Crise sistémica global
Declarada a guerra entre o mundo económico-político e
a esfera financeira-bancária
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Desde o fecho do conteúdo deste número do GEAB, antes de ontem
à noite, nossa equipe observou atentamente a coincidência
inabitual do afundamento de todos os indicadores: bolsas europeias, americanas
e asiáticas, matérias-primas... e mesmo, sobretudo, ouro.
Infelizmente não temos tempo para nos debruçarmos sobre este
fenómeno. Nós o interpretamos de qualquer forma como
consequência directa de tudo o que descrevemos no presente número.
Mas embora este número descreva as coisas ainda de modo muito calmo,
como estando ainda por vir, perguntamos se estas premissas não
são aquelas do afundamento que antecipávamos para o
período de Março a Junho de 2013. A austeridade ocidental
(sequestre americano + cura de austeridade europeia) de que o crescimento
chinês acaba por se ressentir com os números maus hoje anunciados
provoca um afundamento do preço das matérias-primas e das bolsas
que implica uma queda dos activos bancários, obrigando os bancos a
liquidar urgentemente suas posições a fim de obter liquidezes. O
ouro-papel é liquidado e encontra-se a conduzir a dança. O
fenómeno é tanto mais notável que, se estivéssemos
num processo especulativo normal, as baixas de um mercado beneficiariam um
outro. Estamos talvez no princípio de um movimento de pânico no
qual todas as posições especulativas são abandonadas. Se
um afundamento do tipo daquele de 2008 está mesmo em vias de se
verificar, a questão é: de onde virão os milhões de
milhões que em 2009 recuperaram
in-extremis
o sistema financeiro?
De acordo com o método da antecipação política, a
datação das rupturas efectua-se identificando os períodos
de alto risco nos quais a menor faísca pode atear o fogo aos
paióis. O período actual é um exemplo típico em que
se conjuga um número impressionante de factores explosivos: novas bolhas
financeiras inchadas pelas injecções maciças de dinheiro
público, instabilidade geopolítica mundial, guerra das moedas,
princípio de guerra política contra o "terrorismo
financeiro", crise política na Europa, desemprego em massa e
economia real degradada, sem contar naturalmente o endividamento público
que atinge as alturas. É uma tal coincidência de factores que
parece milagre que esta situação perdure. Nós
havíamos analisado as razões no GEAB nº 71, nomeadamente o
interesse comum em manter os Estados Unidos sob respiração
artificial e a generosidade desmedida dos bancos centrais. Este último
aspecto ultrapassou uma nova marca com a política do Banco do
Japão que desta vez, ao invés de reduzir o nível de risco,
pelo contrário o amplifica como explicamos abaixo e é
exemplar da fuga para a frente que serve hoje de política para certos
países destituídos de soluções e que os leitores do
GEAB conhecem bem: Japão, Reino Unido e Estados Unidos.
Nossa equipe considera assim que um novo passo na instabilidade do sistema foi
franqueado. Algumas notas discordantes têm rompido o silêncio
ensurdecedor imposto cuidadosamente pelo mundo financeiro sobre a
situação real, como a súbita degradação
"surpresa" de todos os indicadores macro-económicos que se
supunha reflectirem a "retomada": emprego nos Estados Unidos
[1]
, no Canadá
[2]
e na Austrália
[3]
, índices de
confiança
[4]
, vendas de computadores
[5]
e de telefones móveis
[6]
, exportações chinesas
[7]
, vendas de carros nos BRICS
[8]
,
etc.
A crise cipriota é igualmente uma boa ferroada recordatória. As
perturbações geradas por esta ilha minúscula, embora fora
do cerne financeiro mundial que é a zona dólar, deixam prever o
que acontecerá quando afrouxar um nó central do sistema. Pois
enquanto pouco a pouco a Europa cuida laboriosamente das suas chagas, a
"zona US" ao contrário atolar-se cada vez mais nos
métodos responsáveis pela crise, como se escolher um trampolim
mais elevado acima de uma piscina sem água fosse tornar o choque menos
doloroso.
Neste número, apresentamos os dois primeiros pontos dos seis contidos na
análise completa:
A crise ao quadrado ou a fuga para a frente como "política"
"Construir uma nova crise sobre a crise existente" parece ser o
objectivo das políticas no Japão, no Reino Unidos e nos Estados
Unidos. À imagem destes produtos financeiros que explodiram em voo em
2008, os "CDO ao quadrado"
[9]
que são construções complexas sobre
construções complexas (CDO sobre CDO) visando diluir o risco mas
que na realidade o exacerbam, a fuga para a frente conduzida nestes
países constrói uma espécie de "crise ao
quadrado", uma nova crise sobre a crise de 2008. Eles pretendem extinguir
o incêndio irrigando-o, sem se aperceberem de que não é
água que utilizam e sim gasolina.
