Crise sistémica global
2013, os primeiros passos num "mundo de amanhã" em pleno caos
A deslocação geopolítica actual, amplamente antecipada
pelo LEAP/E2020 desde Fevereiro de 2009 (GEAB nº 32), traduz-se por uma
fragmentação do mundo que se vai acelerar no próximo ano
num fundo de recessão mundial. O fim da liderança das antigas
potências vai provocar em 2013 um caos mundial, do qual já
começa a emergir o mundo de depois.
Este será um ano sombrio para os Estados Unidos, perdendo o seu estatuto
único de super-potência e incapaz de influenciar a
construção de uma nova governação mundial. Pois se
todos os actores procuram desesperadamente soluções para
recuperarem seus haveres, só os países e regiões que se
prepararam para enfrentar este choque podem esperar influir na emergência
do mundo de depois. Alianças de toda natureza (CELAC, UNASUR, MERCOSUR,
ALBA, CAN, ALADI, ALENA, OEA, UA, NEPAD, SADC, COMESA, CEDEAO, UEMOA, CEMAC,
Liga Árabe, UE, AELE, ASEAN, APT, EAC, BRICS, CASSH, União
Euro-asiática, etc) reflectem estas tentativas; mas estas são
mais ou menos avançadas, mais ou menos homogéneas, e
resistirão mais ou menos à tempestade que se anuncia.
Com a Eurolândia, nascida da crise e reforçando-se a cada
tempestade tal como uma central maré-motora
[NR]
, a Ásia e a América do Sul são os mais bem preparados
para saírem a ganhar do grande "remanejamento" mundial, ao
passo que as velhas potências, como os Estados Unidos, o Reino Unido,
Israel, Japão, etc..., que perdem todos os comboios da
adaptação ao mundo multipolar do pós-crise, encontram-se
totalmente destituídas. Assiste-se pois a uma extraordinária
abertura do jogo mundial, que apresenta numerosas oportunidades aos actores
prontos a agarrá-las. Vê-se no Médio Oriente, onde os povos
tentam aproveitá-las para modificar a região segundo as suas
aspirações; vê-se também nos BRICS que
avançam seus peões face às potências em
declínio; vê-se finalmente na Europa que a cada novo assalto da
crise procura a energia para se adaptar aos desafios de amanhã.
Uma vez que a situação económica (recessão) e
geopolítica (tensões extremas no Médio Oriente, mas
também na Ásia
[1]
, etc) torna o ano de 2013 difícil e muito perigoso, e as derrapagens
prováveis, as regiões relativamente mais estáveis
beneficiarão desta situação que as tornará mais
atraentes. Tudo é relativo certamente, mas a violência do mundo em
2013 fará aparecer a Eurolândia como um dos raros refúgios
de paz, de estabilidade, de conforto...
e para os investidores como um dos raros lugares no mundo que apresentam uma
certa visibilidade sobre o futuro
[2]
. Esta realidade constituirá um poderoso motor de saída da crise
para a Europa em 2013.
Uma aproximação da Eurolândia aos BRICS, outra
formação portadora de futuro, influiria assim favoravelmente na
indispensável
[3]
reforma da nova governação mundial. A realização
do próximo G20 em Setembro, em São Petesburgo, fora a
influência ocidental pela primeira vez, é a ocasião para
tratar finalmente estes assuntos primordiais da governação
mundial e nomeadamente do sistema monetário internacional. Pois em 2014
as regiões melhor adaptadas já estarão em marcha para o
mundo do amanhã.
Neste GEAB nº 70, nossa equipe analisa esta fragmentação e
esta reestruturação a começar pela região que
actualmente catalisa as tensões, o Médio Oriente. Uma grande
parte é destinada à Europa que, via Eurolândia, prossegue a
sua entrada no mundo de depois. Para compreender as evoluções da
Eurolândia, é preciso compreender aquelas de um dos seus actores
principais, a Alemanha, e fazemos portanto um estudo aprofundado da paisagem
política na Alemanha e das eleições de 2013. Apresentamos
igualmente nossa avaliação anual dos riscos-país e a
avaliação das nossas antecipações de 2012, antes de
dar nossas recomendações operacionais e os resultados do
GlobalEuromètre.
Neste comunicado público do GEAB nº 65, nossa equipe optou por
apresentar as suas analises referentes à Eurolândia.
