própria anulando as suas dívidas podres. Mas estes
países credores até agora não assumiram responsabilidade
pela actual desordem do crédito. E, na verdade, os Estados Unidos e a
Grã-Bretanha são devedores líquidos no cômputo
geral. Mas no que se refere à sua posição em
relação à Islândia, eles estão a exigir que
esta empobreça os seus cidadãos através do pagamento de
dívidas de formas que estes países nunca o fariam. Eles sabem que
falta o dinheiro para pagar, mas estão bastante desejosos de receberem o
pagamento na forma de arresto dos recursos naturais do país, da terra e
da habitação e de uma hipoteca sobre os próximos
séculos do seu futuro.
Se isto soa como despojos de guerra, é exactamente isso e sempre
foi. A escravização pela dívida é o nome deste
jogo. E a grande arma neste conflito de interesse é como o povo o
entende. Os devedores devem ser convencidos a pagar voluntariamente, a colocar
os interesses dos credores acima da prosperidade da economia como um todo, e
até mesmo a colocar exigências estrangeiras acima do seu
próprio interesse nacional. Isto não é uma política
que o meu país, os Estados Unidos, seguiria. Mas a discussão
popular na Islândia até à data tem sido limitada
unilateralmente à defesa dos interesses dos credores, não o dos
seus próprios devedores internos.
Em última análise, o adversário da Islândia
não é um país ou mesmo uma classe, mas a dinâmica
financeira impessoal a trabalhar globalmente e internamente. Para estar
à altura da sua actual pressão da dívida, a Islândia
deve reconhecer quão singularmente destrutivo foi o regime
económico criado pelos seus banqueiros, através de
legislação em causa própria e fraude absoluta. Com
ávida cumplicidade externa, os seus bancos administraram a
criação de bastante dívida externa a fim de provocar
depreciação crónica da divisa e portanto
inflação interna de preços durante muitas décadas
pela frente.
Para colocar o dilema financeiro da Islândia em perspectiva, examine-se
como outros países trataram enormes obrigações de
dívida. Historicamente, o caminho da resistência mínima foi
"inflacionar a sua saída da dívida". A ideia é
pagar dívidas com "dinheiro barato" em termos do seu reduzido
poder de compra. Os governos fazem isto ao imprimir dinheiro e incidir em
défices orçamentais (gastando mais do que arrecadam
através de impostos) suficientemente grandes para elevar preços
quando este novo dinheiro apanha o mesmo volume de bens. Foi assim que Roma
depreciou a sua divisa na antiguidade e como a América fez para reduzir
grande parte da sua própria dívida na década de 1970
e como a queda internacional do valor do dólar anulou grande
parte da dívida internacional dos EUA nos últimos anos. Esta
inflação de preços reduz o fardo da dívida
desde que salários e outros rendimentos se elevem em conjunto.
Confrontada com uma explosão sem precedentes de obrigações
de dívida muitas delas aparentemente fraudulentas e certamente em
violação da prática tradicional de crédito a
Islândia aplicou esta solução inflacionária
às avessas. Ao invés de permitir a clássica a panaceia
creditícia de inflacionar a divisa, ela criou uma economia de sonho para
os credores, impedindo a fuga clássica da dívida. A
Islândia descobriu um meio de inflacionar o seu caminho para dentro da
dívida, não para sair dela. Ao indexar a dívida à
taxa de inflação, ela garantiu uma benesse inesperada
única para bancos que aumentam amplamente o que recebem num
"mercado em baixo", a expensas dos assalariados e dos lucros
industriais. Ligar empréstimos hipotecários ao índice de
preços no consumidor (IPC) em face de uma divisa em
depreciação e de uma pesada drenagem da balança de
pagamento em favor de estrangeiros pode ter apenas um resultado:
destruição da sociedade islandesa e do seu modo de vida
tradicional.
A Islândia precisa repudiar esta bomba da dívida. Sob a actual
política, as suas dívidas nunca perderão valor porque
estão indexadas à inflação. Isto por sua vez
está a ser provocado em grande parte pelo serviço da
dívida externa que está a por a divisa em colapso, elevando
preços de importação e portanto provocando ainda maiores
pagamentos de dívida numa máquina sem fim. A economia contrai-se,
os salários caem e os activos perdem valor, mas as
obrigações de dívida continua a crescer cada vez mais. O
resultante esvaziamento dos salários, dos padrões de vida e dos
gastos do consumidor mais uma vez contrairão a economia uma
receita para o vírus económico que ameaça praguejar a
Islândia durante muitas décadas se não for revertida agora.
A formação de capital afundará quando faltar dinheiro aos
consumidores para gastar. Muitos podem não ter o suficiente para
sobreviver. A economia será "crucificada numa cruz de ouro",
para utilizar a famosa frase de William Jennings Bryan na eleição
presidencial americana de 1896 quando ele advogava uma cunhagem de prata para
aliviar a pressão da dívida sobre os agricultores e o trabalho.
O outro lado da discussão?
Apesar de ter passado o último meio século concentrado a estudar
os países com problemas de balança de pagamentos, mesmo eu acho
chocante o singularmente auto-destrutivo regime financeiro da Islândia.
Antes que rejeite a minha candura, devo apresentar um curriculum pessoal
resumido para que entenda que as minhas conclusões são baseadas
principalmente em ter sido um iniciado no jogo da pilhagem de países em
estilo imperial durante quarenta anos. Nos meados da década de 1960 eu
era o economista de balanças de pagamentos do Chase Manhattan Bank, a
seguir da Arthur Anderson e posteriormente do United Nations Institute for
Training and Research (UNITAR). Tenho ensinado teoria económica
internacional em nível de graduação desde 1969 e agora
dirijo um grupo internacional de história económica e financeira
com base em Harvard. Em 1990, na Scudder Stevens and Clark, organizei o
primeiro fundo de dívida soberana. Todos estes trabalhos envolveram
analisar a limitada capacidade de países devedores para pagar
quando podia ser deles extraído através de empréstimos em
divisas estrangeiros e quanta infraestrutura pública estava
disponível para ser liquidada num processo voluntário de arrestos
virtuais por países desejosos de se submeterem às regras ditadas
pelo credor.
Escrevi primeiramente acerca do imperialismo monetário na década
de 1970 no meu livro
Super Imperialism.
Ele deveria ter-se intitulado "Imperialismo monetário"
porque pormenorizava como a substituição do ouro por
papéis de dólar IOUs (
I owe you,
notas de reconhecimento de dívida) no comércio e nos
défices de balanças de pagamentos, em 1971, permitiu aos Estados
Unidos explorarem o resto do mundo sem limites. Reduzindo gradualmente os
pagamentos em ouro entre bancos centrais em favor de dinheiro fiduciário
de papel permitiu ao Estados Unidos acumularem dívidas maciças
iguais aos seus défices acumulados de pagamentos, muito além da
sua capacidade de pagar. Os EUA actualmente devem mais de US$4 milhões
de milhões
(trillion),
enquanto mantém um défice comercial crónico com enormes
gastos militares além-mar, financiados inteiramente por outros
países através dos seus bancos centrais. Isto é chamado
eufemisticamente de "sistema monetário internacional".
Também fui conselheiro do governo canadiano na década de 1970. O
meu principal trabalho foi escrever uma monografia a explicar porque os
países não deveriam contrair empréstimos em divisas
estrangeiras, mas deveriam sim monetizar o seu próprio crédito
para gastos internos e investimento. Em anos recentes ensinei na Letónia
e dei este mesmo conselho aos seus responsáveis. Apresento estes
antecedentes porque têm óbvia relevância para a
situação financeira da Islândia de hoje. Ela rompeu a regra
essencial das finanças internacionais: Nunca assumir empréstimo
numa divisa estrangeira para o crédito que se pode criar livremente no
plano interno. Os governos podem expandir a sua saída da dívida
interna mas não da dívida externa. Isto constitui grande
parte do problema agora enfrentado pela Islândia.
O ponto principal dos meus comentários centrar-se-á portanto na
dimensão internacional do problema da dívida da Islândia,
especialmente nas suas relações com a Europa. Assim, é
relevante olhar para o que está a acontecer na "Europa
expandida" de hoje. Como tem relatado a imprensa financeira, as economias
pós-soviéticas depararam-se com resultados desastrosos depois de
se terem movimentado na década passada para aderir à União
Europeia. Os recentes tumultos de devedores, agricultores e membros de
sindicatos desde os países bálticos até à Hungria
são sintomáticos das profundas desgraças económicas
que afligem estes países. Está a crescer o ressentimento de que
ao invés de ajudá-los a industrializarem-se e tornarem-se mais
eficientes, a Europa e o seu Tratado de Lisboa simplesmente transferiu o
assunto para os seus banqueiros, os quais olham para estes países
simplesmente como clientes de crédito a serem sobrecarregados com
dívida não para empréstimos para construir
manufacturas e a infraestrutura urgentemente necessária a estes
países, mas empréstimos principalmente contra o
imobiliário existente e a infraestrutura colateral já no lugar.
Isto é o caminho mais rápido para fazer dinheiro, afinal de
contas e as finanças tradicionalmente têm vivido no curto
prazo.
Este problema era obrigado a levantar-se, dada a fé
pós-industrial da Europa de que quaisquer aumentos de
"riqueza" mesmo pelo truque de inchar o imobiliário e
os preços de outros activos é tão produtivo como
construir nova capacidade industrial e infraestrutura. O resultado desta
ideologia foi um conjunto de bolhas económicas construídas sobre
imobiliário financiado por dívidas e inflação do
mercado de acções. Tais bolhas sempre explodem em algum momento.
Só tardiamente os países estão a redescobrir o axioma
clássico de que o único caminho para pagar
importações numa base sustentável é produzir
exportações.
Infelizmente, nem os bancos estrangeiros nem os conselheiros europeus
estimularam isto. A sua política desindustrializou o países
pós-soviéticos, os quais financiaram o aprofundamento dos
défices comerciais contraindo empréstimos em divisas estrangeiras
contra o seu património imobiliário. Os Estados bálticos
tomaram empréstimos em euros, libras esterlinas e francos
suíços, principalmente de bancos suecos, para financiar uma bolha
imobiliária, ao passo que a Hungria e os seus vizinhos da Europa Central
se endividaram pesadamente junto a bancos austríacos. As suas economias
estão a contrair-se agora que o jogo de casino sobre
a inflação dos preços dos activos explodiu. O rendimento
locativo e portanto os preços da propriedade estão a afundar e as
taxas de câmbio fazem o mesmo. Isto torna o custo de uma hipoteca em
divisa estrangeira maior do que o rendimento da propriedade local. O resultado
é o incumprimento generalizado de hipotecas, provocando perdas severas
para bancos suecos e austríacos.
As dívidas podres do imobiliário também estão a
destruir bancos nos dois principais países credores, a
Grã-Bretanha e os Estados Unidos. Os preços imobiliários,
os preços das acções e o emprego estão indo abaixo
numa linha recta sem precedentes mesmo na Grande Depressão dos anos
1930. Isto tornou um pesadelo o sonho financeiro neoliberal de "criar
riqueza" pela inflação de preços de activos,
através da criação de crédito, sem realmente
aumentar a formação de capital tangível (salários e
padrões de vida). Assim como indivíduos não podem viver de
cartões de crédito para sempre, tão pouco os países
o podem. Como sabe qualquer economista clássico, sociedades que apenas
manufacturam dívida são insustentáveis. Os casinos podem
ser lugares divertidos para visitar (os clientes pagam ao perderem o seu
dinheiro), mas não lugares para viver. Isso também é
verdade para as economias de casino.
Sem ajuda da UE ou da economia global
A União Europeia não está em posição de
oferecer grande ajuda para a resolução dos problemas financeiros
da Islândia. A integração do continente nos anos 1950 foi
lançada por sociais-democratas e capitalistas pró industriais
como Konrad Adenauer e Charles de Gaulle com a esperança de acabar para
sempre com as guerras intestinas do continente. Eles tiveram êxito em
formar o Mercado Comum de sete países em 1957. Mas a nova
expansão europeia verificou-se em grande medida nos termos do sector
financeiro. Esta é a fonte dos problemas que fracturam a
"velha" e a "nova" Europa de hoje. É o contexto no
qual o problema da dívida da Islândia está agora a ser
terminado.
Parece bastante natural para as pessoas pagar dívidas que foram
assumidas honestamente. A expectativa normal é de que as pessoas
tomarão emprestado e os bancos farão empréstimos
só para investimentos sadios, aqueles que são capazes de
gerar um lucro permitindo ao devedor reembolsar o prestamista com juros. Foi
assim que os bancos funcionaram durante muitos séculos
daí, a imagem dos banqueiros prudentes que dizem "não"
a quaisquer negócios questionáveis que se lhes apresentem.
Pelo menos este era o modo antigo de fazer as coisas. Quase ninguém
antevia um mundo no qual banqueiros criariam crédito irresponsavelmente,
levando aos incumprimentos maciços a que assistimos hoje por todo o
mundo. Nos Estados Unidos, por exemplo, não menos de um terço das
hipotecas habitacionais caíram num estado de Situação
Líquida Negativa. Isto significa que a hipoteca excedeu o preço
de mercado do imóvel comprometido como colateral. A dívida
nacional dos EUA triplicou durante o ano passado, de US$5 milhões de
milhões para US$15 milhões de milhões devido aos
salvamentos financeiros incluindo a tomada pelo governo de US$5,2
milhões de milhões dos gigantes hipotecários, Fannie Mae e
Freddie Mac. Uma única companhia de seguros, a AIG, foi designada para
receber US$250 mil milhões de salvamento em dinheiro e um único
banco, o Citibank, recebeu mais de US$70 mil milhões. As
acções destes até então gigantes financeiros
caíram para centavos apenas e o Congresso está agora a debater se
finalmente irá nacionalizá-los e eliminar os seus accionistas e
mesmos os possuidores dos seus títulos.
Na Grã-Bretanha verificou-se algo muito semelhante. Sentado no mês
passado na sala de embarque do aeroporto Heathrow, assisti audiências
na BBC em que membros do Parlamento exprimiam espanto pelo facto de os bancos
mais seriamente afectados não serem dirigidos por banqueiros e sim por
homens de marketing. A sua tarefa não era calcular empréstimos
prudentes, mas vender tanto de dívida quanto possível, sem olhar
para a capacidade do devedor de pagar. O resultado é que o Banco da
Inglaterra tal como o Tesouro dos EUA está a imprimir
novos títulos cujos encargos de juros terão de ser pagos por
impostos a serem suportados pelo trabalho e pela indústria.