Assim é por parte do Banco do Japão que revela seu plano de
compra de dívida japonesa
[10]
que faz empalidecer de inveja Ben Bernanke e sua QE
[11]
. Se não fosse o Japão, que experimentou um passado doloroso
quanto a isso, diríamos que a arma atómica foi desembainhada e
que os riscos de derrapagem são imensos, com consequências
à altura do seu poder de fogo. Com efeito, a enorme dívida
japonesa era até o presente sustentável pois os juros dos
títulos do tesouro eram muito fracos, da ordem dos 0,55. Os
investidores, principalmente as instituições nacionais, aceitavam
estes rendimentos medíocres pois a inflação era negativa,
da ordem de -0,5%, fazendo portanto subir o rendimento real em cerca de 1%. Mas
já se anunciavam tensões, como os maiores fundos de pensão
japoneses e mundial a ameaçarem sair dos títulos do tesouro
japoneses
[11]
. Ora, com um objectivo de inflação agora nos 2% e um banco
central determinado a realizá-lo pela duplicação da
quantidade de moeda em circulação
[12]
(!), a taxa dos títulos do tesouro deverá subir para os
arredores dos 3% para permitir aos investidores um rendimento real de 1%. Sobre
uma dívida que ultrapassa os 200% do PIB, esta taxa é
insustentável pois o serviço da dívida já
representa 40% das receitas públicas à taxa actual
[13]
. O mercado está bem consciente disto como testemunham as quatro
suspensões temporárias, em quatro dias, do mercado dos
títulos do tesouro japoneses devido a flutuações demasiado
fortes
[14]
. Isto é uma advertência clara do risco de perda descontrolada.
O Japão está portanto num impasse: continuar esta
injecção maciça de liquidez para criar
inflação e ir quer a um incumprimento (défaut) da sua
dívida por causa da taxa de juro insustentável (com
consequências dramáticas sobre as empresas e os fundos de
pensão), quer a uma espiral incontrolável onde o Banco do
Japão seria o único actor no mercado dos títulos do
tesouro quando todos os outros venderiam; ou ainda parar o plano em curso e
deixar a economia perecer. Sem contar que, patriotismo ou não, deve ser
forte para as empresas japonesas a tentação de investir no
estrangeiro para se protegerem da queda livre do yen que se aproxima agora da
cotação dos 100 yens por um dólar.
Bolha em todos os andares
Mas, numa menor extensão, a mesma estratégia é
experimentada desde o princípio da crise pelos Estados Unidos. Esta
manutenção a fórceps da ilusão de uma economia real
em bom estado alimenta bolhas por toda a parte. Quer seja a bolha dos
empréstimos a estudantes, a dos empréstimos automóveis, a
bolha dos títulos do tesouro naturalmente, ou ainda uma nova bolha de
tipo subprimes em formação a pedido de Obama que incita agora os
bancos a emprestarem às famílias menos seguras
[15]
a fim de relançar o imobiliário, todas estas áreas da
economia não se mantêm senão graças ao Fed e
estão desconectadas da realidade como o vimos no GEAB nº 74. Mas,
parafraseando uma resposta de filme
[16]
, o importante não é a bolha, é a aterragem.
Entretanto, este problema não fica no interior das fronteiras dos EUA.
Ele contribuiu com efeito para alimentar também uma "bolha dos
emergentes"
[17]
(cf. figura abaixo) que ficou para trás e começa a reduzir-se
[18]
, o que coibe a expectativa de que em 2013 a economia mundial seja realmente
puxada pelos países emergentes. Mesmo o Canadá está a
sofrer uma enorme bolha imobiliária (cf. GEAB nº 69),
estatísticas do emprego que decepcionam, etc.