O perfil da Eurolândia no mundo do pós crise
O que a guerra mediática contra o euro teve de bom foi ter
forçado a Eurolândia a executar as reformas necessárias
para ultrapassar a crise. Naturalmente, não houve
revolução aqui, joga-se conforme as "regras do jogo"
[4]
, ou seja, sem assustar os mercados. Não mais declarações
fulgurantes, mas compromissos
[5]
encontrados ao cabo de longas discussões, seguidos de
acções sólidas. E pouco a pouco as estruturas são
colocadas para reforçar a Eurolândia. O contraste com o imobilismo
americano é espantoso.
Isso no entanto não deve ocultar as dificuldades da Grécia e da
Espanha, por exemplo: ninguém disse que era indolor recuperar da
explosão de uma bolha imobiliária histórica e de uma crise
sistémica global, e estes países beneficiariam portanto de mais
ajuda técnica ou de perícia da parte dos outros países
europeus. Mas globalmente a situação melhora, a nova
reestruturação da dívida grega é um êxito
[6]
, os défices diminuem na Grécia e na Espanha
[7]
, a Itália foi reposta nos trilhos por Monti
[8]
, os próprios medias anglo-saxões já não falam de
uma eventual saída da Grécia da eurozona e, facto novo, os media
americanos até fazem o elogio dos progressos europeus
[9]
...
Que não se entenda mal, 2013 será difícil para uma Europa
em recessão. Mas quer seja graças à união
bancária que entrará em funções no princípio
de 2014, à integração política acrescida ou ao
Mecanismo Europeu de Estabilidade (MEE), a independência da
Eurolândia afirma-se
[10]
. Vê-se por exemplo os desacordos com o FMI acerca da Grécia
[11]
: daqui até 2015, o MEE terá suficiente credibilidade e
competências para mandar o FMI tratar dos países em vias de
desenvolvimento (ou de salvar os Estados Unidos ou a Inglaterra) e tratar por
si mesmo os problemas europeus. Este desligamento das
instituições do "mundo de antes" e os Estados Unidos
permite à Eurolândia ir em frente empenhando-se numa
dinâmica construtiva para adaptar-se ao "mundo do depois"
graças a ferramentas forjadas sob medida.
Sinal visível do desligamento e da independência da
Eurolândia, apesar das críticas vivas, as soluções
adoptadas face à crise estão nos antípodas daquelas
praticadas nos Estados Unidos. É com efeito "a austeridade"
[12]
que prevalece na Europa e que lhe evita a derrapagem orçamental dos EUA.
A resistência da Eurolândia passa também pela
mutualização das dívidas públicas. Com o
lançamento dos "project bonds"
[13]
destinados a financiar projectos de infraestrutura na União Europeia,
uma mutualização acrescida está em curso e o caminho
está aberto às euro-obrigações. Uma chanceler
alemã enfraquecida após as eleições de 2013, como
veremos, terá pouco espaço de manobra para recusar
euro-obrigações pedidas pelo SPD que estará outra vez na
coligação governamental. Uma vez que só faltava a voz da
Alemanha quanto a isto, para além da união bancária, 2014
será portanto o ano das euro-obrigações. Por outro lado,
Angela Merkel já começa a recuar quanto à dívida
grega
[14]
, cedendo acerca de um assunto sensível para os alemães apesar da
aproximação das eleições; é certamente no
seu interesse de garantir o bom funcionamento da zona euro, a grande
saída das suas exportações.
Enfim, longe de ser repulsiva como tentam fazer crer os media
anglo-saxões, a zona euro é ao contrário atraente apesar
da crise: a Polónia deseja tornar-se membro
[15]
, as eventuais veleidades separatistas regionais não consideram o futuro
sem o euro
[16]
... Sinal adicional de que a zona euro faz parte do mundo de amanhã, que
é uma zona de visibilidade nesta crise e permite além disso
abrigar os países membros de tensões geopolíticas.
Eurolândia: a caminho da união política
Assim, com os progressos alcançados e apesar de uma ligeira
recessão em 2013, segundo o LEAP/E2020 o fim do próximo ano
assinalará a saída da crise da Eurolândia. A tempestade
mundial de 2012 tumultuará mas não desestabilizará uma
Eurolândia bem arrumada e cada vez mais sólida. Ainda que
não estejam todos visíveis, os mecanismos de saída da
crise serão estabelecidos a partir de 2013 para atravessar este
período continuando a reforçar-se, e permitirão uma
retomada clara em 2014.