Rússia, o ensaio geral
Como se pode esperar que a Islândia enfrente esta espécie de
ambiente financeiro? Para obter uma perspectiva do que seria um futuro
distópico, pode-se olhar para o ensaio geral das chamadas
"reformas" financeiras executadas na década de 1990 na
Rússia e em outros países pós soviéticos. Trata-se
das reformas que os credores incluindo os bancos europeus, lamento dizer
agora querem impor à Islândia. Na Rússia, as
expectativas de vida declinaram drasticamente, ao passo que a saúde,
prosperidade e esperança feneceram quando forças externas
impuseram medidas de austeridade e altas taxas de juros. Os russos acordaram
para descobrir que a devastação das reformas que lhes foram
impingidas foram tão severas como as da Segunda Guerra Mundial com a
redução da população, destruição da
indústria, propagação de doenças e perda do
controle da sua economia. Os padrões de vida afundaram, especialmente
para aposentados, enquanto as perspectivas de emprego fecharam-se para a
juventude. Muito do mesmo verificou por toda a antiga União
Soviética.
Esta política permanece o "padrão" para países
devedores: Venda de activos em troca de centavos de dólar a cleptocratas
de todo o globo e liquidação de programas de bem-estar social
exactamente no momento em que eles mais são precisos. Em contraste,
olhe-se para os países que clamam mais ruidosamente para que a
Islândia pague os empréstimos feitos pelos especuladores e
arbitrageurs
globais. Eles incluem os países mais amplamente devedores,
encabeçados pelos Estados Unidos e a Grã-Bretanha, conduzidos por
políticos que nunca sonharam em impor tais provações sobre
si próprios. Enquanto cortam os seus próprios impostos e aumentam
os seus próprios défices governamentais, estes países
estão a tentar arrancar tributo financeiro dos países mais
pequenos e mais fracos que puderem ameaçar, tal como fizeram com
devedores do Terceiro Mundo nos anos 1980 e 1990.
Desmantelando o capitalismo industrial
Isto é uma crise que clama por verdades duras. O que os países
credores e as suas instituições financeiras internacionais
estão a promover não é o capitalismo como se entendia
tradicionalmente. Ao invés de ajudar a industrializar os países
aos quais concediam crédito de modo a torná-los viáveis e
auto-suficientes com novos meios de pagar as suas importações
e na verdade pagar dívidas assumidas para reconstruir a sua
capacidade produtiva os planeadores europeus supervisionaram o
desmantelamento da indústria manufactureira.
Ainda pior, eles assim fizeram de um modo que fortaleceu um conjunto de
oligarcas financeiros neo-feudais. Economias endividadas foram transformadas
num bando de casinos, com jogos especiais (exemplo: instrumentos financeiros
opacos como os
credit-default swaps
) reservados exclusivamente aos iniciados. Mesmo para entrar dentro deste jogo,
alguém deve ser pelo menos milionário, assinando documentos
legais de que pode permitir-se perder todo o investimento e ainda assim
sobreviver economicamente. A União Europeia então agrava ainda
mais as coisas ao apresentar eufemisticamente as suas agências
financeiras como doadoras a levarem ajuda. Como se verificou, são os
mesmos ideólogos que debilitaram o capitalismo industrial por todo o
globo através da proliferação de jogos de dívida
alavancada que redistribuíram a riqueza para cima em toda a parte onde
operaram.
Esta política cria a escravização pela dívida para
a maior parte dos cidadãos, acima de tudo nos países mais novos
que procuram aderir à União Europeia. Mesmo no país mais
rico da terra os Estados Unidos cerca da metade de todos os
cidadãos agora não têm valor líquido e o fosso entre
os 10 por cento mais ricos e o resto da sociedade ampliou-se geometricamente
desde 1980. Este é o sistema injusto que os principais credores do mundo
exportariam para a Islândia se pudessem convencer os seus
eleitores a aceitarem a construção da pirâmide da
dívida neoliberal como meio de ficar rico. Os recentes tumultos em todos
os estados pós soviéticos sugerem que este plano não
está a funcionar. As suas populações estão agora a
sentir quão profundamente as chamadas reformas financeiras (exemplo:
desregulação financeira) promovidas pelos bancos europeus e os
Acordos de Lisboa polarizaram as suas economias.
Reconhecer o inimigo interno
A única defesa contra uma política tão desastrosa é
reconhecer que há melhores alternativas. Simplesmente não
é possível para as economias astronomicamente endividadas de hoje
"actuarem de modo a sair da dívida" com o velho truque de
inflacionar a oferta monetária. Tentar fazer isso provocará o
colapso da taxa de câmbio da divisa e desviará tanta receita para
pagar credores e transferirá tanta propriedade para fora dos
habitantes locais que uma nova espécie de economia pós
capitalista de não produção/consumo será criada,
cada vez menos capaz de ser auto-suficiente e independente, para não
dizer nada acerca de ser justa e sustentável.
A crise financeira da Islândia hoje é menos uma questão de
direito internacional e sim de absoluto desrespeito à lei perpetrado
pelos fornecedores da chamada democracia de mercado livre. Os países que
pressionam a Islândia pelo pagamento impõem um conjunto de leis
aos outros ao passo que seguem um conjunto muito diferente para si
próprios. Ao pregar à Islândia acerca do direito
internacional, os Estados Unidos e a Grã-Bretanha romperam eles
próprios a mais clara das leis internacionais aquela contra
travar guerra agressivas. Os seus propagandistas são habilidosos ao usar
a linguagem do capitalismo e da moralidade, mas eles não são nem
capitalistas nem morais. A sua estratégia financeira é jogar um
antigo jogo psicológico. Eles fazem com que países como
a Islândia se sintam culpados em relação aos seus devedores
ao invés de reconhecerem que foram vítimas de um esquema Ponzi
internacional. Em suma, o jogo é estabelecer "leis" para
devedores na forma de programas de austeridade destrutivos moldados por credores
irresponsáveis e na verdade parasitários. Esta "ajuda
conselho" acaba no despojamento absoluto de activos, tanto públicos
como privados.
O despojamento de activos para pagar dívidas provocou colapsos vezes sem
conta ao longo da história, mas é estranhamente subestimado no
curriculum
académico de hoje como uma "verdade inconveniente" para os
interesses financeiros. O rendimento é sugado através de um
esquema que é elegante e simples. As infortunadas vítimas
e agora economias inteiras, não apenas indivíduos
são manobradas para dentro de um moinho de dívida do qual
já não podem escapar. Os credores acumulam sobre o crédito
e deixam as dívidas crescerem com a "mágica do juro
composto", sabendo que os seus empréstimos não podem ser
reembolsados excepto pela venda de activos. A produtividade de uma
economia nunca pode acompanhar o ritmo dos juros compostos a acumularem-se
exponencialmente. Seja o que for que fosse possuído é tomado
pelos pagamentos de juros que nunca acabam. O objectivo é que estes
pagamentos absorvam tanto excedente quanto possível, de modo que a
economia nacional trabalhe com efeito para pagar tributo à nova classe
financeira global banqueiros e administradores de fundos mútuos,
fundos de pensão e hedge funds.
O produto que eles estão a vender é dívida. Eles constroem
a sua própria riqueza ao endividar outros e então
forçá-los a liquidações para compradores que
assumem a sua própria dívida na esperança de efectuarem
ganhos com os preços dos activos quando os preços da propriedade
são inflados de modo impossível em relação aos
salários do trabalho vivo. Isto tornou-se a nova e eufemisticamente
alcunhada forma pós industrial de criação de riqueza
uma estratégia que agora está a lançar economias no
colapso por todo o mundo.
O papel dos Estados Unidos
Os Estados Unidos aprisionaram outros países dentro de um sistema de
pesadelo no qual eles têm pouca escolha prática excepto reciclar
os seus influxos de dólares em excesso na balança de pagamentos
de volta para os Estados Unidos, principalmente na forma de empréstimos
ao Tesouro dos EUA. Quando bancos centrais estrangeiros recebem dólares
pelas suas exportações (ou pela venda das suas companhias), eles
estão limitados naquilo que podem fazer com estes dólares. O
Congresso
dos EUA não os deixará comprar companhias ou recursos internos
importantes e não se desfará dos haveres em ouro
estado-unidenses. Assim, os bancos centrais estrangeiros estão obrigados
a comprar títulos do Tesouro ou, como a oferta destes
títulos tem-se esgotado (sendo limitada pelo défice
orçamental interno), títulos apoiados por hipotecas emitidos
pelos agora públicos Fannie Mae e Freddie Mac, empacotadores de
hipotecas subprime. Estas duas agências semi-oficiais foram formalmente
nacionalizadas no ano passado após uma série de fraudes
financeiras e investimentos desastrosos que destruíram o seu capital,
obrigando o governo dos EUA a intervir e tranquilizar governos desde a China
até Israel cujos bancos centrais estiveram a reciclar os seus influxos
excedentes de dólares nestes títulos.
Os islandeses deveriam manter em mente um princípio básico
importantíssimo. Os Estados Unidos são o maior país
devedor do mundo e nunca pagarão a sua própria dívida
externa. Além de actualmente terem em dívida quatro
milhões de milhões de dólares, o seu Tesouro pretende
continuar a emitir novos papéis IOUs em troca de bens, serviços e
activos reais da China, Japão e outros países credores
até que os governos enterrados nestes dólares de papel virem as
costas a este esquema Madoff-Ponzi (note-se que estes esquemas são
sempre homenagens a operadores americanos), reconhecendo o que Adam Smith
explicou em
A riqueza das nações:
Nenhum país alguma vez reembolsou as suas dívidas. Países
pequenos como a Islândia, bem como pequenos contribuintes em
países ricos, podem ser coagidos a pagar através de propaganda,
jogos
psicológicos e ameaças directas até que já
não lhes restem activos para transferir. Mas os
big boys
estão acima da lei. Eles controlam os tribunais (os quais muitas vezes
sentenciam sem muita consideração pela lei real), assim como
escrevem a história e a cobertura dos jornais e dos curricula das
business school para que sirva aos seus próprios interesses.
O segundo princípio importante é quão radicalmente a ordem
pós capitalista de hoje inverteu os meios tradicionais de fazer
dinheiro. Ao invés de fazer lucros com novo investimento de capital, o
caminho mais fácil para riquezas rápidas no sistema financeiro
global de hoje é arrestar propriedade a centavos de dólar e fazer
um
"ganho de capital" ao lançá-la nos mercados
financeiros mundiais que estão a ser inflados pelos bancos centrais.
Enquanto os porta-vozes financeiros prometem que "não há uma
coisa tal como almoço gratuito", a bolha financeira relâmpago
de hoje, a fraude e as privatizações de iniciados que culminam em
salvamentos do sector público ("socializando o risco" enquanto
privatizando os lucros e os ganhos de capital) tornou-se o meio mais
importante para obter um almoço gratuito.
O jogo financeiro de soma zero da Islândia
Mas isto é um jogo de soma zero, com perdedores do outro lado da mesa
dos vencedores. O ganho de uma parte é a perda da outra e na
verdade esta espécie de jogo acaba por contrair a economia ao desviar
recursos para longe do investimento real em formação de capital
tangível. Ao contrário do capitalismo industrial, o qual emprega
trabalho e investe em equipamento de capital para transformar
matérias-primas em mercadorias vendáveis, o sistema
financiarizado pós industrial de hoje apenas oferece a riqueza virtual
(e temporária) das bolhas de activos. Os seus administradores
financeiros afirmam estar a actuar na tradição dos economistas
clássicos e partilhar o seu conceito de mercados livres, mas na
realidade eles têm feito parte de uma fraude intelectual que descreve o
seu
sistema como algo diferente da extracção de riqueza
financiarizada sobre a economia real da produção e do consumo que
realmente é. A riqueza financiarizada é extractiva, não
produtiva. Eis porque empréstimos, acções e títulos
são direitos sobre riqueza, não a própria riqueza real.
Este é o contexto no qual a guerra financeira de hoje contra a
Islândia está a ser travada. Os proprietários de casas
estão a pagar tributo não na forma de impostos a uma força
invasora ocupante mas sim em juros aos patrocinadores locais da pirâmide
do endividamento que apanhou a Islândia em tão profunda
perturbação e ao credores internacionais e possibilitadores desta
super-financiarização da economia. O domínio
público do país, a sua terra e os recursos geotérmicos, a
sua indústria turística e os seus activos públicos
estão a ser olhados pelos credores estrangeiros como presas a serem
tomadas
da forma como se verificou em muitos países do Terceiro Mundo. Foi isto
que arruinou a Turquia e o Egipto no fim do século XIX e deitou abaixo
outros reinos durante séculos antes disso. Contudo, muitos islandeses
estão a encaminhar-se para este futuro voluntariamente, como se de certa
forma fosse correcto ao invés de um exercício de finanças
predatórias conduzido por países que não mostraram nenhuma
vontade (ou capacidade) para pagar as suas próprias dívidas
internacionais.
Os países sabem quando estão a ser atacados militarmente. As
forças de defesa combatem para impedir os invasores de tomarem a sua
terra e imporem os seus tributos. Nenhum país pensaria em saudar um
exército estrangeiro para fazer o que Guilherme o Conquistador fez
à Inglaterra após 1066. Ele ordenou aos seus contabilistas que
compilassem o Recenseamento Territorial
(Domesday Book)
dentro do prazo de
trinta anos (ficou pronto em 1086), calculando o valor locativo da terra inglesa
a fim de tributá-la para a Coroa.
Assim foram criados os reinos da Europa, na maior parte. A renda era paga aos
parceiros dos comandantes militares e os seus herdeiros dominaram como Lordes
ausentes durante nove séculos. Eles rapidamente actuaram para manter o
que começara como um rendimento real para si próprios, celebrando
isto como a vitória da "democracia" de livre mercado na Magna
Carta liberatum (1215) e na subsequente Revolta dos Barões (1258-65).
Hoje, estes lordes da terra e aqueles que compraram a sua propriedade
avançaram na hipoteca da dívida, pagando aos credores o que
antigamente era pago primeiramente como impostos e então tomado como
renda.
O que levou séculos a atingir na Europa feudal está agora a ser
ameaçado na Islândia, comprimido no espaço de apenas uma
década aproximadamente. E sob muitos aspectos esta
situação financeira não faz sentido a menos que se
olhe através da história para ver que a mesma tragédia
aconteceu vezes sem conta.