Mas na realidade, a bolha final é o dólar. Toda a supremacia dos
Estados Unidos repousa sobre a dominação do dólar e toda a
sua política externa tem como objectivo preservar a qualquer
preço esta dominação. Contudo, eles já não
têm a possibilidade. O papel do dólar reduz-se por toda a parte: a
golpes de acordos de swap ou de comércio fora do dólar
[19]
; a golpes de perda de confiança inclusive nos Estados Unidos onde a
política inflacionista do Fed levou vários Estados a autorizar o
ouro como moeda ou pelo menos a considerar
[20]
; a golpes de saída progressiva da China do mercado dos títulos
do tesouro dos EUA
[21]
(não porque os seus espantosos excedentes comerciais tenham
desaparecido), etc. A bolha do Bitcoin
[22]
também ilustra esta desafio ao dólar como havíamos
antecipado no GEAB nº 71: "As experiências de moedas
alternativas [...] estão na ordem do dia em 2013. [...] Duas
lógicas diferentes pressionam estas experimentações. [A
primeira é] a perda de confiança na moeda oficial".
Uma zona dólar que se reduz progressivamente e um Fed que, ao
contrário, imprime cada vez mais moeda provocando uma
super-abundância de dólares cuja consequência é a
explosão da bolha dólar. Em comparação, as outras
economias não dependem do estatuto internacional da sua moeda e, ao
contrário, esta não pode senão ganhar importância se
se internacionalizar.
A fim de prolongar a supremacia do dólar, além dos seus cada vez
menos eficazes meios habituais que utilizam o petróleo e o seu poder
militar, os Estados procuram criar zonas de comércio livre sem
limitações. Este tema das zonas de comércio livre
está realmente na ementa de 2013 tal como escrevíamos no GEAB
nº 71. Antecipámos no entanto que a maior parte fracassaria ou
permaneceriam como conchas vazias permitindo disfarçar um novo
proteccionismo: isto é exactamente o que se passa com as
negociações entre a Europa e os Estados Unidos que cristalizam o
descontentamento popular
[23]
e não terão êxito muito
simplesmente porque os europeus não querem produtos americanos (e
vice-versa).
Só algumas raras negociações para zonas de livre
comércio ainda podem esperar ter êxito, como aquelas entre a
Europa e a Índia porque se trata de duas regiões destinadas a se
aproximarem para desempenhar um maior papel internacional, mas ainda aí
a pílula é difícil de engolir pois os indianos vêm
impor-se constrangimentos cada vez mais difíceis de aceitar
[24]
. O objectivo das grandes regiões do mundo é por enquanto o de se
reforçarem e não de se abrirem. Não podendo ir ao encontro
desta tendência de fundo das lógicas regionais, a
consequência destes tratados em cascata de livre comércio é
acentuar a guerra das moedas, o meio mais cómodo de continuar uma forma
de proteccionismo quando as barreiras alfandegárias estão
proibidas.
Em resumo: a salvação do dólar não virá do
lado dos tratados de livre comércio.
Notas:
1 Ler Quit Blaming Europe for Bad Jobs News in the U.S., Bloomberg
(09/04/2013).
2 Fonte: CBC News, 05/04/2013.
3 Fonte:
The Telegraph,
11/04/2013.
4 Ver entre outros
Dallas News,
09/04/2013.
5 Fonte:
Le Monde,
12/04/2013.
6 Fonte:
L'Expansion,
13/02/2013.
7 Fonte:
The Wall Street Journal,
10/04/2013.
8 Fonte:
Le Monde,
11/04/2013.
9 Para uma explicação simples do princípio das CDO e CDO
ao quadrado, ver o vídeo sobre Information Processing (17/10/2008). Ver
também Wikipédia.
10 Fonte:
The Guardian,
08/04/2013.
11 Fonte: Bloomberg, 03/02/2013.
12 Fonte:
The Guardian,
04/04/2013.
13 Fonte: Wikipédia.
14 Fonte: ZeroHedge, 10/04/2013.
15 Fonte:
Washington Post,
02/04/2013.
16 La Haine de Mathieu Kassovitz.
17 Ver por exemplo The bubble bubble.
18 Fonte: Caixin (03/04/2013), excelente artigo.
19 Últimos episódios até à data, os acordos de
swap entre a China e a Austrália e entre a China e o Brasil. Fontes:
The Australian
(30/03/2013) e BBC News (27/03/2013).
20 Fonte: Bloomberg, 08/04/2013.
21 Fonte: ZeroHedge, 11/04/2013.
22 Ver por exemplo
Le Monde
(09/04/2013) e
Le Monde
(12/04/2013).
23 Fonte:
Der Spiegel,
26/02/2013.
24 Fonte: DNA, 13/04/2013.
15/Abril/2013
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Global Europe Anticipation Bulletin.
O original encontra-se em
www.leap2020.eu/...
Este comunicado público encontra-se em
http://resistir.info/
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