Contudo, para que a saída da crise seja duradoura, deve ser empreendida
a necessária democratização. É isto igualmente que
pede o parlamento europeu
[17]
. Paradoxalmente, esta é ajudada pela marginalização dos
partidos nacionais clássicos: em França, a UMP explode
[18]
como antecipado no GEAB nº 64; no Reino Unido, o
UKIP
faz sombra aos Tories
[19]
; na Alemanha, a CSU e a CDU estão também enredados nos
"seus" escândalos
[20]
... Esta marginalização explica-se pela integração
acrescida da Eurolândia: doravante tornou-se evidente aos olhos de todos
que o poder se situa ao nível europeu e já não aos
níveis nacionais. Portanto é naturalmente que os partidos se
europeízam e Barroso pede aos partidos políticos para
apresentarem nas eleições europeias um mesmo "candidato
principal" no conjunto dos países
[21]
, uma verdadeira revolução após 30 anos de completa surdez
às questões de democratização
[22]
das instituições europeias! Estas eleições de 2014,
ano da retomada, serão assim o catalisador da emergência da
Eurolândia.
Uma palavra sobre o programa Erasmus, hoje ameaçado de
redução orçamental em consequência das medidas de
austeridade. Os políticos não têm muito sentido
político!! Em plena crise do Euro, gerida eficazmente mas contra todo
princípio democrático, ao preço de planos de rigor por
vezes muito penosos para as populações e num contexto de
desemprego endémico, em particular o dos jovens, a única e
exclusiva referência positiva europeia, o programa Erasmus, vais perder
não só meios financeiros
[23]
como também o seu nome
[24]
... Se uma reforma em profundidade deste programa de mobilidade estudantil, com
mais de 20 anos, se impõe para adaptá-lo aos enormes jogos da
Europa do século XXI
[25]
, seu nome deve muito evidentemente ser conservado (não se muda o nome
de uma equipe vencedora) e seu orçamento suficientemente aumentado para
garantir sua perenidade no novo período orçamental que vai de
2014 a 2020, portanto bem além da crise. Um pouco de visão, que
diabo!
Contudo, as lógicas políticas nacionais também continuam
sempre a operar e os avanços europeus fazem-se também em
função da correlação de forças entre os
países. A chegada de François Hollande, devolvendo uma voz
à França que Nicolas Sarkozy, totalmente comprometido com Merkel,
lhe havia feito perder, permitiu que outras vozes se elevassem, rompeu a
polarização entre o motor franco-alemão e os outros,
portanto reabriu o debate na Europa, e já não era sem tempo. Mas
o poderio económico da Alemanha, em comparação
nomeadamente com a morosidade da economia francesa, confere a Angela Merkel uma
influência certa.
Analisamos igualmente na parte seguinte o futuro político da Alemanha e
nomeadamente as eleições federais que realizarão no Outono
de 2013. Daqui até lá, a chanceler estará em campanha e
evitará todo risco inútil ou qualquer proposta que pudesse
desagradar seus eleitores. Num ano difícil, será preciso
então que os outros chefes de governo consigam convencer uma chanceler
hesitante. Numa menor medida, esta situação perdurará a
seguir pois Angela Merkel estará fragilizada após as
eleições. A este respeito, o desbloqueio das discussões
multilaterais na Europa é um sinal muito positivo.
Notas:
[NR] Resistir.info não partilha da visão idílica acerca da
Europa contida neste texto. O neo-gaullismo dos autores leva-os a entusiasmos
que em certos trechos se assemelham a exercícios de ficção.
(1) Por exemplo o lançamento do foguete norte-coreano (fonte: The
Guardian, 13/12/2012) ou a disputa sino-japonesa em torno das ilhas
controversas (ver por exemplo Le Monde, 13/12/2012).
(2) Nisto, a Eurolândia, no caos mundial de 2013, apresentará
muitas semelhanças com a Suíça durante as guerras
europeias do século passado.