Os Estados Unidos, a Grã-Bretanha e o Fundo Monetário
Internacional ("a comunidade global de investimento") estão a
exprimir as suas exigências de políticas draconianas de
austeridade na linguagem do capitalismo. Mas o que eles estão realmente
a promover é um sistema financeiro que ameaça acabar na
escravidão pela dívida
(debt peonage),
não o capitalismo democrático. Através de todo o globo,
desde os países bálticos até a Hungria na Europa e na
verdade desde a Rússia até a China, tumultos e greves
espontâneas irromperam recentemente para protestar contra esta
dinâmica financeira pós capitalista. Ela já destruiu a
capacidade industrial de países devedores sujeitos a programas de
austeridade cruéis impostos pelo FMI a actuar como agente para a classe
financeira global. Isto simplesmente repete o que os britânicos fizeram
na Índia. O crescimento industrial foi substituído por uma bolha
imobiliária financiarizada. A "etapa final" desta
dinâmica é arrestar e vender os activos dos devedores a
preços de dádiva. A conversa acerca de democracia da elite
financeira é uma história de cobertura das relações
públicas. As suas vendas com a "mágica do juro
composto" ameaçam destruir países inteiros.
Felizmente, isto não precisa acontecer em países que não
impõem alavancagem de dívida sobre si próprios, mas
só em países que deixam o serviço público da
criação de moeda e crédito serem privatizados nas
mãos de uma classe financeira cosmopolita. A Islândia ainda tem
uma alternativa futura diante de si, se os eleitores reconhecerem isto a tempo.
Mas para alcançar o futuro melhor que a maior parte dos seus
cidadãos pretende, ela deve entender a armadilha predatória da
dívida na qual caiu ou, mais precisamente, ser afastada da
crença na mesma doutrina financeira ilegítima que arruinou a
Rússia e outras economias pós soviéticas, bem como
países do Terceiro Mundo antes deles sob década de "planos
de austeridade" do FMI concebidos para reprimir o crescimento interno (e a
concorrência) e a estabilidade económica a fim de pagar aos
credores estrangeiros. A história proporciona exemplos trágicos
os resultados da I Guerra Mundial e a própria Inglaterra nos
séculos das guerras aparentemente perpétuas com a França.
Economias industriais a reverterem para "economias de portagem"
O mundo está a mergulhar "de volta ao futuro", numa
época de neo-feudalismo e escravidão pela dívida. Isto
é um travesti da promessa do capitalismo industrial como este parecia
estar a evoluir na véspera do século XX e na Era Progressiva da
social-democracia. O que não foi reconhecido foi a bomba relógio
financeira implantada no DNA da Europa como tendo evoluído a partir da
Idade Média.
Quando o feudalismo europeu abriu caminho à formação de
nações-estado, a maior parte dos reinos tornou-se dependente de
empréstimos estrangeiros para travar as suas guerras a
começar pelos Cruzados, cujo saqueio de Bizâncio proporcionou-lhes
um enorme influxo de ouro e prata. Foi isto que decompôs as
proibições da Igreja quanto à usura. Uma vez que os
governos
pagavam juros a ordens de elite da Igreja, como os Templários e os
Hospitalários, tornou-se permissível para os bancos aderirem ao
empréstimo a juros para os reis, a nobreza e as classes mercantis
como grandes clientes.
O nascimento da banca internacional pós-medieval demonstrou-se
desastroso para muitos bancos de família, que afundaram com maus
empréstimos às principais potências da Europa primitiva,
desde a Espanha à Inglaterra. O historiador Richard Ehrenberg
observa que bancarrotas espanholas "verificaram-se a intervalos de cerca
de vinte anos 1557, 1575, 1596, 1607, 1627, 1647, muitas vezes
sendo racionalizadas por piedosas alusões a proibições da
Igreja contra a usura. A Inglaterra declarou bancarrota sob Eduardo III em
1339, e Charles II encerrou o erário público
(Exchequer)
em 1672 e suspendeu o pagamento da sua dívida flutuante. Cancelar
dívidas foi o único meio de conservar relações
económicas e políticas básicas, bem como a
independência nacional. Em vista desta longa experiência, o
conselho da Inglaterra à Islândia de hoje é do tipo
"Faça como nós dizemos, não como nós
próprio fizemos e estamos a fazer".
Os bancos centrais foram formados para avançar crédito aos
governos e os bancos comerciais para ajudar a financiar a expansão
comercial da Revolução Industrial e os gastos com a
infraestrutura relacionada, mineração e navegação,
culminando nos monopólios de infraestrutura tais como canais, ferrovias
e portos e posteriormente combustível e energia. A época medieval
da "acumulação primitiva" a
extracção de rendimento pelo apresamento militar foi
substituída pela mais pacífica e aparentemente civilizada
prática de credores apropriarem-se do excedente económico fazendo
empréstimos a juros, e pelo arresto da propriedade quando os encargos de
juros não podiam ser pagos.
Nos últimos anos administradores financeiros persuadiram muitos
países a venderem empresas públicas como as de água ou
abastecimento de energia, principalmente para obterem dinheiro a fim de pagar
dívidas ou cortar impostos sobre os escalões de riqueza mais
elevados. Esta venda dos "bens comuns"
("commons")
por líderes ingénuos e míopes (e os "idiotas
úteis" promovidos pelos lobbyistas financeiros como seus
conselheiros económicos) transformou países devedores em
"economias de portagem"
("tollbooth economies")
nos quais os serviços básicos tornaram-se veículos para
extrair proporções cada vez maiores do rendimento nacional e da
riqueza em benefício de poucos. Isto é a antítese dos
"mercados livres" tal como os economistas clássicos entendiam
a expressão. Eles são mercados concebidos e controlados pelo
sector financeiro para apropriaram-se em seu próprio proveito do
excedente produzido pelo trabalho e pelo investimento em capital
tangível.
Para promover esta sucção do rendimento excedente, os ricos
financiaram vastas campanhas de desinformação (propaganda) por
todo o mundo. A sua táctica é utilizar expressões
familiares e ideologicamente reverenciadas tais como "mercados
livres", "democracia económica" e
"fidedignidade" para ganhar os corações e mentes da
população enquanto realmente impõem um conjunto de
políticas em absoluto contraste com a ideologia do Iluminismo, a
economia política clássica, a reforma da Era Progressiva e a
social-democracia do século XX os ideais dos povos amantes da
liberdade em toda a parte. Os lobbyistas financeiros gastaram milhares de
milhões de dólares com think tanks de relações
públicas para alcançarem esta fraude ideológica. Eles
fizeram doações a business schools e ganharam o controle de
agências do governo para promover o seu ponto de vista orientado para os
credores, encabeçado pelos bancos centrais para servir de cunha
ideológica às forças anti-democráticas de hoje.
Esta é a ideologia que empurrou grande parte do Terceiro Mundo para a
pobreza a partir da década de 1960, bem como as economias pós
soviéticas hoje tragicamente infestadas de dívida.
Guerra financeira
À primeira vista as finanças parecem algo muito diferente da
guerra aberta. Toda a gente sabe muito bem que exércitos invasores
não vêm em termos amistosos. Navios e tropas estrangeiras
não são bem vindos, mesmo que prometam ajudar a construir a
economia com a construção de novas estradas e pontes (as melhores
para os seus tanques e tropas viajarem), centrais hidroeléctricas e
geotérmicas para exportar electricidade (mantendo os rendimentos para si
próprios), hotéis e estações de águas para
si próprios e os estrangeiros desfrutarem (e manter os rendimentos
locativos e os valores dos sítios) e criar pormenorizadas
análises estatísticas (tais como o
Domesday Book,
o livro do
recenseamento acima mencionado) a fim de administrar a economia em seu favor.
Hoje esta estratégia financeira tornou-se multilateral. O FMI actua como
um fiscal para os credores globais apropriarem-se do rendimento do
imobiliário, da infraestrutura nacional e da indústria como um
parasitismo financeiro. O que é notável é que
países por todo o mundo estão a perder a sua independência
económica e fiscal pacificamente pelo menos isto é
pacífico quando os países alvos não reagem. (Chile, Cuba e
Irão servem como objecto de lições para as
sanções económicas punitivas impostas sobre países
que não aceitam a actual ética económica
predatória.) A conquista financeira é portanto mais encoberta do
que a guerra militar. Ela confia mais na dimensão educacional e
psicológica e tem mais êxito quanto a vítima nem mesmo
percebe que está a ser atacada.
Mas os efeitos são tão devastadores sobre a vida humana quanto os
que a Rússia sofreu às mãos dos "reformadores"
do Ocidente na década de 1990. A austeridade financeira imposta por
regimes ditados por credores encurta a esperança de vida, reduz taxas de
natalidade, aumenta a fuga ao trabalho, as taxas de suicídio, de
doença, alcoolismo e abuso de drogas. Assim como a guerra mata os homens
de uma economia em idade de combate (25-35), a austeridade financeira leva-os a
emigrar para encontrar trabalho. Foi por isto que o investidor estado-unidense
Warren Buffett chamou às
collateralized debt obligations (CDOs), credit
default swaps
e instrumentos semelhantes de alavancagem de dívida
"armas de destruição financeira maciça".
Considere-se o papel da banca nesta ordem neo-feudal. Os bancos não
criam crédito para financiar a manufactura o que é feito
principalmente a partir de rendimentos retidos e acções. Os
bancos criam crédito primariamente para emprestar contra colaterais
já existentes empréstimos que simplesmente extraem
dinheiro da economia. Isto é um acto inerentemente destrutivo, um acto
que é anti-capitalista no sentido de que enfraquece o crescimento
industrial em favor da extracção de juros e de ganhos
especulativos a curto prazo.
O truque é fazer com que esta política seja saudada como se fosse
um progresso, como "pós industrial" ao invés de um
deslizamento para trás. Só hoje está a tornar-se aparente
que empréstimos de bancos com base no colateral não "criam
riqueza", eles sobretudo incham bolhas de preços de activos,
especialmente no imobiliário. Os banqueiros calculam quanta
dívida um dado fluxo de imóveis residencial ou comerciais pode
suportar e criam bastante crédito para fazer um empréstimo
suficientemente grande para absorver esta receita excedente. Os banqueiros
fazem o mesmo com a indústria ao emprestarem aos atacantes
(raiders)
corporativos bastante dinheiro em títulos "lixo" de tomadas
empresariais a fim de transformar os lucros num fluxo de pagamentos de juros
para si próprios e com ganhos de capital para os atacantes. Os bancos
centrais alimentam este processo ao inundar economias com crédito
fácil (isto é, dívida) que mantém o sector
financeiro gordo enquanto empobrece o país cada vez mais endividado.
As finanças portanto são a antítese histórica da
propriedade, santificando o seu próprio direito a expropriar
proprietários endividados. Originalmente denunciada pela cristandade,
pelo judaísmo e pelo Islão, a dívida produtora de juros
santificou-se como a forma predominante de riqueza. Não era isto o que
os economistas clássicos e os reformadores políticos esperavam.
Eles explicaram como evitar esta distopia económica através de
adequada política fiscal e regulação do governo a fim de
minimizar o papel económico e o poder político de banqueiros
pós-feudais e de rentistas. (Rentistas são pessoas que vivem de
juros e rendas, isto é, rendimentos pagos numa base regular. Uma
rente
era um título do governo francês que pagava juros a intervalos
regulares; a ideia foi estendida aos senhores da terra.)
Como os bancos e o sector financeiro ganharam o poder de domínio
Esta supremacia dos bancos e do sector financeiro levou milhares de anos a
ser atingida. Não foi fácil subverter valores sociais
tradicionais e empobrecer tantas economias através da
subordinação das relações de propriedade habituais
com a prioridade legal para os credores. A Islândia só
recentemente ficou sob esta espécie de ataque financeiro de credores que
operam globalmente. Banqueiros conseguiram convencer ambiciosos à
procura de fortuna que o caminho para a riqueza e o crescimento
económico residia na alavancagem de dívida, não em
permanecerem livres de dívida. Ao vender dívida como o seu
produto, os bancos e os especuladores no núcleo do mundo financeiro
precisavam preparar-se para o que devem ter sabido que levaria ao colapso
económico e que destruiu economias ao longo da história. Eles
preparam o caminho para a ruína através da engenharia
ideológica destinada a moldar a forma de pensar das
populações acerca da história, de modo a aceitar a
pirâmide da dívida como uma boa estratégia económica.
Como exemplo do seu pensamento distorcido, considere uma casa com preço
atraente. Você preferiria possuir 100% de uma casa livre de toda
dívida com um valor de mercado de 100.000 euros se livre de
dívida ou, ao contrário, preferiria possuir 60% da mesma
casa a um preço de mercado inflacionado avaliado em 250.000 euros? No
segundo cenário você teria 50.000 euros de "riqueza
excedente" (60% x 250.000 = 150.000, a serem comparados com os
100.000 do primeiro exemplo). Pessoas por todo o mundo foram convencidas
de que o segundo cenário representa "criação de
riqueza". O que é passado por alto é que o preço mais
elevado da casa implica encargos de juros sobre o seu preço de mercado
mais elevado. Este encargo montaria a 6.000 por ano, ou 500 por
mês a juros a 6%. A mesma propriedade vale mais, mas inclui um encargo de
dívida muito maior rendimento para o sector financeiro.
Na Islândia mas em nenhum outro lugar as hipotecas de casas
têm uma deformação singular. Os credores conseguiram
proteger o peso dos seus direitos sobre os devedores ao indexar os
empréstimos hipotecários à taxa do índice de
preços no consumidor (IPC) do país. A cada mês a
dívida principal é acrescida pelo aumento do IPC e assim
também o encargo de juros. Durante 2008 aquele índice subiu
14,2%, de modo que uma hipoteca de 100.000 com arranque em 2008 teria
crescido para 114.230 no fim do ano. Estes ajustamentos mensais
também seriam acrescidos de um ponto percentual dentro do pagamento dos
juros um extra de 100 a ser pago mensalmente aos credores, em
acréscimo ao principal crescente a ser amortizado. Falamos acerca de
fazer dinheiro sem esforço...!
Encargos de dívida tão pesados contrairiam qualquer economia, e
é o que está a acontecer na Islândia. Os preços do
imobiliário declinaram numa estimativa de 21 por cento para a
habitação em 2008. Assim, no exemplo acima, o preço de
mercado da casa que vale 100.000 no princípio do ano teria estado
a valer apenas 79.000 no fim do ano, ao passo que a hipoteca teria
crescido em 14%, para 114.230. Isto teria afundado o proprietário numa
situação líquida negativa de 35.000 uma
notável mudança de 35%.