(3) "Indispensável" pois, como concluiu o seminário
Euro-BRICS organizado em 27-28 Setembro último em Cannes pelo LEAP e o
MGIMO, sem governação mundial renovada integrando harmoniosamente
a nova diversidade das potência globais, o caos de 2013 acabará
num mundo não mais multipolar mas sim constituído por blocos
concorrentes portadores de imensos perigos geopolíticos.
(4) Sempre modificando lentamente estas "regras" para que elas
não sejam mais unicamente as dos mercados: regulação
bancária, enquadramento das agências de
classificação, etc.
(5) Tal como previsto pelo LEAP/E2020, a eleição de
François Hollande em França permitiu a retomada dos debates e
discussões na Europa. Isso contrasta com Sarkozy que seguia cegamente
Merkel e frustrava assim todos os outros países que não tinham
palavra a dizer a este "motor" franco-alemão. A chegada do
novo governo foi vivida pela totalidade dos outros europeus como um verdadeiro
alívio e uma lufada de oxigénio.
(6) Fonte: Le Monde, 13/12/2012
(7) Fontes: Greek Reporter (11/12/2012) e Business Standard (05/12/2012).
(8) Monti deveria permanecer influente apesar do golpe teatral de Berlusconi
que tem pouca probabilidade de ser eleito. Fonte: Le Nouvel Observateur,
11/12/2012
(9) Ler por exemplo Bloomberg (11/12/2012), CNBC (23/11/2012), FoxBusiness
(28/11/2012), etc.
(10) Os media dos EUA falam o mesmo: CNBC (26/11/2012) titula The Euro Zone Is
'Shaping Up Quite Well' ao informar de um relatório sobre os progressos
cumpridos pela Eurolândia.
(11) Fonte: Der Spiegel, 21/11/2012
(12) A austeridade permanece entretanto medida em muitos países; nos
outros, trata-se de obter os mesmos efeitos de uma desvalorização
monetária que as regras da zona euro não permitem realizar.
(13) Fonte: Parlement européen, 05/07/2012
(14) Fonte: Le Monde, 03/12/2012
(15) Fonte: Le Monde, 30/11/2012
(16) É em parte isto que pode explicar a diferença entre as
sondagens e os resultados das eleições na Catalunha: no
último minuto, o debate voltou-se para o risco de saída da Europa
e da zona euro da eventual nova região soberana (fonte elPeriodico,
22/11/2012). Em conjunto, os dois partidos separatistas, CiU e ERC, perderam um
assento no total ao contrário dos temores da maré separatista
anunciada.
(17) Fonte: RTBF, 20/11/2012
(18) Fonte: Le Figaro, 26/11/2012
(19) Fonte: The Guardian, 26/11/2012
(20) Ver abaixo.
(21) Fonte: Euractiv, 17/09/2012
(22) Sabemos do que falamos: durante cerca de 30 anos, a
democratização da União Europeia foi o cavalo de batalha
do nosso director dos Estudos e da Estratégia, Franck Biancheri,
falecido em 30 de Outubro último, que travou um combate muito desigual
contra instituições e sistemas políticos europeus e
nacionais completamente avessos a toda evolução neste
domínio. Há seis anos, vendo anunciar-se no horizonte as nuvens
da crise sistémica global, Franck Biancheri soube que tinha por fim a
ferramenta desta democratização: a própria crise iria
desbloquear o projecto de integração política colocando
nos trilhos um novo motor da construção europeia, aliviada do
Reino Unido e portanto apta novamente a fazer avançar a união
política: a Eurolândia.
(23) Fonte: Le Monde, 05/10/2012
(24) O reagrupamento dos diferentes programas educativos europeus (Comenius,
Leonardo, Erasmus, etc
) primeiramente deu lugar ao nome de "Erasmus
para todos" depois o de "Yes for Europe". Aparentemente, existem
europeus em Bruxelas que consideram que para um programa educativo europeu o
nome do grande humanista holandês do século XV não é
suficientemente bom... seria preciso pelo menos um "Yes for Europe",
talvez mesmo um "Yeah-rope"!! É urgente trazer à
razão este género de "sabotador da Europa".
(25) Em 2003, Franck Biancheri, que foi também um dos pais do Erasmus,
escrevia por exemplo este artigo intitulado: "Erasmus
et
après?", Europe 2020
15/Dezembro/2012
[*]
Global Europe Anticipation Bulletin
O original encontra-se em
www.leap2020.eu/...
Este comunicado público encontra-se em
http://resistir.info/
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