Em todo país, os investidores perdem quando os preços declinam
nos imóveis, acções e títulos, ao passo que os
credores descobrem o poder de compra dos seus empréstimos
corroídos pela inflação. Foi assim que a maior parte dos
países conseguiram "sair da dívida" durante muitos
séculos. Mas os credores da Islândia criaram um sistema no qual a
sua posição é realmente melhorada quando o resto da
economia sofre a erosão inflacionária do preço. Os seus
direitos aumentam na proporção da taxa em que a
inflação dos preços no consumidor corrói
salários e lucros de negócios. Qual o sentido disto?
O que torna isto tão irónico é que o objectivo de calcular
o índice de preços no consumidor em todos os países foi
apoiar o rendimento do consumidor. Foi para proteger os assalariados e
aposentados contra a inflação que corroía a sua capacidade
de manter o seu padrão de vida. Eis porque nos Estados Unidos os
aposentados da Segurança Social recebem um ajustamento anual do custo de
vida com base no IPC. Mas a Islândia inverte este objectivo
político, protegendo os direitos dos credores contra os devedores (e
portanto contra a maior parte dos assalariados). O objectivo do credor é
maximizar o poder da dívida sobre o trabalho vivo. Este é o
significado literal de "hipoteca"
(mortgage):
uma "mão morta" do
passado sobre o presente, da riqueza passada e do crédito sobre o vivo.
Para a Islândia, as dívidas aumentadas durante a fase de
"criação de riqueza" da bolha financeira devem ser
deixadas ali e até mesmo crescer a uma taxa acelerada reflectindo o
ritmo da depreciação da divisa e portanto na generalidade dos
preços de importação e no consumidor. Os
devedores perdem quando os preços das suas casas afundam, ao
passo que os credores mantêm o seu domínio económico
intacto e até mesmo fortalecido pelo aumento do seu poder.
Transformando poder económico em poder político
Os credores na maior parte dos países foram capazes de transformar o seu
poder económico em poder político com o objectivo de transferir o
fardo fiscal de si próprios para o trabalho e a indústria. O
golpe final verifica-se quando conseguem que o governo os salve das suas
perdas em maus empréstimos. Nos Estados Unidos, o Congresso triplicou a
dívida nacional em menos de um ano a fim de salvar credores com pouca
consideração com ajudas aos devedores, ou mesmo de processar a
fraude financeira maciça envolvida nesta bolha imobiliária
subprime e na venda de hipotecas lixo a crédulos compradores
estrangeiros.
Os cidadãos da Islândia possuirão uma
proporção cada vez menor dos seus lares quando os seus bancos se
tornarem os principais reclamantes do valor da propriedade do país. Ao
sujeitar a Islândia a esta espécie única de esmagamento
financeiro, a política islandesa posiciona-se em contraste total com a
dos Estados Unidos. A política dos EUA é estabilizar a sua
economia e evitar a depressão reduzindo dívidas a fim de
alinhá-las com os preços de mercado mais baixos de hoje e, mais
especificamente, para trazer os encargos de juros sobre dívida
hipotecária ao nível da capacidade dos proprietários de
pagarem não mais de 32% do seu rendimento. Outros países
também estão a reduzir as suas dívidas de modo a
alinhá-las com a capacidade de pagamento. Mas a Islândia
está a sujeitar os seus próprios proprietários de casas e
consumidores à deflação da dívida e a
afundá-los no terreno da Situação Líquida Negativa
por lei!
O único meio pelo qual os seus bancos podem ter êxito nesta trama
é manter os eleitores da Islândia inconscientes do que está
a acontecer no resto do mundo e, na verdade, impedir o governo de
rascunhar um balanço das dívidas do país, um ficheiro
destas dívidas mostrando a quem são devidas e um cálculo
da capacidade da economia para pagar.
A actual política da Islândia reduzirá o rendimento
disponível para proprietários de casas e outros devedores
a grande maioria dos seus cidadãos enquanto a riqueza jorra para
o topo da pirâmide económica, para aqueles que estão a
criar tanto crédito quanto podem encontrar tomadores para os
empréstimos. O resultado não é o que o antigo presidente
da Reserva Federal, Alan Greenspan, e o presidente George W. Bush afirmaram
estar a criar na América uma sociedade de
"proprietários". É realmente uma sociedade de
"empréstimo", uma economia de sucedâneos de activos na
qual a pirâmide da dívida a possuir cada vez menos de uma
casa ou de outro activo parecia ser uma estratégia para tornar-se
mais ricos ao invés da armadilha da dívida que é.
Será que a Islândia caiu numa armadilha semântica semelhante?
Pensões e aposentadoria
Tal como nos Estados Unidos, a Islândia convenceu o trabalho a
"prefinanciar" a sua aposentadoria. A ideia é poupar
antecipadamente, de modo a proporcionar a aposentadoria de um modo puramente
financeiro. Naturalmente, o meio mais importante para suportar aposentados
é fazer com que eles possam arcar com os bens e serviços
básicos necessários para viver. Na medida em que a
"financiarização" de uma economia acaba por corroer a
economia "real", o financiamento da pensão e os fundos
da Segurança Social (impostos regressivos que permitem ao Tesouro cortar
impostos dos escalões mais elevados de riqueza) tende a contrair
a economia ao invés de prover a expansão com o produto
necessário para suportar uma população a envelhecer. Tal
como se apresenta a questão, poupanças de pensão
são mobilizadas para aumentar o volume de extracção de
juros da dívida e alimentar bolhas financeiras (como no
"capitalismo fundo de pensão" da América que ajudou a
subir os mercados de acções no passado). As poupanças de
pensões funcionam contra o emprego mais visivelmente quando elas
são emprestadas a atacantes corporativos os quais compensam os seus
possuidores de títulos reduzindo a força de trabalho e espremendo
mais "produtividade" dos empregados remanescentes. O
"crescimento" económico sob tais circunstâncias toma a
forma de um encargo financeiro e do sector da propriedade, não de
crescimento ou de estabilidade nos padrões de vida ou na capacidade para
produzir.
Permitir às economias serem debilitadas com pagamentos de juros era
impensável até recentemente. Para atingir uma ruptura tão
radical na ideia pública de prosperidade e de auto-suficiência
foi necessário aos credores apagarem o conhecimento de como os
sistemas legais foram emendados a fim de colocar os interesses dos credores
acima
dos dos devedores ao longo dos últimos oito séculos e de
como os principais economistas clássicos e do Iluminismo cultural e
líderes religiosos procuraram subordinar os interesses dos credores
àqueles do crescimento e da prosperidade da economia como um todo. Mas a
nova classe banqueira foi bastante esperta para contratar os melhores
propagandistas que o dinheiro pode comprar enquanto permanecia cega para a
destruição que estão a infligir às vidas das
pessoas.
O jogo da dívida
Tal como muitas pessoas, os islandeses tendem a pensar da dívida em
termos pessoais, como se os credores fossem vizinhos muito semelhantes a eles
próprios. A coisa normal a fazer quando surgem problemas seria sentar e
chegar a um acordo comum. Mas os credores da Islândia são
conglomerados financeiros impessoais de milhares de milhões de
dólares e as relações credor-devedor sob tais
condições são intrinsecamente adversas, como pode
confirmar qualquer pessoa que tenha tido um desacordo com um banco. Seja o que
for
que os credores possam ganhar no combate altamente politizado,
legalístico e difícil será perda do devedor. E a magnitude
da perspectiva da perda da Islândia ameaça afundar a sua economia
na depressão durante gerações, transformando-a numa
oligarquia do Terceiro Mundo ou, pior, numa ditadura. O preço de pagar
as suas dívidas ameaça assim ser a perda da sua identidade
nacional e a perda do seu futuro.
O truque é enganar os devedores levando-os a pensar que "mercados
livres" significa pagarem as suas dívidas. Os credores podem ter
êxito em permitir que a alavancagem da dívida e "a
mágica do juro composto" esvazie economias apenas desviando a
atenção daquilo que Adam Smith e outros economistas
clássicos preveniram. Para eles, um mercado livre era um mercado livre
de dívida especialmente dívida externa. Em
A riqueza das nações
(especialmente o Livro V, capítulo 3), Smith advertiu contra a
possibilidade de credores tornarem-se bastante "livres" para
desactivar a capacidade dos governos de protegerem os cidadãos dos
credores especialmente os holandeses, que foram os principais
investidores nos monopólios britânicos criados para serem vendidos
a fim de pagar as guerras aparentemente eternas com a França. O problema
foi que os credores procuravam extrair a riqueza de nações para
si próprios, não para criar riqueza. A sua cobiça era
destrutiva para a sociedade como um todo, porque era mais fácil
simplesmente despojar activos do que criar capital real.
Este é o problema com credores, historicamente. Eles tendem a cuidar
só de como extrair tanto quanto possam, tão rapidamente
quanto possível. "Um credor do público, considerado
meramente como tal", escreveu Smith, "não tem interesse na boa
condição de qualquer porção particular de terra, ou
na boa administração de qualquer porção particular
do stock de capital. Como credor do público ele não tem
conhecimento de qualquer porção em particular. Ele não tem
de inspeccioná-lo. Ele pode não se importar com isso. A sua
ruína pode em alguns casos ser desconhecida para ele e não pode
afectá-lo directamente". O problema obviamente é pior com
credores ausentes.
Smith concluía: "Quando dívidas nacionais acumularam-se
anteriormente num certo grau, é raro, acredito, um único exemplo
de ter sido correctamente e completamente paga. A libertação do
rendimento público, se sempre foi provocada pela bancarrota, algumas
vezes por uma bancarrota confessa, mas sempre por uma bancarrota real, embora
frequentemente por um pagamento aparente".
O retrato de Adam Smith está gravado na nota de £20 libras da
Inglaterra e Andrew Jackson na de US$20. A ironia é que Smith denunciou
dívidas públicas e instou a que as guerras fossem financiadas
numa base de pagamento imediato de modo a que o povo sentisse o seu fardo
e permanecesse fora da dívida. Tal como Andrew Jackson, ele
encerrou o Second Bank of the United States, acusando os banqueiros de
arruinarem o país e procurarem destruir a democracia. Os banqueiros e as
finanças deixam portanto algo importante fora da conta quando vêm
com as visões dos seus próprios santos padrões de mercados
livres democráticos.
Como foi observado, durante muitos séculos os credores sofreram
bancarrotas quando países estrangeiros incumpriram. Isto é a
norma, não a excepção. Mas os media populares de hoje
apresentam todo novo incumprimento como "inesperado" e
"surpreendente", como se não fosse a falha dos banqueiros que
deixaram de entender a incapacidade do mercado para pagar. Os manuais
simplórios de teoria económica estão em harmonia com a
ignorância inata apregoada pelos proverbiais "idiotas
úteis" do sector financeiro que palram acerca do
"equilíbrio" e dos "estabilizadores
automáticos". Estes académicos que desaprenderam são
úteis aos banqueiros devido à paixão com que proclamam que
todas as dívidas podem e devem ser pagas através de
"ajustamentos" adequados (incluindo o que se revela ser colapso
económico e demográfico). A pergunta a ser formulada frontalmente
é: Se a falha é das vítimas e não dos banqueiros,
será então inadequado que os governos salvem os bancos?
A suposição tácita não é de que a
cobiça
exorbitante dos banqueiros é cumprida a expensas da economia como um
todo, mas sim de que a prosperidade do sector financeiro seria uma
pré-condição para a economia crescer. Os banqueiros tentam
encobrir o assunto acenando com pobres aposentados (como as viúvas e os
órfãos supostamente aqueles que vivem de "rendimentos
fixos" na forma de trust funds) cujas magras poupanças deveriam ser
apoiadas. Acontece que com isso salvam a oligarquia financeira de
bilionários no topo da pirâmide económica, mas não
as vítimas tradicionais.
A utilização de escudos humanos tais como membros de sindicatos
preocupados acerca dos investimentos dos seus fundos de pensão a fim de
proteger a riqueza dos cleptocratas é igualmente descarada. Os
sábios da Wall Street, por exemplo, choram lágrimas de crocodilo
sobre o destino do povo trabalhador que sofre com o colapso do mercado de
acções, sabendo muito bem que os activos financeiros estão
pesadamente concentrados no topo da pirâmide económica, tendo os
trabalhadores apenas uma magra fatia daquelas acções e
títulos. É ignorado o facto de que o governo podia salvar
directamente falhas de fundos de pensão (como a Segurança Social)
a apenas uma pequena fracção do custo de impulsionar os
activos dos ricos.
Analogamente, o volume de dinheiro do salvamento governamental para o sector
financeiro ostensivamente para cuidar da crise das hipotecas subprime
cerca de US$13 milhões de milhões em 2008-09 choca-se com
o facto de que o valor total da dívida hipotecária de todas as
famílias em todos os Estados Unidos era apenas de US$11 milhões
de milhões no fim do ano de 2008! Os fundos do salvamento acabaram por
serem utilizados principalmente para comprar outros bancos a fim de criar
conglomerados financeiros ainda maiores, "demasiado grandes para
falirem", para pagar executivos cuja cobiça por ganhos e
prémios a curto prazo provocou o colapso financeiro e para pagar
dividendos a accionistas a fim de suportar o preço das suas
acções e portanto o valor das opções de
acções que os administradores financeiros concedem-se a si
próprios. O paralelo mais próximo deste escândalo é
prática das "acções aguadas" dos barões
ferroviários da Wall Street e outros manipuladores financeiros na Era
Dourada do fim do século XIX.
Houve um tempo em que os bancos hesitavam em fazer empréstimos
irresponsáveis, isto é, para além da capacidade de os
devedores e de todas as economias nacionais gerarem um excedente
a fim de pagar os seus credores. A minha tarefa como economista de
balança-de-pagamentos para o Chase Manhattan Bank no fim da
década de 1960 era calcular quanto de rendimento de
exportações e de outras divisas estrangeiras os principais
países latino-americanos podiam gerar. Os seus excedentes de
balança de pagamentos representavam quanto eles podiam permitir-se
emprestar. O objectivo dos bancos de Nova York era emprestar dinheiro a
países do Terceiro Mundo para absorver todo o seu excedente
económico. Do ponto de vista dos banqueiros, este era o destino do
excedente nacional não para sustentar padrões de vida ou
investir em tornarem-se economicamente auto-suficientes, mas simplesmente para
pagar credores. E "riqueza" era definida como o valor capitalizado de
todo o excedente económico que podia ser gerado descontado
à taxa de juros corrente, como se tudo pudesse ser pago como
serviço da dívida, de modo a que todo o excedente fosse pago para
servir a dívida.
Isto certamente não é um modelo de progresso humano. Mas era a
versão daquela década de "criação de
riqueza" e é o conceito de "criação de
riqueza" em termos de valor de mercado dos preços de activos
financiados pela dívida que Alan Greenspan impingiu aos Estados Unidos
na década de 1990 ao convencê-lo de que uma bolha de activos era
o caminho para a riqueza pós industrial, não a estrada para a
servidão da dívida.
De modo que Adam Smith estava certo. Hoje, credores e possuidores de
títulos cuidam de economias estrangeiras só na medida em que
podem cobrar juros que absorverão todo o seu excedente económico.
Até recentemente, os credores pensavam que emprestar mais do que pudesse
ser reembolsado seria "irresponsável". Agora já
não é assim.
Sistema de equilíbrios políticos na economia
O melhor caminho para os países é colocar o seu próprio
crescimento económico antes dos interesses dos credores. Durante muitas
gerações esta ética apoiou um conjunto de
equilíbrios políticos que mantiveram o crescimento da
dívida internacional em termos considerados toleráveis
demasiado pesado pelos padrões de mercado livre de Smith e John Stuart
Mill, mas não tão altos a ponto de generalizar incumprimentos e
repúdios de dívida.
Esta ética mudou nos últimos anos. Os países aceitaram a
propaganda dos credores de que dívidas são uma
"questão de honra", tal como os pobres acreditam que pagar as
suas dívidas mesmo quando estão em situação
líquida negativa é a "coisa mais honesta a
fazer". Obviamente esta ética não é auto-aplicada nas
maiores instituições financeiras do mundo ou entre especuladores
imobiliários. Mas a Islândia aceitou-a, o que é uma
característica de comunidades pequenas, muito coesas, onde a palavra dos
vizinhos é um vínculo. A raiz da ética da Islândia
é a ajuda mútua e a prosperidade para todos. É uma atitude
refinada, altamente socializada, e contudo trágica pois ajudou o
país a cair de bruços diante da banha da cobra da
escravidão pela dívida.
Quando líderes políticos deixam de reconhecer que os sistemas de
controle são uma função própria de governo
sacrificam o desejo do seu país de crescimento económico e de
elevação de padrões de dívida numa vã
tentativa de pagar credores. Tais tentativas terão de ser inúteis,
porque "a mágica do juro composto" é um mito cruel: Na
realidade toda taxa de juro implica uma duplicação no tempo e
nenhum crescimento "real" de uma economia alguma vez foi capaz de
crescer exponencialmente a uma taxa suficientemente rápida para pagar as
dívidas que se mantiveram a acumular juros.
No ambiente desregulamentado de hoje em que "o céu é o
limite", estas acumulações foram recicladas em ainda novos
empréstimos. Estes são então empacotados e revendidos,
onerando a economia com cada vez mais dívida que até agora tem
sido quase impossível rastrear. E para cumular o assunto, especuladores
financeiros aplicam milhões de milhões de dólares em
apostas sobre se as dívidas podem ou não ser pagas e quanto os
seus preços de mercado são prováveis de mudar. O que era
suposto ser um sistema financeiro destinado a financiar novo capital de
investimento para produzir mais e elevar padrões de vida redundou numa
economia de casino onde jogadores são apoiados pelos banqueiros
para jogarem o jogo da dívida, com os governos ao lado para tornar os
vencedores "inteiros" nos casos em que os devedores perderam
demasiado do seu dinheiro para pagar à vista.
Dívidas que não podem ser pagas, não o serão
Todo economista que examinou a matemática do juro composto salientou o
facto de no fim as dívidas não poderem ser pagas. Qualquer taxa de
juro pode ser encarada em termos do tempo que leva para duplicar uma
dívida. A 5 por cento, uma dívida duplica em 14,5 anos; a 7 por
cento, em 10 anos; a 10 por cento, em 7 anos. Já em 2000 AC, na
Babilónia, escribas contabilistas foram treinados para calcular como o
principal de empréstimos duplicava em cinco anos à taxa
então corrente de 20% ao ano (1/60 por mês durante 60 meses).
"Quanto tempo leva uma dívida para multiplicar 64 vezes?",
perguntava um exercício de estudante. A resposta é 30 anos
seis vezes duplicada.
Nenhuma economia foi alguma vez capaz de manter-se a duplicar numa base
constante. As dívidas crescem por princípios puramente
matemáticos, as economias "reais" diminuem gradualmente em
curvas S. Isto também era conhecido na Babilónia, cujos modelos
económicos calculavam o crescimento de rebanhos, os quais normalmente
diminuem gradualmente. Uma grande razão o arrefecimento do crescimento
económico nacional nas economias de hoje é que cada vez
mais rendimento tem de ser pago para suportar o fardo da dívida que
aumenta. Ao deixar menos receita disponível para investimento directo na
formação de capital e para alimentar a elevação dos
padrões de vida, os pagamentos de juros acabam por afundar as economias
na recessão. Durante o último século ou pouco mais,
habitualmente levava 18 anos para que o típico ciclo imobiliário
cumprisse o seu percurso.
Países que não pagaram as suas dívidas
Vamos rascunhar um ficheiro de países que anularam as suas
dívidas ou actuaram sem intenção de pagar. A lista
começa com o maior devedor do mundo, os Estados Unidos. O seu governo
deve US$4 milhões de milhões a bancos centrais estrangeiros.
Pensar nisso por um momento mostra que não há qualquer meio de
se poder pagar, mesmo se isto fosse desejado. Os Estados Unidos estão
incidindo num défice comercial crónico, no topo do qual
está um aprofundamento de gastos militares. Ao tratar desta
crónica subsistência acima dos meios financeiros do país,
os diplomatas americanos são quase os únicos no mundo que
conduzem a diplomacia internacional do modo que os manuais assumem que todos os
países deveriam fazer. Eles actuam puramente e implacavelmente nos seu
próprio interesse nacional. Este interesse reside na
obtenção do proverbial almoço gratuito, dando IOUs pelos
recursos reais e activos de outros países, sem nenhuma
intenção ou capacidade para pagar.
Responsáveis dos EUA já sugeriram que esta dívida
será anulada
(wiped out).
O seu plano seria convertê-la em "papel ouro". Os bancos
centrais estrangeiros simplesmente carimbariam nos seus títulos do
Tesouro dos EUA "bom apenas par pagamento entre bancos centrais e o Fundo
Monetário Internacional". A nenhum outro país seria
permitido anular as suas dívidas por este meio. Só o devedor no
centro seria capaz de continuar a emitir dinheiro-dívida sem
constrangimento externo.
Temos de admitir que diplomatas dos EUA libertaram países da
dívida quando tiveram uma razão política para
fazê-lo. O mais famoso exemplo moderno de um cancelamento de
dívida numa economia grande é o da Alemanha em 1947. Os Aliados
cancelaram a dívida pessoal e de negócios alemã, com base
em que a maior parte era devida a antigos nazis. As únicas
dívidas deixadas na contabilidade foram as dívidas salariais que
os
empregadores tinham para com a sua força de trabalho e os fundos de
maneio
para companhias e famílias.
Em 1931, uma geração antes, os Aliados haviam anulado a
dívida
das reparações de guerra da Alemanha originada pela I Guerra
Mundial e negociaram uma moratória das suas dívidas de armas para
com os Estados Unidos. Os principais governos do mundo perceberam que manter
estas dívidas na contabilidade levaria ao colapso da economia global.
Mas no momento em que chegaram a esta conclusão já era demasiado
tarde. A combinação das dívidas de armas Inter-Aliadas
para com os Estados Unidos e as dívidas de reparações
impostas pelos Aliados em grande parte para pagar a América foi um dos
principais factores que levou o mundo à depressão.
A economia dos EUA estava a entrar em colapso sob o peso da sua dívida
interna a acumular-se em pirâmide. Outros países haviam usado
menos alavancagem de dívida, mas tudo terminou com o cancelamento de
vastos segmentos de dívidas imobiliárias e de negócios
durante os Anos da Depressão. No momento em que terminou a Segunda
Guerra Mundial, em 1945, a maior parte dos países estava livre de
dívida. Os preços reflectiam os custos de produção
directos, com desvio mínimo de receitas para o pagamento de bancos,
proprietários absenteístas e outros rentistas.
No período do pós-guerra o Banco Mundial emprestou dólares
a governos para a construção de infraestruturas só
para dar meia volta uma geração mais tarde e ajudar a saquear o
que havia financiado. Depois de o México e outros governos
latino-americanos anunciarem que estavam insolventes, em 1982, diplomatas dos
EUA organizaram uma redução da dívida na forma dos
"títulos Brady". Em 1990, a Argentina e o Brasil tiveram de
pagar 45% sobre a nova dívida externa dolarizada e o México pagou
23%.
Tendo encravado países do Terceiro Mundo com dívidas para
além da sua capacidade de pagar, o FMI e o Banco Mundial utilizaram a
sua influência de credores para forçar governos a imporem planos
de austeridade draconianos que tiveram o efeito de impedir o crescimento rumo
à auto-suficiência industrial e agrícola, com isso
esmagando também perspectivas de competitividade. O FMI e o Banco
Mundial pediram então que os países vendedores vendessem a sua
infraestrutura pública, terra, direitos do subsolo e outros activos para
pagar as dívidas que estas instituições patrocinaram
tão irresponsavelmente. (Se os empréstimos do FMI não
fossem simplesmente irresponsáveis, então eles conscientemente
debilitavam as economias dos países devedores.) Isto é uma velha
história de conquista, agora cumprida sem a guerra convencional.
Dois mil anos atrás Roma despojou de dinheiro a Ásia Menor e
outras províncias e colónias usando força militar. A sua
oligarquia financeira traduziu então o seu poder económico em
poder político, destruindo a democracia e provocando os séculos
sombrios da Baixa Idade Média. A lição histórica
é que economias capturadas pelos credores são afundadas na
depressão pois a concessão de empréstimos
predatórias remove o excedente, não deixando ficar nada para
subsistência, quem dirá para a renovação de capital.
Isto impedi os países de pagarem as suas dívidas, levando a
arrestos generalizados, uma polarização extrema da propriedade e
da riqueza e ao empobrecimento do seu povo. A falta de prosperidade que
daí decorre acaba por debilitar a capacidade de sustentar custos
militares e tais países tendem a ser conquistados, como os godos
invadiram Roma. Eles sempre estiveram às portas, do lado de fora
mas foi o esvaziamento da economia interna de Roma que a tornou presa para
conquista.
Mais recentemente, a tomada de controle dirigista patrocinada pelo credor das
instituições económicas e sociais nacionais que tornaram a
Rússia, os Estados bálticos e outras economias pós
soviéticas em cleptocracias neoliberais, conduzindo o trabalho
qualificado para o exterior em conjunto com a fuga de capital. A Letónia
está empurrada outra vez rumo à vida de subsistência com
base na terra. A má gestão do credor é o problema mais
importante que qualquer país hoje deveria esforçar-se por impedir
Credores jogam a carta do terrorismo
O 11/Setembro assinalou o princípio de uma nova captura de poder nos
Estados Unidos e na Grã-Bretanha. Responsáveis do Reino Unidos
utilizaram legislação anti-terrorista para tomar activos
islandeses no exterior. O que faz isto tão irónico é que
ao longo da história têm sido os credores que utilizaram
violência contra os devedores, não ao contrário.
Conheço apenas uma excepção e não envolveu banhos
de sangue: Jesus removeu as mesas dos cambistas no templo de Jerusalém.
É o único registo de um acto violento na sua vida.
Psicólogos procuram explicar a inclinação do credor para a
violência pela tendência dos rentistas a lutarem por rendimento
não ganho herança ou outra "riqueza gratuita"
que obtiveram sem esforço próprio. As pessoas que trabalham para
viver e são capazes de sustentarem-se por si próprias acreditam
que podem sobreviver e por isso há menos da espécie de
pânico que credores e outros que desfrutam almoços gratuitos
sentem ao pensarem que a sua receita extractiva poderia acabar. Eles combatem
apaixonadamente contra a perspectiva de terem de viver do que produzem ou do
que ganham pelos seus próprios méritos. Assim, a última
coisa que os rentistas realmente querem é um mercado livre. Numa ironia
desavergonhada, eles tendem a acusar populações de serem
terroristas se as mesmas procurarem defender-se contra credores
predatórios
e tomadores de terra!
Ao descrever a violência do credor, Plutarco mostra como o rei Agis IV de
Esparta e o seu sucessor Cleomenes III procuraram cancelar dívidas no
século III AC. Os credores da cidade-estado assassinaram Agis, levaram
Cleomenes ao suicídio no exílio e mataram o líder seguinte
de Esparta, Nabis e então apelaram a Roma para combater contra
democracias pró-devedor por toda a Grécia. Tito Lívio e
outros historiadores romanos descrevem como um século depois, em 133 AC,
o Senado Romano respondeu a uma tentativa de reforma da dívida e da
terra dos irmãos Graco precipitando aqueles senadores
democráticos num despenhadeiro para morrerem, inaugurando assim um
século de sangrenta guerra civil.
No século XIX os Estados Unidos enviaram canhoneiras a fim de cobrar
dívidas de países latino-americanos, instalando colectores nas
alfândegas locais. A Inglaterra aplicou uma força imperial
semelhante para arruinar a Índia, o Egipto e a Turquia, despojando os
seus activos através de dívidas e afundando as suas
populações na pobreza que persiste até os dias de hoje.
Mais recentemente, a mão dos EUA na violência que derrubou o
presidente eleito do Chile, Salvador Allende, continuou esta política.
Tendo procurado isolar a União Soviética, Cuba e outros
países que
rejeitaram as regras orientadas pelo credor e os interesses da propriedade
rentista, os Estados Unidos culminaram a sua vitória na Guerra Fria
sobre a União Soviética promovendo um regime de taxa fiscal
uniforme que impôs o fardo fiscal inteiramente sobre o trabalho e a
indústria, não sobre as finanças e o imobiliário.
Ao invés de serem democratizados, os países pós comunistas
foram dirigidos directamente para cleptocracias oligárquicas que
efectuaram rapidamente a elevação das dívidas para com o
Ocidente.
Isto é exactamente o oposto dos mercados livres que lhes haviam sido
prometidos em 1990-91. Ao invés de crescimento económico, a
economia "real" da produção e do consumo contraiu-se,
mesmo quando influxos financeiros estrangeiros incharam os preços da
propriedade habitacional e de escritórios, do combustível e dos
serviços públicos. O imobiliário e os serviços
públicos até então fornecidos gratuitamente ou a
preços subsidiados foram transformados num veículo
predatório para os estrangeiros extraírem rendimento, colocando a
população interna a rações, tal como o que ocorre
sob ocupação militar. Mas os media públicos, centros
académicos e parlamentos persuadiram as populações de que
isto faz parte de uma ordem natural, o resultado de como um mercado livre
é suposto operar, ao invés de um retrocesso a
instituições quase feudais. A ideia simplista é que fazer
dinheiro é próprio do "capitalista", sem considerar se
o capital industrial está a ser criado ou desmantelado e despojado.
Como os tempos difíceis afectam o povo
Relatórios de saúde pública de todo o mundo documentam
como a esperança de vida encurta quando a desigualdade económica
e a pobreza aumentam. A moral é que "dívida mata", ao
empobrecer e destruir populações. Aqueles que se tentam defender
são marcados como terroristas pelos seus predadores financeiros. A
doutrina da população de Malthus, afinal de contas, foi escrita
para racionalizar o almoço livre da classe de proprietários de
terra e as políticas do Banco Mundial para as populações
de países endividados do Terceiro Mundo foram da mesma forma o
complemento natural do despojamento de activos financeiros que ele endossou.
Menos pessoas para alimentar, vestir e abrigar numa situação em
que os investidores procuram principalmente as empresas públicas para
cuja construção os governos já haviam incorrido em
dívida externa, mais terra e recursos da natureza ao invés do
trabalho humano.
Em parte alguma a violência dos credores é mais declarada do que
na sua destruição da educação, especialmente dos
estudos económicos e do conhecimento da história. O primeiro acto
dos Chicago Boys (monetaristas da Universidade de Chicago, encabeçados
pelo prémio Nobel Milton Friedman) no Chile de Pinochet após o
golpe militar de 1974 foi encerrar todos os departamentos de teoria
económica e ciências sociais do país, excepto para a
fortaleza monetarista na Universidade Católica que dominavam. A ideia
era despojar a academia de qualquer ponto de vista alternativo. As coisas
não são muito diferentes em outros países. Numa
conferência económica pós keynesiana em Berlim sobre
"financiarização" em Novembro último, ouvi
muitas queixas de que visões alternativas à ortodoxia da Escola
de Chicago não tinham audiência nos principais jornais
académicos europeus. E exactamente neste mês de Março na
reunião anual na cidade de Nova York da Eastern Economic Association,
ouvi queixas semelhantes de ideias económicas alternativas eram
excluídas dos principais jornais de referência nos quais os
aspirantes a académicos devem ganhar entrada a fim de serem promovidos a
empregos estáveis
(tenures)
na maior parte das universidades dos EUA. Uma Cortina de Ferro intelectual foi
baixada pela ortodoxia disfuncional do "mercado livre". Evidentemente
um mercado livre em ideias é anátema para os livre mercadores das
finanças. Com controle intelectual tão forte, naturalmente, a
violência aberta é desnecessária.
Tal intolerância intelectual está no DNS da mentalidade credora
porque ela não pode aguentar a consciência e o entendimento dos
seus efeitos destrutivos. O "milagre do juro composto" não
é alcançável na prática para além do curto
prazo. Pretender que ele pode constituir a base para um modelo
sustentável de criação de riqueza violenta a racionalidade
e a lógica económica. Eis porque a teoria económica que os
credores preferem e subsidiam é aprender a
ignorância propagandeada pelos idiotas úteis. O seu papel é
desviar a atenção da mais importante dinâmica
económica da sociedade, a da polarização da
finança e da propriedade através da dívida, evidentemente
na premissa de que o que não é visto ou analisado não
será regulamentado ou tributado. Aqui se pode recordar do gracejo de
Baudelaire: "O diabo vence no ponto em que convence o povo de que
não existe". Um "mercado livre" para rentistas é
portanto um "livre" de ideias alternativas.
Esta é a função política da teoria económica
mainstream
de hoje. E para coroar o assunto, a visão mundial orientada para o
credor exerce violência semelhante aos ensinamentos das principais
religiões do mundo.
Endosso cristão ao cancelamento de dívidas e recomeços
Desde pelo menos uma época tão remota como 2400 AC era normal
para dirigentes sumérios e da Babilónia anular as dívidas
pessoais e agrárias da população ao assumir o trono no seu
primeiro ano completo de governação. Além disso, para
anular estas dívidas, os mesopotamios libertavam escravos e restauravam
o direito à terra a antigos proprietários que tivessem perdido os
seus direitos sobre a colheita por arresto de credores. Eram os
Recomeços
(Clean Slates).
A palavra babilónica para estes recomeços era
andurarum
e a lei judaica adoptou-a com a palavra cognata hebráica
deror.
Mas no primeiro milénio AC, os reis acabaram por representar
oligarquias locais, assim a Lei Mosaica tirou os Recomeços das
mãos dos governantes e colocou-os no centro da religião judaica
no Ano Jubileu do Levítico 25. Tal como a lei babilónica,
cancelava dívidas pessoais, libertava escravos e restaurava a posse da
terra aos seus possuidores "originais".
O cancelamento de dívidas está no cerne das leis do Exodus,
Levítico e Deuterônimo que apelam a que dívidas sejam
canceladas periodicamente, bem como à libertação de
escravos
(bondservants)
endividados. Ezra e Nehemiah descrevem como retornaram da Babilónia
para restaurar a ordem pelo cancelamento de dívidas e redescobrir
o Livro do Deuterônimo. Mas oligarquias credoras estavam em
ascensão por toda a região do Mediterrâneo nos
séculos que se seguiram. No tempo de Jesus a corrente principal da
liderança judaica havia montado um ataque ao Ano Jubileu, endossando o
prosbul
do rabi Hillel, uma cláusula legal pela qual credores forçavam
devedores a transferirem seus direitos à anulação de
dívida no Jubileu. No seu primeiro sermão, Jesus procurou manter
o ano Jubileu ao desenrolar o pergaminho de Isaías e anunciar que ele
viera proclamar o Ano de Nosso Senhor.
A oligarquia judaica recorreu a Roma para crucificar Jesus. Como ele e os seus
seguidores ganhavam aderentes ao advogar o esquecimento de dívidas, Roma
utilizou violência contra eles. Mas a cristandade crescia através
da criação de comunidades de ajuda mútua. Uma vez
alcançado o poder político, o mais importante feito
económico da nova religião foi ilegalizar a servidão pela
dívida por toda a civilização ocidental. Contudo, a ideia
de um Recomeço tinha de ser adiada até o Dia do Julgamento no fim
da história.
Quando os credores conduziam a economia pós-romana para a Baixa Idade
Média, os cristão baniram totalmente a cobrança de juros,
mesmo sobre empréstimos comerciais em prata. As línguas antigas
não tinham palavras para distinguir "juros" de
"usura". Esta distinção foi estabelecida só no
século XIII, quando teólogos da Igreja aplicaram o termo
"juro" a empréstimos comerciais nos quais "apoiantes
silenciosos" avançavam dinheiro a empreendedores. Era permitido aos
banqueiros cobrarem um prémio de ágio em moeda estrangeira (que
tipicamente incluía um encargo de juro na prática), desde que o
encargo pudesse ser justificado pelo seu próprio trabalho e gastos
relacionados para permitir transferências de dinheiro e
empréstimos. Contudo, hipotecas pessoais e empréstimos pessoais
eram considerados usurários. Os homens da Igreja do século XIII
tratavam a usura como roubo e portanto como violando o Oitavo Mandamento:
"Tu não roubarás".
Desde a antiguidade até tempos medievais europeus, a maior parte do
roubo assumia a forma de usura, levando devedores a perderem o colateral que
haviam comprometido em troca de fundos de emergência. Tomás Aquino
e Martin Luther em 1516 advertiam que esta prática destruía
cidades tal como um verme destrói uma maçã a partir do seu
interior. João Calvino em 1565, o último ano da sua vida,
igualmente definiu a usura e a fraude como roubo no mesmo plano de assaltantes
de estradas e ladrões. Esta ética produziu uma linha de
desenvolvimento que se prolongou a até apenas uma geração
atrás à medida que o direito ocidental se tornava mais humano
para com devedores. Devedores incapazes de pagar já não podem ser
transformados em servos dos seus credores e as prisões de devedores
foram encerradas. As leis da bancarrota permitem a indivíduos (e
corporações) anularem dívidas quando não podem
pagá-las.
Mas esta tendência histórica com oito séculos de
extensão está agora a ser confrontada com um ameaçador
anti-Iluminismo para revertê-la. Nos Estados Unidos, companhias de
cartões de crédito têm dado enormes somas como
contribuições de campanha a políticos desejosos de
reescrever as leis da bancarrota para tornarem permanentes as dívidas
hipotecárias de casas e para além do poder de juízes
reduzi-las. Indivíduos ricos com mais de uma casa podem ter reduzidas as
suas próprias dívidas hipotecárias sobre estas
propriedades, mas proprietários com apenas uma única
residência são confrontados com uma escravidão pela
dívida por toda a vida. Isto é exactamente o inverso da antiga
lei que protegia a terra de subsistência de cidadãos, mas
não as suas casas de cidade e outras propriedades adicionais.
Crédito sem oligarquia
A maior parte das sociedades ao longo da história tem procurado
providenciar crédito legalmente por meios que não permitam a
emergência de oligarquias credoras. Os advogados dos credores hoje
estão em guerra com o espírito desta ideia. E ao tomarem esta
posição eles rejeitam o propósito das leis anti-usura do
Iluminismo, da distinção da economia política
clássica entre investimento produtivo e estéril, a tentativa de
St. Simoneana de reforma financeira e a tentativa da Era Progressiva de
mobilizar crédito nacional para financiar investimento industrial
produtivo ao invés de ser extractivo, beneficiando apenas poucos. A
ideia clássica da própria liberdade económica era
formulada como a antítese das finanças da época feudal. E
o ideal de libertação das finanças predatórias
é o que está hoje a ser ameaçado, como se a sociedade
houvesse esquecido quão longa e dura foi a luta da reforma.
O combate para acabar com a servidão pela dívida e as
prisões de devedores levou muitos séculos até
alcançar o seu objectivo humanitário. O Messias de Handel
é um elemento no Natal e da estação da Páscoa a
celebrar a vida e os ensinamentos de Jesus Cristo. O que foi esquecido é
o contexto no qual Handel arranjou a primeira execução deste
oratório em Dublim, em 13 de Abril de 1742. Foi um conserto de caridade
em benefício "dos Prisioneiros em várias Prisões e
para Apoio ao Hospital Mercer na Stephen Street, e da Enfermaria de Caridade no
Inn's Quay". Foi conseguido suficiente dinheiro para libertar cento e
quarenta e dois prisioneiros. O texto do oratório consequentemente
continha referências a "romper grilhões em
pedaços" e "lançar fora cangas", recordando a
crença dos cristãos primitivos de que o reino do Messias traria
liberdade (hebraico
deror
ou cancelamento de dívida) e livraria (grego
aphesis
) da escravidão pela dívida. O "redentor" era
literalmente o redentor da dívida.
Isto recorda o significado original, literal, da Oração do
Senhor. Refere-se não só a esquecimento de pecados e pecadores em
abstracto, mas especificamente a "esquecerem-nos as nossas
dívidas" uma tradução distorcida em muitas
leituras modernas. "Pecado" era a palavra para
"dívida" em todas as línguas indo-europeias:
Schuld
(a raiz do alemão
sollen
e do inglês
should
) e
devoir,
a raiz do inglês
debt.
Significava obrigação remetendo à prática
antiga da obrigação de uma ofensor fazer bom pagamento para
expiar pela sua ofensa, como na tradição
wergild
europeia. As dívidas originais não eram pagas
aos
ricos mas sim
por
eles, por homicídio culposo ou injúria física das suas
vítimas (as quais tipicamente tinham de satisfazer-se com o pagamento ao
invés de se vingarem). Os ofensores de hoje que rompem a harmonia social
são credores ricos, mas a sociedade está a pagar-lhes dinheiro,
não a multá-los. Visto da perspectiva antiga, é como seu
uma sociedade endividada devesse retribuição ao rico. Não
é de admirar que o espírito da religião moderna tenha
invertido tão completamente aquele das suas origens!
Parece portanto notável que na nossa própria época
sob a tensão em que está pelos custo sem precedentes da
dívida criada de forma questionável e que reduz não apenas
indivíduos como países inteiros à servidão da
dívida nenhuma grande oposição tenha surgido no
terreno religioso. As igrejas têm evitado a questão que era a
pedra angular da maior parte das suas preocupações primitivas, e
passaram a outras preocupações ao invés de permanecerem na
superioridade moral de aliviar o fardo da dívida.
De volta ao básico e apelo a estatísticas transparentes
A teoria económica clássica de Adam Smith e John Stuart Mill, as
reformas da Era Progressiva e da Social Democracia estão enraizadas na
filosofia moral do Iluminismo dos séculos XVII e XVIII. A teoria do
valor trabalho pode ser rastreada desde os escolásticos do século
XIII via John Locke a Adam Smith e os Deístas Escoceses, via o
isolamento da renda económica por David Ricardo (o que Mill chamou o
"incremento não ganho" que os senhores da terra e outros
recebem "durante o seu sono" ao invés de através do seu
próprio trabalho) como um elemento de preço em excesso do
valor-custo. A distinição entre valor intrínseco e
preço de mercado levou a teorias socialistas e progressistas de uma
sociedade justa livre do privilégio económico, livre de
preços em excesso dos custos de produção socialmente
necessário e do rendimento rentista e da riqueza sem esforço.
A ligação comum entre estas ideias é de que o povo merece
receber os frutos do seu trabalho. Isto significa alinhar os preços com
os custos-trabalho reais da produção. Significa também que
a riqueza de um deveria ser limitada só ao que ele cria
não terra e recursos naturais, ou privilégios de monopólio
para extrair rendimento via controle de estradas, o direito de criar moeda e
outros monopólios naturais. O objectivo da reforma social durante
muitos séculos foi expurgar o capitalismo do seu legado de
padrões de propriedade rentistas de absenteístas e de leis
orientadas para o credor herdadas de tempos medievais. O caminho para isto
é tratar a banca como os transportes e o espectro de
radiodifusão, como um serviço público para formar uma base
fiscal justa, não algo a ser privatizado de modo que rentistas
individuais possam tributar a sociedade sem restrições pelo que
certamente é um serviço público.
Além de criarem um travesti de direito internacional, os interesses
rentistas transformaram estatísticas aparentemente empíricas num
fictício conjunto de contas que subdeclaram retornos reais para os
sectores das finanças, dos seguros e do imobiliário (FIRE) e a
magnitude e informação sobre terra e outras riquezas.
Notícias recentes nos EUA mostraram um combate da parte da Wall Stree
para contar ganhos no comércio a curto prazo em acções,
títulos e derivativos financeiros como ganhos de "capital"
tributados a apenas uma fracção dos salários e dos lucros.
Os administradores financeiros responsáveis pelas estatísticas
nacionais igualmente descrevem a maior categoria de activos da economia, o
imobiliário, em termos económicos em grande medida
fictícios. As estatísticas da U.S. Federal Reserve sobre valores
de activos enquanto isso descrevem a ascensão nos preços do
imobiliário não como valorização da terra a
qual os mapas de preço da terra das principais cidades mostram ser a
causa da elevação de preços, alimentada por uma
pirâmide de crédito a expandir-se exponencialmente em
relação a uma área de terra razoavelmente fixada
mas sim como "custo de substituição" de
edifícios. A inflação dos preços
imobiliários é assinalada para "capital", não
terra. Isto permite aos proprietários imobiliários evitarem pagar
imposto sobre o rendimento pela depreciação da sua propriedade
como se estivesse a desgastar-se, não a subir de valor. Os compradores
podem começar cancelando o preço de um edifício já
cancelado logo que o compram, tratando o seu "desgaste" como um
crédito fiscal ainda que edifícios mais velhos impliquem
um prémio sobre as práticas de hoje de corte do custo da
construção. Este cancelamento, naturalmente, não é
concedido a proprietários de casas, só a proprietários
ausentes.
Na esfera da riqueza financeira, os bancos têm combatido
regulamentações sobre a verdade nos empréstimos durante
anos a fim de esconder a taxa de juro real que os seus clientes estão
tendo de pagar quando todas as comissões e outros encargos são
acrescentados. Eles estão a combate com unhas e dentes contra
práticas de contabilidade "marcação a mercado"
("mark to market")
que os obrigariam a deixar os depositantes e investidores saberem quanto os
seus activos realmente estão a valer e portanto quanto eles
perderam com o jogo irresponsável. Considerando que os manuais de teoria
económica afirmam que uma pré-condição da
eficiência de mercado é o pleno conhecimento do mercado (de resto,
como pode um mercado ser considerado que proporcione uma escolha informada?), o
sector financeiro sempre combateu com unhas e dentes contra por em
prática esta condição.
Hoje o sector financeiro afirma que a crise dos EUA foi provocada ou não
por maus investimentos de conglomerados bancários e fundos de
pensão ou altas classificações de crédito dadas de
forma ilusória a títulos que tardiamente admitiram ser lixo, mas
por bancos tendo de admitir que as collateralized debt obligations (CDOs) e os
credit-default swaps que eles estiveram a vender a investimentos globais eram
de facto sem valor desde o princípio. Em 12 de Março de 2009 o
subcomité do Congresso dos EUA responsável por
informação financeira apoiou os lobbyistas da banca livrando-os
de terem de revelar a sua condição real e a (falta de) valor dos
títulos que estiveram a espalhar. Como resumiu a questão um
repórter do
New York Times:
"Da próxima vez que ouvir um banqueiro denunciar as regras
marcação a mercado, pergunte se ele dirige o seu negócio
desse modo. Será que lhe oferece um empréstimo hipotecário
com base no que você pensa que a sua casa valeria, o qual você pode
reembolsar só se fizer um bocado mais de dinheiro do que alguém
lhe pagaria? ... talvez isto não seja uma boa ideia. Os bancos já
tentaram isso, com empréstimos de mentirosos. Aqueles empréstimos
também não deram certo".
[1]
Isto ajuda a explicar porque todo novo comunicado de imprensa com más
notícias financeira vem cheio de adjectivos como "inesperado",
"surpreendente", "imprevisível", "uma vez por
século" e expressões afins. O sector financeiro procura
livrar-se da crítica ao invés de assumir a culpa por ter
mergulhado de cabeça no despenhadeiro da dívida. Ele pode ter
êxito nesta ficção económica em
proporção do grau em que o público possa ser bloqueado de
simplesmente entender o que está a acontecer e como o sector financeiro
ganha a expensas da economia como um todo. Moldar a percepção
popular torna-se o nome do jogo, e as estatísticas são descritas
como realidade "empírica" ao invés de serem o resultado
de intensa actividade de lobby para promover políticos dispostos a
retornar a um mapa económico distorcido.
O problema vai ao próprio fundamento da teoria económica.
Qualquer conjunto de estatísticas reflecte categorias na teoria
económica e nos últimos anos a Escola de Chicago assumiu a
liderança no que é agora uma tendência nacional para
excluir a história do pensamento económico do curriculum
académico. Alguém pode fazer o seu caminho até um Ph.D.
sem ter estudado a evolução da teoria económica
clássica desde os fisiocratas até Adam Smith, John Stuart Mill e
os reformadores da Era Progressiva. A essência da reforma social durante
o Iluminismo, e que na verdade remonta aos escolásticos, já
não é ensinada as distinções entre
rendimento ganho e não ganho e riqueza, e emprego produtivo e
improdutivo (ou "estéril") e investimento. O pensamento
pós-clássico insiste em que todo rendimento é produtivo na
proporção em que for ganho incluindo a colecta de renda
económica ou a extorsão do super-lucro de monopólio, ou
encargos financeiros por juros e comissões de cartões de
crédito, e os salários e bónus exorbitantes que
administradores financeiros pagam-se a si próprios. Toda receita
e portanto toda riqueza parece ser "ganha". Pela
definição deles. Isto nega o conceito de "investimento e
actividades de soma zero que meramente transferem rendimento para dentro dos
bolsos do sector improdutivo, em contraste com a criação de
rendimento.
Como guia para reforma política, a teoria económica
clássica objectiva criar um sistema económico e fiscal que
alinharia os preços de mercado com os custos de produção
tecnologicamente necessários. Todos estes custos em última
análise são redutíveis a trabalho. O complemento
necessário à teoria do valor trabalho (ajustada a diferentes
graus de trabalho, ao custo da sua educação e à
ligação entre níveis salariais e produtividade) era a
análise da renda económica um complemento institucional
reflectindo padrões de propriedade, encargos financeiros e impostos,
custos de produção não inerentes. O programa
clássico de reforma era minimizar o custo de produção e de
vida, tornando as economias mais competitivas pela purificação do
capitalismo industrial e remoção dos seus legados feudais
remanescentes, acima de tudo o direito de proprietários
hereditários ausentes (senhores da terra) sugarem um encargo de renda
para acesso à terra de sítios fornecidos pela natureza e de valor
dado pelos gastos públicos locais (exemplo: "locação,
locação e locação", como os agentes
imobiliários explicam a questão para compradores em perspectiva)
e o direito de os banqueiros cobrarem para criar crédito que os
governos poderiam criar livremente por si próprios.
No combate contra reformas progressistas, os bancos e as outras
instituições financeiras têm procurado preservar os seus
privilégios especiais dados pela lei, minimizando impostos sobre si
próprios pela comutação do fardo sobre o trabalho e a
indústria. O que eles conseguiram ao financiarizarem economias foi (1)
elevar o custo de vida e o custo de fazer negócio; (2) libertar seus
principais clientes mutuários hipotecários de
tributação de modo a deixar tanto excedente quanto
possível disponível para ser pago como juro; (3) colectar
receitas até então usadas para financiar o sector público
capitalizando-a dentro de encargos de juros e inchar o preço da
habitação e outros imóveis e monopólios privados;
(4) comutar efectivamente impostos para o trabalho e a indústria, dessa
forma elevando preço e minando o poder competitivo de economias
financiarizadas. Isto é um travesti da política clássica
de "mercado livre". É uma política para predadores que
acima de tudo sobrecarrega economias com altos juros e comissões ao
mesmo tempo que torna o fardo fiscal mais opressivo enquanto eles colhem os
benefícios.
John Maynard Keynes acreditava que a tarefa apropriada dos governos era impedir
que o sobre-endividamento levasse à depressão económica.
Ele concluiu a sua
Teoria Geral
(1936) com um apelo para a "eutanásia do rentista". Esperando
tornar o crédito produtivo e não extractivo, os seus seguidores
advogaram tornar a actividade bancária um serviço público
de modo a dirigir a criação de dívida para o financiamento
do crescimento dos meios de produção, não do custo
económico indirecto ao inchar bolhas de propriedades. Mesmo que isto
hoje possa parecer radical, este era o objectivo dos economistas
clássicos do século XIX e subjaz as reformas financeiras que
moldaram o arranque económico do século XX. Só bastante
recentemente a imprensa financeira global redescobriu esta lógica na
esteira do colapso da bolha de hoje. Numa coluna recente no
Financial Times,
Martin Wolf destacava que em vista dos enormes salvamentos e que os bancos
estão a exigir do governo fazer a economia industrial e a força
de trabalho pagarem pelas suas perdas, "bancos não são
operações comerciais; eles são dispendiosas
repartições do Estado e devem ser tratados como tal". E
concluía: "O governo do Reino Unido tem de tomar uma
decisão. Se acreditar que custosos salvamentos devem acumulados com
sempre mais custosos salvamentos, então o sistema bancário nunca
poderá ser tratado outra vez como uma actividade comercial: é um
serviço público regulado
(regulated utility)
fim de história. Se o governo quer que seja uma actividade
comercial, então são necessários incumprimentos, como
agora argumentam alguns. Faça a sua escolha. Mas não acredite que
possa escolher ambos. O Reino Unido não pode permitir-se".
[2]
Nem tão pouco a Islândia ou qualquer outro país.
Apoiado pelos credores globais, o FMI quer manter o seu poder
Mas o sector financeiro está a responder. O seu lobbyista global, o
Fundo Monetário Internacional, tem procurado consolidar o controle
financeiro das economias de modo irreversível. O Artigo VIII da sua
carta, formulado num período de reacção contra as
práticas de divisas bloqueadas e de proteccionismo tarifário dos
anos 1930, estabelece que uma vez que um país removeu controles sobre as
suas transacções em "conta corrente" já
não é mais legal re-impor quaisquer novos controles. A conta
corrente é definida para incluir não só o comércio
de importação e exportação de bens e
serviços como também juros sobre dívida externa e a
remessa de lucros sobre investimento possuído pelo estrangeiro. Na
década de 1930, os pagamentos de juros foram conceptualmente integrados
com créditos e débitos na conta de capital. Mas na década
de 1940 o FMI e outros países mudaram os formatos contabilísticos
da balança de pagamentos afastando-se desta lógica.
Destinado ostensivamente a libertar o comércio, o Artigo VIII do FMI na
realidade criou "livres movimentos de capital", isto é, a
capacidade de gangs financeiras atacarem livremente divisas tal como ocorreu na
crise asiática de 1997 e em especulações semelhantes.
Não era permitido aos governos proteger a sua divisa e as taxas de
câmbio limitando tais ataques ou erguendo barreiras ao crédito
predatório e à dívida destrutiva (ou às
exportações agrícolas subsidiadas dos EUA, a
propósito). O efeito legal do domínio do FMI foi impedir os
governos de regularem o seu sector financeiro, apesar do seu papel rentista,
como um serviço público. Para a Islândia, isto significa
que o governo não pode manter a dívida internacional do
país dentro da capacidade da economia para arcar com ela. O
critério mais básico de soberania nacional portanto é
declarado ilegal!
Na prática, quase todos os países simplesmente acrescentaram o
acúmulo de juros dentro do seu balanço da dívida nacional
em cada ano. Nominalmente, "toma emprestado o juro" mas o efeito
é mais como uma acumulação do que um verdadeiro novo
empréstimo. Ao longo do tempo estas dívidas públicas
crescem a uma taxa exponencial muito além da taxa de crescimento
da economia "real", um tema recorrente nas economias
pós-clássicas de hoje.
Lições para a política financeira islandesa
A primeira coisa que a Islândia precisa fazer é perceber que
está sob ataque financeiro a partir de fora assim como a partir de
dentro por estrangeiros apoiados por uma classe bancária interna.
Para ter êxito, estes credores estão a tentar convencer a
população de que toda dívida é produtiva e que a
economia beneficia-se na medida em que o seu valor líquido aumenta (o
preço de activos em excesso da dívida). O erro fatal é a
suposição de que os preços nunca descerão e que, se
assim o fizerem, as dívidas deveriam ser deixadas intactas mesmo quando
isto provoca situação líquida negativa. Para esta forma
errada de pensar, um afundamento do preço (recessão ou
depressão) é um acidente que acontece apenas uma vez por
século, não o resultado inevitável de dívidas que
crescem a juros compostos sem um aumento concomitante no rendimento para pagar
preços e juros mais altos.
Esta mitologia enganosa culmina numa jogo mental que está a ser
impingido aos eleitores islandeses. O jogo é promover o mito de que
não há alternativa excepto pagar as dívidas que uns poucos
iniciados anotaram na caixa registadora, dívidas que acumulam juros
quando não são pagas. Este mito pode ser dissipado pelo
reconhecimento de que o volume de pagamentos de dívida que está a
ser exigido está para além da capacidade de pagamento do
país. A estratégia financeira é adiar a consciência
deste facto tanto tempo quanto possível, de modo a prosseguir com o
arresto e a venda voluntária em pré-bancarrota de activos
nacionais para pagar credores. A única questão que os credores
não querem que seja pergunta é: "Exactamente como
propõe que nós lhe paguemos?". Os credores hesitam em falar
abertamente e responder: "Pela contracção da sua economia,
pela comutação da sua riqueza e propriedade para as mãos
de uma pequena oligarquia financeira e pondo o seu trabalho e a sua
indústria fora dos mercados mundiais devido aos pesados encargos
financeiros embutidos dentro do seu sistema de preços". Eles
preferem actuar como "surpreendidos" quando uma
force majeur
económica obriga economias a substituírem programas de
pensão com benefício definido por planos com
"contribuição definida" no qual todos os seus
trabalhadores sabem quanto eles pagam ao plano, não o que eles
receberão.
A Islândia como caso de teste e de modelo para a justiça
económica
A percepção da impossibilidade de pagar as dívidas e ao
mesmo tempo manter uma sociedade razoável com um campo de jogo
financeiramente nivelado no qual o povo viva do que produz (ao contrário
de uma sociedade escravizada pela dívida conduzida por credores)
ajudará a Islândia a encarar a realidade mais cedo ou mais tarde.
Alguma forma de Recomeço
(Clean State)
com moratória deveria ser inevitável. A extensão
não pode ser conhecida até que uma contabilidade de quem deve o
que a quem seja feita. Mas como nação soberana, a Islândia
pode aplicar quaisquer leis económicas que pretenda, desde que estas
não discriminem especificamente contra estrangeiros. (O que pode ser o
resultado de uma lei geral, na medida em que os estrangeiros estão
tão sujeitos às mesmas leis quanto os cidadãos internos.)
Os credores globais irão queixar-se vigorosamente, esperando convencer a
Islândia a deixar as finanças tornarem-se um sector extra-legal,
para além do âmbito de regulação do direito nacional
ou tributar. O objectivo é provocar dinâmicas financeiras
para além da capacidade dos sistemas legais de todo o mundo para conter
ou controlar, de modo a fazer a colecta de dívida autónoma da
regulação democrática. Para alcançar esta
vitória, os interesses financeiros procuram desmantelar o poder de os
governos limitarem a capacidade dos credores em mobilizar-se para
empréstimos predatórios e arrestos. Os lobbyistas acusam o poder
do governo de ser uma "estrada para a servidão", quando na
realidade só os governos podem proteger populações da
escravidão da dívida imposta pelos credores.
Outra táctica na crise da dívida de hoje: os credores
estão a tentar apressar os assuntos. Os Estados Unidos proporcionaram
uma lição na armadilha de não dar ao governo tempo
suficiente para ponderar as coisas de forma a detectar como as perdas iriam ser
sofridas. O secretário do Tesouro Paulson representou o interesse da sua
própria firma, Goldman Sachs, ao martelar uma dádiva
"salvamento" de US$800 mil milhões para os principais
banqueiros de investimento da Wall Street. A soma incluiu US$180 mil
milhões dispersos até então à AIG para pagar aos
especuladores em derivativos (incluindo US$12 mil milhões à sua
maior segurada, a própria firma de Paulson) e US$45 mil milhões
para o Citigroup pagar aos seus jogadores contrapartes no lado vencedor das
apostas estilo casino.
Noventa e cinco por cento dos eleitores americanos opuseram-se a esta
dádiva. O secretário do Tesouro fez as suas habituais vãs
promessas de que este pacote seria utilizado em grande medida para
alívio de dívidas e a renegociação de hipotecas.
Era tudo uma mentira que o sr. Paulson sabia claramente ser uma mentira,
porque a concisa minuta de lei com três páginas que ele enviou ao
Congresso pedia que nenhum governo ou agência de aplicação
da lei pudesse punir o embuste financeiro do seu programa. Os banqueiros
apanham o dinheiro e fogem. Eles utilizaram o dinheiro para pagarem a si
próprios enormes bónus e dividendos aos accionistas num
vão esforços para suportar o preço das
acções e comprar bancos mais pequenos de modo a criar
conglomerados financeiros ainda mais gigantescos "demasiado grandes para
falirem", isto é demasiado grandes para falirem sem deitarem abaixo
todo o sistema financeiro dos EUA.
Infelizmente, uma precipitação para o julgamento dará
dinheiro a banqueiros irrecuperavelmente. Eles então farão como
fez o presidente do Federal Reserve, Ben Bernanke, torcendo as mãos e
mostrando lágrimas de crocodilo. Tal conversa é custosa! Os
eleitores americanos estão agora mais irados do que nunca com o governo
por votar esta dádiva.
Na televisão nacional em 15 de Março o sr. Bernanke utilizou uma
falsa analogia já popularizada pelo presidente Obama. Ele perguntou o
que o povo deveria fazer se um fumador irresponsável deixasse a sua cama
arder de modo a incendiar a casa. Deveria o vizinho dizia: "é culpa
dele, deixe a casa queimar"? Isto ameaçaria toda a
vizinhança, disse o sr. Bernanke. A implicação, disse ele,
era que a recuperação económica exigia um sistema
bancário e financeiro forte.
Mas casas bancárias não estão no mesmo bairro onde vive a
maior parte do povo. Com efeito, os Estados Unidos estão a tomar casas
que não foram incendiadas, expulsando os seus proprietários e
ocupantes para entregá-las aos acusados de terem incendiado a sua
própria casa. Para o sr. Bernanke a "solução"
para o problema da dívida é fazer com que os bancos concedam
empréstimos outra vez. Eles devem emprestar bastante dinheiro de modo a
que os seus clientes possam tomar emprestado o dinheiro para pagar-lhes os
encargos de juros estipulados. O objectivo é retornar à
"normalidade", definida como novo crescimento exponencial no volume
de dívida mais das bolhas económicas que acabaram de
arrebentar em torno de nós!
A Islândia pode ser pioneira
Isto não é evidentemente algo que a Islândia possa
permitir-se. De facto, os Estados Unidos tão pouco podem permitir-se,
pois tanto imobiliário já afundou na situação
líquida negativa que os bancos não estão desejosos de
emprestar em caso algum. Felizmente, a situação da Islândia
é tão extrema que pode ser salva mesmo do pensamento de criar
ainda nova dívida. Ela pode enfrentar o problema financeiro e
começar a reduzir a sobrecarga de dívida, de modo a
alinhá-la com a capacidade da economia para pagar ou em muitos casos
simplesmente cancelá-la totalmente.
Primeiro, a Islândia precisar efectuar um recenseamento da grandeza das
dívidas internas e externas, e das instituições à
quais as mesmas são devidas. Segundo, precisa avaliar a capacidade da
economia para pagar estas dívidas. Este foi o princípio sobre o
qual os países credores do mundo fundaram o Bank for International
Settlements, em 1931, para avaliar a capacidade da Alemanha de pagar. Deve ser
feita referência tanto à magnitude da dívida em
relação às tendências de preços correntes
para o colateral que supostamente apoia esta dívida e para a capacidade
da economia de produzir um excedente em divisas internas e em divisas
estrangeiras sobre e acima das necessidades básicas, incluindo
renovação de capital para crescer a taxas históricas ao
longo do tempo.
Ao insistir numa análise financeira plenamente transparente de quem deve
quando a quem, a Islândia pode lançar a bola de volta ao campo dos
credores e pedir aos banqueiros que expliquem exactamente como propõem
que a Islândia deveria pagar e o que eles prevêem que venha
a ser o efeito de tal pagamento sobre a economia em termos amplos. Quanto pode
a Islândia permitir-se pagar nos próximos poucos anos sem perder o
seu lar democrático e os padrões de propriedade e sem abandonar
as suas políticas públicas social-democratas? Como pode a
Islândia pagar as suas dívidas sem entrar em bancarrota, abandonar
a sua social-democracia e polarizar a sua população até
agora homogénea entre uma minúscula oligarquia credora e o resto
da população? A ilha está em perigo de criar uma nova
classe dirigente que controlará o seu destino durante o próximo
século. Mais uma vez, Adam Smith advertiu que oligarquias financeiras
actuam com a preocupação apenas de quanto podem extrair,
não do que podem produzir. Eles não são bons planeadores
do futuro e não actuam responsavelmente porque para credores é
mais fácil despojar activos do que criar novo capital.
Ao tomar esta posição a Islândia estará simplesmente
a seguir a filosofia moral estabelecida por todas as principais
religiões e todo o corpo de legislação antiga e moderna
tem como princípio nuclear: a ideia de que o crédito deve ser
mantido dentro da capacidade de pagar. É bastante óbvio que os
prestamistas globais estenderam crédito muito além da capacidade
da Islândia para pagar. Durante mais de dois séculos os Estados
Unidos mantiveram uma excelente tradição sobre como tratar deste
problema. Já no período colonial o estado de Nova York aprovou a
lei Fraudulent Conveyance, a qual permaneceu sempre nos livros desde que Nova
York aderiu à nova nação. O problema enfrentado eram
credores e especuladores britânicos que vinham ao Norte do estado de Nova
York para trapacear agricultores locais retirando-os das suas terras ricas e
bem situadas. O estratagema era oferecer um empréstimo a um agricultor
necessitado e então pedi-lo pouco antes do tempo da colheita quando ao
devedor faltava o dinheiro para pagar. Alternativamente, o especulador podia
simplesmente emprestar mais do que o agricultor podia permitir-se pagar mesmo
sob condições normais. Assim, Nova York bloqueou esta
prática predatória aprovando uma lei dizendo que se um banco ou
outro credor fizessem um empréstimo sem saber exactamente como o devedor
iria reembolsá-lo, o empréstimo seria declarado nulo e sem
efeito. Ele seria eliminado dos livros contabilísticos.
Esta lei despertou considerável atenção na década
de 1980 quando Drexel Burnham e seus imitadores começaram a fornecer
títulos-livro a crédito para atacantes corporativos. As
companhias defenderam-se destacando que o único meio com que estes
títulos de altos juros podiam ser pagos era desmanchando a companhia
alvo e reduzindo a sua força de trabalho. Mas, acima de tudo, a lei tem
relevância internacional. A maior parte dos consórcios
bancários dos EUA tem um banco na Cidade de Nova York a negociar com
governos do Terceiro Mundo e outros prestamistas estrangeiros. Até
então, nenhum destes devedores procurou anular os seus
empréstimos na base de que o único meio com que poderiam pagar
seria vender as suas empresas públicas e activos governamentais. Mas a
legislação que o permite está ali e proporciona um modelo
excelente para a Islândia imitar. Prosseguindo esta política a
Islândia alcançaria a espécie de liberdade económica
definida pelos economistas clássicos um mercado livre de encargos
indirectos tecnologicamente desnecessários, direccionada para a
extracção do excedente por uma oligarquia de interesses.
Para os interesses financeiros, em contraste, a sua ideia de mercado livre
é aquele que os deixa livres para fazerem o planeamento económico
"livre" da regulação do governo e do constrangimento
democrático sobre as suas práticas extractivas, de crédito
predatório e de arresto. Em toda a parte onde eles ganharam
domínio contraíram as economias. Desde a década de 1960 os
seus procuradores no FMI e no Banco Mundial impuseram programas de austeridade
a países do Terceiro Mundo, concedendo empréstimos em divisas
externas cujo efeito tem sido tornar estes países mais dependentes e
conduzi-los ainda mais profundamente ao endividamento. Nas economias
pós-soviéticas a partir de 1991, os estrategistas financeiros
concentraram-se em intrometerem-se nas empresas públicas, vendendo-as ou
utilizando-as como colateral para empréstimos. O resultado da
"financiarização" destas economias foi proporcionar um
campo livre para interesses predatórios em aliança com
globalizadas oligarquias financeiras internas. Em suma, o modelo neoliberal
vitimiza devedores, impedindo-os de pagarem as suas dívidas. Ao
invés de financiar formação de novo capital ele despoja
economias dos seus activos e esvazia-as. Finalmente, isto arrasta a
próprias economias credoras, como se verificou na Roma antiga, na
Espanha medieval e nos Estados e Grã-Bretanha na Grande Depressão
(sem mencionar a que está a desdobrar-se hoje).
A Islândia está a enfrentar uma grossa armação
fraudulenta. Deveria ela sentir-se obrigar a pagar a países que
não têm sequer intenção de pagar as suas
próprias dívidas? Para obter pagamento, os credores devem
convencer a sua presa a aceitar a falsidade de que dívidas poderiam e na
verdade deveriam ser pagas. A mentira é que elas possam ser pagas sem
desmantelamento da social-democracia, a venda do domínio público
e a polarização da sociedade entre credores e devedores.
O ponto de referência deveria ser o quadro vasto a longo prazo da
Islândia o da sobrevivência da economia e das perspectivas
de crescimento para o futuro. Empréstimos em divisas externas deveriam
ser denominados em divisa interna na redução (e desindexados) das
taxas de juros, ou repudiados totalmente. O princípio guia deveria ser
anular dívidas assumidas em termos destrutivos e extractivos.
Quanto aos elementos importantes do negociar uma resolução para a
crise da dívida da Islândia, o país precisa reestruturar os
termos do debate removendo suposições fictícias que
não têm base na realidade. O primeiro obstáculo mental
é a suposição de que a Islândia precisa negociar de
um modo que ganhe a aprovação dos credores num compromisso.
Não é possível alcançar qualquer acordo
razoável por esse caminho. Qualquer negociação entre
credores e devedores é antagónica, e os credores passaram muitas
décadas a refinar truques de relações públicas
demagógicas para desviar a atenção para
abstracções acerca da "correcção". Um
estratagema típico é perguntar se é justo para alguns
devedores receberem maiores cancelamentos do que outros. Será justo para
a maior parte dos indivíduos altamente endividados ganharem o
máximo mais do que pessoas que foram mais responsáveis? O
objectivo aqui é inflamar o ressentimento popular de que alguns
devedores obterão um maior cancelamento do que outros (e alguns
devedores são na verdade tão culpados quanto os perpetradores que
lhes venderam a ideia de que preços de casas apenas sobem), de modo a
culpar o pobre e a maior parte dos altamente endividados ao invés dos
credores imprudentes.
A questão real é a saúde da economia geral. As partes que
procuram o máximo não são os indivíduos mais
endividados e sim os maiores credores. O seu objectivo é aumentar o seu
domínio sobre o resto da sociedade. Acima de tudo, o seu objectivo
é maximizar o poder da dívida sobre o trabalho. Quanto pior a
economia comportar-se, mais forte ficará a posição do
credor. Isto é uma receita para o suicídio económico que
conduzirá à escravidão pela dívida quando a
depressão interna intensificar-se. Credores por toda a parte no mundo
estão a reduzir os seus direitos por pagamentos a fim de reflectir o
afundamento nos valores da propriedade. A Islândia tem uma oportunidade
para tornar-se um caso modelo teste de justiça económica. Que
momento melhor para anunciar o princípio básico do que
está a ser salvo um fardo de dívida insuportável
que deve entrar em colapso no fim ou uma sobrevivência da sociedade?
Será que o governo defende os seus cidadãos dos predadores
financeiros, ou virará a economia sobre eles? Esta é a
questão.
05/Abril/2009
NOTAS
[1] Floyd Norris, "The Problem? Bankers Point to the Rules,"
The New York Times,
March 13, 2009.
[2] Martin Wolf, "Big risks for the insurer of last resort,"
Financial Times,
March 6, 2009.
[*]
Professor de Teoria Económica na Universidade de Missouri Kansas
City, autor de
Super Imperialism: The Origin and Fundamentals of U.S. World Dominance
,
mh@michael-hudson.com
.
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© Copyright Michael Hudson, Global Research, 2009
O original encontra-se em
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.
Tradução de JF.
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